ARTIGO

Ocorrência de bromato em águas destinadas ao consumo humano

Occurrence of bromate in water intended for human consumption

Sergio Dovidauskas *
Instituto Adolfo Lutz, Brasil
Isaura Akemi Okada
Instituto Adolfo Lutz, Brasil
Felipe Rodrigues dos Santos
Instituto Adolfo Lutz, Brasil
Marina Miyuki Okada
Instituto Adolfo Lutz, Brasil
Rita de Cássia Briganti
Instituto Adolfo Lutz, Brasil
Marco Antonio Moreira Souto
Instituto Adolfo Lutz, Brasil

Ocorrência de bromato em águas destinadas ao consumo humano

Vigilância Sanitária em Debate: Sociedade, Ciência & Tecnologia, vol. 10, no. 2, pp. 68-76, 2022

INCQS-FIOCRUZ

Received: 22 November 2021

Accepted: 27 April 2022

Funding

Funding source: Fapesp

Contract number: 2017/24883-0

Funding

Funding source: Fapesp

Contract number: 2018/20342-7

RESUMO

Introdução: Bromato é mutagênico e um provável carcinogênico em seres humanos. Normalmente não ocorre em águas para consumo humano, mas a contaminação pode ocorrer por águas residuárias industriais e pela desinfecção por ozonização (se brometo estiver presente) ou pelo uso de solução de hipoclorito de qualidade insatisfatória.

Objetivo: Descrever as concentrações de bromato nas águas de abastecimento de 89 municípios do estado de São Paulo (Brasil), os perfis físico-químicos das águas nas quais o contaminante ocorre e uma ação conjunta entre Laboratório de Saúde Pública, Grupo de Vigilância Sanitária e de duas Vigilâncias Sanitárias dos municípios onde foram encontrados níveis importantes de bromato.

Método: Foram analisadas 4.853 amostras em 21 parâmetros físico-químicos (incluindo concentração de bromato) e dois microbiológicos. Para análise multivariada foram incluídos quatro parâmetros demográficos.

Resultados: O bromato foi encontrado em 224 amostras (4,6% do total) de 17 municípios. As concentrações variaram entre 3 e 199 µg L -1 e 56 amostras (1,1% do total) apresentaram teores acima do valor máximo permitido. A Análise de Componentes Principais nesses 17 municípios indicou KBrO 3 como a forma predominante de contaminação. Os índices de contaminação de dois municípios diminuíram a partir da disponibilização para as Vigilâncias Sanitárias de laudos que incluíram os resultados de bromato.

Conclusões: Os dados sugerem que o monitoramento das concentrações de bromato deveria ser incluído na rotina do Programa de Vigilância da Água para Consumo Humano do estado de São Paulo. As notificações das Vigilâncias Sanitárias junto aos responsáveis pelo abastecimento de água de dois municípios foram importantes para a melhoria da qualidade da água fornecida à população em relação à contaminação.

Palavras chave: Bromato+ Água para Consumo Humano+ Controle da Contaminação da Água+ Vigilância Sanitária.

ABSTRACT

Introduction: Bromate is mutagenic and a probable carcinogen in humans. It usually does not occur in water for human consumption, but contamination can occur by industrial wastewater and in the disinfection process by ozonization (if bromide is present) or by the use of hypochlorite solution of unsatisfactory quality.

Objective: Describe bromate concentrations in the water supply of 89 municipalities in the state of São Paulo (Brazil), the physicochemical profiles of the waters in which the contaminant occurs, and a joint action between the Public Health Laboratory, the Sanitary Surveillance Regional Group and two Sanitary Surveillance of municipalities where important levels of bromate were found.

Method: 4,853 samples were analyzed in 21 physicochemical parameters (including bromate concentration) and 2 microbiological parameters. For multivariate analysis, 4 demographic parameters were included.

Results: Bromato was found in 224 samples (4.6% of the total) from 17 municipalities. The concentrations ranged between 3 and 199 μg L-1and 56 samples (1.1% of the total) presented levels above the Maximum Allowed Value. Principal Component Analysis in these 17 municipalities indicated KBrO3as the predominant form of contamination. The contamination rates of two municipalities decreased from the availability to the Sanitary Surveillance of reports that included bromate results.

Conclusions: The data suggest that the monitoring of bromate concentrations should be included in the routine of the Water Surveillance Program for Human Consumption in the state of São Paulo. The notifications of the Sanitary Surveillance with those responsible for the water supply of two municipalities were important to improve the quality of the water supplied to the population in relation to contamination.

Keywords: Bromate, Water for Human Consumption, Water Contamination Control, Health Surveillance.

INTRODUÇÃO

O íon bromato (BrO 3 -) é um agente oxidante forte com potencial padrão E 0 ’ igual a 1,44 V em H 2 SO 4 1 mol L -1 , cuja força é similar à dos oxidantes permanganato (MnO 4 -, E 0 ’ = 1,51 V) e cério IV (Ce 4 , E 0 ’ = 1,44 V) 1 . A maioria dos bromatos metálicos, como bromato de sódio (NaBrO 3 ) ou de potássio (KBrO 3 ), é solúvel em água. NaBrO 3 e KBrO 3 são substâncias usadas principalmente em produtos cosméticos para cabelos e no tingimento de tecidos que utilizam corantes contendo enxofre. A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer da Organização Mundial da Saúde concluiu que existe evidência suficiente para considerar o íon bromato como cancerígeno, baseando-se em experimentos envolvendo altas doses em animais. Porém, para seres humanos, os dados são ainda insuficientes para a mesma conclusão e, nesse caso, afirma-se que é possivelmente cancerígeno. Não obstante, o bromato é reconhecidamente mutagênico, tanto in vitro como in vivo2 .

A água destinada ao consumo humano normalmente não contém o íon bromato, e a legislação brasileira estabelece um valor máximo permitido (VMP) igual a 0,01 mg L -1 (ou 10 μg L -1 ) 3 . Porém, a contaminação pode ocorrer por três modos principais 2: (i) quando os mananciais são atingidos por águas residuárias industriais contendo NaBrO 3 ou KBrO 3 ; (ii) quando da desinfecção por ozonização, se na água estiver presente o íon brometo (Br - ) – a reação química entre brometo e ozônio (O 3 ), resultando na conversão de brometo para bromato, depende de vários fatores como concentrações de Br - e O 3 , pH e quantidade de matéria orgânica na água; (iii) quando se utiliza solução de hipoclorito de sódio (NaOCl) de qualidade inadequada para o processo de desinfecção – a solução de NaOCl é produzida pela eletrólise de solução aquosa de cloreto de sódio (NaCl) que pode, naturalmente, conter pequenas quantidades de brometo de sódio (na eletrólise, brometo é transformado em bromato e a qualidade da solução de hipoclorito para fins de desinfecção de água é, em parte, função do conteúdo desse contaminante).

No Brasil, o Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiagua) é constituído de um conjunto de ações adotadas pelas autoridades de Saúde Pública para que exista um controle não somente sobre a presença de bromato e de outros contaminantes, mas também para garantir o acesso da população à água em quantidade adequada e qualidade compatível com o padrão de potabilidade estabelecido pela legislação vigente 3 . As ações do Vigiagua são atribuições das Secretarias de Saúde municipais, estaduais e do Distrito Federal, além do Ministério da Saúde, por meio da Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental.

No estado de São Paulo (Brasil), a qualidade dos mananciais de água é monitorada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), uma agência vinculada à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. A CETESB periodicamente publica relatórios sobre a qualidade das águas interiores, costeiras e subterrâneas 4 , 5 , 6 . O monitoramento da qualidade da água para verificar a potabilidade, por sua vez, é uma das ações do Programa de Vigilância da Água para Consumo Humano (Proágua), coordenado pelo Centro de Vigilância Sanitária da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde. Esse monitoramento, feito por agentes das Vigilâncias Sanitárias Municipais, inclui a coleta de amostras para análise e, no momento da coleta, são avaliados: pH, temperatura e cloro residual livre (CRL). Após a refrigeração, as amostras são enviadas ao laboratório para análise de: cor aparente, turbidez, concentração de fluoreto, coliformes totais e Escherichia coli , totalizando oito parâmetros na avaliação da qualidade da água. O laboratório responsável pelas análises do Proágua de 90 municípios da região nordeste do estado de São Paulo ( Figura 1 ) é o Núcleo de Ciências Químicas e Bromatológicas do Instituto Adolfo Lutz – Regional de Ribeirão Preto (NQBRP). Segundo dados do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nessa região vivem aproximadamente 3,3 milhões de habitantes, e a ação antrópica sobre os mananciais está aumentando pela urbanização e industrialização crescentes.

Região em que o laboratório Núcleo de Ciências Químicas e Bromatológicas do Instituto Adolfo Lutz – Regional de Ribeirão Preto (NQBRP) colabora no monitoramento da qualidade da água destinada ao consumo humano (em azul).
Figura 1
Região em que o laboratório Núcleo de Ciências Químicas e Bromatológicas do Instituto Adolfo Lutz – Regional de Ribeirão Preto (NQBRP) colabora no monitoramento da qualidade da água destinada ao consumo humano (em azul).
Fonte: Adaptada pelos autores a partir de http://www.igc.sp.gov.br e https://portaldemapas.ibge.gov.br, 2021.

Em virtude da ocorrência de altas concentrações de nitrato nas águas de abastecimento de um município da região 7 , o Departamento de Águas e Energia Elétrica do estado de São Paulo decidiu pela restrição da captação da água subterrânea na área urbana desse município por seis anos 8 . Em 2014, o NQBRP aumentou o número de parâmetros analisados pelo Proágua de oito para 23, com o objetivo de obter uma caracterização mais detalhada da qualidade da água fornecida à população e, assim, foram incluídas a medida da condutividade e as determinações das concentrações de 14 íons (lítio, sódio, amônio, potássio, cálcio, magnésio, clorito, bromato, cloreto, brometo, clorato, nitrato, fosfato e sulfato). Os principais resultados incluíram: um mapeamento pormenorizado da qualidade da água por meio da Análise de Componentes Principais (ACP) 9 , com a identificação de um município com perfil físico-químico único na região 10 ; um segundo município com importante contaminação da água subterrânea por nitrato foi identificado na região 11 ; descrição detalhada das correlações entre as concentrações de nitrato nas águas e os demais parâmetros analisados 12 ; e avaliação da qualidade da fluoretação das águas dos municípios por meio de duas abordagens diferentes 13 .

Motivado pelos resultados obtidos descritos no parágrafo anterior, em 2018, o NQBRP iniciou uma segunda fase de estudos cujas principais características foram: (i) aumento do número de amostras analisadas para aqueles municípios onde foram encontrados níveis relevantes de nitrato, lítio e bromato no estudo anterior; (ii) introdução das determinações das concentrações do herbicida glifosato e de seu principal metabólito, o ácido aminometilfosfônico (AMPA), pois não existiam estudos abrangentes no Brasil sobre a presença de glifosato e AMPA nas águas de abastecimento, como os já realizados pelo NQBRP para o nitrato, por exemplo; e (iii) introdução de variáveis demográficas na ACP, com o objetivo de realizar uma investigação preliminar sobre a influência dos fatores sociais, econômicos e de saúde nos perfis físico-químicos associados às águas contaminadas, obtidos por análise multivariada de dados.

O objetivo deste trabalho foi descrever os resultados obtidos na segunda fase da pesquisa em relação ao bromato, realizada durante um ano de forma ininterrupta, seguindo a estratégia de analisar não somente a presença do contaminante, mas também os perfis físico-químicos das águas nas quais o contaminante ocorre. Esses resultados provocaram uma ação conjunta entre o NQBRP, o Grupo de Vigilância Sanitária de Ribeirão Preto e as Vigilâncias Sanitárias Municipais das duas cidades onde foram encontrados níveis importantes de bromato.

MÉTODO

No total foram analisadas 4.853 amostras de água, com a amostragem ocorrendo entre 18 de março de 2019 e 17 de março de 2020, seguindo plano estabelecido no estudo anterior 9 . Para análise físico-química, foram coletadas amostras de água em frascos plásticos limpos (capacidade entre 250 e 1.000 mL). Para análise microbiológica, foram coletadas 100 mL de amostra de água em frascos plásticos ou bolsas (modelo Thio Bag ) com capacidade de 120 mL, estéreis e descartáveis, que continham tiossulfato de sódio para neutralização do CRL. As coletas foram realizadas por agentes das Vigilâncias Sanitárias em cada um de 89 municípios da região (as análises das amostras do Proágua do município de Franca não foram realizadas pelo NQBRP). Esses agentes também realizaram as medições de temperatura, pH e CRL no momento da coleta. Por fim, as amostras foram refrigeradas (4ºC) e enviadas ao NQBRP.

No laboratório de análises microbiológicas, as determinações da presença ou ausência de coliformes totais e E. coli foram realizadas pelo método cromogênico e fluorogênico (sistema Colilert, Idexx Laboratories/USA).

No laboratório de análises físico-químicas, os reagentes utilizados (marcas Sigma-Aldrich e Merck) eram de grau analítico. No preparo de soluções aquosas utilizou-se água tipo I, obtida em purificador marca Millipore, modelo Milli-Q Direct 8. Medidas de condutividade foram realizadas usando-se condutivímetro da marca Metrohm, modelo 912. A cor aparente foi determinada usando-se colorímetro da marca Digimed, modelo DM-COR. Para as medidas de turbidez foi usado um turbidímetro da marca Tecnopon, modelo TB-1000. As concentrações dos íons lítio, sódio, amônio (expresso como NH 3 ), potássio, cálcio e magnésio foram determinadas por cromatografia de íons usando cromatógrafo marca Metrohm, modelo 930 Compact IC Flex Deg, por método validado 10 , 14 . O bromato foi determinado por cromatografia de íons em um método desenvolvido e validado (limites de detecção e de quantificação de bromato iguais a 3 e 8 μg L -1 , respectivamente) 15 . Esse método incluiu também as determinações de glifosato, AMPA, fluoreto, clorito, cloreto, nitrato, fosfato e sulfato. Em relação ao correspondente método cromatográfico para ânions desenvolvido e validado no estudo anterior 10 , no presente método não foram incluídas as determinações de brometo e clorato uma vez que não foi possível obter uma resolução satisfatória dos respectivos picos cromatográficos sem prejuízo da resolução e quantificação dos analitos que estavam sendo introduzidos no estudo (glifosato e AMPA), sobre os quais o NQBRP tem particular interesse.

Para se obter quatro variáveis demográficas, as informações de cada município sobre o número de habitantes (variável NHAB), produto interno bruto per capita (variável PIBpc) e índice de desenvolvimento humano municipal (variável IDHM) foram pesquisados no website do IBGE (https://cidades.ibge.gov.br), enquanto o número de hospitalizações devido à diarreia e à gastroenterite foi obtido no website do Ministério da Saúde do Brasil (http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php) – esse número foi transformado em hospitalizações para cada mil habitantes (variável HOSP).

No processamento dos dados foram usados os softwares Microsoft Excel® 2013, Origin® 9.1Pro e The Unscrambler®X 10.3. Para redução da matriz inicial de dados experimentais, constituída de 4.853 linhas/amostras e 23 colunas/variáveis, inicialmente cada município foi representado pela respectiva série de médias nas 21 variáveis físico-químicas, e os dois resultados microbiológicos (presença/ausência de coliformes totais e E. coli ) foram combinados calculando-se a porcentagem de resultados positivos para cada município (variável %MB+). Finalmente, os quatro dados demográficos foram incluídos, resultando na matriz constituída de 89 linhas (municípios) e 26 colunas (variáveis).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O bromato foi encontrado em 224 amostras (4,6% do total) oriundas de 17 municípios da região, destacando-se Ribeirão Preto (121 amostras contaminadas) e Batatais (38 amostras contaminadas). As concentrações variaram entre 3 e 199 µg L -1 , e 56 amostras (1,1% do total) apresentaram teores acima do VMP – as amostras com concentrações entre os limites de detecção e de quantificação foram incluídas na análise por serem consideradas informações relevantes 16 à Saúde Pública em relação à presença do contaminante mutagênico e provável carcinogênico. Esses números são muito superiores aos obtidos no estudo anterior em que 42 amostras de oito municípios estavam contaminadas (1% do total, concentrações entre 5 e 30 µg L -1 , 16 amostras com teores acima do VMP). Naquele estudo, Ribeirão Preto e Batatais também haviam se destacado, com 19 e sete amostras contaminadas, respectivamente. O aumento na proporção de amostras contaminadas com bromato (de 1% para 4,6%) pode ser atribuído, pelo menos em parte, ao aumento do número de amostras analisadas para os municípios onde se suspeitou inicialmente de contaminação de acordo com os dados do estudo anterior. Por outro lado, o aumento no número de municípios nos quais bromato foi encontrado (de oito para 17) pode ser atribuído, pelo menos em parte, ao fato de também terem sido aumentados os números de amostras analisadas onde se encontraram níveis importantes de lítio e nitrato, o que favoreceu a detecção do bromato em municípios onde não havia sido encontrado. Em resumo: o aumento do número de amostras analisadas onde haviam sido encontrados níveis relevantes de bromato, lítio e nitrato contribuiu para a elevação dos índices de contaminação das águas da região por bromato.

A Tabela exibe alguns detalhes importantes sobre a ocorrência de bromato nas águas dos 17 municípios, dispostos em ordem decrescente de concentração média de bromato: (i) embora representem apenas 19% do total de municípios, a população associada atinge mais de 1,3 milhão de habitantes (40,5% do total da região); (ii) as quatro maiores concentrações médias obtidas são de municípios que utilizam exclusivamente manancial subterrâneo para o abastecimento, contudo, neste estudo não foi possível relacionar características deste tipo de manancial com as contaminações por bromato observadas; (iii) existem municípios com elevadas porcentagens de contaminação (%Cont), como Ribeirão Preto (41,2%), Batatais (25,0%) e Pradópolis (24,1%), evidenciando que parte significativa das populações desses municípios ficou exposta ao contaminante (%Cont foi definida como a relação entre o número de amostras contaminadas e o número de amostras analisadas, expressa em porcentagem); (iv) o número de amostras com concentrações de bromato próximos ao VMP (8 μg L -1 ≤ c ≤ 10 μg L -1 ) é significativo (21 amostras, 0,4% do total) – quando somado ao número de amostras que apresentaram teores acima do VMP (1,1%), verifica-se que 1,5% do total de amostras exibiu nível de bromato que requer atenção especial.

Tabela
Ocorrência de bromato em águas destinadas ao consumo humano de 17 municípios do nordeste do estado de São Paulo.
Ocorrência de bromato em águas destinadas ao consumo humano de 17 municípios do nordeste do estado de São Paulo.
n A: número de amostras; n cont: número de amostras contaminadas; %Cont: percentagem de amostras contaminadas.

A Figura 2 exibe a localização dos municípios indicados na Tabela . É possível constatar que os cinco municípios com maiores concentrações médias de bromato estão próximos entre si, aproximadamente no centro da região, e outros cinco municípios com concentrações médias intermediárias estão dispersos principalmente no centro-norte da região, e os demais localizam-se principalmente no centro-sul.

Mapeamento da ocorrência de bromato em águas destinadas ao consumo humano da região nordeste do estado de São Paulo.
Figura 2
Mapeamento da ocorrência de bromato em águas destinadas ao consumo humano da região nordeste do estado de São Paulo.
Fonte: Adaptada pelos autores a partir de http://www.igc.sp.gov.br, 2021.

No intuito de se obter informações sobre a distribuição de águas contaminadas exibida na Figura 2 , investigou-se a possibilidade da realização de uma ACP. Contudo, a matriz de correlações, calculada a partir da matriz de 89 municípios e 26 variáveis, mostrou que a concentração média de bromato nas águas dos municípios não se relacionou significativamente com nenhuma das outras 25 variáveis (considerou-se como significativa uma correlação de Pearson r maior ou igual a |0,3|, ou r ≥ |0,3|) 17 . Dessa forma, não foi possível associar um perfil físico-químico às águas contaminadas por bromato, nem relacionar à variável microbiológica (%MB+) ou as demográficas (NHAB, PIBpc, IDHM e HOSP). Em particular, tendo em vista que tem sido sugerido que o nitrato possa ser usado como um indicador para a identificação de outras substâncias de interesse para a Saúde Pública 18 como, por exemplo, os contaminantes emergentes 19 , e considerando que a região apresenta municípios com águas subterrâneas contaminadas por nitrato 7 , 9 , 11 , 12 , deve ser ressaltado que a correlação extremamente baixa entre as concentrações de bromato e nitrato (r = -0,06) sugere que são diferentes as formas de contaminação de ambos – em áreas urbanas do estado de São Paulo, estudos relacionaram altas concentrações de nitrato nas águas subterrâneas a locais densamente povoados e/ou com ocupação mais antiga, presença de cemitérios, latrinas e fossas mal construídas e redes antigas de coleta de esgoto (com maior probabilidade de vazamentos) 4 .

Constatada a ausência de variáveis correlacionadas com a contaminação de bromato nas águas quando foram considerados todos os municípios, procedeu-se à investigação das variáveis apenas daqueles incluídos na Tabela , com o objetivo de pesquisar características comuns dentro do grupo. Assim, foi construída uma nova matriz incluindo os 17 municípios e as 26 variáveis. A respectiva matriz de correlações indicou que a concentração média de bromato se correlacionou significativamente (r ≥ |0,3|) com 12 variáveis: NHAB, %MB+, condutividade, turbidez, cor aparente, pH, temperatura e com as concentrações médias de fosfato, sulfato, cloreto, potássio e sódio. Porém, a ACP envolvendo os 17 municípios da Tabela e essas 13 variáveis apresentou uma variância explicada baixa, sendo 29,0% para a primeira componente principal (CP1), 21,0% para a segunda componente principal (CP2) e 13,0% para a terceira componente principal (CP3), totalizando 63,0% no espaço CP1/CP2/CP3, comprometendo inferências mais robustas a respeito da disposição dos municípios no gráfico de escores e da disposição das variáveis no gráfico de pesos.

No intuito de se obter um modelo descritivo de maior variância explicada, selecionaram-se as variáveis que apresentaram as maiores correlações com as concentrações médias de bromato no grupo de municípios da Tabela , dessa forma, foram selecionadas as concentrações médias de cloreto (r = -0,539), potássio (r = 0,524) e sulfato (r = -0,500). A ACP resultante apresentou uma variância explicada em três dimensões igual a 93,0%, distribuídas da seguinte forma: 54,0% em CP1, 23,0% em CP2 e 16,0% em CP3 ( Figura 3 ). No gráfico de escores do espaço CP1/CP2 ( Figura 3A ), é possível observar que os municípios com as maiores concentrações médias de bromato se localizam à direita, mesma posição das variáveis bromato e potássio no gráfico de pesos ( Figura 3B ), o que sugere que a forma predominante de contaminação nos cinco municípios de maiores concentrações médias é KBrO 3 . Os demais municípios distribuem-se na Figura 3A em ordem decrescente de concentrações médias de bromato à medida que o escore em CP1 diminui, mas a separação entre as concentrações intermediárias e as baixas não é evidente, embora se distribuam ao longo de CP2 conforme apresentem maiores teores de sulfato (como os municípios de Olímpia, Orlândia e Barretos, na parte positiva de CP2) ou de cloreto (como o município de Santa Rita do Passa Quatro, na parte negativa de CP2), como indica o gráfico de pesos ( Figura 3B ). Em particular, a posição do município de Barretos, aparentemente distante dos demais municípios que apresentam concentrações médias intermediárias de bromato, é resultado de sua concentração média de sulfato, a 3ª maior entre os 17 municípios. Sulfato não é uma variável importante em CP3 ( Figura 3D ), e o escore de Barretos nessa componente (igual a -0,53) é compatível com os escores dos municípios de concentração intermediária, que variam de -0,17 a -1,44, assim, no espaço CP1/CP3 ( Figura 3C ) é possível constatar a aproximação de Barretos aos outros municípios de concentrações intermediárias de bromato. A Figura 3E exibe a distribuição dos 17 municípios no espaço tridimensional CP1/CP2/CP3, em que se pode constatar a direção preferencial das maiores concentrações entre CP1 e CP3 (definidas principalmente pelas concentrações médias de bromato e potássio), uma direção preferencial das concentrações menores visualizada com a inclusão de CP3 (influenciada principalmente pela concentração média de cloreto) e os municípios com concentrações intermediárias em posições também intermediárias entre as duas principais direções.

Análise de Componentes Principais (ACP) das águas contaminadas por bromato (17 municípios, quatro variáveis).
Figura 3
Análise de Componentes Principais (ACP) das águas contaminadas por bromato (17 municípios, quatro variáveis).
Fonte: Elaborada pelos autores, 2021.

A constatação de que KBrO 3 é a forma predominante de contaminação nos cinco municípios de maiores concentrações médias de bromato poderia sugerir que atividades industriais estariam impactando os mananciais de água da região. Contudo, desde o estudo anterior, o NQBRP investiga essa contaminação e, até o momento, não foi possível localizar fontes de contaminação desse tipo, em adição, as ocorrências são aleatórias, em regiões diferentes de um mesmo município. Considerada improvável a contaminação da água por resíduos industriais contendo KBrO 3 , resolveu-se pesquisar outras possíveis fontes – esse fato será discutido a seguir.

No início desse estudo constatou-se que, com a elevação dos índices de contaminação devido ao aumento do número de amostras analisadas com níveis relevantes de bromato, lítio e nitrato, havia a necessidade de uma intervenção. Por exemplo: nos três primeiros meses de aquisição de dados, foram encontrados níveis importantes de bromato em todas as áreas urbanas do município de Ribeirão Preto (central, norte, sul, leste e oeste). Uma vez que no nordeste do estado de São Paulo a desinfecção da água é realizada pelo uso de solução de hipoclorito, resolveu-se investigar se havia alguma relação entre essa solução e os níveis de bromato encontrados. Inicialmente escolheram-se dois municípios, Ribeirão Preto e Batatais, cujos níveis eram altos e que apresentavam as maiores porcentagens de contaminação. Como o estudo não previa ações nos municípios, o NQBRP reuniu-se com o respectivo Grupo de Vigilância Sanitária e, como primeiro passo, resolveu-se adicionar os resultados de bromato nos laudos de qualidade das amostras de água do Proágua dos dois municípios, com o objetivo de criar instrumentos para que as Vigilâncias Sanitárias Municipais notificassem os serviços responsáveis pelo abastecimento a respeito das contaminações, visto que uma provável fonte de contaminação poderia ser a utilização de produto de qualidade insatisfatória para o processo de desinfecção da água (por exemplo: soluções de hipoclorito para uso industrial podem conter bromato). A inclusão dos resultados de bromato começou a partir de agosto de 2019 e, a partir do mês seguinte, observou-se uma queda acentuada tanto na média mensal da concentração de bromato como no número de amostras com concentrações acima do VMP, principalmente para o município de Ribeirão Preto ( Figura 4 ). Em vista dessas reduções nos índices de contaminação, não foram planejadas outras ações nos municípios uma vez que os serviços de abastecimento, após as notificações, conseguiram melhorar a qualidade da água fornecida à população no que tange à presença do contaminante bromato.

Concentrações médias mensais de bromato nas águas de Ribeirão Preto (A) e Batatais (C), e número mensal de amostras de água com teores acima do valor máximo permitido (VMP) em Ribeirão Preto (B) e Batatais (D), no período de 18/03/2019 a 17/03/2020.
Figura 4
Concentrações médias mensais de bromato nas águas de Ribeirão Preto (A) e Batatais (C), e número mensal de amostras de água com teores acima do valor máximo permitido (VMP) em Ribeirão Preto (B) e Batatais (D), no período de 18/03/2019 a 17/03/2020.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2021.

CONCLUSÕES

Considerando que o bromato é mutagênico e um provável carcinogênico em seres humanos, os níveis desse contaminante encontrados nas águas de abastecimento da região nordeste do estado de São Paulo, bem como a frequência com que esses níveis ocorreram, sugerem que o monitoramento desse íon deveria ser incluído na rotina do Proágua. Em adição, esse trabalho mostrou que as notificações das Vigilâncias Sanitárias aos responsáveis pelo abastecimento de água dos municípios em relação às contaminações foram cruciais para a tomada de medidas que resultaram na melhoria da qualidade da água fornecida à população em relação à presença do bromato.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pelo apoio financeiro (Processo Fapesp nº 2017/24883-0) e pela bolsa concedida a Felipe Rodrigues dos Santos (Processo Fapesp nº 2018/20342-7).

REFERÊNCIAS

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Author notes

Contribuição dos Autores Dovidauskas S - Concepção, planejamento (desenho do estudo) e redação do trabalho. Okada IA - Concepção, planejamento (desenho do estudo), aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Santos FR, Okada MM, Briganti RC, Souto MAM - Aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.

* E-mail: sergio.dovidauskas@ial.sp.gov.br

Conflict of interest declaration

Conflito de Interesse Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
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