ARTIGO

Uma década de aperfeiçoamento da legislação sanitária de dispositivos médicos e os impactos no ciclo da regulação sanitária

A decade of improvement of health legislation for medical devices and its impacts on the health regulation cycle

Leidy Anne Alves Teixeira *
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasil
Hélio Bomfim de Macêdo Filho
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasil

Uma década de aperfeiçoamento da legislação sanitária de dispositivos médicos e os impactos no ciclo da regulação sanitária

Vigilância Sanitária em Debate, vol. 10, núm. 4, pp. 32-43, 2022

INCQS-FIOCRUZ

Recepção: 09 Agosto 2022

Aprovação: 29 Setembro 2022

RESUMO

Introdução: O regramento sanitário de dispositivos médicos foi aperfeiçoado com foco no risco sanitário, por meio da simplificação de etapas regulatórias e da redução da carga administrativa.

Objetivo: Avaliar os impactos do aperfeiçoamento da legislação sanitária durante a década 2012-2021 por três indicadores que representam governo, empresa e produto.

Método: Os indicadores desenvolvidos para avaliar o ciclo de regulação sanitária são: 1) desempenho regulatório da Anvisa (por mediana de tempo de avaliação dos dispositivos médicos); 2) desempenho das empresas no cumprimento da legislação sanitária (por porcentagem de dispositivos médicos não autorizados para comercialização); e 3) evidências de risco sanitário do dispositivo médico (por eventos adversos, queixas técnicas, alertas sanitários e medidas preventivas/cautelares). Foram realizadas análises de influência com variáveis associadas ao processo regulatório, porte da empresa e características do dispositivo médico como preditoras dos indicadores.

Resultados: O primeiro indicador evidencia que os tempos da Agência foram aperfeiçoados em todas as classes de risco de dispositivos médicos. Em 2012, o indicador foi mensurado em 73 dias (intervalo interquartil 56–111), ao passo que, em 2021, foi de 9 dias (intervalo interquartil 6–15). O segundo indicador apresentou melhora apenas para os dispositivos médicos das classes de risco baixo/médio. O terceiro indicador não demonstrou incremento de risco sanitário para os dispositivos médicos com as simplificações regulatórias adotadas na última década. A análise de influência indica que a necessidade de certificado de boas práticas de fabricação, porte da empresa e a necessidade de informações complementares são as variáveis preditoras mais relevantes.

Conclusões: Os resultados regulatórios oriundos da legislação sobre dispositivos médicos na última década foram positivos.

Palavras-chave: Dispositivos Médicos+ Regulação Sanitária+ Anvisa.

ABSTRACT

Introduction: The sanitary regulation of medical devices was improved with a focus on sanitary risk, through the simplification of regulatory steps and the reduction of the administrative burden.

Objective: To evaluate the impacts of the improvement of health legislation during the decade 2012-2021 by three indicators representing government, company, and product.

Method: The indicators developed to evaluate the health regulation cycle are 1) Anvisa’s regulatory performance (by median evaluation time of medical devices); 2) companies’ performance in complying with health legislation (by proportion of medical devices not authorized for sale); and 3) evidence of medical device health risk (due to adverse events, technical complaints, health alerts and preventive/ cautionary measures). Influence analyses were carried out with variables associated with regulatory process, company size and medical device characteristics as predictors of the indicators.

Results: The first indicator shows that the Agency’s timing has improved across all risk classes of medical devices. In 2012, the indicator was measured in 73 days (interquartile range 56–111), while in 2021 in 9 days (interquartile range 6–15). The second indicator showed improvement only for medical devices in the low/medium risk classes. The third indicator did not show an increase in health risk for medical devices with the regulatory simplifications adopted in the last decade. The influence analysis indicates that the need for a certificate of good manufacturing practices, company size and need for additional information are the most relevant predictor variables.

Conclusions: the regulatory results from the legislation on medical devices in the last decade were positive.

Keywords: Medical Device, Sanitary Regulation, Anvisa.

INTRODUÇÃO

Há cerca de 2 milhões de tipos de dispositivos médicos no mercado mundial destinados ao uso em seres humanos para diagnóstico, prevenção, monitoramento, tratamento de uma doença ou para o embelezamento1. Essa diversidade se explica, em parte, pela composição dos materiais, tecnologia embarcada e uso pretendido. Inovações tecnológicas advindas dos nanomateriais, das manufaturas aditivas da impressão 3D, dos wearables (dispositivos vestíveis) e das terapias digitais incrementam a pluralidade de dispositivos. Produtos de uso geral passaram a desempenhar a função de dispositivos médicos a partir da incorporação de softwares médicos2. Ademais, a conectividade dos dispositivos médicos entre si e com a internet ampliou a capacidade de gerar um grande volume de dados de interesse à saúde que podem subsidiar as análises regulatórias, a exemplo das evidências de mundo real (no inglês, Real-World Evidence – RWE). Em termos de economia, o mercado brasileiro de tecnologias médicas teve receita estimada em US$7,84 bilhões para o ano de 2022. Deste total, US$6,34 bilhões referem-se a dispositivos médicos3.

Com a missão de proteger e promover a saúde da população brasileira, estimada atualmente em mais de 213 milhões de habitantes, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem, como um dos seus desafios, a regulação do mercado de dispositivos médicos. A autorização para comercializar um dispositivo médico é um ato de competência da Agência4. São avaliados aspectos de segurança e eficácia, bem como de fabricação e de mercado. A legislação sanitária exigida depende do risco que o dispositivo médico impõe à saúde do indivíduo ou da coletividade. A classificação de risco adotada pela Anvisa é descrita na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 185, de 22 de outubro de 2001, para produtos médicos e RDC nº 36, de 26 de agosto de 2015, para produtos para diagnóstico in vitro, graduando o risco sanitário em quatro classes (I, II, III e IV), em ordem crescente de risco. São parâmetros para a classificação de risco: elementos como o tempo de contato, invasividade, esterilidade, local de aplicação/uso, entre outros.

O ciclo de regulação sanitária é norteado pelo risco sanitário, classificado por classes de risco. O ciclo consiste em intervenções estratégicas e contínuas, anteriores e posteriores à autorização da comercialização do dispositivo médico. Para isso, utilizam-se instrumentos legais (por exemplo: regulamentos, normas, resoluções), concessão de direitos (autorizações, licenças, registros), fiscalização do cumprimento destes e comunicação do risco5. Embora sejam ações comuns aplicadas aos bens e serviços regulados, existem particularidades na regulação de dispositivos médicos.

A modernização do arcabouço legal ao longo dos atuais 23 anos de existência da Anvisa é reflexo do compartilhamento das experiências com os principais intervenientes internacionais (por exemplo: fóruns) e, recentemente, da sistematização e implementação da Avaliação do Impacto Regulatório (AIR) e da Avaliação dos Resultados Regulatórios (ARR). A Lei das Agências (Lei nº 13.848, de 26 de junho de 2019) e o Decreto nº 10.411, de 30 de junho de 2020, regulamentam a utilização da AIR e da ARR para apoiar a elaboração de normativos e mensurar seus impactos. Quanto à harmonização e à convergência regulatória internacional, a Anvisa é membro do International Medical Device Regulators Forum (IMDRF), composto por autoridades regulatórias da Austrália, Canadá, China, Europa, Japão, Rússia, Cingapura, Coreia do Sul e Estados Unidos da América. A nível regional, a agência compõe o Grupo Mercado Común (GMC), subgrupo nº 11, do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).

Segundo a Organização Mundial da Saúde, os sistemas regulatórios desempenham um papel fundamental na garantia da qualidade, segurança e eficácia dos produtos médicos. Os sistemas regulatórios eficazes são componentes essenciais dos sistemas de saúde e contribuem para os resultados e a inovação de saúde pública desejados6. Neste sentido, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomenda em seus relatórios Reviewing the Stock of Regulation e OCDE Best Practice Principles for Regulatory Policy a adoção da avaliação ex post como instrumento relevante para tomada de decisão ao longo da execução de um regramento normativo. Destaca-se neste contexto a ARR que pode ser realizada para um conjunto de instrumentos regulatórios e de caráter temático como aqui proposto7.

Este estudo teve como objetivo apresentar o panorama da legislação sanitária editada pela Anvisa sobre dispositivos médicos durante a última década (2012-2021). Foram associados à legislação indicadores de desempenho da Anvisa e das empresas que submetem seus dispositivos médicos para avaliação da Agência, bem como o indicador de risco sanitário dos produtos.

MÉTODO

O estudo realizado é do tipo qualiquantitativo retrospectivo, de natureza descritiva, com foco em dispositivos médicos (equipamentos sujeitos à vigilância sanitária, materiais de uso em saúde e dispositivos para diagnóstico in vitro). As análises foram estratificadas por classe de risco. O recorte temporal deste estudo compreende o período entre 1º de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2021. Este intervalo de tempo compreende integralmente a última década, em que medidas de controle sanitário, focadas em produtos de maior risco sanitário, foram implementadas8.

Três indicadores foram desenvolvidos neste estudo para avaliar o ciclo de regulação sanitária. O primeiro indicador, o desempenho regulatório da Anvisa, é uma medida temporal, calculada em dias corridos, como a mediana dos tempos que compreendem o período entre a data de envio da solicitação, com a taxa de fiscalização de vigilância sanitária (TFVS) paga, até a data em que a decisão sobre a autorização para a comercialização do produto é tomada. Desconta-se o lapso temporal de eventual complementação de informações por parte da empresa solicitante durante o processo de avaliação.

O segundo indicador, o desempenho das empresas no cumprimento da legislação sanitária, é calculado como a porcentagem de dispositivos médicos não autorizados para comercialização em relação ao total de dispositivos médicos submetidos para avaliação da Anvisa pelas empresas. O terceiro indicador, o risco sanitário do produto, é calculado com base em três indicadores, a saber: 1) queixas técnicas e eventos adversos, em que a queixa técnica é a suspeita de alteração ou irregularidade do produto, enquanto o evento adverso é qualquer efeito não desejado em decorrência do uso do produto; 2) comunicações de alertas, em que os alertas são comunicações de risco publicadas no portal da Anvisa, predominantemente oriundas das ações de campo informadas pelas empresas à Anvisa com o intuito de reduzir o risco de ocorrência de evento adverso relacionado ao uso do dispositivo médico já comercializado; e 3) medidas preventivas e/ou cautelares, expressas por meio da publicação de resoluções no Diário Oficial da União, que são amparadas legalmente pela Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, e executadas pela Agência quando há indícios de alteração ou adulteração do produto, tratando sobre o recolhimento, interdição, apreensão e/ou suspensão da fabricação, distribuição, propaganda e uso. Elas podem ser oriundas de denúncias de Ouvidoria, notificações do Sistema de Notificação de Vigilância Sanitária (Notivisa) e encaminhamento de outros órgãos da Administração.

A legislação sanitária utilizada para contextualizar os dados foi associada aos indicadores de desempenho e de risco sanitário.

Fonte de dados

A legislação sanitária relacionada a dispositivos médicos foi levantada e revisada a partir da biblioteca temática da Agência8 e os dados foram obtidos de distintos sistemas de informação da Anvisa. Para os indicadores desempenho regulatório da Anvisa e desempenho das empresas no cumprimento da legislação sanitária, os dados foram extraídos do Sistema de Produtos e Serviços sob Vigilância Sanitária (Datavisa). Para o terceiro indicador (risco sanitário do produto), os dados foram extraídos do Notivisa para as notificações de queixas técnicas e eventos adversos, do Sistema de Tecnovigilância (Sistec) para os alertas sanitários e do portal da Anvisa para as medidas preventivas e cautelares.

Amostra do estudo

Os três indicadores avaliados utilizam como amostra os dados históricos armazenados nos sistemas de informação da Anvisa de 2012 a 2021.

O primeiro e o segundo indicadores, desempenho regulatório da Anvisa e desempenho das empresas no cumprimento da legislação sanitária, utilizam como amostra os dispositivos médicos avaliados pela Anvisa em que a decisão sobre a autorização para a comercialização do produto foi tomada durante o recorte temporal do estudo.

Na amostra de notificações de queixas técnicas e eventos adversos, os critérios de busca no sistema Notivisa foram: para produto motivo da notificação – artigo médico-hospitalar, equipamento médico-hospitalar e kit reagente para diagnóstico in vitro, todos com número de registro junto à Anvisa e classificação de risco. Os grupos de enquadramento A, B, C e D dos produtos para diagnóstico in vitro estabelecidos pela Portaria nº 8, de 21 de janeiro de 1996, da Secretaria de Vigilância Sanitária, foram mapeados para as classes de risco I, II, III e IV, respectivamente, nas amostras.

A amostra de alertas contém alertas com número de registro junto à Anvisa. Para os alertas com mais de um número de registro, consideramos a multiplicidade: um alerta com mais de um número de registro foi contabilizado na amostra resultante em número igual ao quantitativo de números de registro contidos no alerta.

Para a amostra de medidas preventivas e cautelares, foram selecionadas as medidas preventivas e/ou cautelares editadas por motivo de desvio de qualidade do dispositivo médico e/ou por laudos laboratoriais com resultados insatisfatórios, bem como descumprimentos de boas práticas de fabricação (BPF). Para as medidas preventivas e/ou cautelares com mais de um dispositivo médico, consideramos a multiplicidade: uma medida com mais de um dispositivo médico foi contabilizado na amostra resultante em número igual ao quantitativo de produtos contidos na medida.

Análise de influência

Uma análise de influência dos três indicadores desenvolvidos foi realizada, utilizando as seguintes variáveis como preditoras: classe de risco do produto (I–IV), nomenclatura do dispositivo médico na Anvisa (Nome Técnico9), exigência de Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF) para obtenção da autorização para comercialização do produto (Sim/Não), necessidade de complementação pela empresa durante a avaliação regulatória (Sim/Não), tipo do produto (Implante Ortopédico/Material de Uso em Saúde/Equipamento sujeito à Vigilância Sanitária/Produto para Diagnóstico in vitro), ano da decisão da autorização para a comercialização do produto (2012–2021), bem como porte da empresa junto à Receita Federal do Brasil (RFB) (Microempresa/Empresa de Pequeno Porte/Outros).

O processo de extração, transformação e carregamento dos dados foi realizado com Python. A análise de influência foi realizada com aprendizagem de máquina no Microsoft Power BI com os algoritmos especificados pelo fabricante10.

RESULTADOS

Ao longo da década 2012-2021, 83.587 dispositivos médicos foram submetidos à avaliação da Anvisa e 79.205 produtos foram autorizados para comercialização. Dos dispositivos médicos submetidos, 31.472 (36,75%) são da classe de risco I, 34.862 (41,71%) são da classe de risco II, 12.126 (14,51%) são da classe de risco III, e 5.127 (6,13%) são da classe de risco IV. Dos dispositivos médicos aprovados, 30.065 (37,94%) são da classe de risco I, 34.332 (43,32%) são da classe de risco II, 10.512 (13,27%) são da classe de risco III, e 4.336 (5,47%) são da classe de risco IV. Observamos que parte dos produtos aprovados entre 2012-2021 foram submetidos em anos anteriores a 2012. Se restringirmos a apenas produtos submetidos a partir de 2012, são 72.141 dispositivos médicos aprovados pela Anvisa entre 2012-2021.

Ao todo, 3.783 empresas submeteram dispositivos médicos para avaliação da Anvisa entre 2012-2021. De acordo com os dados abertos da RFB11, 890 (23,53%) são microempresas, 1.259 (33,28%) são empresas de pequeno porte e 1.634 (43,19%) são classificadas como outros portes pela RFB. Dos 79.205 produtos aprovados, 53.336 (67,34%) não careciam que os fabricantes tivessem CBPF no momento da aprovação. No mesmo contexto de dispositivos médicos aprovados, 52.726 (66,57%) não tiveram a necessidade de informações ou esclarecimentos complementares acerca dos documentos sendo avaliados no processo regulatório. Por fim, foram aprovados 2.168 (2,74%) implantes ortopédicos, 45.792 (57,81%) materiais de uso em saúde, 17.458 (22,04%) produtos para diagnóstico in vitro e 13.790 (17,41%) equipamentos sujeitos à vigilância sanitária.

Desempenho regulatório da Anvisa

Em 2012, o indicador do desempenho regulatório da Anvisa foi mensurado em 73 dias (intervalo interquartil 56–111), sendo 70 dias (intervalo interquartil 54–90) para a classe de risco I, 69 dias (intervalo interquartil 55–96) para a classe de risco II, 149 dias (intervalo interquartil 74–340) para a classe de risco III e 194 dias (intervalo interquartil 107–359) para a classe de risco IV. Em 2021, o indicador foi mensurado em 9 dias (intervalo interquartil 6–15), com 7 dias (intervalo interquartil 6–9) para a classe de risco I, 8 dias (intervalo interquartil 6–10) para a classe de risco II, 38 dias (intervalo interquartil 20–113) para a classe de risco III e 78 dias (intervalo interquartil 13–143) para a classe de risco IV. A melhora no desempenho regulatório ocorreu em meio ao aumento de produtos submetidos para a avaliação da Agência durante o período avaliado. Em 2012, 6.657 produtos foram submetidos à avaliação (2.773 de classe de risco I; 2.757 de classe de risco II; 768 de classe de risco III; e 359 de classe de risco IV). Em 2021, 8.895 produtos foram submetidos à avaliação (3.380 de classe de risco I; 3.661 de classe de risco II; 1.200 de classe de risco III; e 654 de classe de risco IV).

A análise de influência indica que a necessidade de CBPF para o fabricante do produto acresce 75 dias ao indicador do desempenho regulatório. Ademais, a necessidade de informações ou esclarecimentos complementares acresce 64 dias ao indicador, ainda que não esteja sendo contabilizado o tempo da empresa para apresentar a documentação complementar, mas tão somente a necessidade de nova rodada de avaliação pela Anvisa. Por outro lado, quando o porte da empresa que submeteu o produto para avaliação da Anvisa junto à RFB é definido como microempreendedor, o indicador do desempenho regulatório é decrescido em 26 dias.

A Figura 1 descreve o indicador de desempenho regulatório da Anvisa entre 2012 e 2021, ano a ano, contextualizado com os marcos temporais da legislação sanitária infralegal de dispositivos médicos, cujos efeitos no ciclo de regulação sanitária foram sintetizados na Tabela 1.

Indicador de desempenho regulatório da Anvisa, por ano e classe de risco, entre 2012 e 2021.
Figura 1
Indicador de desempenho regulatório da Anvisa, por ano e classe de risco, entre 2012 e 2021.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.RDC: Resolução da Diretoria Colegiada.

Tabela 1
Legislação sanitária infralegal de dispositivos médicos implementada entre 2012 e 2021 com elementos de simplificação do regramento sanitário e seus principais efeitos no ciclo de regulação sanitária.
Legislação sanitária infralegal de dispositivos médicos implementada entre 2012 e 2021 com elementos de simplificação do regramento sanitário e seus principais efeitos no ciclo de regulação sanitária.
CBPF: Certificado de Boas Práticas de Fabricação; RDC: Resolução da Diretoria Colegiada.

Desempenho no cumprimento da legislação sanitária por empresas

Em 2012, o indicador do desempenho no cumprimento da legislação sanitária pelas empresas que submeteram seus dispositivos médicos para a avaliação da Anvisa foi mensurado em 10,59%, sendo 9,44% para a classe de risco I, 8,02% para a classe de risco II, 20,95% para a classe de risco III e 16,24% para a classe de risco IV. Em 2021, foi mensurado em 11,61%, com 5,5% para a classe de risco I, 7,45% para a classe de risco II, 29,17% para a classe de risco III e 24,66% para a classe de risco IV.

A análise de influência indica que a necessidade de CBPF para o fabricante do produto acresce em 20,19% o indicador do desempenho no cumprimento da legislação sanitária. Quando o porte da empresa que submeteu o produto para avaliação da Anvisa junto à RFB é definido como microempresa ou empresa de pequeno porte, o indicador é acrescido em 15,46% e 11,45%, respectivamente. A análise não indica mudança no desempenho da empresa em função da necessidade de informações ou esclarecimentos complementares acerca dos documentos sendo avaliados no processo regulatório.

A Figura 2 ilustra o indicador de desempenho no cumprimento da legislação sanitária por empresas entre 2012 e 2021, ano a ano, contextualizado com os marcos temporais da legislação sanitária infralegal de dispositivos médicos, cujos efeitos no ciclo de regulação sanitária foram sintetizados na Tabela 2.

Indicador de desempenho para o cumprimento da legislação sanitária por parte das empresas por produto, por ano, entre 2012 e 2021.
Figura 2
Indicador de desempenho para o cumprimento da legislação sanitária por parte das empresas por produto, por ano, entre 2012 e 2021.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.RDC: Resolução da Diretoria Colegiada.

Tabela 2
Evidências do risco sanitário dos dispositivos médicos por classe de risco.
Evidências do risco sanitário dos dispositivos médicos por classe de risco.
BPF: Boas práticas de fabricação. *O número de alertas e medidas preventivas e/ou cautelares foi desmembrado por número de registro; **Classes de risco: classe I (baixo risco), classe II (médio risco), classe III (alto risco) e classe IV (máximo risco).

Evidências de risco sanitário do dispositivo médico

Queixas técnicas e eventos adversos

Entre 2012 e 2021, o Notivisa recebeu 151.233 notificações de queixas técnicas e eventos adversos de dispositivos médicos, dos quais 5.371 não têm a classificação de risco ou o número do registro do produto junto à Anvisa e não são considerados doravante. Das 145.862 notificações restantes, 119.648 (82%) são referentes a queixas técnicas e 26.214 (18%) são referentes a eventos adversos. Os resultados estratificados por classe de risco estão representados na Tabela 2.

A análise de influência indica que a necessidade de CBPF para o fabricante do produto acresce seis unidades ao número médio de queixas técnicas. Por outro lado, quando o porte da empresa que submeteu o produto para avaliação da Anvisa é definido como empresa de pequeno porte, o número médio de queixas técnicas decresce em sete unidades. A análise de influência não indicou potenciais influenciadores para o número médio de eventos adversos por produto entre as variáveis preditoras.

Comunicações de alertas

Entre 2012 e 2021, o Sistema de Tecnovigilância emitiu 2.610 alertas de dispositivos médicos, dos quais 83 não têm o número do registro do produto junto à Anvisa e não são considerados doravante. No entanto, 475 alertas têm mais de um número de registro junto à Anvisa e cada um desses alertas são considerados tantas vezes forem o quantitativo de números de registro contidos no alerta. Os resultados estratificados por classe de risco estão representados na Tabela 2.

A análise de influência indica que os dispositivos médicos que são enquadrados como equipamentos sujeitos à vigilância sanitária acrescem 1,12 unidade ao número médio de alertas. Por outro lado, quando o porte da empresa que submeteu o produto para avaliação da Anvisa é definido como microempresa ou empresa de pequeno porte, o número médio de alertas decresce em 0,77 unidade.

Medidas cautelares ou preventivas

Entre 2012 e 2021, a Anvisa editou 486 medidas cautelares e/ou preventivas de dispositivos médicos, dos quais 135 tratam de laudos insatisfatórios e/ou desvio de qualidade e 89 tratam de descumprimento de BPF. No entanto, 19 destas 224 medidas têm mais de um produto listado e cada uma dessas medidas são consideradas tantas vezes forem o quantitativo de produtos contidos na medida, totalizando 377 medidas cautelares e/ou preventivas de dispositivos médicos que tratam de laudos insatisfatórios e/ou desvio de qualidade e 377 medidas cautelares ou preventivas de dispositivos médicos que tratam de descumprimento de BPF. Os resultados estratificados por classe de risco estão representados na Tabela 2.

Em 2012, foi editada apenas uma medida cautelar ou preventiva de dispositivos médicos que tratam de descumprimento de BPF e 14 medidas cautelares ou preventivas de dispositivos médicos que tratam de laudos insatisfatórios e/ou desvio de qualidade. Em 2021, foram editadas 32 medidas cautelares e/ou preventivas de dispositivos médicos motivadas por laudos insatisfatórios e/ou desvio de qualidade.

A Figura 3 ilustra as evidências de risco sanitário dos dispositivos médicos autorizados para comercialização entre 2012 e 2021, ano a ano, contextualizado com os marcos temporais da legislação sanitária infralegal de dispositivos médicos, cujos efeitos no ciclo de regulação sanitária foram sintetizados na Tabela 2.

Indicador de evidências de risco sanitário do dispositivo médico, por ano, entre 2012 e 2021.
Figura 3
Indicador de evidências de risco sanitário do dispositivo médico, por ano, entre 2012 e 2021.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.

Limitações do estudo

O recorte temporal deste estudo compreende o período entre 1º de janeiro de 2012 a 31 de dezembro de 2021. Entre 4 de fevereiro de 2020 e 22 de maio de 2022, esteve vigente a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da infecção humana pelo SARS-CoV-2. Ao longo desse período, regramentos infralegais da Anvisa foram editados como regramento sanitário excepcional e temporário, voltados para dar resposta à ESPIN. Os efeitos nos indicadores propostos neste estudo começaram a ser observados, mas é preciso expandir o recorte para observar integralmente os efeitos. Citamos como exemplo o ingresso de novas empresas, possivelmente não habituadas com o processo regulatório, submetendo dispositivos médicos voltados ao combate à COVID-19 para a avaliação da Anvisa. Carece estender o recorte de tempo para avaliar se esta tendência observada se concretiza para outros produtos. Por esta razão, este estudo se limitou a não abordar o regramento sanitário excepcional e temporário e os seus efeitos nos indicadores avaliados.

Outras limitações observadas no estudo se referem a variáveis que contribuem para os indicadores propostos, mas que não há dados acurados disponíveis. Para o indicador de desempenho no cumprimento da legislação sanitária pelas empresas, não há dados de disponibilidade de recursos das unidades das empresas responsáveis por tratar de assuntos regulatórios. Por esta razão, utilizamos a variável substituta de porte da empresa junto à RFB, considerando que esta pode ser entendida como um indicativo da disponibilidade de recursos. Igualmente não foi considerada a disponibilidade de recursos da Anvisa ao longo do período, que pode servir como variável preditora para o indicador do desempenho regulatório da Agência, ainda que se conheça a admissão de pessoal em 2014 por concurso público e a implantação gradual do Programa de Gestão Orientada por Resultados com acréscimo de 20% na produtividade desde 2017. No contexto das evidências de risco sanitário do dispositivo médico, não foram localizados dados acurados sobre o quantitativo de unidades de produção por dispositivo médico, importados ou produzidos nacionalmente, que podem ajustar os números das evidências de risco sanitário. Neste caso, utilizamos a variável substituta de nomenclatura do dispositivo médico, considerando que esta pode capturar o volume de produção em função das características do conjunto de produtos de uma determinada nomenclatura, por exemplo ser de uso único ou permitir o reúso.

DISCUSSÃO

Desempenho regulatório da Anvisa

Em 2019, a agência responsável pela regulamentação de dispositivos médicos na Austrália (no inglês Therapeutic Good Administration - TGA) publicou um relatório com os prazos para a regulação de dispositivos médicos e o tempo de acesso ao mercado entre os países-membros do IMDRF12, incluindo o Brasil. Neste benchmark internacional, a agência australiana observou que os prazos dos países são baseados em legislação sanitária ou são calculados com base em dados históricos, bem como que cada país mensurou seu desempenho de forma diferente. Dito isto, os prazos não devem ser comparados diretamente. No entanto, o relatório estabelece um panorama internacional de indicadores de desempenhos regulatórios, apresentados resumidamente na Tabela 3.

Tabela 3
Prazos para a regulação de dispositivos médicos entre os países-membros do International Medical Device Regulators Forum (IMDRF) em 2019.
Prazos para a regulação de dispositivos médicos entre os países-membros do International Medical Device Regulators Forum (IMDRF) em 2019.

O indicador de desempenho regulatório da Anvisa indica que os tempos da Agência foram aperfeiçoados de 2019 para 2021, especialmente na avaliação de produtos de maior risco. Uma das razões se atribui à edição do Decreto nº 10.178, de 18 de dezembro de 2019, que dispõe sobre os critérios e os procedimentos para fixar o prazo para aprovação tácita de ato público de liberação por decurso de prazo, incluindo a autorização tácita para a comercialização de dispositivo médico em território nacional. Na Anvisa, a RDC nº 743, de 10 de agosto de 2022, é o ato normativo que estabelece os prazos de resposta aos requerimentos de atos públicos de liberação da Agência, sendo 365 dias para produtos para diagnóstico in vitro, 320 dias para materiais de uso em saúde e 250 dias para equipamentos sujeitos à vigilância sanitária. Caso o dispositivo médico seja de classe de risco I ou II, o prazo diminui para 30 dias. Já o prazo para a certificação de BPF de dispositivos médicos está definido em 365 dias. Caso a empresa seja participante do Programa de Auditoria Única de Dispositivos Médicos (no inglês Medical Device Single Audit Program - MDSAP), o prazo diminui para 180 dias. Esta definição de prazo estabelece um limiar mais apurado à melhoria do desempenho regulatório da Anvisa, uma vez que a análise de influência apontou a necessidade de CBPF do dispositivo médico como principal fator para determinar o indicador de desempenho regulatório da Agência. Ademais, segundo o decreto, os prazos podem ser suspensos para complementação da instrução processual uma única vez, quando aplicável conforme indicado na RDC nº 743/2022, e a análise de influência apontou a complementação da instrução processual como o segundo fator mais relevante para determinar o indicador de desempenho regulatório.

O aperfeiçoamento da legislação sanitária infralegal entre 2012 e 2021, discutida a seguir, contribuiu para a melhoria do indicador de desempenho regulatório da Agência. A RDC n° 16, de 28 de março de 2013, aprovou o regulamento técnico de BPF para dispositivos médicos e a RDC n° 15, de 28 de março de 2014, determinou que não seriam mais emitidos certificado de BPF para os dispositivos médicos de classes de risco I e II, e permitiu o início da análise de um dispositivo médico dependente de CBPF com o protocolo do pedido de certificação. Desta forma, possibilitou que as análises ocorram em paralelo, oportunizando a continuidade de eventual etapa de complementação da instrução processual enquanto se aguarda o certificado. Antes da edição da RDC n° 23, de 5 de junho de 2015, o prazo para a etapa de complementação da instrução processual era de 30 dias, prorrogáveis pelo mesmo período, com a possibilidade de se arquivar temporariamente a petição por até um ano. Após a edição, o referido prazo foi atualizado para 120 dias improrrogáveis e o mecanismo de arquivamento temporário foi extinto. A partir de 2015, os processos regulatórios para a autorização da comercialização de dispositivos médicos de menor risco, especificamente os de classe de risco I e II, começaram a ser simplificados. Em 2015, a Anvisa formalizou o regime de cadastro, aquele com menos requisitos regulatórios em virtude do risco, para os dispositivos médicos das classes de risco I e II por meio das RDC n° 36 e n° 40, ambas de 26 de agosto de 2015, respectivamente para produtos médicos e para produtos para diagnóstico in vitro. Em 2017, a Anvisa instituiu o regime de notificação para os dispositivos médicos da classe de risco I, os dispensando da análise que antes era feita no regime de registro ou cadastro, sem que haja renúncia ao cumprimento da legislação sanitária, por meio da RDC n° 270, de 28 de fevereiro de 2019. O regime de notificação, em breve síntese, compreende o processo de comunicação da intenção na comercialização do dispositivo médico mediante autodeclaração de atendimento à legislação sanitária. Em 2020, a edição da RDC n° 423, de 16 de setembro de 2020, estendeu o regime de notificação para os dispositivos médicos da classe de risco II. Consequentemente, o regime de cadastro foi extinto.

Desempenho no cumprimento da legislação sanitária por empresas

A partir de 2015, com a migração dos dispositivos médicos das classes de risco I e II do regime de registro para o regime de cadastro e, posteriormente, para o regime de notificação de forma escalonada, o desempenho no cumprimento da legislação sanitária por empresas apresentou melhora para os dispositivos médicos das classes de risco I e II. Parte dessa melhora é atribuída à simplificação do regramento regulatório e outra parte ao método de avaliação dos dispositivos médicos por amostragem, introduzido no regime de notificação13. A simplificação do regramento regulatório e o uso de método de amostragem para os dispositivos médicos das classes de risco I e II foram motivados pelos seguintes fatores: 1) bom desempenho histórico no cumprimento da legislação sanitária pelas empresas; 2) necessidade em aprimorar o controle sanitário em dispositivos médicos que apresentam maior risco à saúde; e 3) parte do descumprimento da legislação sanitária nessas classes é atribuída a aspectos administrativos, como documentos sem assinatura e enquadramento incorreto do dispositivo médico à classe de risco e/ou nomenclatura do dispositivo (nome técnico).

No caso dos dispositivos médicos das classes de risco III e IV, o desempenho no cumprimento da legislação sanitária por empresas ocorre principalmente por: 1) não demonstrar os requisitos mínimos de segurança e eficácia, refletidos em resultados incompletos de ensaios laboratoriais ou em evidências clínicas insuficientes; 2) declaração do fabricante consularizada ou apostilada em desacordo com o regramento sanitário ou a ausência da referida declaração; 3) complementação de informações pelas empresas durante o processo regulatório realizado após o prazo legalmente estabelecido; 4) não conformidade com a RDC n° 156, de 11 de agosto de 2006, que trata do reprocessamento de dispositivos médicos; e 5) ausência do certificado ou pedido de CBPF.

Como parte do desempenho no cumprimento da legislação sanitária pelas empresas é atribuível a aspectos administrativos, a Agência tem investido em ações educativas, incluindo seminários virtuais (webinars) publicados no portal da Anvisa14, formulários específicos para consulta prévia de enquadramento sanitário15, bem como guia para orientar a construção dos documentos que são submetidos para a avaliação da Agência16.

Outro ponto de interesse quando se trata de aspectos administrativos são os custos que a legislação sanitária impõe às empresas no envio de informações para a Anvisa, doravante denominada de carga administrativa, que pode interferir no desempenho regulatório da Agência, bem como no desempenho no cumprimento da legislação sanitária pelas empresas. Como exercício de mensuração de carga administrativa por monetização, a Anvisa estimou em R$1.200.000,00/ano a carga administrativa para cumprir a RDC n° 185, de 13 de outubro de 2006, que trata do monitoramento econômico do mercado de dispositivos médicos implantáveis no país17. Na ocasião, apenas o entendimento das regras da legislação sanitária em comento contribuiu com o maior valor percentual da carga administrativa estimada: 12,11%. Assevera-se que os custos não são apenas de ordem econômica, uma vez que podem afetar os indicadores de desempenho.

A partir de 2020, a simplificação do regramento sanitário reduziu a carga administrativa com a edição das: 1) RDC n° 403, de 21 de julho de 2020, dispensando a tradução juramentada para documentos em idiomas inglês e espanhol; 2) RDC n° 423/2020, dispensando a revalidação para os dispositivos médicos avaliados no regime de notificação; 3) RDC n° 438, de 6 de novembro de 2020, dispensando cópia autenticada e reconhecimento de firma de documentos a serem apresentados à Agência; e 4) RDC n° 340, de 6 de março de 2020, possibilitando a implementação imediata em caso de alterações a dispositivos médicos, consideradas de média relevância sanitária, mediante notificação à Anvisa, bem como dispensa de notificação à Anvisa em caso de alterações a dispositivos médicos consideradas de baixa relevância sanitária.

Evidências de risco sanitário do dispositivo médico

No ciclo da regulação sanitária, a qualidade da informação prestada à Anvisa demonstra ser de extrema importância. Esta serve para embasar as ações realizadas sobre os dispositivos médicos autorizados para comercialização e para equalizar o aperfeiçoamento da legislação sanitária na avaliação da segurança e da eficácia do dispositivo médico antes que este seja autorizado para comercialização. A Rede Sentinela insere-se nesse contexto. É um observatório estratégico de coleta e gerenciamento de dados de produtos em uso regulamentados pela vigilância sanitária, formada a partir da colaboração de diversos atores, sendo coordenada pela Anvisa. Sua principal ferramenta é o Notivisa, que recebe notificações de eventos adversos e queixas técnicas. Adicionalmente, os dados de monitoramento pós-uso podem subsidiar também as decisões de incorporação de tecnologias embasadas na efetividade.

Dispositivos médicos de uso e funcionalidades consolidados, de perfil conhecido no mercado, permitem regras flexíveis, como a dispensa de pesquisa clínica. Nestes casos, o monitoramento dos dispositivos médicos autorizados para comercializar são preeminentes para manutenção da autorização da Anvisa e para o direcionamento das ações educativas e de fiscalização da Agência. Por exemplo, o programa de monitoramento de produtos para diagnóstico da COVID-19, autorizados para comercialização nos termos da RDC n° 379, de 30 de abril de 2020, evidencia a importância do acompanhamento de produtos novos no mercado. No período de 2 de abril a 18 de agosto de 2020, foram analisados 178 lotes de testes rápido e o estudo analítico dos ensaios de sensibilidade e especificidade apontou que 57% dos testes apresentaram resultados satisfatórios e 43% apresentaram resultados insatisfatórios, quando comparados aos valores de sensibilidade e especificidade declarados pelo fabricante na instrução de uso13,12. A partir desses resultados, medidas de mitigação do risco foram adotadas.

Enquanto a concessão de autorização da Anvisa é um ato vinculado ao atendimento da legislação sanitária, a incorporação de uma tecnologia pelo Sistema Único de Saúde, planos de saúde e serviços de saúde é um ato discricionário geralmente apoiado nos critérios de custo-benefício. Neste aspecto, vem se consolidando os dados de mundo real (no inglês, Real-World Data - RWD) e as RWE tanto para ampliação das indicações de uso aprovadas por agências reguladoras quanto para a incorporação e o ressarcimento dos sistemas de saúde. Recentemente, a agência britânica The National Institute for Health and Care Excellence publicou um guia para a utilização das RWE. No Brasil ainda não há regulamento específico. Entretanto, a edição da RDC n° 591, de 21 de dezembro de 2021, sobre o sistema de Identificação Única de Dispositivos Médicos (no inglês, Unique Device Identification – UDI), fortaleceu as ações de monitoramento na medida em que possibilita o rastreio do dispositivo médico da produção ao uso e, consequentemente, pode gerar dados sobre o efeito real de uma indicação de uso.

Queixas técnicas e eventos adversos

Materiais de uso em saúde são responsáveis por 97.204 (81,24%) queixas técnicas, seguidos por equipamentos sujeitos à vigilância sanitária (n = 19.358; 16,18%), produto para diagnóstico in vitro (n = 2.889; 2,41%) e implante ortopédico (n = 197; 0,16%). No contexto de eventos adversos, os materiais de uso em saúde são responsáveis por 20.581 (78,51%) eventos adversos, seguidos por equipamentos sujeitos à vigilância sanitária (n = 5.474; 20,88%), implante ortopédico (n = 114; 0,43%) e produto para diagnóstico in vitro (n = 45; 0,17%). Os referidos materiais formam o principal tipo de dispositivos médicos com notificações de queixas técnicas e eventos adversos porque representam um volume maior de consumíveis, descartáveis ou de uso único na linha de cuidado. Não se observou incremento na quantidade de notificações de queixas técnicas e eventos adversos após a edição das normas de simplificação dos regramentos regulatórios editados a partir de 2015 que seja proporcional ao incremento de novos dispositivos médicos autorizados para comercialização no mercado nacional pela Agência.

Comunicações de alertas

Equipamentos sujeitos à vigilância sanitária são responsáveis por 2.202 (45,09%) comunicações de alertas, seguidos por material de uso em saúde (n = 1.279; 26,19%), produto para diagnóstico in vitro (n = 1.133; 23,20%) e implante ortopédico (n = 80; 1,64%). Neste caso, os equipamentos sujeitos à vigilância sanitária formam o principal tipo de dispositivos médicos com comunicações de alerta em função da natureza das ações propostas e da tecnologia do dispositivo que permite reparação quando possível. O número de alertas aumentou em 453,65% de 2012 a 2021. É evidência de melhora no sistema de gestão da qualidade acompanhar e intervir nas ocorrências detectadas. A RDC nº 23, de 4 de abril de 2012, tornou obrigatória a execução e a notificação de ações de campo por detentores de registro de dispositivos médicos no Brasil. As multinacionais são as empresas que mais peticionam ações de campo18, fato este percebido pela análise de influência por meio da variável preditora de porte da empresa junto à RFB.

Medidas cautelares ou preventivas

Não se observou incremento na edição de medidas cautelares ou preventivas após a edição das normas de simplificação do regramento regulatório editadas a partir de 2015 que seja proporcional ao incremento de novos dispositivos médicos autorizados para comercialização no mercado nacional pela Anvisa. Observa-se, no entanto, no ano de 2019, a edição de medidas cautelares e/ou preventivas a partir dos alertas sanitários de recolhimento, resultando na edição de 69 medidas cautelares ou preventivas por BPF e 32 medidas cautelares ou preventivas por laudos insatisfatórios e/ou desvio de qualidade. Em 2020, por ocasião da ESPIN no Brasil, foram editadas 245 medidas cautelares ou preventivas de dispositivos médicos que tratam de descumprimento de BPF e 252 medidas cautelares e/ou preventivas de dispositivos médicos que tratam de laudos insatisfatórios e/ou desvio de qualidade. Máscaras de uso profissional e dispositivos para diagnóstico in vitro para COVID-19 foram os dispositivos médicos que mais foram objeto das medidas cautelares ou preventivas de 2020.

CONCLUSÕES

Os primeiros anos de Anvisa definiram os regulamentos seminais que estruturam a regulação sanitária de dispositivos médicos no Brasil, a exemplo da RDC n° 185/2001, para produtos médicos, e da RDC n° 206, de 17 de novembro de 2006, para produtos para diagnóstico in vitro, sendo esta última eventualmente substituída pela RDC n° 36/2015.

Ao longo da década definida pelos anos 2012 a 2021, o regramento sanitário foi aperfeiçoado com foco no risco sanitário, especialmente com as resoluções voltadas à simplificação do regramento regulatório e à redução da carga administrativa.

A análise dos indicadores baseou-se na perspectiva do risco sanitário dos dispositivos médicos. Os indicadores mostraram resultados positivos diante do aperfeiçoamento da legislação sanitária para dispositivos médicos de risco baixo e moderado. O desempenho regulatório da Anvisa e o desempenho no cumprimento da legislação sanitária pelas empresas apresentaram melhora sem conduzir a um maior número de notificações de queixas técnicas e eventos adversos durante o período estudado.

Consolidar a implementação e ampliar o uso das avaliações ex post no seu processo regulatório é uma recomendação da OCDE para o Brasil19. Neste contexto, este estudo contribui para futuras avaliações de resultados regulatórios de normas específicas de dispositivos médicos, ao mesmo tempo que delineia a complexidade dos regramentos regulatórios avaliados pelos três indicadores desenvolvidos.

Agradecimentos

Os autores agradecem a valiosa revisão do assessor da Assessoria de Melhoria da Qualidade Regulatória - ASREG da Anvisa - Petter Ricardo de Oliveira.

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Contribuição dos Autores

Teixeira LAA, Macedo Filho HB Concepção, planejamento (desenho do estudo), aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.

Autor notes

* E-mail: leidyunb@gmail.com

Declaração de interesses

Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.

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