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Desvios de qualidade em cápsulas de suplemento alimentar à base de cloreto de magnésio
Mateus Santana Alves; Ítalo Felipe da Silva Diniz; Júlia Beatriz Pereira de Souza
Mateus Santana Alves; Ítalo Felipe da Silva Diniz; Júlia Beatriz Pereira de Souza
Desvios de qualidade em cápsulas de suplemento alimentar à base de cloreto de magnésio
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 12, e02225, 2024
INCQS-FIOCRUZ
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RESUMO

Introdução: O magnésio desempenha diversas funções no metabolismo necessárias à homeostasia. Quando não se consegue obter a quantidade satisfatória por meio da alimentação, é preciso fazer a suplementação. O controle da qualidade do produto, feito por meio de ensaios baseados na legislação vigente, é fundamental para garantir a segurança.

Objetivo: Avaliar a qualidade do suplemento alimentar à base de cloreto de magnésio, comercializado na forma farmacêutica cápsulas, de quatro marcas de abrangência nacional, comercializados em farmácias.

Método: A descrição das amostras foi realizada a partir da extração de informações de conteúdo dos rótulos e da observação dos aspectos visuais à vista desarmada. Utilizou-se os testes de controle de qualidade físico-químico: peso médio, desintegração, doseamento e uniformidade de conteúdo, conforme descrito no compêndio oficial vigente.

Resultados: Segundo as informações rotuladas, o conteúdo das amostras variava de 450 mg a 600 mg de cloreto de magnésio. Visualmente, os invólucros de três amostras eram transparentes e o outro, opaco, totalmente preenchidos em duas amostras. O conteúdo era um pó de coloração variável entre branca e amarelada e partículas grosseiras e agregadas. A realização dos ensaios evidenciou que, no parâmetro peso, apenas a amostra A não estava em conformidade com o compêndio oficial. No teste de desintegração, todas as amostras desintegraram no tempo estabelecido. Apenas as amostras A e C alcançaram o teor especificado. Nenhuma das amostras atendeu ao limite de uniformidade de conteúdo.

Conclusões: Todas as amostras analisadas apresentaram alguma inconformidade relacionada ao conteúdo, o que sugere uma urgência na implementação de fiscalização específica na produção desse tipo de produto.

Palavras-chave: Nutracêuticos, Controle de Qualidade, Fiscalização Sanitária.

ABSTRACT

Introduction: Magnesium plays various roles in metabolism necessary for homeostasis, and supplementation becomes necessary when the satisfactory amount cannot be obtained through diet. Therefore, quality control becomes essential to ensure product safety through tests based on current legislation.

Objective: To evaluate the quality of dietary supplements based on magnesium chloride, marketed in the form of capsules from four nationally distributed brands, sold in pharmacies.

Method: The description of the samples was performed by extracting information from the labels and observing visual aspects with the naked eye. Physical-chemical quality control tests were used: average weight, disintegration, assay, and content uniformity as described in the current official compendium.

Results: According to the labeled information, the content of the samples ranged from 450 mg to 600 mg of magnesium chloride. Visually, the casings of three samples were transparent, while one was opaque, filled in two samples. The content consisted of powder with variable coloration ranging from white to yellowish, with coarse and aggregated particles. The tests revealed that only sample A did not comply with the official compendium in terms of weight. In the disintegration test, all samples disintegrated within the established time. Only samples A and C achieved the specified content. None of the samples met the content uniformity limit.

Conclusions: All analyzed samples showed some nonconformity related to content, suggesting an urgent need for specific oversight in the production of this type of product.

Keywords: Nutraceuticals, Quality Control, Sanitary Supervision.

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ARTIGO

Desvios de qualidade em cápsulas de suplemento alimentar à base de cloreto de magnésio

Mateus Santana Alves
Universidade Federal de Campina Grande, Brasil
Ítalo Felipe da Silva Diniz
Universidade Federal de Campina Grande, Brasil
Júlia Beatriz Pereira de Souza
Universidade Federal de Campina Grande, Brasil
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 12, e02225, 2024
INCQS-FIOCRUZ

Received: 13 July 2023

Accepted: 05 December 2023

INTRODUÇÃO

O magnésio é um metal alcalino terroso que, na sua forma iônica, é o quarto cátion mais presente no corpo, distribuído amplamente em diversas partes e em organelas fundamentais, como na mitocôndria e no retículo endoplasmático1. A concentração desse micronutriente na corrente sanguínea sofre influência do equilíbrio dinâmico entre a absorção intestinal, o armazenamento ósseo e a excreção e transporte renais, de forma que sua homeostase pode ser afetada pelo uso de medicamentos, idade, etilismo e falhas genéticas2.

Dessa forma, o magnésio contribui para a homeostase celular e a fisiologia dos órgãos, na medida em que regula atividades celulares importantes, como: a fosforilação oxidativa, a obtenção de energia, a síntese de proteínas e ácidos nucleicos, além de participar como cofator em reações enzimáticas, especialmente aquelas que envolvem o trifosfato de adenosina (ATP)3.

Segundo a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) n° 269, de 22 de setembro de 2005, é recomendada a ingestão diária para adultos de 260 mg4, a qual pode ser alcançada pelo consumo de uva, abacate, cereais integrais, oleaginosas e batata5.

A hipomagnesemia está associada à fraqueza muscular, aos tremores, às convulsões, às arritmias, à hipertensão e aos distúrbios na concentração de outros íons, como cálcio e potássio6. Os suplementos alimentares à base de magnésio são uma estratégia para a aquisição da quantidade necessária desse micronutriente, principalmente para idosos e alcoólatras, de modo que sua apresentação se encontra numa variedade de formulações, na forma de sal inorgânico e compostos orgânicos7. Uma das apresentações compreende o cloreto de magnésio, reconhecido por manifestar uma biodisponibilidade satisfatória8, geralmente na forma farmacêutica cápsula que, em teoria, deve estar enquadrada dentro dos padrões e especificações do controle de qualidade9.

Com o objetivo de contribuir para o acesso da população a suplementos alimentares seguros e de qualidade, reduzir a assimetria de informações existente nesse mercado, facilitar o controle sanitário e a gestão do risco desses produtos, a Resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) n° 661, de 25 de outubro de 2018, define suplementos alimentares como: produtos para ingestão oral, apresentados em formas farmacêuticas, destinados a suplementar a alimentação de indivíduos saudáveis com nutrientes, substâncias bioativas, enzimas ou probióticos, isolados ou combinado10.

O controle de qualidade de medicamentos e insumos farmacêuticos está situado nas boas práticas de fabricação e compreende a realização de testes e procedimentos de liberação que assegurem que os materiais liberados para comercialização e distribuição estejam conforme os padrões de pureza, qualidade e eficácia, a fim de não colocar os pacientes em risco11.

Destarte, espera-se que suplementos tecnicamente elaborados estejam de acordo com os valores quantitativos estabelecidos em seus rótulos, corroborando o fornecimento de um produto certificado, mesmo sendo uma formulação isenta de registro12 e, portanto, de livre comercialização. Assim, objetivou-se avaliar a qualidade do suplemento alimentar à base de cloreto de magnésio comercializado na forma farmacêutica de cápsulas disponíveis no mercado.

MÉTODO

Foram analisadas quatro amostras de cápsulas de suplemento alimentar de magnésio de diferentes fabricantes obtidas por meio da compra em farmácias de Cuité e de Campina Grande, ambas na Paraíba (PB).

Para fins de descrição da amostra, as informações de conteúdo de cloreto de magnésio e magnésio elementar e demais componentes foram extraídas do rótulo das amostras. Assim como foi realizada a observação dos aspectos visuais à vista desarmada.

O peso médio das cápsulas foi verificado conforme descrito na Farmacopeia Brasileira13. Em balança analítica, modelo Marte Shimadzu AY220 (Kyoto, Japão), foram pesadas individualmente 20 cápsulas cheias, depois retirou-se todo o conteúdo do interior das cápsulas e pesou-se individualmente as 20 unidades vazias. Em seguida, foram realizados os cálculos para a determinação do peso médio referente ao conteúdo de cada amostra, esse resultado foi obtido a partir da diferença da massa das cápsulas cheias e vazias. Posteriormente, foram calculados o desvio-padrão e o coeficiente de variação. Para a construção das cartas de controle, foram aplicados limites de variação de ± 7,5%, considerando que todas as amostras apresentaram peso médio acima de 300 mg. Como critério de aceitação, pode-se tolerar não mais que duas unidades fora dos limites especificados em relação ao peso médio do conteúdo, porém, nenhuma poderá estar acima ou abaixo do dobro das porcentagens indicadas.

O teste de desintegração foi realizado como descrito na Farmacopeia Brasileira13. Foi usado um aparelho desintegrador, da marca Nova Ética, formado por um sistema de cestas e tubos, compartimento para o líquido de imersão e um termostato14. As cápsulas foram dispostas individualmente nos tubos da cesta. Como líquido de imersão foi utilizada água a 37 ± 1ºC, e o tempo de observação foi de 45 min. Após esse período, todas as cápsulas deveriam estar completamente desintegradas ou restar apenas fragmentos do invólucro.

Para determinar a uniformidade de doses unitárias foi aplicado o método de variação de peso, conforme descrito na Farmacopeia Brasileira13. A quantidade de magnésio por unidade foi estimada a partir da massa individual do conteúdo de dez cápsulas, como descrito na determinação do peso médio e do resultado do doseamento, assumindo-se a distribuição homogênea do componente ativo entre as cápsulas e obtendo-se a quantidade de componente ativo em cada cápsula. Os resultados foram expressos em valor de aceitação (VA).

O doseamento do magnésio foi executado em triplicata, conforme descrito na Farmacopeia Brasileira, em titulações complexométricas para magnésio13. Foi pesado exatamente 0,5 g, diluiu-se em 50 mL de água, sendo que os eventuais excipientes não dissolvidos foram mantidos suspensos, adicionou-se 10 mL de tampão de cloreto de amônio pH 10,0 e algumas gotas de negro de eriocromo T SI. Seguiu-se a titulação com edetato dissódico 0,05 M SV, padronizado conforme a Farmacopeia Brasileira, até mudança da cor de violeta para azul. Cada mL de edetato dissódico 0,05 M SV equivale a 1,215 mg de magnésio.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As amostras de suplemento alimentar à base de cloreto de magnésio foram descritas quanto à rotulagem e ao aspecto. Observou-se diferentes variações de pesos e concentrações de magnésio descritas nos rótulos das embalagens (Quadro 1).

Quadro 1
Informações rotuladas das amostras de cápsulas de suplemento alimentar à base de cloreto de magnésio.


Conforme descrito nos rótulos, as amostras à base de cloreto de magnésio variavam quanto à massa de conteúdo de 450 mg a 600 mg de cloreto de magnésio, e de 75 mg a 219,7 mg em magnésio elementar (Quadro 1).

Observando o aspecto físico das cápsulas ensaiadas, percebe-se que as amostras A e C não tiveram seus invólucros totalmente preenchidos, diferentemente do que foi encontrado na amostra D que aparentemente apresentou um conteúdo compactado. Os invólucros da amostra B eram de material opaco, não tendo como visualizar o preenchimento. Destarte, o preenchimento correto de cada invólucro é uma etapa que deve ser executada com cautela, uma vez que pode influenciar no comportamento de outros parâmetros, como alterações no peso médio, doseamento e uniformidade de dose15.

O pó encontrado nas cápsulas das amostras A e C apresentaram cor branca, com partículas finas. A amostra B apresentou um pó de coloração amarelada, com partículas relativamente grosseiras e agregadas, visivelmente com baixas características de fluxo. A amostra D dispôs de um pó de cor branca, com partículas relativamente grosseiras (Figura 1).


Figura 1
Aspecto das cápsulas e do conteúdo das amostras de suplemento alimentar à base de cloreto de magnésio de quatro marcas diferentes.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.

Assim, para se garantir um preenchimento adequado e regular em cada cápsula, necessita-se que o pó apresente uma boa fluidez, no entanto, o comportamento de seu fluxo é determinado por propriedades intrínsecas e extrínsecas do material, como: tamanho, forma, rugosidade, porosidade e características químicas16.

Na análise da composição declarada nos rótulos dos produtos (Quadro 2), a amostra A e amostra B apresentaram, além do suplemento alimentar, cloreto de magnésio, óxido de magnésio como componente da formulação. Além disso, as amostras apresentaram excipientes com função diluente, lubrificante, deslizante e umectante, conforme detalhado no Quadro 2.

Quadro 2
Composição rotulada das amostras de cápsulas de cloreto de magnésio.


Os dados obtidos nos ensaios farmacopeicos para determinação de peso médio, tempo de desintegração, teor e uniformidade de conteúdo estão dispostos Tabela 1.

Tabela 1
Resultados dos ensaios físico-químicos de qualidade das amostras de cápsulas de suplementos alimentares à base de cloreto de magnésio.

DPR: Desvio padrão relativo; VA: Valor de aceitação.

Os valores de peso médio obtidos e dispostos na Tabela 1 variaram de 397 mg (amostra A) a 529 mg (amostra B), e a porcentagem de variação das massas individuais variou de 2,98% para a mostra D a 10,07% para a amostra A.

Para a construção das cartas de controle (Figura 2), aplicou-se a regra da Farmacopeia Brasileira13, que estabelece uma variação de peso aceitável para cápsulas gelatinosas duras contendo doses superiores a 300 mg de ±7,5%, podendo sair desse limite duas a cada 20 cápsulas, porém, nunca ultrapassando o dobro do limite.


Figura 2
Gráfico de variação de peso médio das amostras de suplemento alimentar à base de cloreto de magnésio.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.

A amostra A foi a única que não apresentou conformidade ao que é preconizado pela Farmacopeia Brasileira13, pois excedeu os limites de variação permitidos. As amostras B, C e D encontraram-se dentro dos limites permitidos de variação. Vale ressaltar que as amostras A e B apresentaram uma massa média (Tabela 1) bem abaixo da dosagem exposta no rótulo da formulação (Quadro 1).

A Figura 2 apresenta o comportamento das amostras A, B, C e D de cápsulas de suplemento alimentar de cloreto de magnésio na forma de gráfico, deixando explícito que a amostra A não atendeu a especificação do compêndio farmacêutico oficial brasileiro, com oito unidades fora dos limites de ± 7,5%, e destas, três unidades estavam fora do dobro do limite (± 15%). Das amostras analisadas, a que apresentou menor variação foi a amostra D.

O desvio-padrão relativo (DRP) expressa a dispersão de amostras em relação à média, sendo que sua utilização na indústria farmacêutica encontra múltiplas aplicações, em que uma delas é descrever a variabilidade na concentração do insumo farmacêutico ativo em uma mistura17. Na prática, quanto menor o desvio-padrão, mais homogêneos se apresentam os dados, portanto, mais precisos18.

Em um estudo15, foi verificado se há uma associação entre o DPR para o teste de variação de peso e para o de uniformidade de dose no controle de qualidade de cápsulas. Os autores objetivaram estabelecer uma tolerância máxima interna para a variação de peso das cápsulas. Para isso, procuraram identificar qual seria o valor de DPR aceitável para o peso que indicasse um alerta para os possíveis desvios de dose, considerando sua homogeneidade satisfatória. Os testes indicaram que uma variação de peso com DPR superior a 4,0% pode resultar em preparações que, se forem submetidas ao teste de uniformidade de dose por conteúdo, não passem no teste.

Dessa forma, levando em conta os dados expostos e analisando os dados presentes na Tabela 2, as amostras A e C tiveram valores de DPR superior a 4%. O que indica que, se for submetido ao teste de uniformidade de dose por conteúdo, haverá grande possibilidade de ser reprovado no teste.

Tabela 2
Comparação entre as informações rotuladas dos suplementos alimentares à base de cloreto de magnésio e valores obtidos no ensaio de doseamento de magnésio (n = 3).

DPR: Desvio padrão relativo.

A desintegração é uma etapa crucial para garantir a máxima biodisponibilidade do fármaco na maioria das formas farmacêuticas sólidas19 e, em linhas gerais, consiste em submeter o material em um meio de imersão, observando condições experimentais definidas, para medir seu tempo de desintegração20. A Farmacopeia Brasileira 6ª edição13 descreve as especificações para o teste de desintegração de cápsulas, preconizando que o tempo máximo permitido para a total desintegração é de 45 min.

Os dados do teste de desintegração estão demostrados na Tabela 1. Todas as amostras cumpriram com as especificações oficiais. As cápsulas das amostras A e B desintegraram antes do tempo máximo preconizado pela Farmacopeia Brasileira13, porém, o pó permaneceu compacto dentro dos cestos.

A amostra D foi a que apresentou o menor tempo de desintegração (7’ 30”), o que pode ser atribuído à presença de amido como excipiente, diferente das demais amostras. O amido é um dos carboidratos poliméricos largamente utilizados na produção de cápsulas, pois, devido às suas propriedades físicas e químicas, apresenta diversas aplicações, especialmente como diluente, aglutinante e desagregante21. Enquanto a amostra B apresentou maior tempo de desintegração (26’ 31”) e era composta apenas dos suplementos minerais cloreto de magnésio e óxido de magnésio, sem outros excipientes.

A aplicação desse teste tem grande importância, pois a consequente dissolução do medicamento após a desintegração é um ponto-chave para a absorção intestinal quando há administração oral de formas farmacêuticas sólidas22. O ensaio de doseamento permite verificar o teor de uma substância presente em determinada apresentação farmacêutica, logo, é classificado como um teste de extrema relevância na execução do controle de qualidade, pois, por meio dele, é possível confirmar se a dosagem escrita no rótulo é concordante com a sua composição23.

Os resultados do doseamento revelaram uma variação no teor de magnésio de 13,35% (amostra D) a 96,31% (amostra A). De acordo com a Anvisa, a regra de tolerância estabelecida na RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003, de mais ou menos 20% em relação ao valor declarado na rotulagem nutricional também é aplicável aos suplementos alimentares24. Neste sentido, as amostras B (57,44%) e D (13,35%) apresentaram teores inferiores ao limite tolerado (± 20%), conforme a legislação de suplementos.

Para a amostra A, apesar de a massa média obtida ter apresentado um valor inferior à quantidade declarada de cloreto de magnésio no rótulo, no teste de doseamento demostrou-se um teor dentro da faixa aceitável para suplementos (± 20%), o que pode ser atribuído à presença de óxido de magnésio na formulação. A amostra B, apresentou um valor de teor inferior aos 80%, sendo um resultado esperado já que apresentou um peso médio abaixo da quantidade declarada no rótulo. A amostra D, apresentou um teor bem abaixo do esperado, indicando uma provável fraude.

Esses resultados podem ser atribuídos às falhas na fiscalização e na fabricação destes suplementos por serem produtos isentos de registro de acordo com a RDC nº 240, de 26 de julho de 2018, da Anvisa25.

A administração de uma substância com concentração de princípio ativo acima ou abaixo da concentração declarada na fórmula pode representar um risco de intoxicação ou ineficiência terapêutica para o paciente14,26. O não cumprimento das exigências dispostas nos compêndios oficiais pode caracterizar situações de alteração e adulteração, tornando o produto impróprio para o consumo e sujeito à fiscalização sanitária27.

De acordo com a Portaria da Secretaria de Vigilância Sanitária nº 32, de 13 de janeiro de 199828, que define e classifica os suplementos vitamínicos e/ou de minerais, esses alimentos servem para complementar a dieta diária de uma pessoa saudável, em casos na qual a sua ingestão, a partir da alimentação, é insuficiente ou requerer suplementação. Devem conter um mínimo de 25% e no máximo até 100% da ingestão diária recomendada (IDR) de vitaminas e/ou minerais, na porção diária indicada pelo fabricante, não podendo substituir os alimentos, nem serem considerados como dieta exclusiva.

O teste de uniformidade de doses unitárias permite avaliar a quantidade de fármaco em unidades individuais do lote e verificar se esta quantidade é uniforme nas unidades testadas. Trata-se de um parâmetro importante para assegurar a administração de doses corretas, pois cada unidade do lote de um medicamento deve conter a quantidade adequada do princípio ativo que seja próxima da quantidade declarada14. Ademais, a RDC nº 243, 26 de julho de 2018, da Anvisa prevê que ingredientes fontes de nutrientes dos suplementos alimentares devem atender integralmente às especificações de identidade, pureza e composição29 e, conforme verificado no presente estudo, houve falhas na composição no tocante ao teor e/ou à uniformidade de conteúdo em todas as amostras analisadas.

Os resultados obtidos no teste de uniformidade de doses unitárias de cápsulas de suplemento alimentar cloreto de magnésio estão descritos na Tabela 1.

Para o ensaio de uniformidade de doses unitárias nas cápsulas de suplemento alimentar cloreto de magnésio, os VA variaram de 21,18 (amostra A) a 86,05 (amostra D), estando todos fora dos critérios estabelecidos. Conforme a Farmacopeia Brasileira13, para cápsulas de gelatina dura com dosagem > 25 mg e proporção de princípio ativo x peso médio > 25%, o método utilizado é a variação de peso. O VA para o primeiro estágio é realizado com dez cápsulas e o valor de L1 é 15, como todas as amostras avaliadas excederam o valor de L1, um novo VA foi calculado utilizando 30 cápsulas e o valor desse segundo estágio não deve ser maior que L1 e a quantidade de componente ativo de nenhuma unidade individual é menor que (1 – L2 × 0,01)M ou maior que (1 + L2 × 0,01)M, sendo L2 igual a 25 e M correspondendo ao valor de referência a ser utilizado de acordo com T (média dos limites especificados na monografia individual para a quantidade ou potência declarada, expressa em porcentagem). O VA obtido pelas 30 amostras excedeu o valor permitido.

Nenhuma das amostras analisadas apresentou homogeneidade e uniformidade de distribuição de cloreto de magnésio nas doses individuais. As amostras B e D apresentaram valores de teor muito abaixo do que é preconizado e valores de uniformidade de dose bem acima do limite (L1), sendo comprovada a falta de uniformidade do lote, após o segundo estágio da análise com mais 20 unidades, que comprovaram a falta de uniformidade do lote testado.

A uniformidade de conteúdo de uma formulação sólida pode ser afetada por diversas etapas do processo de produção, nas quais se destacam a distribuição do tamanho de partícula, os excipientes empregados e a proporcionalidade entre o tempo e a velocidade da mistura, dessa forma, urge a utilização de testes que verifiquem a eficiência da homogeneização de uma mistura de pós, pois a sua uniformidade reverbera no comportamento de biodisponibilidade e eficácia da formulação30.

O Quadro 3 apresenta o resumo dos resultados das amostras de suplemento de magnésio em cápsulas frente as especificações de qualidade avaliadas, revelando que a maior parte das amostras apresentou desvio de qualidade em dois dos quatro parâmetros avaliados, com destaque para a não conformidade das quatro amostras na uniformidade de conteúdo e duas no teor de magnésio.

Quadro 3
Resumo dos resultados de qualidade das cápsulas de suplemento de magnésio analisadas.


Problemas semelhantes foram relatados em um estudo com amostras de suplementos em cápsulas de cálcio de ostra, avaliadas quanto a padrões mínimos de qualidade que envolveram: determinação de peso médio, desintegração, doseamento e uniformidade de conteúdo, todas as amostras apresentaram inconformidade em dois ou três dos quatro parâmetros analisados31.

Outra observação importante é que o produto analisado se enquadra na categoria de “isento de prescrição” conforme a RDC n° 242, de 26 de julho de 2018, da Anvisa32, o que requer a manutenção da qualidade como mecanismo de segurança ao usuário.

Os achados desta pesquisa corroboram o entendimento de que a variedade de suplementos alimentares oferecidos comercialmente frente à escassez de estudos relacionados ao controle de qualidade específicos para esses produtos incita a comunidade científica e os órgãos de vigilância sanitária a viabilizar a identificação de fraudes e adulterações, para a prevenção de desvios de qualidade que comprometam a saúde dos consumidores, assim como melhorar a garantia da qualidade e fornecer produtos mais seguros e eficazes.

CONCLUSÕES

Os dados obtidos permitiram avaliar que as amostras A e B apresentaram pesos médios inferiores ao declarado no rótulo, sendo incompatíveis com as especificações de qualidade, e a amostra A estava em desacordo com os limites de variação aceitáveis. No doseamento, as amostras A e C atenderam os limites aceitos pela legislação (± 20%). No ensaio de desintegração, todas as amostras atenderam as exigências em relação ao tempo necessário para total desintegração. Nenhuma das amostras demonstrou homogeneidade e uniformidade de distribuição do magnésio, além disso, não existem parâmetros para a avaliação de equivalência entre as amostras, uma vez que cada uma apresenta conteúdo rotulado distinto, variando de 450 a 600 mg.

Ademais, convém salientar que a isenção de registro sanitário não deve flexibilizar os aspectos da qualidade do produto. Portanto, é fundamental investir em uma regulamentação capaz de lidar com as características desse mercado, de forma a proteger a saúde da população sem dificultar, contudo, o desenvolvimento do setor e o acesso da população a tais produtos.

Supplementary material
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Notes
Conflict of interest declaration
Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.

Author notes

* E-mail: italo.felipe@estudante.ufcg.edu.br

Quadro 1
Informações rotuladas das amostras de cápsulas de suplemento alimentar à base de cloreto de magnésio.



Figura 1
Aspecto das cápsulas e do conteúdo das amostras de suplemento alimentar à base de cloreto de magnésio de quatro marcas diferentes.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.
Quadro 2
Composição rotulada das amostras de cápsulas de cloreto de magnésio.


Tabela 1
Resultados dos ensaios físico-químicos de qualidade das amostras de cápsulas de suplementos alimentares à base de cloreto de magnésio.

DPR: Desvio padrão relativo; VA: Valor de aceitação.

Figura 2
Gráfico de variação de peso médio das amostras de suplemento alimentar à base de cloreto de magnésio.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.
Tabela 2
Comparação entre as informações rotuladas dos suplementos alimentares à base de cloreto de magnésio e valores obtidos no ensaio de doseamento de magnésio (n = 3).

DPR: Desvio padrão relativo.
Quadro 3
Resumo dos resultados de qualidade das cápsulas de suplemento de magnésio analisadas.


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