RESUMO
Introdução: Os desvios da qualidade de medicamentos (DQM) apresentam grande relevância no âmbito da farmacovigilância, devendo ser investigados e monitorados, uma vez que podem levar a uma grande variedade de desfechos clínicos.
Objetivo: Discutir sobre a caracterização dos DQM no âmbito da farmacovigilância por meio de uma revisão narrativa da literatura.
Método: Foi realizada uma busca abrangente em bases de dados utilizando-se os descritores: “farmacovigilância”, “queixas técnicas (QT)”, “DQM” e “sistemas de notificação”, incluindo estudos relacionados diretamente ao tema proposto, realizados no Brasil e publicados no período de 2005 a 2020.
Resultados: Os DQM podem estar relacionados a alterações no próprio medicamento, ao conteúdo e integridade da embalagem e à rotulagem. Dos 18 estudos selecionados (14 artigos, dois capítulos de livro e duas dissertações) contendo notificações de DQM na forma de QT de medicamentos, dois avaliaram exclusivamente notificações de QT de medicamentos (100,0%), enquanto o restante apontou que estas representavam de 0,6% a 70,0% do total de notificações realizadas em estabelecimentos de saúde do país. Os principais DQM evidenciados foram alterações no aspecto do produto, ausência/redução na quantidade do medicamento e problemas nas embalagens.
Conclusões: Considera-se que as notificações envolvendo DQM representem um excelente indicador de qualidade dos medicamentos disponíveis no mercado, vindo a contribuir na qualificação de fornecedores e distribuição de produtos conformes à população.
Palavras chave: Farmacovigilância, Notificação, Controle de Qualidade, Preparações Farmacêuticas.
ABSTRACT
Introdução: Os desvios da qualidade de medicamentos (DQM) apresentam grande relevância no âmbito da farmacovigilância, devendo ser investigados e monitorados, uma vez que podem levar a uma grande variedade de desfechos clínicos.
Objetivo: Discutir sobre a caracterização dos DQM no âmbito da farmacovigilância por meio de uma revisão narrativa da literatura.
Método: Foi realizada uma busca abrangente em bases de dados utilizando-se os descritores: “farmacovigilância”, “queixas técnicas (QT)”, “DQM” e “sistemas de notificação”, incluindo estudos relacionados diretamente ao tema proposto, realizados no Brasil e publicados no período de 2005 a 2020.
Resultados: Os DQM podem estar relacionados a alterações no próprio medicamento, ao conteúdo e integridade da embalagem e à rotulagem. Dos 18 estudos selecionados (14 artigos, dois capítulos de livro e duas dissertações) contendo notificações de DQM na forma de QT de medicamentos, dois avaliaram exclusivamente notificações de QT de medicamentos (100,0%), enquanto o restante apontou que estas representavam de 0,6% a 70,0% do total de notificações realizadas em estabelecimentos de saúde do país. Os principais DQM evidenciados foram alterações no aspecto do produto, ausência/redução na quantidade do medicamento e problemas nas embalagens.
Conclusões: Considera-se que as notificações envolvendo DQM representem um excelente indicador de qualidade dos medicamentos disponíveis no mercado, vindo a contribuir na qualificação de fornecedores e distribuição de produtos conformes à população.
Keywords: Farmacovigilância, Notificação, Controle de Qualidade, Preparações Farmacêuticas.
REVISÃO
Caracterização e representatividade dos desvios da qualidade de medicamentos no âmbito da farmacovigilância: uma revisão narrativa
Characterization and representation of substandard drugs in the area of pharmacovigilance scope: a narrative review
Received: 14 April 2021
Accepted: 15 March 2022
O monitoramento dos medicamentos disponíveis no mercado farmacêutico se faz por meio da farmacovigilância, objetivando a detecção, a avaliação, a compreensão e a prevenção não somente das reações adversas a medicamentos (RAM), mas também de quaisquer problemas relacionados a medicamentos (PRM). Considera-se como PRM qualquer resultado indesejável que esteja relacionado com o tratamento farmacoterapêutico, interferindo de modo real ou potencial nos resultados esperados para tal tratamento 1 .
Diante disso, o escopo das atividades de farmacovigilância compreende: 1. suspeita de RAM; 2. eventos adversos por desvio da qualidade de medicamentos (DQM); 3. eventos adversos decorrentes do uso não aprovado de medicamentos (uso off-label ); 4. interações medicamentosas; 5. inefetividade terapêutica total ou parcial; 6. intoxicações relacionadas ao uso de medicamentos; 7. uso abusivo de medicamentos e 8. erros de medicação, potenciais e reais 1 , 2 .
Os PRM são frequentes em pacientes hospitalizados e podem resultar em prolongamento do período de internação, incapacidade, lesão e/ou óbito, acarretando o aumento do consumo dos recursos sanitários 3 , 4 . Ações visando a identificação rápida dos PRM para a prevenção, a minimização ou a eliminação dos riscos de danos à saúde dos pacientes tornam a farmacovigilância um importante meio de conexão entre a regulação de medicamentos e a prática clínica 3 , 5 . Salienta-se que essas ações ocorrem principalmente por meio de atividades de seguimento terapêutico 5 .
Embora as RAM sejam mais exploradas, a investigação de DQM apresenta grande relevância no âmbito da farmacovigilância 6 . Os DQM se definem pelo afastamento dos parâmetros de qualidade estabelecidos para o produto ou processo exigidos para seu registro e comercialização, podendo causar danos à saúde do paciente ou não 1 .
Desta forma, nem todo DQM leva a um desfecho clínico negativo, pois, se constatado antes da dispensação/administração do medicamento, não ocorrerá dano ao usuário, caracterizando-se, então, como queixa técnica (QT) 1 . Define-se como QT a suspeita de alteração ou irregularidade de um produto ou empresa relacionada a aspectos técnicos ou legais, tais como os problemas de não conformidade do medicamento associados ao seu desempenho, qualidade ou segurança 6 . No entanto, quando é possível estabelecer uma associação positiva entre o DQM e o dano ao paciente, tem-se, então, o evento adverso ao medicamento (EAM) 1 . De qualquer forma, as suspeitas de desvio da qualidade devem ser investigadas e monitoradas, pois podem levar a uma grande variedade de desfechos clínicos.
Este estudo se propôs a discutir sobre a caracterização dos DQM no âmbito da farmacovigilância por meio de uma revisão narrativa da literatura. Para tal, diversas fontes bibliográficas foram recuperadas tanto para a contextualização do assunto quanto para o levantamento da representatividade dos DQM em âmbito nacional.
Estudo de revisão narrativa visando explorar a seguinte pergunta: Qual a representatividade dos DQM descrita em estudos científicos realizados no Brasil e como caracterizá-los a partir dos achados em questão?
Foi realizada uma busca abrangente nas bases de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), utilizando-se os seguintes descritores: “Farmacovigilância”, “Queixa Técnica”, “Desvio da Qualidade de Medicamentos” e “Sistemas de Notificação”, nos idiomas português e inglês. Além disso, foi realizada uma busca suplementar nas referências dos estudos encontrados, utilizando-se também documentos oficiais de órgãos de Vigilância Sanitária, livros didáticos e dissertações acadêmicas. Foram incluídos conteúdos publicados no período de 2005 a 2020.
No total, foram recuperados 782 artigos nas duas bases. Após aplicação dos critérios de exclusão (período selecionado e idioma), 526 artigos foram excluídos. Foi feita uma leitura crítica do título/resumo dos 256 artigos restantes, excluindo-se os que não eram de interesse ao tema proposto por esta revisão, ou seja, que envolvessem a análise exclusiva de outros tipos de PRM ou realizados fora do território nacional, e aqueles repetidos entre as bases consultadas.
Por fim, a revisão foi baseada em 18 artigos, três livros, três dissertações e dez normas e documentos de órgãos oficiais, incluindo-se também estudos selecionados a partir das referências dos materiais previamente identificados, totalizando 36 referências. A representatividade dos DQM foi obtida utilizando-se o menor e o maior valor referentes às notificações de QT descritos nos artigos selecionados.
Os resultados e a discussão foram organizados de acordo com os seguintes tópicos: “Representatividade de desvios da qualidade de medicamentos na forma de queixas técnicas no cenário nacional”, “Caracterização dos desvios da qualidade de medicamentos”, “Vigilância dos desvios da qualidade de medicamentos” e “Desvios da qualidade de medicamentos e assistência farmacêutica”. Estes temas foram selecionados de modo a contextualizar o assunto central discutido, além de complementar a narrativa inserindo a discussão sobre DQM no âmbito da assistência farmacêutica.
Todos os estudos encontrados (14 artigos, dois capítulos de livro e duas dissertações) abordando dados de notificações de DQM publicados no período descrito (2005–2020) e realizados em território nacional foram incluídos neste levantamento ( Quadro ).
Os estudos selecionados por meio do levantamento bibliográfico apontaram que as notificações de QT de medicamentos representam de 0,6% a 70,0% do total de notificações realizadas nos estabelecimentos de saúde descritos 9 , 10 , 11 , 12 , 13 , 14 , 15 , 16 , 17 , 18 , 19 , 20 , 21 , 22 , 23 , 24 . Foram contabilizados ainda dois estudos que analisaram exclusivamente notificações de QT de medicamentos (100,0%) 7 , 8 .
Dentre os outros tipos de notificações analisadas nos estudos, as notificações de RAM foram as mais comuns (90,6%) 21 , seguidas por erros de medicação (73,7%) 23 , QT de artigos médico-hospitalares (70%) 17 e inefetividade terapêutica (36,7%) 16 . Mais da metade dos estudos que mencionaram inefetividade terapêutica a considerou como um DQM 8 , 11 , 15 , 21 , 24 , enquanto o restante não 9 , 16 , 18 , 23 . Destaca-se ainda que as notificações de erros de medicação e inefetividade terapêutica possam ter como causa justamente um DQM não detectado antes da administração do medicamento ao paciente.
Os principais DQM evidenciados pelos estudos foram alterações no aspecto do produto 7 , 8 , 9 , 10 , 11 , 12 , 15 , 16 , 17 , 20 , 21 , ausência/redução na quantidade do medicamento 7 , 8 , 9 , 10 , 12 , 16 , 17 e problemas nas embalagens 7 , 8 , 10 , 12 , 14 , 15 , 17 , 20 .
Verifica-se que a maior parte dos profissionais notificadores são enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, farmacêuticos, técnicos e acadêmicos de farmácia e médicos 8 , 9 , 11 , 13 , 15 , 16 , 17 , 18 , 21 , 22 , 24 .
A maior parte dos estudos foi realizada em hospitais sentinela (66,7%), abrangendo igualmente as regiões Sul e Sudeste (50,0%) e Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país (50,0%). A Rede Sentinela, coordenada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em articulação com os entes do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), atua na vigilância de eventos adversos e QT relativos a produtos sujeitos à vigilância sanitária utilizados no âmbito da saúde a fim de obtenção de dados para a avaliação dos riscos relacionados ao seu uso. As informações geradas subsidiam tomadas de decisão para eliminação/redução de riscos e minimização de danos decorrentes do uso destes produtos 1 , 5 .
DQM podem estar relacionados a alterações no próprio medicamento (alterações na coloração, dificuldade para reconstituição de suspensões, alteração do teor da substância ativa), ao conteúdo e à integridade da embalagem (lacre violado, conteúdo da embalagem incompleto, blister com alvéolo vazio) e à rotulagem (rótulo ilegível, ausência de rótulo ou informações) 5 .
No geral, os DQM podem acarretar consequências para o próprio produto (contaminação, perda de estabilidade e risco de falsificação ou adulteração) e para o paciente (erro de medicação, reação adversa, inefetividade terapêutica, intoxicação e administração de sub ou superdoses), além de interferir nas atividades de assistência farmacêutica, ao gerar erros de dispensação, perda da rastreabilidade do produto e acidentes de trabalho 5 .
Embora uma parte significativa dos DQM seja facilmente detectada antes mesmo da dispensação/administração do medicamento ao paciente, não implicando, então, em EAM, alguns são mais críticos e potencialmente prejudiciais ao paciente, tal como ausência da substância ativa, teor da substância ativa abaixo da especificação e dissolução insuficiente de formas farmacêuticas sólidas quando em meio líquido. Estes tipos de DQM podem levar à inefetividade terapêutica – definida como redução ou ausência de resposta terapêutica esperada após administração do medicamento de acordo com a prescrição ou indicação em bula 1 .
Por outro lado, teores acima da especificação podem levar ao aparecimento de efeitos tóxicos, principalmente no caso de medicamentos contendo substâncias de baixo índice terapêutico. Neste sentido, qualquer desvio associado a falhas no processo de fabricação do medicamento é potencialmente danoso, pois sua detecção geralmente ocorre após a manifestação do EAM.
Além disso, as QT associadas à identificação do medicamento podem levar a erros de medicação. Ausência de rótulo, ilegibilidade/ausência de dados variáveis (número de lote, fabricação/validade) e ausência/ambiguidade em informações relacionadas ao preparo do medicamento e via de administração podem acarretar EAM, se não constatadas antes da administração ao paciente 5 .
Desta forma, a determinação do risco associado ao DQM apresenta grande relevância. A Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 55, de 17 de março de 2005, traz a classificação de risco relativo à saúde a que uma população se expõe pelo uso de um medicamento com desvio da qualidade comprovado ou com indícios suficientes. Os riscos são classificados em três categorias 7 , 25:
Classe I: maior risco; situação de alta probabilidade de que o uso/a exposição ao medicamento possa causar risco à saúde com morte, ameaça à vida ou danos permanentes.
Classe II: risco médio; situação de alta probabilidade de que o uso/a exposição ao medicamento possa causar agravo temporário ou reversível por tratamento medicamentoso.
Classe III: menor risco; situação de baixa probabilidade de que o uso/a exposição ao medicamento possa causar consequências adversas à saúde.
A Figura apresenta os diversos tipos de DQM observados na prática distribuídos de acordo com a classificação de risco relativo à saúde.
Os DQM observados em diferentes lotes de um mesmo medicamento ou em medicamentos diferentes de um mesmo fabricante são indicativos de problemas relacionados ao processo produtivo e não cumprimento das Boas Práticas de Fabricação 7 .
A notificação espontânea é a principal fonte para captação de informações em farmacovigilância. Diversas vantagens são inerentes a esta atividade, tais como: identificação de um amplo espectro de PRM; capacidade de identificação de EAM que não foram evidenciados durante o estudo do medicamento, previamente à sua comercialização; e rapidez, uma vez que após a identificação do PRM e realização do relato, este é encaminhado continuamente para os órgãos de Vigilância Sanitária 1 . Entende-se que o Sistema Único de Saúde (SUS) seja um ambiente propício para o desenvolvimento deste tipo de atividade, uma vez que possui profissionais capacitados em todos os níveis de atenção à saúde 5 .
Entretanto, algumas desvantagens podem ser apontadas, como redução da sensibilidade do método e atraso das notificações devido: ao preenchimento inadequado do formulário; à dificuldade do monitoramento dos pacientes se não houver contato com o notificador, uma vez que os relatos são pontuais; e principalmente, à subnotificação dos PRM, uma vez que os profissionais de saúde por muitas vezes não os notificam 1 .
As investigações em farmacovigilância devem ser realizadas visando melhorar a segurança do paciente. No nosso país, as atividades relacionadas à farmacovigilância são realizadas pelas Vigilâncias Sanitárias de todas as esferas (municipal, estadual e federal), cada qual com competências específicas 4 .
A vigilância pós-comercialização de QT ganhou maior importância após o ano de 2002, quando um conceito mais amplo de farmacovigilância foi apresentado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), abrangendo diversos PRM 5 .
A criação de formulários eletrônicos para o registro de notificações relacionadas a produtos sob vigilância sanitária, nos quais os notificadores notificam os casos confirmados ou suspeitos, se caracteriza como uma evolução do sistema de farmacovigilância 5 .
O formulário de notificação do Notivisa possui campos relacionados aos seguintes tópicos: 1. QT (descrição detalhada da QT, data da identificação do problema, dados referentes ao local do ocorrido); 2. produto e empresa (número de registro na Anvisa, Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ do fabricante ou importador); 3. dados do produto (nome comercial do medicamento, apresentação, forma farmacêutica, substância ativa, número do lote, datas de fabricação e validade, se o produto é importado); 4. dados do fabricante ou importador (nome/razão social, endereço completo, telefone/Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC) e 5. outras informações importantes (se houve utilização seguindo as instruções do fabricante, local de aquisição; se há nota fiscal da compra; se houve comunicação à indústria/distribuidor; se foram adotadas outras providências; se existem amostras íntegras para coleta e quantas; se existem rótulos para coleta, observações de livre preenchimento) 26 .
Os DQM deverão ser notificados como QT no Notivisa quando – até o momento da notificação – o problema observado no produto não estiver associado a nenhum evento adverso, ou seja, não tiver causado dano à saúde do paciente 5 . No entanto, os DQM associados a eventos adversos, tais como inefetividade terapêutica, intoxicações e erros de medicação, deverão ser reclassificados como tais e notificados no VigiMed, visto a possibilidade de relação causal entre ambos 5 , 27 , 28 , 29 .
O formulário de notificação do VigiMed apresenta tópicos relacionados à informação da notificação (data de recebimento, tipo de notificação, qualificação do notificador); paciente (iniciais do paciente ou sexo ou data de nascimento ou idade no início da reação ou grupo de idade ou se a notificação é Parent Child ); narrativa do caso e outras informações; história médica e medicamentosa; reação (reação/evento conforme relatado); medicamento (indicação de pelo menos um medicamento suspeito ou dois medicamentos em interação, nome do medicamento); testes e procedimentos e avaliação da causalidade 30 .
As notificações recebidas pela Vigilância Sanitária são analisadas de acordo com a gravidade, previsibilidade, relação causal do evento descrito x medicamento e risco à saúde associado ao EAM/QT. Notoriamente, nem todas as notificações irão gerar intervenções sanitárias individuais e imediatas; as notificações podem ser agrupadas e ficar no aguardo de mais informações – ou até mesmo de maior número de notificações – para serem então avaliadas 5 .
Destaca-se que a investigação da causalidade do evento não é um processo simples, uma vez que diversos fatores podem contribuir para a ocorrência do DQM, devendo-se, então, cercar várias hipóteses na tentativa de sua elucidação.
A determinação do risco à saúde associado ao DQM é um dos aspectos mais importantes durante a análise de uma QT. Entretanto, esse tipo de análise é, por vezes, complexo, e deve levar em consideração as características do medicamento e o dano em potencial que o DQM pode gerar 31 . Considera-se como grave uma QT com potencial de causar eventos adversos, como: presença de corpo estranho no produto, suspeita de contaminação e alterações de coloração. Já as QT consideradas não graves são aquelas que não apresentam tal implicação diretamente, como, por exemplo: a falta de uma unidade no alvéolo do blister ou a dificuldade de abertura do frasco. Esta classificação é importante para a decisão da tomada de ações imediatas em âmbito hospitalar e sanitário 5 .
Sempre que a Vigilância Sanitária detectar a necessidade de aprofundamento da problemática trazida pela notificação, ocorrerá a abertura de um processo de investigação, incluindo ações como inspeção nos estabelecimentos e coleta de amostras para análise na modalidade fiscal, de acordo com as leis nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, e nº 6.437, de 20 de agosto de 1977 4 , 5 , 32 , 33 . A análise laboratorial do medicamento associado ao potencial DQM pode vir a confirmar as suspeitas/hipóteses levantadas durante a investigação, sendo assim, as amostras devem ser coletadas e enviadas para análise o mais rápido possível 4 . Potenciais DQM são tecnicamente comprovados por meio da análise do medicamento nos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen), via Vigilância Sanitária.
Preconiza-se a análise por métodos oficiais (farmacopeicos), de maneira com que sejam avaliados o aspecto do produto, a identificação e o doseamento do teor da substância ativa, a uniformidade de doses unitárias e dissolução, sendo aplicados os ensaios de acordo com a forma farmacêutica em questão. Se o laudo analítico referente à análise fiscal evidenciar um resultado insatisfatório, torna-se indispensável a investigação de possíveis causas do desvio da qualidade exposto 4 .
Diversas medidas podem ser tomadas após a investigação das notificações, como: emissão de informes e alertas, alteração de bulas/rótulos, restrição de uso ou comercialização, interdição de lote ou até mesmo cancelamento do registro 5 , 34 .
Cabe destacar que um alerta é definido como uma informação relacionada a um medicamento referente a determinado evento grave, demandando divulgação rápida e ampla. Já um informe é definido como uma informação relacionada a um medicamento referente a um evento que demanda divulgação ampla, mas não urgente. A urgência com que um comunicado deve ser publicado é o que diferencia as duas modalidades de comunicação 3 .
A ausência de acompanhamento farmacoterapêutico realizado pelo farmacêutico clínico na esfera ambulatorial faz com que diversos PRM passem de forma despercebida, podendo resultar em desfechos desfavoráveis para o paciente. Desta forma, os serviços de atenção farmacêutica constituem-se como um meio para diminuir a subnotificação dos PRM e fortalecer a relação paciente-profissional da saúde 1 .
Conforme discutido anteriormente, a subnotificação é a principal fragilidade do método baseado na notificação voluntária, presumindo-se, então, que os registros realizados não refletem a realidade total dos PRM 5 .
Os DQM impactam financeira e clinicamente na assistência farmacêutica. Sem um programa de farmacovigilância estabelecido, a devolução/substituição de unidades impróprias para consumo pode não ser realizada. Além disso, no caso de DQM muito frequentes para um mesmo produto ou de adoção de medidas sanitárias que retirem o medicamento de circulação – mesmo que temporariamente –, o abastecimento da rede pode ser comprometido, sendo prejudicial principalmente para o SUS 5 .
Embora os DQM representem um risco potencialmente grande à saúde do paciente, são, por vezes, subestimados por profissionais da saúde frente às RAM e outros PRM 5 , 35 . No entanto, enfatiza-se que as notificações relacionadas a DQM são tão importantes quanto as notificações de RAM na esfera da farmacovigilância 6 , uma vez que os DQM não identificados antes da dispensação/administração do medicamento podem resultar em EAM graves como: inefetividade terapêutica e intoxicações 5 .
Sendo assim, a prática de notificação espontânea deve ser encorajada por meio da promoção de intervenções educacionais focadas na discussão da importância dessa ação. É preciso enfatizar o que deve ser notificado, quem pode notificar e quais são os benefícios de retorno à sociedade (segurança do paciente), estabelecimentos de saúde (redução de custos desnecessários) e mercado farmacêutico (controle e regulação) 36 .
A farmacovigilância dos DQM contribui de forma direta para a prevenção dos riscos relativos à saúde do paciente. Os estudos que compõem esta revisão apontam para uma representatividade significativa dos DQM nos estabelecimentos de saúde do país, evidenciando a importância da discussão em torno do tema.
É imprescindível que os profissionais de saúde realizem notificações envolvendo potenciais casos de DQM independentemente do risco à saúde associado, uma vez que um dos critérios utilizados pela Vigilância Sanitária no processo de análise das notificações é justamente a reincidência dos relatos.
Por fim, considera-se que as notificações envolvendo DQM representam um excelente indicador de qualidade dos medicamentos disponíveis no mercado, vindo a contribuir na qualificação de fornecedores e distribuição de produtos conformes à população.
Concepção, planejamento do estudo (desenho do estudo), aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. O autor aprovou a versão final do trabalho.
* E-mail: jaqueline.eserian@ial.sp.gov.br