RESUMO
Introdução: Roedores estão entre as mais importantes pragas do mundo e, quando estes indivíduos ou seus pelos são encontrados nos alimentos, são considerados matérias estranhas indicativas de risco à saúde. Por outro lado, a presença de pelos humanos e dos demais mamíferos é considerada indicativa de falhas das boas práticas. Sendo assim, a caracterização dos pelos dos roedores sinantrópicos e a diferenciação dos pelos das demais espécies de mamíferos mostram-se relevantes e necessárias.
Objetivo: Caracterizar os padrões microestruturais dos pelos-guarda das três principais espécies de roedores que infestam ambientes de armazenamento de alimentos e apresentar uma proposta de protocolo para análise tricológica de pelos isolados.
Método: Amostras de pelos de roedores das espécies Mus musculus, Rattus rattus e Rattus norvegicus foram coletadas de espécimes colecionados e pelos-guarda íntegros foram selecionados para a preparação de lâminas para observação da microestrutura. No total, 20 pelos-guarda foram analisados para caracterização dos padrões medulares e 91 impressões cuticulares de pelos-guarda foram examinadas para caracterização de padrões cuticulares.
Resultados: Observou-se que M. musculus apresentou medula alveolar e cutícula losângica com variações na forma e tamanho das escamas. R. rattus e R. norvegicus apresentaram medula reticulada e cutícula losângica, também com variações. Um protocolo com fluxograma de identificação foi apresentado para a análise dos pelos estudados.
Conclusões: Os pelos das espécies de roedores sinantrópicos estudados podem ser diferenciados das demais espécies de mamíferos de interesse sanitário pela presença dos padrões medulares alveolar e reticulado no escudo de pelos-guarda. Para as espécies estudadas, somente o padrão medular do escudo dos pelos-guarda confere caráter diagnóstico.
Palavras chave: Controle Sanitário de Alimentos, Matérias Estranhas, Sujidades Leves, Risco à Saúde Humana, Roedores Sinantrópicos.
ABSTRACT
Introduction: Rodents are among the most important pests in the world and when these individuals or their fur are found in food, they are considered foreign matter indicative of health risk. On the other hand, the presence of human and other mammalian hair is considered indicative of failures in good practices. Thus, the characterization of the hair of synanthropic rodents and its differentiation from other mammal species are relevant and necessary.
Objective: To characterize the microstructural patterns of guard hairs of the three main species of rodents that infest food storage environments and to present a proposal for a protocol for the trichological analysis of isolated hairs.
Method: Hair samples were plucked from collected specimens of the rodent species Mus musculus, Rattus rattus and Rattus norvegicus. Intact guard hairs were selected for the preparation of slides for observation of the microstructure. In total, 20 guard hairs were analyzed for the characterization of medullar patterns and 91 guard hair cuticular impressions were examined for the characterization of cuticular patterns.
Results: It was observed that M. musculus presented alveolar medulla and losangic cuticle with variations in the shape and size of the scales. R. rattus and R. norvegicus presented reticulated medulla and losangic cuticle, also with variations. A protocol with an identification flowchart was presented for the analysis of the studied hairs.
Conclusions: The hairs of the studied synanthropic rodent species can be differentiated from other mammalian species of health interest by the presence of alveolar and reticulated medullar patterns in the guard hair shield. For the studied species, only the medullar pattern of the guard hair shield confers a diagnostic character.
Keywords: Food Inspection, Foreign Matter, Light Filth, Health Risk, Synanthropic Rodents.
ARTIGO
Análise tricológica de pelos-guarda de Mus musculus, Rattus rattus e Rattus norvegicus (Rodentia: Muridae) aplicada à pesquisa e à identificação em alimentos
Trichological analysis of guard hairs of Mus musculus, Rattus rattus and Rattus norvegicus (Rodentia: Muridae) applied to research and identification in food
Received: 25 October 2021
Accepted: 04 May 2022
Roedores estão entre as mais importantes pragas do mundo 1 , 2 , 3 . Estes mamíferos não causam somente danos físicos, mas também contaminam os produtos com substâncias alergênicas 4 , patógenos 5 , 6 , fungos toxigênicos 7 e contaminantes físicos, como pelos, urina e fezes 8 . É de conhecimento da saúde pública que urina e fezes de roedor podem conter parasitas, bactérias patogênicas e vírus, como: Toxoplasma gondii, Salmonella, Staphylococcus aureus, Enterococcus spp., Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli, Serratia sp., Proteus sp. e Hantavirus spp. 9 . Historicamente, roedores têm sido responsáveis por mais doenças e mortes em humanos do que qualquer outro grupo de mamíferos 10 .
Além das commodities agrícolas, roedores também contaminam os alimentos processados. Após invadirem um novo local, como armazéns ou supermercados, camundongos inevitavelmente começam a roer os alimentos e as embalagens, contaminando o ambiente com seus pelos e excreções 11 . As principais espécies de roedores que infestam ambientes de armazenamento de alimentos são as exóticas introduzidas: Mus musculus Linnaeus, 1758 (camundongo), Rattus rattus Linnaeus, 1758 (rato de telhado) e Rattus norvegicus Berkenhout, 1769 (ratazana) 3 .
Roedores ingerem diariamente uma quantidade de alimento equivalente a 10% do seu peso 12 e contaminam muito mais que isso por suas fezes, pelos e urina, tornando o alimento impróprio para o consumo humano 13 . Por essa razão, a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nº 623, de 9 de março de 2022, que dispõe sobre os limites de tolerância para matérias estranhas em alimentos, os princípios gerais para o seu estabelecimento e os métodos de análise para fins de avaliação de conformidade, considera que os roedores (rato, ratazana e camundongo) e morcegos, inteiros ou em partes, são matérias estranhas indicativas de risco à saúde por veicularem agentes patogênicos para os alimentos (art. 3º, inciso IX, alíneas b e c). Adicionalmente, a presença de pelos humanos e dos demais mamíferos é considerada apenas indicativa de falhas das boas práticas (art. 3º, inciso X, alínea c) 14 . Sendo assim, nas investigações de matérias estranhas em alimentos é fundamental caracterizar os pelos dos roedores sinantrópicos mais comuns, quais sejam, os camundongos ( Mus musculus ) e as ratazanas ( Rattus spp.), para diferenciá-los dos pelos de outras espécies de interesse sanitário segundo a referida resolução (ou seja, de seres humanos e das demais espécies de mamíferos).
Entre os diferentes tipos de pelos dos mamíferos (ou seja, vibrissas, sobrepelos, subpelos, pelos-guarda), os pelos-guarda primários e secundários são os mais úteis na identificação microscópica por apresentarem as características microestruturais mais diagnósticas para os táxons. Os pelos-guarda apresentam, da base para o ápice: o bulbo, a haste e o escudo ( Figura 1A ). Na maior parte das espécies de mamíferos os pelos-guarda são formados por três camadas concêntricas de células, de dentro para fora: a medula, o córtex e a cutícula ( Figura 1B ). Os principais caracteres diagnósticos são os padrões cuticulares observados na haste e os padrões medulares observados no escudo dos pelos-guarda 15 . A identificação microscópica de pelos de mamíferos é uma técnica útil na identificação de pelos em diferentes contextos como, por exemplo: no controle de qualidade de fibras animais comercializadas 16 , 17 , 18 , 19 , 20 , em investigações forenses 21 , 22 , 23 e no controle de qualidade dos alimentos 23 , 24 , 25 . Exceto pelos esforços desses últimos autores, que tratam os roedores no nível taxonômico de família (ou seja, Muridae), não foram encontradas publicações ilustradas, tampouco protocolos de identificação dirigidos a auxiliar o perito nas análises laboratoriais de pelos contaminantes de alimentos, no sentido de caracterizar os pelos dos roedores sinantrópicos mais comuns e enquadrar a matéria estranha como indicativa de risco à saúde ou não, conforme preconiza a RDC Anvisa nº 623/2022.
Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo caracterizar os padrões cuticulares e medulares de pelos-guarda das três espécies de roedores que mais comumente contaminam alimentos: Mus musculus (camundongo), Rattus rattus (rato de telhado) e Rattus norvegicus (ratazana) e apresentar um protocolo de auxílio para análise tricológica de pelos isolados.
Tufos de pelos de roedores taxidermizados das espécies Mus musculus (dois indivíduos), Rattus rattus (um indivíduo) e Rattus norvegicus (dois indivíduos) foram coletados manualmente do dorso de espécimes colecionados no Laboratório de Citogenética e Genética da Conservação do Departamento de Genética da Universidade Federal do Paraná (UFPR). As amostras de pelos foram levadas ao Laboratório de Microscopia e Morfologia do Setor Litoral da UFPR, onde foram selecionados pelos-guarda inteiros (com bulbo e ápice) com o auxílio de microscópio estereoscópico marca Bioval®. As lâminas foram preparadas contendo de três a oito pelos-guarda selecionados para observação da medula e da cutícula segundo o protocolo de Quadros e Monteiro-Filho 27 (Anexo I, p. 278). No total, 20 pelos-guarda foram analisados para caracterização dos padrões medulares e 91 impressões cuticulares de pelos-guarda foram examinadas para caracterização de padrões cuticulares ( Tabela ).
Tanto o estudo da microestrutura dos pelos-guarda quanto as fotomicrografias foram feitos utilizando o microscópio óptico Leica DM 2500 (Microsystems, Wetzlar, Alemanha), aumento de 100, 200 e 400 vezes, no Laboratório de Microscopia de Alimentos do Núcleo de Ciências Químicas e Bromatológicas do Centro de Laboratório Regional do Instituto Adolfo Lutz de Ribeirão Preto VI. A análise e a descrição da microestrutura dos pelos dos roedores foram realizadas de acordo com Teerink 15 e Quadros e Monteiro-Filho 28 . A nomenclatura dos padrões medulares e cuticulares utilizada segue a proposta de Quadros e Monteiro-Filho 28 . As denominações em inglês ou francês, propostas por outros autores e mencionadas no presente estudo, bem como sua correspondência com padrões medulares e cuticulares observados neste trabalho podem ser consultadas em Quadros e Monteiro-Filho 28 (Tabelas III e IV, p. 287). Estudos pretéritos utilizados para a compreensão da morfologia dos pelos das três espécies de roedores aqui abordadas foram realizados por Teerink 15 , Brunner e Coman 29 , Keogh 30 e Keller 31 .
Os resultados apresentados descrevem os padrões cuticulares e medulares das três espécies de roedores sinantrópicos estudadas com foco na diferenciação destas em relação a outras espécies de mamíferos de interesse sanitário. Também evidenciam diferenças e inconsistências em relação à literatura, cujas causas são discutidas. Adicionalmente, é sugerido um protocolo de análise tricológica para pelos isolados encontrados em alimentos.
Com as técnicas empregadas foi possível observar que os pelos-guarda das três espécies se apresentam achatados dorso-ventralmente, evidenciando a face côncava e a convexa nas preparações de lâminas com os pelos inteiros e nas impressões cuticulares. Brunner e Coman 29 basearam-se especialmente nas características dos cortes transversais para a diagnose, o que torna as comparações com o presente estudo limitadas. Porém, a percepção de que os pelos analisados aqui são reniformes ou côncavo-convexos está de acordo com as descrições de Brunner e Coman 29 e Teerink 15 , como detalhado nas descrições das espécies a seguir.
O padrão medular no escudo dos pelos-guarda é do tipo alveolar, apresentando quatro alvéolos com contornos bem definidos na largura dos pelos-guarda ( Figuras 2A e 2B ), o que corrobora a descrição de Teerink 15 para a espécie. Segundo a nomenclatura utilizada pelo referido autor, este padrão é denominado isolated . As ilustrações apresentadas por Brunner e Coman 29 para a medula de Mus musculus mostram o padrão reticular para a espécie, que o autor denomina wide aeriform lattice . Isto difere do que foi observado aqui para Mus musculus .
O padrão cuticular na haste é losângico 28 , porém, como descrito também por Teerink 15 , observou-se que pode apresentar variações na forma e tamanho das escamas entre as faces côncava e convexa dos pelos-guarda ( Figuras 2C e 2D ). Keogh 30 descreve a presença de escamas largas com margens lisas na cutícula de Mus musculus , assim como observado no presente estudo, porém denomina o padrão de petal .
O comprimento médio dos pelos-guarda primários de M. musculus é de 12 mm, segundo Teerink 15 . Não foi objeto desse estudo mensurar comprimento dos pelos, porém observou-se que, para Mus musculus, os pelos são sempre menores do que para Rattus rattus e R. norvegicus , o que está de acordo com o aferido pelo autor, entre 15 e 25 mm para Rattus spp.
O padrão medular do escudo é reticulado, com cinco a seis espaços delimitados na retícula na largura do pelo. A delimitação dos espaços da retícula apresenta formas irregulares, às vezes de difícil visualização ( Figuras 3A e 3B ). O padrão observado está de acordo com Brunner e Coman 29 que o denominam wide aeriform lattice . Teerink 15 não diferencia os padrões alveolar e reticulado como fazem Quadros e Monteiro-Filho 28 , e Keller 31 descreve o padrão reticulado para roedores como uma treliça e o denomina en treillis .
O padrão cuticular na face côncava da haste de pelos-guarda apresenta escamas com orientação oblíqua dupla em relação ao eixo longitudinal do pelo, como descrito por Quadros e Monteiro-Filho 28 . As escamas na reentrância são tão largas quanto longas e assemelham-se ao padrão losângico ( Figura 3C ). Da mesma forma, na face convexa, o padrão cuticular se aproxima do losângico descrito por Quadros e Monteiro-Filho 28 , porém as escamas têm variações na forma e tamanho ( Figura 3D ). Isso é reportado por Teerink 15 , que se refere a este padrão como irregular ( irregular diamond petal ). Para Keogh 30 , o padrão cuticular de R. rattus é denominado mosaico ( mosaic ). Embora o nome do padrão utilizado por Keogh 30 seja diferente, as ilustrações apresentadas por essa autora evidenciam um padrão losângico segundo a nomenclatura utilizada no presente estudo, o que coincide com o observado aqui na reentrância da face côncava e na face convexa.
A medula do escudo é reticulada, como também descrito por Brunner e Coman 29 , e apresenta de cinco a sete espaços da retícula na largura dos pelos-guarda. Porém, diferentemente de R. rattus , a delimitação dos espaços é inconspícua e estes estão arranjados transversalmente, não raramente fusionados, aparentando a formação de listras transversais dispostas ao longo do escudo dos pelos-guarda ( Figuras 4A e 4B ). Quadros e Monteiro-Filho 28 apresentam a formação do padrão listrado para roedores sigmodontíneos (por exemplo, Akodon sp.), entretanto, para estes autores, o padrão medular listrado é resultante do arranjo e fusão transversal de alvéolos do padrão alveolar, uma transição de alveolar para listrado. Silveira et al. 32 , estudando nove espécies do gênero Akodon, corroboram a existência desta modificação do padrão alveolar em listrado, o que denomina “padrão medular misto de alveolar e listrado”. Neste trabalho, no caso de R. norvegicus , optou-se por não denominar o padrão de listrado apesar da aparência das listras, porque o padrão medular de R. norvegicus advém da fusão de espaços da retícula do padrão reticular, e não do padrão alveolar, como descrito originalmente por Quadros e Monteiro-Filho 28 para o padrão listrado. Como reportado para R. rattus , Teerink 15 não diferencia o padrão reticulado do padrão alveolar, então, para este autor, a medula de R. norvegicus é isolated .
O padrão cuticular observado na porção central da haste dos pelos-guarda é do tipo losângico conforme descrito por Teerink 15 . Na face côncava, as escamas variam mais em forma e tamanho e estão discretamente dispostas no padrão oblíquo duplo em relação ao eixo longitudinal dos pelos-guarda (em “V”) quando comparado a R. rattus . Já na face convexa o padrão losângico apresenta maior regularidade na forma e tamanho das escamas ( Figuras 4C e 4D ). Na região proximal da haste há um padrão cuticular em mosaico que faz a transição entre o bulbo e o padrão cuticular losângico, característico da haste dos pelos-guarda dessa espécie. Isto também foi observado por Teerink 15 . Para Keogh 30 , o que diagnostica R. norvegicus é a presença desse padrão mosaico de transição na haste ( waved mosaic ).
Silveira et al. 23 reportaram-se aos padrões cuticulares e medulares de pelos de roedores no nível taxonômico de família (ou seja, Muridae), porém o fizeram com base nas três espécies aqui estudadas (ou seja, M. musculus, R. rattus, R. norvegicus ). Segundo os autores, a cutícula das referidas espécies é folidácea, contrariando o observado neste trabalho. Como alertado por Quadros e Monteiro-Filho 33 , analisando pelos de felinos “as diferenças nos padrões cuticulares folidáceo e losângico são sutis e de difícil observação”. Ainda nesse sentido, para Silveira et al. 23 , a medula é alveolar em Mus musculus , como relatado neste trabalho; mas também em Rattus spp., em desacordo com o presente estudo, que identificou o padrão reticulado. Certos autores não diferenciam esses padrões (alveolar e reticulado) 15 , 31 , sugerindo que possa se tratar do mesmo padrão visualizado de duas formas diferentes por razões não exploradas nos estudos. Ainda nesse sentido, Brunner e Coman 29 consideram o padrão reticulado de Quadros e Monteiro-Filho 28 como lattice e o alveolar como aeriform lattice , ou seja, para os autores os dois padrões se aproximam e têm a aparência de uma treliça. No padrão aeriform lattice espaços com ar aparecem como uma rede ou treliça 29 .
O padrão cuticular losângico, recorrente com pequenas variações nas espécies de roedores sinantrópicos estudadas, está presente em roedores silvestres sigmodontíneos e em várias espécies de outras ordens de mamíferos como Didelphimorpha e Carnivora 33 , incluindo gatos domésticos 23 . Dessa forma, a identificação de fragmentos de pelos formados apenas por haste, em que a cutícula é caráter diagnóstico, conduz a um parecer inconclusivo no sentido de enquadramento no inciso IX ou X do artigo 3º da RDC Anvisa nº 623/2022 14 ( Figura 5 ).
O padrão alveolar da medula dos pelos-guarda de Mus musculus também pode ser observado em pequenos roedores silvestres, como em espécies de Sigmodontinae 32 , 33 . No entanto, estes roedores silvestres não têm a sinantropia como hábito. Ainda nesse sentido, embora o padrão reticulado observado nas ratazanas ( Rattus spp.) também seja relatado para outros roedores como Nectomys squamipes e Holochilus brasiliensis ; e para o marsupial Chironectes minimus33 , todos são silvestres e de hábito semiaquático, o que reduz as possibilidades dessas espécies contaminarem alimentos.
Adicionalmente, os padrões medulares observados (alveolar e reticulado) são diferentes dos observados em pelos humanos ou de outros grupos de mamíferos aos quais a RDC Anvisa nº 623/2022 14 se refere. Segundo Silveira et al. 23 , em humanos a medula está ausente ou é unisseriada; cães e gatos domésticos apresentam medula matricial e trabecular, respectivamente; nos morcegos, a medula é ausente; e nos gambás é do tipo crivada 28 . Felix et al. 34 , trabalhando com raças brasileiras de bovinos utilizadas na produção de alimentos, observaram a medula trabecular. De Marinis e Asprea 35 , estudando a morfologia dos pelos de ungulados domésticos (vacas, ovelhas, cabras, cavalos e burros), relataram a presença de medula unisseriada ou multisseriada, com ou sem a formação de vacúolos, podendo apresentar-se descontínua e estreita. Todas essas características diferem acentuadamente das observadas nos roedores.
Nesse sentido, a presença dos padrões alveolar e reticulado no escudo de pelos-guarda inteiros conduz ao diagnóstico de roedor ( Figura 5 ) e possibilita o enquadramento no inciso IX do art. 3º da RDC Anvisa nº 623/2022 14 . Adicionalmente, outro padrão que conduz ao diagnóstico de roedor por ter sido observado exclusivamente nesse grupo de mamíferos é o padrão listrado. Embora este não tenha sido descrito para as três espécies de roedores sinantrópicos estudadas aqui, já foi descrito para outras espécies de pequenos roedores silvestres (Sigmodontinae) 32 , 33 .
A análise tricológica dos pelos de roedores estudados mostrou que estas espécies sinantrópicas podem ser diferenciadas das demais espécies de mamíferos de interesse sanitário pela presença dos padrões medulares alveolar e reticulado no escudo de pelos-guarda. Os padrões cuticulares na haste, por outro lado, apresentam sobreposições interespecíficas, tornando-os inúteis para a referida diagnose. Portanto, ao analista interessa mais especificamente dominar o reconhecimento de pelos-guarda e a identificação dos padrões medulares na porção do escudo desses pelos.
O protocolo de análise tricológica, contendo o fluxograma ilustrado, evidencia aqueles casos em que o parecer é inconclusivo (subpelos e fragmentos de haste) e, especialmente, possibilita enquadrar, única e exclusivamente, pelos-guarda inteiros ou fragmentos de escudo como matéria estranha indicativa de risco à saúde (pelos de roedores) ou como indicativa de falhas das boas práticas (pelos humanos e dos demais mamíferos) de acordo com a RDC Anvisa nº 623/2022.
À Dra. Fernanda Gatto Almeida, por disponibilizar os exemplares de roedores para coleta de pelos junto ao Laboratório de Citogenética e Genética da Conservação do Departamento de Genética da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
* E-mail: cinthia.aquino@ial.sp.gov.br