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Potencialidades e limitações da Rede Sentinela para o aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária adotado pela Anvisa
Daniel Marques Mota; Dolly Milena Ovando Talavera Cammarota; Leonardo Oliveira Leitão;
Daniel Marques Mota; Dolly Milena Ovando Talavera Cammarota; Leonardo Oliveira Leitão; Ana Paula Coelho Penna Teixeira; Viviane Vilela Marques Barreiros; Fabiana Rodrigues Gomes; Lucia Eichenberg Surita; Suzie Marie Teixeira Gomes
Potencialidades e limitações da Rede Sentinela para o aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária adotado pela Anvisa
Potentialities and limitations of the Sentinel Network to improve the post-marketing/post-use monitoring of products subject to health surveillance adopted by Anvisa
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 10, núm. 4, pp. 20-31, 2022
INCQS-FIOCRUZ
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RESUMO

Introdução: Os hospitais são essenciais para a cobertura universal de qualquer sistema de saúde, bem como são fontes de informações valiosas sobre eventos adversos e queixas técnicas de produtos sob vigilância sanitária.

Objetivo: Identificar as potencialidades e limitações da Rede Sentinela para o aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária adotado pela Anvisa.

Método: Estudo descritivo quantitativo que utilizou dados de levantamento administrativo nacional aplicado à Rede Sentinela realizado entre 4 de agosto e 2 de setembro de 2021 pela Anvisa. Os dados foram coletados por meio de questionário estruturado eletrônico. As análises estatísticas foram executadas no software Gretl-2022a, compreendendo o cálculo das frequências absoluta e relativa, medianas e intervalos interquartis.

Resultados: Obteve-se uma taxa de resposta de 69,1% (181/262). Dentre as potencialidades, destacam-se: a atuação como centro de estudo, ensino e pesquisa dos estabelecimentos de saúde (n = 145; 80,1%), a presença de prontuário eletrônico implantado (n = 142; 78,4%) e o desenvolvimento de iniciativas voltadas para a inovação envolvendo a gestão de risco de produtos de saúde (n = 94; 52,0%). Como uma das limitações, predominam os estabelecimentos de saúde que não possuem quaisquer certificações de excelência/qualidade vigentes (n = 104; 57,5%).

Conclusões: A Rede Sentinela apresenta várias potencialidades e limitações que afetam o monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária. Identificá-las, como foi o objetivo deste estudo, demonstra a necessidade de fomentar ações que ofereçam a possibilidade de ampliar as potencialidades e mitigar os fatores limitantes ao aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso adotado pela Anvisa.

Palavras-chave: Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Efeitos Colaterais e Reações Adversas Relacionados a Medicamentos, Monitoramento Sanitário, Segurança do Paciente, Vigilância de Produtos Comercializados.

ABSTRACT

Introduction: Hospitals are essential for the universal coverage of any health system, as well as sources of valuable information on adverse events and technical complaints of products subjects to health surveillance.

Objective: To identify the potentialities and limitations of the Sentinel Network to improve post-marketing/post-use monitoring of products subject to health surveillance adopted by Anvisa.

Method: A descriptive quantitative study that used data from a national administrative survey applied to the Sentinel Network, which was conducted between August 4 and September 2, 2021, by the Anvisa. Data were collected using an electronic structured questionnaire. Statistical analyzes were performed in the Gretl-2022a software, including the calculation of absolute and relative frequencies, medians, and interquartile ranges.

Results: A response rate of 69.1% (181/262) was obtained. Among the potentialities, the following stand out: acting as a center for study, teaching, and research of health establishments (n = 145; 80.1%), presence of implanted electronic medical records (n = 142; 78.4%) and the development of initiatives focused on innovation involving risk management of health products (n = 94; 52.0%). As one of the limitations, health establishments that do not have any current excellence/quality certifications predominate (n = 104; 57.5%).

Conclusions: The Sentinel Network has several potentialities and limitations that affect the post-marketing/post-use monitoring of products subject to health surveillance. Identifying them, as was the objective of this study, demonstrates the need to promote actions that offer the possibility of expanding the potentialities and mitigate the limiting factors to the improvement of post-marketing/post-use monitoring adopted by Anvisa.

Keywords: Brazilian National Health Surveillance Agency, Drug-Related Side Effects and Adverse Reactions, Health Monitoring, Patient Safety, Marketed Products Surveillance.

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ARTIGO

Potencialidades e limitações da Rede Sentinela para o aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária adotado pela Anvisa

Potentialities and limitations of the Sentinel Network to improve the post-marketing/post-use monitoring of products subject to health surveillance adopted by Anvisa

Daniel Marques Mota
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasil
Dolly Milena Ovando Talavera Cammarota
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasil
Leonardo Oliveira Leitão
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasil
Ana Paula Coelho Penna Teixeira
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasil
Viviane Vilela Marques Barreiros
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasil
Fabiana Rodrigues Gomes
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasil
Lucia Eichenberg Surita
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasil
Suzie Marie Teixeira Gomes
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasil
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 10, núm. 4, pp. 20-31, 2022
INCQS-FIOCRUZ

Recepção: 11 Julho 2022

Aprovação: 20 Setembro 2022

INTRODUÇÃO

Os hospitais são essenciais para a cobertura universal de qualquer sistema de saúde e fonte de informações valiosas sobre morbimortalidade1. Essas instituições proporcionam atendimentos de pacientes acometidos por eventos adversos (EA) relacionados a produtos sob vigilância sanitária2,3,4, definidos como incidentes que resultam em danos à saúde5. Entretanto, no ambiente hospitalar a segurança do paciente pode ser comprometida, resultando na ocorrência de EA durante a internação6,7. Estudos mostram que entre 1,6% e 41,4% dos pacientes hospitalizados experimentaram EA a medicamentos8,9,10. Em outro estudo, EA envolvendo dispositivos médicos estiveram presentes em 2,8% das internações, sendo 24% deles potencialmente evitáveis11.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e os demais entes do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS)5, há 20 anos (2002 a 2022), têm contado com um conjunto de estabelecimentos de saúde, denominado Rede Sentinela que, em sua maioria, é representada por hospitais12. A Rede atua no monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária, utilizados na atenção à saúde, com o objetivo de identificar, analisar, avaliar, tratar, monitorar e comunicar os riscos, os EA e as queixas técnicas (QT) decorrentes do uso ou exposição a esses produtos5. Ressalta-se que a QT é definida como sendo qualquer notificação de suspeita de alteração ou irregularidade de um produto ou empresa relacionada a aspectos técnicos ou legais, e que poderá ou não causar danos à saúde individual e coletiva5.

A adesão e permanência dos estabelecimentos de saúde na Rede Sentinela é um ato voluntário e não envolve qualquer repasse direto de recursos financeiros por parte da Anvisa13. O perfil de adesão Participante é obrigatório para todos os estabelecimentos de saúde credenciados na Rede Sentinela, que devem: instituir uma gerência de risco, utilizar o sistema informatizado de notificação e investigação em vigilância sanitária da Anvisa, Notivisa e Vigimed e alimentar regularmente as QT e os EA no âmbito do Sistema de Notificação e Investigação em Vigilância Sanitária (VIGIPÓS)13. As instituições ainda podem se habilitar nos perfis Colaborador, Centro de Cooperação ou Centro de Referência, exercendo papéis diferenciados no âmbito da Rede Sentinela13.

A gerência de risco desenvolve ações de vigilância reativa, como a notificação de suspeitas de EA e QT à Anvisa13,14, e de vigilância proativa, a exemplo da identificação e prevenção de potenciais riscos associados à prática assistencial15. Essas ações contribuem para o monitoramento pós-comercialização/pós-uso de medicamentos, vacinas, sangue e seus hemocomponentes, uso terapêutico de células, tecidos e órgãos, dispositivos médicos entre outros produtos no mundo real e para o preenchimento de lacunas decorrentes das limitações dos estudos clínicos pré-comercialização16.

Reconhecidamente, a Rede Sentinela é a principal fonte notificadora de EA relacionados a produtos sob vigilância sanitária da Anvisa14. As notificações advindas de hospitais são relevantes porque, com frequência, os novos medicamentos e dispositivos médicos autorizados para comercialização no Brasil são primeiramente utilizados nessas unidades assistenciais14. Ademais, as notificações tendem a ser mais acuradas, completas e diferenciadas quanto à gravidade dos EA registrados no Notivisa e VigiMed14,17.

A Rede Sentinela complementa e amplia as estratégias de captação de EA e QT relacionados a produtos sob vigilância sanitária adotadas pela Anvisa. A clareza sobre as potencialidades e limitações da Rede Sentinela para aperfeiçoar o monitoramento pós-comercialização/pós-uso, no âmbito dos serviços de saúde, pode ajudar no planejamento, execução, monitoramento e avaliação de ações regulatórias que favoreçam a redução e o controle de riscos, EA e QT relacionados àqueles produtos. Portanto, este estudo teve como objetivo identificar potencialidades e limitações da Rede Sentinela para o aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária adotado pela Anvisa, após duas décadas de sua implantação.

MÉTODO
Desenho do estudo e coleta dos dados

Trata-se de estudo descritivo quantitativo que utilizou dados oriundos de levantamento administrativo nacional aplicado à Rede Sentinela, o qual foi realizado, entre 4 de agosto e 2 de setembro de 2021, pela Anvisa. Esse levantamento, que consistiu em carta de apresentação e questionário estruturado eletrônico, envolveu um esforço organizacional para a coleta de informações, com vistas a aperfeiçoar o monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária no Brasil. Os levantamentos administrativos são ferramentas importantes para coletar informações utilizadas para subsidiar a tomada de decisões gerenciais como parte de processos de avaliação organizacional18.

A carta de apresentação, encaminhada por e-mail institucional da Anvisa, foi direcionada a todos os diretores e gerentes de risco dos 262 estabelecimentos de saúde, à época, credenciados na Rede Sentinela. Nela havia a indicação do objetivo do levantamento e informava sobre a natureza voluntária da participação, bem como constava o endereço eletrônico que dava acesso ao questionário a ser respondido.

O questionário foi elaborado na plataforma Microsoft Forms® e contou com 33 perguntas, das quais quatro estavam relacionadas com a identificação das instituições (n = 2) e dos respondentes (n = 2). Os participantes respondiam ao questionário enviado diretamente à plataforma online.

O questionário foi composto por cinco tipos de questões (n = 29), a saber: i) quatorze questões do tipo “sim” ou “não”; ii) sete questões de múltipla escolha; iii) quatro questões abertas; iv) duas questões que exibiam escala de opções de respostas com intervalo 0 (nenhum entendimento/nenhuma capacidade) a 10 (muito entendimento/muita capacidade); e v) duas perguntas avaliadas em uma escala Likert de 5 pontos, variando de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente).

As perguntas foram elaboradas por profissionais que compõem o grupo técnico responsável pelo planejamento, execução, monitoramento e avaliação de ações ligadas à Rede Sentinela, no âmbito da Agência. O grupo é formado por gestores e servidores que atuam no monitoramento pós-comercialização/pós-uso da Anvisa. A elaboração das perguntas foi inspirada, principalmente, em dispositivos previstos na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa nº 51, de 29 de setembro de 20145.

Inicialmente, o levantamento ficou aberto entre 4 e 16 de agosto de 2021. Cinco dias antes da finalização do prazo, procedeu-se a contato telefônico com os estabelecimentos de saúde que não haviam ainda respondido o questionário. Após esse procedimento, o prazo para respondê-lo foi estendido até 2 de setembro de 2021. No contato telefônico, caso o gerente de risco informasse que não havia recebido a carta de apresentação, providenciava-se novamente o envio do e-mail.

Dados sobre os estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela referentes à natureza jurídica, tipo e subtipo de estabelecimento, capacidade assistencial, representada pelo número de leitos, se atende ou não o Sistema Único de Saúde (SUS) e o município de localização da instituição foram obtidos do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) do Ministério da Saúde19.

A classificação do porte do estabelecimento de saúde, conforme o número de leitos, referida por De Negri Filho e Barbosa (2014), foi utilizada para fins de caracterização dos hospitais da Rede Sentinela20.

Tratamento e análise dos dados

Os dados da plataforma Microsoft Forms® foram exportados para planilha Microsoft Excel®, procedendo, em seguida, com a identificação e exclusão de duplicidades de respostas. O número do CNES foi utilizado para a identificação das duplicidades no banco de dados, permanecendo, quando constatadas, as respostas que foram encaminhadas pelo diretor do estabelecimento de saúde, gerente de risco ou profissionais ligados à segurança do paciente/riscos e qualidade assistenciais.

A lista de estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela da Anvisa, contendo os nomes dos diretores e gerentes de risco, foi utilizada para confirmar a duplicidade no banco de dados. Este procedimento foi necessário devido à presença de duas ou mais instituições com o mesmo número do CNES, mas que representavam gerências de risco independentes. Por exemplo, o Instituto Nacional do Câncer do Ministério da Saúde (INCA/MS), descrito nominalmente no CNES como “MS INCA Hospital do Câncer I”, apresentou dois conjuntos de respostas no banco de dados, com o mesmo número do CNES (2273454). No entanto, na lista da Anvisa havia o credenciamento de duas instituições (Hospital do Câncer I – INCA/MS e Centro de Transplante de Medula Óssea do INCA/MS), representando o INCA/MS, com gerentes de risco independentes. Salienta-se que, nesses casos, as análises envolvendo o número de leitos hospitalares contabilizaram apenas uma única vez cada número de CNES institucional.

A lista de estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela gerida pela Anvisa também foi utilizada para a identificação e a caracterização das instituições que não encaminharam o questionário respondido, objetivando uma análise comparativa com àquelas que enviaram suas respostas.

Nem todas as perguntas do questionário foram objeto de análise deste estudo. Foram excluídas duas questões do tipo “sim” ou “não”, duas que exibiam escala de opções de respostas com intervalo 0 a 10, duas de múltipla escolha e as quatro questões abertas. Os dois principais motivos para a exclusão das perguntas se deram em decorrência da abordagem quantitativa do estudo, preferindo as perguntas fechadas, e da priorização das indagações de maior relevância para responder ao objetivo da pesquisa.

As análises estatísticas descritivas dos dados foram executadas no software livre Gretl-2022a, compreendendo o cálculo das frequências absoluta e relativa, medianas e intervalos interquartis. Quando necessário, o Microsoft Excel® foi utilizado, também, para cálculo de frequências absoluta e relativa de dados do estudo.

Considerou-se com razoável semelhança na análise comparativa dos grupos amostrais as variáveis com diferenças nos valores relativos iguais ou menores do que quatro. Aplicou-se o teste de Mann-Whitney para comparação das medianas em relação ao número de leitos hospitalares entre os grupos de estabelecimentos de saúde respondentes (Grupo1) e não respondentes (Grupo 2). A comparação foi considerada estatisticamente significativa com p < 0,05. O teste foi realizado no website Social Science Statistics21.

Requisitos regulamentares previstos na RDC nº 51/20145 e na Instrução Normativa no 8, de 29 de setembro de 201413, também foram utilizados para a identificar potencialidades e limitações da Rede Sentinela para o aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária adotado pela Anvisa.

A taxa de resposta do levantamento, em termos percentuais, foi calculada como o número de questionários devolvidos dividido pela população total de estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela para quem foi enviado o e-mail institucional multiplicado por cem.

Considerações éticas

Este estudo foi baseado em dados obtidos em levantamento administrativo e em fonte secundária de domínio público, não requerendo, portanto, submissão ao comitê de ética em pesquisa22.

A participação se deu de forma voluntária, ou seja, foi garantido que os diretores/gerentes de riscos/outros profissionais respondessem ao questionário sem qualquer pressão ou estresse que pudessem forçá-los a fazê-lo.

Nenhum tipo de incentivo foi oferecido aos participantes, bem como, antes das análises dos dados, foram mantidas em sigilo suas informações pessoais coletadas: nome, função laboral e e-mail.

Ressalta-se ainda que em estudos baseados em levantamentos nenhuma intervenção é entregue aos participantes da pesquisa. Como resultado, não há riscos de danos físicos para aqueles que participam23. Ademais, é razoável afirmar que o levantamento administrativo conduzido pela Anvisa não produziu danos psicológicos ou informativos significativos aos participantes, bem como não envolveu sujeitos vulneráveis que merecessem aprovação por comitê de ética em pesquisa23.

Por fim, ao que parece, o único risco previsível do levantamento administrativo foi o “incômodo” para responder ao questionário eletrônico. Neste caso, regulamentações nacionais de alguns países estabelecem que pesquisas de baixo risco, definidas como aquelas em que os únicos riscos previsíveis são os de “incômodo”, não precisam ser avaliadas por comitê de ética em pesquisa23.

RESULTADOS

O questionário foi encaminhado a todos os estabelecimentos de saúde que estavam credenciados à Rede Sentinela no período de realização da coleta de dados (n = 262). Foram registrados três casos de duplicidades, resultando em 181 estabelecimentos de saúde que responderam ao questionário eletrônico, compreendendo a população deste estudo. A taxa de resposta do levantamento administrativo ficou em 69,1%. Identificaram-se seis respostas com o mesmo número do CNES.

A Tabela 1 apresenta as características dos estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela que responderam ao questionário (Grupo 1) frente aqueles que não encaminharam suas respostas (Grupo 2). No primeiro Grupo, dado o tipo de estabelecimento (Centro de Atenção Hemoterapia e/ou Hematológica e Unidade de Apoio Diagnose e Terapia), três questionários não foram incluídos nas análises relacionadas à quantificação do número de leitos. Para o Grupo 2, esse quantitativo foi de nove estabelecimentos de saúde (Pronto atendimento) (Tabela 1).

Tabela 1
Perfil comparativo dos estabelecimentos de saúde credenciados à Rede Sentinela.

Grupo1 (n = 181): conjunto de estabelecimentos de saúde que responderam ao questionário; Grupo 2 (n = 81): conjunto de estabelecimentos de saúde que não responderam ao questionário; Q1 = primeiro quartil; Q3 = terceiro quartil. * valores calculados para 172 observações válidas; **valores calculados para 72 observações válidas; aTeste de Mann-Whitney (p = 0,27).

Os estabelecimentos de saúde que responderam ao questionário se caracterizaram, em sua maioria, como administrações públicas (n = 89; 49,2%), hospitais gerais (n = 141; 78,0%), que prestam atendimento ao SUS (n = 162; 89,5%), são hospitais de grande porte (151 a 500 leitos), que estão localizados na Região Sudeste (n = 78; 43,1%) e com perfil de participante na Rede Sentinela (n = 128; 70,7%), seguido do perfil Participante + Centro colaborador (n = 17; 9,4%) (Tabela 1).

Entre os hospitais que informaram o subtipo de atendimento (n = 30), prevaleceram os especializados em oncologia (n = 10; 33,3%), maternidade (n = 8; 26,7%) e cardiologia (n = 5; 16,7%). Em relação aos estabelecimentos de saúde que não responderam ao questionário e que constava a informação sobre o subtipo de atendimento hospitalar (n = 7), foram identificadas as seguintes especialidades: i) oncologia (n = 2); ii) maternidade (n = 2), pediatria (n = 2) e infectologia (n = 1).

Observa-se que, das 30 variáveis analisadas, 17 (56,7%) contam com razoáveis semelhanças nos valores relativos ou nas medianas entre os estabelecimentos de saúde que responderam ao questionário e aqueles que não o fizeram. Nessas condições, destacam-se as características referentes à administração pública (49,2% vs 49,4%), hospital-geral (78,0% vs 76,6%), mediana do número leitos (246 vs 220), hospital de pequeno porte (até 50 leitos) (4,6% vs 4,2%) e especial (≥ 501 leitos) (12,8% vs 11,1%), região geográfica: Norte (7,2% vs 5,0%), Centro-Oeste (5,0% vs 3,7%) e Sul (20,4% vs 16,0%) e perfis dos estabelecimentos de saúde, como Participante + Centro de cooperação (6,6% vs 3,7%), Participante + Centro de referência (4,4% vs 2,5%), Participante + Centro colaborador/cooperação (5,0% vs 5,0%) e Participante + Centro colaborador/cooperação/referência (3,9% vs 3,7%) (Tabela 1).

As potencialidades e limitações da Rede Sentinela para o aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária adotado pela Anvisa podem ser conferidas na Tabela 2. As instituições, em sua maioria, que responderam as questões, atuam como centro de estudo, ensino e pesquisa (n = 145; 80,1%), contam com iniciativas voltadas para a sustentabilidade na destinação de produtos/tecnologias de saúde obsoletas (n = 104; 57,5%) e, também, para a inovação envolvendo a gestão de risco dos produtos/tecnologias de saúde (n = 94; 52,0%) e possuem sistema informatizado próprio para o gerenciamento de risco dos produtos sob vigilância sanitária (n = 66; 36,5%) e prontuário eletrônico implantado (n= 142; 78,4%) (Tabela 2).

Tabela 2
Potencialidades e limitações da Rede Sentinela para aperfeiçoar o monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária adotado pela Anvisa.

Não responderam à pergunta: *n = 87; **n = 39; e ***n = 142.

Das instituições que referiram contar com certificações de excelência/qualidade, uma delas não mencionou o tipo e obteve-se 1,4 respostas por respondentes (106 respostas/76 estabelecimentos de saúde). Dos 76 estabelecimentos de saúde que responderam à questão, 54 (71,0%) possuíam uma certificação de excelência/qualidade; 16 (21,0%), duas; cinco (6,7%), três e uma (1,3%), cinco certificações.

Baseada no total de respostas à questão (n = 106), as cinco principais certificações de excelência/qualidade referidas pelos estabelecimentos de saúde, nesta ordem, foram: Organização Nacional de Acreditação (ONA) (n = 51; 48,1%), Internacional Organization for Standardization (ISO) (n = 13; 12,3%), Joint Commission International (JCI) (n = 12; 11,3%), Qmentum International (n = 9; 8,5%) e Programa de Acreditação e Laboratórios Clínicos (PALC) (n = 4; 3,8%).

Cinco (5,3%) estabelecimentos de saúde referiram contar com seis iniciativas voltadas para a inovação envolvendo a gestão de risco dos produtos/tecnologias de saúde, frente a 31 (33,0%) que mencionaram desenvolver um tipo de atividade de inovação no âmbito institucional. Outros 28 (29,8%) estabelecimentos desenvolvem duas atividades de inovação; 18 (19,2%), três; cinco (5,3%), quatro e sete (7,4%), cinco.

As cinco iniciativas voltadas para a inovação na gestão de risco dos produtos/tecnologias de saúde que mais prevaleceram, segundo o total de respostas (n = 225), foram: humanização e holística do atendimento (n = 62; 27,6%), teleatendimento e tecnologia audiovisual para interações de provedor de pacientes em tempo real (n = 55; 24,4%), uso de dados/evidências no mundo real (n = 43; 19,1%), atração de empresas para novas parcerias (n = 37; 16,4%) e Hub de Ciência de Dados e Inteligência Artificial (n = 12; 5,3%). Um total de 2,4 respostas por respondente (225 respostas/94 estabelecimentos de saúde) foi alcançado para essa pergunta múltipla escolha do questionário.

Prevaleceram os estabelecimentos de saúde que realizaram ou estavam em andamento um estudo/pesquisa envolvendo produtos sob vigilância sanitária nos últimos três anos (n = 27; 69,2%), seguido daqueles com dois (n = 8; 20,5%) e quatro (n = 2; 5,1%) estudos/pesquisas. Uma instituição referiu a condução ou finalização de cinco estudos envolvendo produtos sob vigilância sanitária nos últimos três anos.

Os quatro principais produtos sob vigilância sanitária envolvidos nos estudos desenvolvidos (ou em andamento), de acordo com o total de respostas (n = 59), foram: medicamentos e vacinas (n = 33; 55,9%), dispositivos médicos (n = 9; 15,3%), sangue e hemocomponentes (n = 8; 13,6%) e células, tecidos e órgãos (n = 3; 5,1%). Outros produtos/atividades que contaram com a realização de estudos englobaram: cosméticos (n = 2), alimentos (n = 1), saneantes (n = 1), intoxicação por produtos (n = 1) e rejeição e infecção (n = 1). Em relação a essa pergunta de múltipla escolha, obteve-se 1,5 resposta por respondente (59 respostas/39 estabelecimentos de saúde).

A Figura 1 apresenta a opinião sobre a capacidade geral do estabelecimento de saúde de participar de estratégias pré-definidas no âmbito da Rede Sentinela. Prevaleceram os interesses de colaborarem em todas elas ao somarem as opiniões “concordo totalmente” e “concordo”, ultrapassando valores superiores a 60%, a exceção da estratégia “coordenar/supervisionar sub-redes com foco em temas ou tecnologias específicas” (48,0%). Três estratégias alcançaram valores maiores que 80%, quando somadas às opiniões de “concordo totalmente” e “concordo”. Foram elas: i) produzir conhecimento (estudo/pesquisa) em vigilância de EA e QT de produtos (82,9%); ii) apoiar estudos de interesse do SUS (81,8%); e iii) atuar como observatório do desempenho de produtos (80,6%).


Figura 1
Opinião sobre a capacidade geral de estabelecimento de saúde para participar de estratégias para a Rede Sentinela (n = 181).
Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.

Destaca-se que a estratégia “coordenar/supervisionar sub-redes com foco em temas ou tecnologias específicas” obteve o maior percentual de respostas “discordo totalmente” e “discordo”, que, juntas, registraram 21,6%. Essa mesma estratégia foi a única que registrou o maior percentual de “indiferente/neutro” (30,4%) quando comparada com as demais opiniões de respostas (Figura 1).

Um total de 54,1% (n = 98) estabelecimentos de saúde demonstrou interesse de atuar como observatório do desempenho de produtos e serviços sob vigilância sanitária por meio das ações de gerenciamento de risco. Outros 33,7% (n = 61) declararam não terem certeza, enquanto 12,2% (n = 22) informaram que não têm interesse nesse tipo atuação. Entre aqueles que demonstraram a disposição de atuar como observatório, obteve-se 3,3 respostas por respondente (321 respostas/98 estabelecimentos de saúde). Baseado no total de respostas a essa questão de múltipla escolha (n = 312), prevaleceram o interesse de atuar como observatório em farmacovigilância (n = 80; 24,9%), tecnovigilância (n = 79; 24,6%) e hemovigilância (n = 72; 22,4%) (Figura 2).


Figura 2
Disposição de estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela para atuar como observatório em Sistema de Notificação e Investigação em Vigilância Sanitária (VIGIPÓS) (n = 98) e para desenvolver ou apoiar estudos de interesse do Sistema Único de Saúde (SUS) (n = 90), segundo tipo de vigilância.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.

Quase metade dos estabelecimentos de saúde (n = 90; 49,7%) sinalizou disposição em desenvolver ou apoiar estudos de interesse do SUS. Destaca-se que 83 (45,7%) estabelecimentos de saúde não responderam à indagação, enquanto oito (4,4%) informaram não estarem interessados na realização desse tipo de atividade. Entre os estabelecimentos de saúde que demonstraram disposição em desenvolver ou apoiar estudos de interesse do SUS, registraram-se 3,3 respostas por respondente (298 respostas/90 estabelecimentos de saúde). Considerando o total de respostas (n = 298), predominaram o interesse de desenvolver ou apoiar estudos em farmacovigilância (n = 77; 25,8%), tecnovigilância (n = 74; 24,8%) e hemovigilância (n = 49; 16,4%) (Figura 2). Salienta-se que, dos 33 estabelecimentos de saúde credenciados também como colaborador, ou seja, o serviço de saúde deve ter capacidade para desenvolver estudos de interesse do SUS, 21 (63,6%) manifestaram interesse em executar ou apoiar tais estudos.

Somando-se as opiniões “concordo totalmente” e “concordo” dos respondentes, que superaram valores acima de 65%, os estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela podem ser atuantes, principalmente, na vigilância de materiais médico-hospitalares (94,0%), sangue e hemocomponentes (92,3%), artigos médico-hospitalares (91,7%), medicamentos (89,5%), equipamentos médico-hospitalares (89,5%), saneantes (78,5%), implantes (69,0%) e intoxicação por produtos (67,4%) (Figura 3).


Figura 3
Potenciais atuações dos estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela na vigilância de produtos sob vigilância sanitária (n = 181).
Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.

A vigilância dos cinco produtos com maiores percentuais de “discordo totalmente” e “discordo” referentes à atuação de estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela envolveu, nesta ordem: cosméticos (36,5%), diagnóstico de uso in vitro (33,7%), células (30,4%), tecidos (27,1%) e órgãos (23,7%) (Figura 3).

A opinião de “indiferente/neutro” para a vigilância de células (38,1%) e cosméticos (33,7%) apresentou os maiores percentuais quando comparada com as outras possibilidades de respostas (Figura 3).

Um total de 84 (46,4%) estabelecimentos de saúde tem disposição em cooperar ou coordenar atividades de formação de pessoal e educação continuada no âmbito do VIGIPÓS contra oito (4,4%) que demonstraram não serem interessados. Cerca de metade das instituições da Rede Sentinela não responderam à indagação (n = 89; 49,2%). Foi evidenciado que, dos 28 estabelecimentos de saúde credenciados também como centro de cooperação, ou seja, o serviço de saúde deve ter capacidade para realizar atividades de capacitação de pessoal e educação continuada, 19 (67,8%) manifestaram disposição para exercer tais atividades.

Em relação às temáticas do VIGIPÓS em que os estabelecimentos de saúde poderiam contribuir imediatamente com a formação e educação continuada, predominaram a farmacovigilância (n = 60; 26,4%), tecnovigilância (n = 56; 24,7%), hemovigilância (n = 54; 23,8%), vigilância de saneantes (n = 16; 7,0%) e nutrivigilância (n = 13; 5,7%). Esses resultados foram baseados no total de respostas à questão de múltipla escolha (n = 227), registrando um quantitativo de 2,7 respostas por respondente (227 respostas/84 estabelecimentos de saúde).

DISCUSSÃO

Este estudo identificou potencialidades e limitações da Rede Sentinela para o aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária adotado pela Anvisa, sobre as quais ainda se sabia pouco. A Rede Sentinela atende grande número de pacientes, incluindo aqueles acometidos por EA relacionados a produtos, e produz dados e informações para o monitoramento pós-comercialização/pós-uso, subsidiando, assim, o SNVS na tomada de decisão em regulação no país. Ademais, a criação da Rede Sentinela tem contribuído para o aumento da sensibilidade dos sistemas Notivisa e VigiMed em relação às notificações de EA e QT relacionados a produtos sob vigilância sanitária.

Dentre as potencialidades, destacam-se, em síntese: a atuação como centro de estudo, ensino e pesquisa dos estabelecimentos de saúde, o desenvolvimento de iniciativas voltadas para a sustentabilidade na destinação de produtos/tecnologias de saúde obsoletas e, também, para a inovação envolvendo a gestão de risco dos produtos/tecnologias de saúde e a presença de sistema informatizado próprio para o gerenciamento de risco dos produtos sob vigilância sanitária e de prontuário eletrônico implantado.

O prontuário eletrônico implantado, a título exemplificativo das potencialidades da Rede Sentinela, assegura um registro mais uniforme dos EA, bem como é importante para monitorar o progresso e garantir que todas as partes responsáveis estejam cientes desses possíveis riscos à segurança do paciente. Os EA que não são registrados não serão comunicados. Essa comunicação é crucial quando vários profissionais de saúde estão envolvidos na atenção ao paciente, mencionou o estudo de Hoon et al.24 referenciando outros autores. Já os achados de uma revisão sistemática mostraram que a maioria dos estudos examinados usou prontuários eletrônicos do paciente como fonte de dados para detecção de EA relacionados a medicamentos em nível ambulatorial25.

Entre as iniciativas voltadas para a inovação envolvendo a gestão de risco dos produtos/tecnologias de saúde que mais prevaleceram no estudo, destacam-se o uso de dados/evidências no mundo real como importante para o aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso. Essa iniciativa tem sido utilizada por autoridades reguladoras, a exemplo da norte-americana, canadense, europeia e chinesa, no apoio ao desenvolvimento de medicamentos, avaliação do desempenho de dispositivos médicos e à tomada de decisões regulatórias26,27. Mais especificamente, o uso de dados/evidências no mundo real pode produzir novas informações relacionadas, por exemplo, aos benefícios e riscos de um dispositivo médico, como resultado do seu uso em populações mais amplas, por períodos mais longos e sob diferentes condições de uso27.

A maioria dos estabelecimentos de saúde não possui quaisquer certificações de excelência/qualidade vigentes, o que se traduz em uma das limitações que podem influenciar negativamente o aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária adotado pela Anvisa. Acreditação e certificação são estratégias de qualidade que pretendem estimular a conformidade dos estabelecimentos de saúde com as normas publicadas por meio de avaliação externa. A maioria dos esquemas de avaliação externa existentes na área da saúde usa indicadores de estrutura e processo e, geralmente, visam melhorar a qualidade em termos de efetividade e segurança do paciente, isso inclui ações de prevenção e detecção de riscos e EA a produtos utilizados na atenção à saúde28.

Outras limitações envolveram o pouco uso dos recursos do prontuário eletrônico para o desenvolvimento de avaliações sobre EA ou QT de produtos, bem como a escassa condução de estudos/pesquisas, nos últimos três anos, envolvendo aqueles produtos. Menos de um terço dos estabelecimentos de saúde responderam sobre a participação ou coordenação de ensaios clínicos, dificultando a geração de hipótese mais assertiva para estudos futuros. Essas limitações se contrapõem ao fato de a maioria dos estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela atuarem como centro de estudo, ensino e pesquisa.

O cumprimento de requisitos regulamentares previstos para a Rede Sentinela, em especial para os estabelecimentos de saúde credenciados para além do perfil participante13, foi outra limitação identificada que deve ser considerada no planejamento de ações para o aprimoramento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso adotado pela Anvisa. Nessas condições estão, em especial, as atividades relacionadas com as capacidades de os estabelecimentos de saúde desenvolverem estudos de interesse do SUS (perfil colaborador) e realizarem atividades de capacitação de pessoal e educação continuada (perfil centro de cooperação).

Devido às causas complexas associadas à ocorrência de EA, não é de se surpreender que o aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso (também chamado de vigilância pós-comercialização/pós-uso) no âmbito da Rede Sentinela seja importante para assegurar a segurança do paciente. Este monitoramento busca analisar a segurança e a efetividade no mundo real de dispositivos médicos e medicamentos entre outros produtos. A Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos define-o como “a coleta, análise e interpretação ativa, sistemática e cientificamente válida de dados ou outras informações sobre um dispositivo comercializado”29. Atuar como observatório de desempenho de produtos utilizados na atenção à saúde e produzir conhecimentos (estudos/pesquisas) em vigilância de EA e QT contribuem para o cumprimento dessa missão conceitual. Essas duas estratégias, que apresentaram alto perfil de concordância neste estudo, compõem as atividades que a Rede Sentinela deve desenvolver e que não estão vinculadas ao perfil de credenciamento do estabelecimento de saúde, segundo a RDC nº 51/20145.

Farmacovigilância, tecnovigilância e hemovigilância foram as que mais se destacaram nas perguntas que tinham como respostas o posicionamento sobre os tipos de vigilância pós-comercialização/pós-uso. Nessas condições estavam a atuação geral do serviço na vigilância de produtos e como observatório, desenvolvimento ou apoio de estudos de interesse do SUS e contribuição imediata com a formação e educação continuada de profissionais da saúde. Dois motivos para o predomínio desses três tipos de vigilância são: i) a maior expertise da Rede Sentinela que desde a sua criação tem focado em ações voltadas à farmacovigilância, tecnovigilância e hemovigilância30; e ii) o produto de interesse de cada uma dessas vigilâncias (medicamentos, dispositivos médicos e sangue e seus componentes) são os mais comumente utilizados na atenção à saúde como respostas terapêuticas.

O uso do questionário encaminhado por e-mail com QR code incorporado permitiu mais flexibilidade na concepção, no manuseio, no preenchimento e na transmissão dos dados aos pesquisadores. Além disso, os indivíduos, em geral, são mais propensos a responder a pesquisas que são relevantes ou de interesse para eles31. Tais fatores podem ter contribuído para o aumento da taxa de respostas deste estudo, assim como o formato das perguntas, que em sua maioria foi composta do tipo “sim ou “não” e, também, a extensão do questionário que para os autores não se mostrou excessiva.

As respostas ao questionário dependiam do conhecimento, da lembrança e da honestidade dos gerentes de risco e de outros profissionais, resultando em uma outra possível fonte de viés. Outra limitação deste estudo está relacionada a problemas potenciais com e-mails não entregues devido à lista desatualizada da Rede Sentinela ou de endereços de e-mail incorretos, afetando o cálculo da taxa de resposta, no que tange a definição do denominador mais adequado32. Para superar essas limitações, foram feitos contatos telefônicos com os gerentes de risco dos estabelecimentos de saúde que não haviam respondido o questionário, bem como estendido o prazo de resposta.

A taxa de resposta de um estudo é vista como um importante indicador da qualidade da pesquisa. Uma taxa de resposta elevada reduz as chances de viés de não resposta32. Este viés afeta a confiabilidade e a validade dos resultados do estudo e decorre do fato de que os participantes do levantamento que não responderam ao questionário serem de alguma forma diferentes daqueles que encaminharam suas respostas32,33. Se uma pesquisa atingir uma taxa de resposta de apenas 30%, o estudo sofre um viés de não resposta de 70%33. Na maioria das vezes, o viés de resposta é muito difícil de descartar devido à falta de informações suficientes sobre os não respondentes32.

A taxa de resposta observada em nosso estudo pode ser considerada acima do “aceitável” (~50%) e, até mesmo, “muito boa” (~70%), como defendida por alguns autores34. Foi possível, também, observar na análise comparativa dos Grupos 1 e 2 que, para a maioria das variáveis que caracterizaram o perfil dos estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela, há razoáveis semelhanças nos seus valores relativos e das medianas. Além disso, obteve-se um número razoável de respondentes de cada segmento da população, no que tange suas características analisadas neste estudo, resultando em boa cobertura e representatividade do levantamento administrativo. A exceção que merece destaque ocorreu para a variável “pronto atendimento”, que não registrou qualquer estabelecimento de saúde que tenha respondido ao questionário.

Apesar das limitações do nosso estudo, seus achados em termos de semelhanças, cobertura e representatividade populacional reforçam a possibilidade de generalizar, com cautela, os resultados deste estudo para toda a Rede Sentinela.

CONCLUSÕES

Embora a implantação de ações de vigilância sanitária no Brasil seja uma prática antiga surgida com a chegada da Corte Portuguesa, em 180835, a participação ativa de hospitais e outros estabelecimentos de saúde no monitoramento de EA e QT de produtos utilizados na atenção à saúde somente ocorreu com a criação da Rede Sentinela, em 2002.

Nos seus 20 anos de existência, a Rede Sentinela apresenta várias potencialidades e limitações que afetam o aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária e que continuam sendo uma preocupação de vigilância sanitária no Brasil, haja vista o constante avanço e uso da ciência nas ações regulatórias. Identificá-las, como foi o objetivo deste estudo, demonstra a necessidade de fomentar ações que ofereçam a possibilidade de ampliar as potencialidades e mitigar os fatores limitantes ao aperfeiçoamento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso adotado pela Anvisa.

Recomenda-se a realização bianual do levantamento administrativo nacional com o objetivo de acompanhar a evolução histórica das potencialidades e limitações, no que tange suas ações e atividades relacionadas com o aprimoramento do monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária no âmbito dos serviços de saúde que integram à Rede Sentinela.

Material suplementar
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Notas
Contribuição dos Autores
Mota DM Aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Cammarota DMOT, Leitão LO, Teixeira APCP, Barreiros VVM, Gomes FR, Surita LE – Interpretação dos dados e redação do trabalho. Gomes SMT – Concepção, planejamento (desenho do estudo), interpretação dos dados e redação do trabalho. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.
Declaração de interesses
Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.

Autor notes

* E-mail: dmmota1971@gmail.com

Tabela 1
Perfil comparativo dos estabelecimentos de saúde credenciados à Rede Sentinela.

Grupo1 (n = 181): conjunto de estabelecimentos de saúde que responderam ao questionário; Grupo 2 (n = 81): conjunto de estabelecimentos de saúde que não responderam ao questionário; Q1 = primeiro quartil; Q3 = terceiro quartil. * valores calculados para 172 observações válidas; **valores calculados para 72 observações válidas; aTeste de Mann-Whitney (p = 0,27).
Tabela 2
Potencialidades e limitações da Rede Sentinela para aperfeiçoar o monitoramento pós-comercialização/pós-uso de produtos sob vigilância sanitária adotado pela Anvisa.

Não responderam à pergunta: *n = 87; **n = 39; e ***n = 142.

Figura 1
Opinião sobre a capacidade geral de estabelecimento de saúde para participar de estratégias para a Rede Sentinela (n = 181).
Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.

Figura 2
Disposição de estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela para atuar como observatório em Sistema de Notificação e Investigação em Vigilância Sanitária (VIGIPÓS) (n = 98) e para desenvolver ou apoiar estudos de interesse do Sistema Único de Saúde (SUS) (n = 90), segundo tipo de vigilância.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.

Figura 3
Potenciais atuações dos estabelecimentos de saúde da Rede Sentinela na vigilância de produtos sob vigilância sanitária (n = 181).
Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.
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