RESUMO
Introdução: O mel das abelhas sem ferrão (ASF) se distingue do mel das abelhas Apis mellifera, por características sensoriais singulares como sabor agridoce e viscosidade fluida, despertando o aumento do interesse do consumidor. Embora nos últimos anos o número de produções científicas relativas ao tema tenha aumentado, é necessário que os artigos publicados sejam passíveis de replicação.
Objetivo: Sanar importantes lacunas quanto ao mel de ASF no Brasil considerando a estruturação e a possibilidade de replicação dos estudos disponíveis, bem como a observação das características físico-químicas e microbiológicas do produto em vias de fundamentar uma legislação nacional.
Método: Os nove passos descritos na Methodi Ordinatio foram seguidos. A busca de artigos foi feita nas plataformas SciELO, ScienceDirect, Scopus e Web of Science, utilizando as palavras-chave: “mel de abelhas sem ferrão”, “meliponicultura”, “características físico-químicas” e “propriedades microbiológicas”.
Resultados: O conteúdo de 18 artigos foi analisado. Com base neste levantamento bibliográfico, o mel de ASF brasileiro de pelo menos de 31 das espécies foi avaliado. Portanto, há um grande número de espécies a serem exploradas quanto às suas características físico-químicas, microbiológicas, bem como potencial antioxidante/microbiano de seus méis de muitas regiões brasileiras. Além disso, foram observadas variações muito grandes nas características físico-químicas dos produtos oriundos de diferentes espécies e regiões produtivas.
Conclusões: A padronização de uma legislação nacional destinada ao mel de ASF só pode ser estabelecida a partir de estudos aprofundados, realizados com cada uma das espécies brasileiras, proporcionando mais segurança ao consumidor.
Palavras-chave: Inocuidade dos Alimentos, Composição de Alimentos, Qualidade.
ABSTRACT
Introduction: The honey from stingless bees (SB) is distinguished from honey from Apis mellifera bees, by unique sensory attribute, characteristics such as sweet-sour flavor and fluid viscosity, arousing increased consumer interest. Nevertheless, in recent years the number of scientific productions related to the subject has increased, it is necessary that the published articles are replicable.
Objective: To fill important gaps about SB honey in Brazil, considering the structuring and possibility of replication of available studies, as well as the observation of physicochemical and microbiological characteristics of the product in order to base a national legislation.
Method: The nine steps described in Methodi Ordinatio were followed. The search for articles was made in SciELO, ScienceDirect, Scopus and Web of Science platforms, using the keywords: “honey from stingless bees”, “meliponiculture”, “physicochemical characteristics” and “microbiological properties”. The content of 18 articles was analyzed.
Results: Based on this literature survey, Brazilian SB honey from less than 31 of the species was evaluated. Therefore, there is a large number of species to be explored for their physicochemical, microbiological characteristics as well as antioxidant/microbial potential of their honeys from many Brazilian regions. Besides, it was observed that very large variations in the physicochemical characteristics of the products came from different species and productive regions.
Conclusions: The standardization of a national legislation destined to the Stingless Bees (SBs) honey can only be established from deep studies, performed with each Brazilian species, providing more safety to the consumer.
Keywords: Food Safety, Food Composition, Quality.
REVISÃO
Mel de abelhas sem ferrão no Brasil: análise bibliométrica e revisão sistemática
Honey from stingless bees in Brazil: bibliometric analysis and systematic review
Received: 18 May 2023
Accepted: 11 October 2023
As abelhas nativas (tribo Meliponini e família Apinae), também conhecidas como abelhas sem ferrão (ASF) devido ao seu ferrão atrofiado, realizam voos curtos e são o maior grupo de abelhas eussociais do mundo1,2. Estão presentes na América do Sul e Central, África, Sudoeste Asiático e Austrália. São mais de 600 espécies descritas, das quais o Brasil possui a maior diversidade, com mais de 300 espécies1,3,4,5.
A meliponicultura por muito tempo foi exercida apenas por comunidades locais, como fonte de alimento e sustento. O processo de polinização dessas abelhas é fundamental para a manutenção da biodiversidade das florestas, sendo que no Brasil, mais de 90% das árvores dependem da polinização desses insetos. Ainda assim elas estão em processo de desaparecimento, como consequência da degradação ambiental6,7,8.
O mel é um alimento natural produzido pela espécie Apis mellifera e pelas ASF a partir do néctar de flores. As suas propriedades físico-químicas podem variar conforme a espécie de abelha envolvida, região geográfica, fonte de produção disponível, condições de coleta e armazenamento. A produção de mel das ASF se dá em pequenos volumes quando comparada à A. mellifera, o que torna esse produto raro e com maior valor comercial9,10,2,11. O mel das ASF distingue-se do mel das abelhas A. mellifera, por características sensoriais singulares como sabor agridoce e viscosidade fluida, despertando o aumento do interesse do consumidor. Além disso, possui qualidades nutricionais valiosas, com propriedades físico-químicas específicas, como maior teor de acidez e umidade, baixa proporção de açúcares e presença de compostos fenólicos12,13.
As recomendações do Codex Alimentarius14 e os padrões de qualidade exigidos pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA)15 abrangem somente o mel de A. mellifera e não contemplam o produto das ASF, tornando difícil a garantia da sua inocuidade16,11. Contudo, alguns órgãos estaduais de inspeção de produtos de origem animal do Brasil17,18,19,20,21 possuem regulação própria do produto. Visto que o Brasil é um país com proporções continentais com diversas condições ambientais, ainda há uma lacuna de estudos aprofundados para melhor contextualização das características de composição e qualidade desse produto, para assegurar a rotulagem clara, completa e esclarecedora a fim de proporcionar informações assertivas aos consumidores22,23,24.
Embora nos últimos anos o número de produções científicas relativas ao tema tenha aumentado, é necessário que os artigos publicados sejam passíveis de replicação25. Muitos estudos são carentes de informações fundamentais que possibilitem essa ação26. Nesse contexto, a metodologia Methodi Ordinatio é resultado da demanda de classificar os artigos para uma revisão de literatura sistematizada formada por nove etapas. Os trabalhos obtidos são qualificados por três critérios: número de citações, fator de impacto e ano de publicação25.
Assim, essa pesquisa tem como objetivos revisar as publicações científicas sobre o mel de ASF no Brasil, considerando a sua estruturação e possibilidade de replicação, bem como a observação quanto às características físico-químicas e microbiológicas do mel de ASF de diferentes espécies para auxiliar na fundamentação de uma legislação nacional destinada ao produto.
Esse trabalho foi realizado seguindo o protocolo de nove passos descritos na Methodi Ordinatio25. Primeiramente, o mel das ASF no Brasil foi estabelecido como tema a ser analisado, em seguida foram determinadas as palavras-chave “mel de abelhas sem ferrão”, “meliponicultura”, “características físico-químicas” e “propriedades microbiológicas”. No segundo passo, foi realizada a pesquisa com o uso dessas palavras-chave na plataforma Scopus. A definição das bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), ScienceDirect, Scopus e Web of Science compõem a terceira etapa dessa pesquisa. Em seguida, o tempo de publicação, de julho de 2009 até julho de 2021, e as combinações de palavras pesquisadas foram estabelecidos.
A busca definitiva na quarta etapa foi feita em dois estágios. O primeiro estágio foi realizado utilizando as combinações de (“stingless bee honey” OR “meliponiculture” OR “meliponines”) AND (“physicochemical characteristics” OR “physicochemical properties” OR “physicochemical analysis”) AND (“Brazil*” OR “brazilian”). O segundo estágio foi feito utilizando (“stingless bee honey” OR “meliponiculture” OR “meliponines”) AND (“microbiological” OR “microbiological standard” OR “microbiological evaluation” OR “microbiological properties”) AND (“Brazil*” OR “brazilian”).
Os dados obtidos foram salvos em formato .RIS e, no quinto passo, foram importados para o gerenciador de referências Mendeley. Nesse momento, a exclusão das duplicatas e dos trabalhos com palavras-chave ou resumos inadequados ao tema pesquisado foi realizada na plataforma. A sexta etapa foi composta pelo download da lista de artigos do Mendeley para arquivo pessoal no computador e pela importação desses materiais para o aplicativo JabRef, possibilitando a exportação dos dados em HTML table.
A exportação dos dados do JabRef foi realizada por meio do comando CTRL+V em uma planilha em branco no programa Excel. A seguir, foi feita a remoção dos dados de volume, página e linhas em branco e a inserção das colunas Fator de impacto (FI) e Número de citações (CI). A busca pelo primeiro ocorreu na base de dados da planilha A5, fornecida pelo Grupo Gestão de Transferência de Tecnologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, por meio do Journal Citation Reports (JCR) de 2020, como primeira escolha, quando esse valor referente a algum artigo não foi encontrado, utilizou-se o CiteScore 2020. Enquanto para o segundo, foi utilizado somente o Google Acadêmico.
A ordenação dos artigos caracterizou a sétima etapa, na qual a equação InOrdinatio (InOrdinatio = (Fi / 1000) + (α* (10 - (AnoPesq – AnoPub))) + (Ci)) foi utilizada para alcançar o índice de ordenação dos dados. Uma nova coluna foi inserida na planilha com o título InOrdinatio, a equação foi inserida em todas as linhas e a planilha foi ordenada pelos resultados obtidos. O α é uma métrica que vai de 1 a 10, definida pelo pesquisador de acordo com a importância da novidade do tema, ou seja, quanto mais recente o tema, maior o α. Os artigos resultantes dessa metodologia foram localizados e baixados na fase oito e na nona etapa a leitura e análise sistemática foi realizada.
A busca definitiva dessa revisão resultou em 89 artigos. A primeira etapa de buscas resultou em 31 trabalhos na ScienceDirect, 13 na Web of Science, nove na Scopus e quatro na SciELO, totalizando 57 pesquisas. Na fase seguinte, ScienceDirect resultou em 19 trabalhos, SciELO cinco, Scopus e Web of Science em quatro trabalhos cada, finalizando em 32 artigos. Em seguida ocorreu a filtragem dos trabalhos, na qual 31 foram removidos por estarem em desacordo com o tema, 27 por serem duplicados, 12 por não serem artigos científicos e três por estarem fora do intervalo de tempo estabelecido. Portanto, ao final o conteúdo de 18 artigos foi analisado.
Os periódicos que mais retornaram trabalhos foram: Food Chemistry e LWT - Food Science and Technology (Quadro 1). Os autores que mais tiveram artigos publicados nessa avaliação foram: Ávila, S.; Beta, T.; Beux, M.R.; Biluca, F.C.; Costa, A.C.O.; Fett, R.; Gonzaga, L.V.; Hornung, P.S.; Ribani, R.H.; Teixeira, G.L. (Figura 1), que compõem dois grupos distintos de pesquisas da Região Sul do Brasil, de acordo com os dados de filiação dos artigos. As palavras-chave mais utilizadas foram “Mel” e “Melipona” com n = 4 cada, apontando uma tendência de pesquisas do mel do gênero Melipona, em concordância com o exposto por Dos Santos et al.5que descreveram o Brasil como o país onde mais se pesquisa sobre o mel de abelhas nativas, principalmente sobre o gênero Melipona.
Os estados do Brasil com maior número de pesquisas foram: Santa Catarina6,27,3,12, Paraíba16,9,28, Rio Grande do Norte29,9,28, Paraná29,30e Rio Grande do Sul4,11 (Figura 2). O total de 15 estados e mais o Distrito Federal não tiveram nenhuma pesquisa selecionada por esse artigo. Ponto muito importante, visto que, para o estabelecimento de normas federais, são necessários estudos nas diversas condições climáticas do país, há ainda um grande espaço de biodiversidades ambientais a serem exploradas no Brasil. Quanto às coordenadas de georreferenciação, somente sete (39,00%) estudos29,8,3,11,4,10,32 descreveram essa informação.
Em relação ao perímetro, se urbano ou rural, amostras rurais foram coletadas por Lage et al.33, Damasceno Do Vale et al.32 e Echeverrigaray et al.4 e de áreas urbanas por de Almeida-Muradian et al.29 e Braghini et al.3. Ambos os perímetros foram avaliadas por Duarte et al.8 e Marcolin et al.11. Os outros 11 artigos (61,11%) não especificam essa informação, sendo que o georreferenciamento informado por Ribeiro et al.10, não foi localizado pelo Google Maps. Já De Sousa et al.9 e De Melo et al.28 não especificaram as cidades onde as coletas foram realizadas.
O Brasil possui uma área de cerca de 8.515.767,0 km2 e seis principais biomas, Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa, distribuídos de forma não homogênea entre diversos estados34,35. Portanto, a não descrição do georreferenciamento impossibilita a determinação assertiva do mel proveniente dos biomas brasileiros. Apesar do crescente aumento de pesquisas sobre as propriedades dos méis de ASF, ainda são escassos os estudos sobre esse produto em área urbana. Contudo, são relevantes, visto que a criação de ASF é facilitada por sua característica de ferrão atrofiado e se destaca como uma prática crescente, mas que ainda precisa de mais estudos36,37.
Os anos com mais coletas de amostras foram 20141,3,11,32 e 20151,10,38,11(Figura 3A), contudo, autores de três estudos não citaram esse dado29,6,27. Os meses que tiveram o maior número de coletas foram janeiro10,30,31,3, maio33,4 e março16,3,38 (Figura 3B). Porém, oito trabalhos não apresentaram essa informação1,6,8,9,12,27,28,29.
As coletas durante as estações de chuva e seca foram realizadas e citadas por De Sousa et al.9 e De Melo et al.28. Duarte et al.8 descreveram que suas coletas foram realizadas somente na estação chuvosa e Marcolin et al.11 relataram ter feito as coletas no inverno e no verão. Em relação à quantidade de coletas feitas por ano, autores de um estudo citam somente uma coleta6, de outros dois estudos três coletas foram citadas1,4, autores de três trabalhos citaram duas coletas11,29,33, já autores dos outros 12 trabalhos não contemplaram essa informação.
A respeito dos métodos de coletas das amostras, Silva et al.16 e Lage et al.33 descreveram como diretamente das colônias, Braghini et al.3 utilizaram mel comercial e amostras diretamente das colônias. Echeverrigaray et al.4 usaram micropipeta estéril; Marcolin et al.11 e Damasceno Do Vale et al.32utilizaram seringas descartáveis; e Duarte et al.8relataram o uso de seringas esterilizadas. A manutenção das amostras coletadas não foi especificada em três trabalhos33,10,27. O congelamento foi utilizado por Braghini et al.3 e Biluca et al.6 e a temperatura ambiente por De Almeida-Muradian et al.29 e Biluca et al.12. Braghini et al.27, Lage et al.33 e Ribeiro et al.10 não descreveram o método de manutenção e a refrigeração foi utilizada pelos outros 11 trabalhos.
O número médio de amostras de mel por pesquisa foi 23,44 ± 15,99 (moda 32). A média de espécies avaliadas por estudo foi 4,41 ± 4,09 (moda 2). O gênero das ASF mais pesquisado foi a Melipona (n = 50) e a espécie mais estudada foi a M. bicolor (n = 8). Biluca et al.6, Marcolin et al.11 e De Almeida-Muradian et al.29 pesquisaram o mel de ASF e A. mellifera, as demais pesquisas não incluíam a última abelha (Quadro 2). Considerando que há mais de 300 espécies de ASF no Brasil5, o mel de apenas 31 delas foi avaliado com base neste levantamento bibliográfico. Portanto, há um grande número de espécies a serem exploradas quanto às suas características físico-químicas, microbiológicas, bem como potencial antioxidante/microbiano de seus méis de muitas regiões brasileiras. Além disso, visto que o produto tem variação em sua composição de acordo com as estações do ano33,38,11, novos estudos devem abordar mais coletas ao longo do ano, considerando a diversidade edafoclimática e variações de umidade entre os meses do ano em todo o país.
As características sensoriais avaliadas foram cor (n = 8), sabor (n = 2) e viscosidade (n = 2). As características físico-químicas mais analisadas foram pH (n = 14), hidroximetilfurfural (HMF) (n = 13) e umidade (n = 13). Os critérios microbiológicos mais avaliados foram a contagem de leveduras (n = 3), pesquisa de Salmonella spp. (n = 2), contagem de bolores (n = 2), caracterização fisiológica de isolados de leveduras (n = 2) (Quadro 3).
Ávila et al.30 indicaram que as propriedades químicas e biológicas do mel de ASF têm associação direta com a procedência do pólen. O resultado da análise melissopalinológica de De Almeida-Muradian et al.29 revelou diferenças entre mel de A. mellifera e M. subnitida, indicando que essas espécies não percorrem as mesmas plantas. Já Duarte et al.8 observaram simetria na maior parte das amostras de pólen, sugerindo uma provável similar origem floral entre as espécies de ASF analisadas. Silva et al.16 avaliaram somente o pólen de M. subnitida, verificando a existência de 19 tipos polínicos de nove famílias.
O mel de ASF do Sul do Brasil, avaliado por Ávila et al.31, apontou a sua origem como floral e procedente de néctares com condutividade (> 0,8μS.cm-1) e teor de cinzas baixos (0,60%). De Sousa et al.9 relataram em seus resultados que os méis provenientes da árvore de juazeiro (Ziziphus joazeiro) variaram em relação à cor intensa (95,4 a 103,4 mm Pfund) e ao alto teor de prolina (17,4 a 20,5 mg.kg-1), aos teores de glicose (37,7 a 38,1%) e cinzas (0,41 a 0,52%), enquanto os méis oriundos da planta malícia (Mimosa pudica) apresentaram maior acidez (66,1 a 86,8mEq.kg-1). Mais especificamente o mel da espécie jandaíra (M. subnitida), que tem como fonte floral o juazeiro, apresentou maior pH (5,3) e teores de frutose (59,2%).
Em outro estudo, Ávila et al.31 apontaram que, de forma geral, diferentes gêneros de abelhas impactam diretamente nas propriedades do mel. O grupo do gênero Melipona apresentou níveis mais altos de umidade (29,38 a 40,07%), atividade de água, cor (0,30 a 152,57 mm Pfund), condutividade elétrica (0,15 a 0,66 μS.cm-1), acidez total (18,59 a 140,36 mEq.kg-1) e mineral total. O grupo do gênero Scaptotrigona apresentou níveis mais altos de Brix (66,50 a 71,17), pH (3,58 a 4,81) e cinzas (0,08 a 0,55%).
Ao estudarem amostras de méis de seis espécies de ASF da mesma região, estação e meliponário, Duarte et al.8 encontraram diferenças nos resultados de umidade (19,0% a 35,0%), pH (4,1 a 5,6), acidez livre (17 a 125 mEq.kg-1), fenólicos totais (32 a 136 mgGAEq.100g-1), flavonoides totais (8 a 55 mgGAEq.100g-1), açúcares redutores (59,0% a 75,9%) e atividade antioxidante (20 a 110,84 mgGAEq.100g-1). Na pesquisa de Marcolin et al.11, os méis de seis espécies de Meliponini diferiram do mel de A. mellifera quanto à umidade, (Meliponini: 18,1% a 20,3% e A. mellifera 23,4 a 36,4%), à acidez (Meliponini variaram de 9,6 a 66,7 mEq.kg-1enquanto de A. mellifera 15,8 a 28,1 mEq.kg-1), açúcares redutores variaram de 45,3% a 58,3% no mel de Meliponini e de 61,0% a 64,4% no mel de A. mellifera e a sacarose variou de 4,0% a 25,4% e 5,3% a 10,0% no mel de Meliponini e A. mellifera, respectivamente.
Semelhanças entre as características físico-químicas foram encontradas nas análises de amostras de méis de M. subnitida e M. fasciculata provenientes da região do Semiárido brasileiro38. Quando comparado os parâmetros do mel de M. subnitida com a legislação vigente no Brasil15 para mel de A. mellifera, o teor de umidade (24,80%) e a atividade diastásica (nula) foram reprovados29. Em ambas as pesquisas de Ávila et al.31 e Biluca et al.1, o potássio (K) foi o elemento mineral mais frequente, seguido pelo cálcio (Ca). A análise físico-química dos méis de jandaíra (M. subnitida) no estudo de Silva et al.16 expôs um perfil similar de suas amostras com relação ao pH (2,9 a 3,7), acidez (24,5 a 93,5 mEq.kg-1), HMF (10,80 a 15,76 mg.kg-1), atividade de água (0,650 a 0,720), cinzas (0,01% a 0,27%), nitrogênio (0,09 a 0,26 mg.100g-1), açúcares (50,5% a 72,5%) e umidade (22,2% a 24,4%). Sendo a última, uma característica importante nesse tipo de mel, pois exerce influência na sua viscosidade, fluidez e conservação.
Os resultados obtidos por Biluca et al.12 de méis de Meliponini foram alto teor de umidade (24,28%–38,20%) e acidez livre acima de 50 mEq.kg-1para a maioria das amostras, enquanto os resultados de açúcares (variou de 58,79% a 73,01%) e atividade diastásica (< 3 a 70,91 unidades Göthe) foram inferiores, assim como houve a ausência de HMF. Nas amostras in natura avaliadas por Biluca et al.6, o teor de frutose (31,11 a 40,20%) foi superior à glicose (8,20% a 30,98%) enquanto a sacarose e o HMF estavam abaixo do limite de quantificação.
De Almeida-Muradian et al.29 sugeriram que o conteúdo máximo de umidade deve ser 30%, maior do que para A. mellifera. Enquanto a atividade diastásica serve como indicador de frescor para o produto da A. mellifera, contudo sua presença não foi detectada no mel de ASF pesquisado. O que pode ser influenciado pelo seu frequente pH ácido e acidez alta, que também impede a multiplicação da microbiota e aumenta a vida útil do produto33,39. Em contrapartida, a acidez elevada também é um indicador da presença de fermentação desfavorável. A maior atividade de água nesse produto pode favorecer o crescimento microbiano, principalmente leveduras, sendo então necessária a preconização de manuseio e o armazenamento adequado, visando a não contaminação microbiana33,2.
O tratamento térmico de curto prazo utilizado por Braghini et al.27 não exerceu mudanças significativas nas características físico-químicas do mel de ASF, e o HMF, parâmetro frequentemente utilizado como indicador de superaquecimento e condições de armazenamento39, não foi detectado. O HMF também não foi observado sobre as condições de tempo e temperatura testadas por Biluca et al.6. Ribeiro et al.10, avaliando a influência do congelamento, pasteurização e maturação do mel de tiúba, observaram que o congelamento gerou a redução na viscosidade (de 993 para 463) e umidade (de 24,50 para 23,70), a maturação a 30°C por 180 dias ocasionou a diminuição do pH (de 3,73 para 3,56) e a pasteurização, o aumento do pH (de 3,73 para 3,85) do mel de M. fasciculata. As amostras não maturadas congeladas e pasteurizadas foram descritas com características de manchas escuras, sabor e aroma adocicados, enquanto os maturados obtiveram sabor ácido e fermentado, viscoso e com granulação.
No estudo de Braghini et al.3, somente o armazenamento a 40°C apresentou altos níveis de HMF (de 43 a 231 mg.kg-1), sugerindo que essa condição seja evitada, com base nos maiores valores de limite máximo desse parâmetro pelas legislações estaduais que é de 40 mg.kg-118,19,21. Enquanto na pesquisa de Braghini et al.27, o tratamento térmico de curta duração utilizado reduziu significativamente a resistência termotolerante para coliformes, Salmonella spp., leveduras e bolores. Deste modo, os autores sugerem o uso deste tratamento como alternativa na conservação pós-colheita do mel analisado, tendo em consideração sua praticidade e baixo impacto na qualidade do produto.
No estudo de Echeverrigaray et al.4, o mel do gênero Plebeia, apresentou maior atividade de água (0,71 a 0,86) e tamanho de população de levedura 2 a 3 log mais alto do que amostras de mel de outros gêneros de Meliponini. Do conjunto das amostras, 16 espécies de leveduras foram caracterizadas, sendo as principais categorizadas em Starmerella e Zygosaccharomyces, com alta incidência para Starmerella sp. e S. apícola. A ocorrência de outras leveduras foi identificada somente em menores grupos ou relacionadas a espécies específicas de abelhas. Osmotolerantes com capacidade de fermentação de glicose e frutose foram as espécies mais abundantes e prevalentes.
A existência de certas leveduras no mel de diferentes espécies de abelhas aponta uma estreita relação entre as abelhas e a microbiota de leveduras. A existência de fungos no mel está relacionada à interação do mel com o conteúdo intestinal das abelhas, colmeia de abelhas e gramas. Possivelmente associadas às condições ambientais e sendo indicadores de qualidade de manejo da produção41. Atualmente há a hipótese de os microrganismos simbióticos atuarem auxiliando na obtenção de nutrientes, outros atuam significativamente na imunidade das colônias de abelhas. Menezes et al.42 apontaram em sua pesquisa com Scaptotrigona depilis a possibilidade de um vínculo de simbiose com o fungo do gênero Monascus, usando-o como proteção para o alimento larval de outros microrganismos.
Na análise do potencial antibacteriano, as amostras do mel de ASF apresentaram redução do crescimento nas cepas de Escherichia coli ou Staphylococcus aureus, exibindo efeitos promissores capazes de estimular mais estudos na área12. As informações sobre o conteúdo fenólico total e flavonoides e atividade antioxidante do mel e do pólen de ASF ainda são escassas8. Contudo, Ávila et al.31 encontraram uma correlação positiva entre compostos fenólicos totais e atividade antioxidante.
O mel de jandaíra (M. subnitida) pesquisado por Silva et al.16 apresentou perfil fenólico semelhante entre as amostras pesquisadas, sendo esse perfil fenólico com presença dos flavonoides naringenina, quercetina e isorhamnetina e dos ácidos gálico, vanílico, 3,4-dihidroxibenzóico e cumárico em oito amostras. A única amostra que apresentou perfil diferente, era proveniente de outra localização geográfica, mas de modo geral todas as amostras exibiram alta atividade antioxidante. Este estudo expôs que o conteúdo fenólico das amostras de méis é responsável em parte por sua atividade antioxidante e corrobora com Biluca et al.1 de que esse mel é uma importante fonte de antioxidantes naturais.
As alterações dos compostos fenólicos após tratamento térmico de curta duração são geralmente relacionadas ao aumento do potencial antioxidante do mel estudado por Braghini et al.27. Braghini et al.3 sugerem que esse produto, quando processado e armazenado em baixas temperaturas, pode manter sua estabilidade, cooperando na preservação de suas propriedades físico-químicas e bioativas.
Na análise de Damasceno Do Vale et al.32, as amostras de mel de ASF não atenderam todos os critérios determinados pela legislação vigente no Brasil para A. mellifera, o excesso de umidade foi o principal motivo da reprovação. Enquanto para Biluca et al.1, as principais diferenciações foram: acidez livre, açúcares redutores e umidade. Os resultados obtidos por Biluca et al.2 mostraram que ainda não é possível caracterizar grupos específicos de amostras, de acordo com a floração ou por espécies de abelhas, e possivelmente esse seja um dos motivos de não haver lei nacional ou mundial.
Ainda existe um número muito restrito de pesquisas relativas ao tema e muitos dos trabalhos não são passíveis de replicação na forma em que se apresentam. É necessário ampliar o espectro e a profundidade dos estudos relativos ao tema, possibilitando a melhor compreensão do objeto de estudo. Além disso foram observadas variações muito grandes nas características físico-químicas dos produtos oriundos de diferentes espécies e regiões produtivas, com isso, a padronização de uma legislação nacional destinada ao mel de ASF só pode ser estabelecida a partir de estudos aprofundados, realizados com cada uma das espécies brasileiras, proporcionando mais segurança ao consumidor.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
* E-mail: elisana@ufpr.br