Resenhas

O PAPEL DA CLASSE CRIATIVA NA SOCIEDADE ATUAL

Mayara Rohrbacher Sakr
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brasil

O PAPEL DA CLASSE CRIATIVA NA SOCIEDADE ATUAL

Desenvolvimento Regional em Debate, vol. 6, núm. 1, pp. 218-221, 2016

Universidade do Contestado

FLORIDA Richard. A ascensão da classe criativa: e seu papel na transformação do trabalho, lazer, comunidade e cotidiano. 2011. Porto Alegre. L&PM Editores. 452pp.. 978.85.254.2214-9

Recepção: 02 Março 2016

Aprovação: 11 Abril 2016

ROHRBACHER SAKR, M. O papel da classe criativa na sociedade atual: resenha. DRd - Desenvolvimento Regional em debate, v. 6, n. 1, p. 218-221, 15 abr. 2016. DOI: https://doi.org/10.24302/drd.v6i1.1101

Richard Florida é um teórico da área organizacional e do planejamento de espaços e cidades, com enfoque em indústria e economia criativas.

Nesta obra, Florida pretende nos colocar em contato com a classe que transcende conhecimentos, inovações e faz florescer a era contemporânea: a classe criativa. Esta, além de profissionais de áreas específicas, engloba indivíduos da classe trabalhadora, de serviços ou do plano estratégico, tático e operacional de uma instituição; sem nenhuma distinção, o único requisito para fazer parte deste grupo é “ser capaz de inovar de forma significativa” (conceito retirado do Dicionário Webster), independente de qual área você esteja atuando. Quando falamos em criatividade e inovação, logo nos vem em mente obras de arte, imagens rebuscadas, monumentos ousados e tecnologias magníficas, mas vamos pensar em inovação agindo sobre algo intangível: inovação na economia, na política, nos métodos, nos sistemas e nas relações de trabalho.

Importante ressaltar que este cenário de inovação, antes restrito ao âmbito empresarial, atualmente transcende para toda sociedade, mudando os relacionamentos na medida em que encaramos o mundo e seus novos desafios. Era comum nascer e morrer na mesma cidade, trabalhar a vida toda na mesma função e na mesma empresa, ter um casamento arranjado que durava 50 anos, ser uma mulher forçada a fazer as atividades do lar e não poder aprimorar seu intelecto. Esses vínculos conservadores eram entendidos como estáveis. Hoje predominam laços fracos, transitivos e temporários, compromissos contingentes, como denomina o autor. O número de pessoas que um indivíduo do século XXI entra em contato durante sua vida é exponencialmente maior do que um indivíduo do século XIX. No entanto, nossa identidade individual passou a ser fundamentada em nós mesmos, na nossa originalidade, e a nossa identidade coletiva, tem semelhanças e estilos de vida que nos permitem estar classificados na classe criativa.

A individualidade e a fragmentação do conhecimento proporcionaram aos recursos humanos de uma empresa, instituição, cidade ou território, serem vistos como os mais importantes, estratégicos e dignos de promover melhorias continuas. O autor afirma que, esta mudança de uma sociedade conservadora para uma sociedade criativa, se dá de forma lógica e racional, onde "[...] o ímpeto criativo - a característica que nos diferencia de outras espécies - está sendo liberado numa escala sem precedentes" (FLORIDA, 2011, p. 04).

A criatividade permite aprimorar sistemas, integrá-los de forma antes não imaginada, corrigindo erros e criando métodos cada vez melhores para, desde operar uma máquina ou configurá-la, até relacionar-se com clientes e consumidores, ou realizar campanhas de marketing, projetar um edifício ou fazer uma leitura das informações para propor estratégias de crescimento econômico. As pessoas deixam florescer suas individualidades e contribuem para melhorias contínuas de forma significativa. Constantemente, cumprem-se desejos advindos de características culturais, as quais foram percebidos pelo éthos criativo, fazendo, assim, aprimorar novos mercados em potencial – como as empresas de tecnologias de informação, as agências de turismo, shoppings centers, etc. Sendo assim, a criatividade tornou-se o resultado da atividade humana mais valorizado pela nossa economia.

Os intensos investimentos na área de pesquisa e desenvolvimento comprovam que as empresas estão interessadas em inovar e, o que antes era visto como ousado e rebelde, tido como um risco certo, hoje é abraçado e trazido ao centro da gestão, pois a busca é para diferenciar-se, ter produtos e serviços únicos, trilhando os caminhos já estabelecidos como infalíveis para o desenvolvimento: os da inovação. Florida afirma: “Hoje, ter acesso a pessoas talentosas e criativas, está para os negócios assim como ter acesso a carvão e minério de ferro estava para a siderurgia” (FLORIDA, 2011, p. 06). Assim reafirma-se que todos os bens tangíveis de uma indústria, não se tornam mais essenciais do que ter pessoas que compartilham o conhecimento criativo (principal ativo de uma organização) em seu âmbito de trabalho, para administrar e operar esses recursos.

O que nos permite diferenciar a classe criativa das demais, é analisar sobre o que essencialmente recebe-se para fazer. Se o foco esta em executar tarefas de acordo com um plano, não tendo autonomia e flexibilidade para criar algo, trata-se da pura classe de serviços e trabalhadora. Muitos indivíduos ainda fazem parte deste grupo; muitas empresas conservadoras ainda os fomentam e muitos territórios e cidades ainda não os permitiram transcender ao éthos criativo.

Pesquisas demonstram que a classe criativa possui uma renda mais elevada e é considerada mais influente que as demais, mas é bem menos sujeita a fazer sacrifícios por dinheiro, devido aos aspectos da sua identidade. Florida compartilha da ideia que é necessário fomentar a criatividade e, ao integrá-los na economia criativa, o retorno permitiria pagá-los devidamente por isso.

Pensemos, por exemplo, no Planalto Norte Catarinense, baseando-nos na teoria da criatividade, quanto ao nosso desenvolvimento como região e sociedade. O que poderia nos ser dado como conselho? Primeiramente, vamos analisar as empresas aqui instaladas, aquelas que não compartilham da economia criativa, ou seja, estabelecem aos seus funcionários um padrão a ser seguido e não lhes permite, assim como a sociedade em geral, a participar de processos decisórios ou de gestão. Estas empresas levam seus lucros para suas matrizes e o fato de elas estarem aqui instaladas é motivado por incentivos fiscais, facilidade de escoamento das mercadorias, matéria-prima e mão de obra acessível (e barata).

Ao buscar mão de obra qualificada para realizar melhorias efetivas em seus processos, empresas buscam locais estratégicos que disponibilizem indivíduos criativos para tal fim, promovendo ganhos e agregação de valor ao território a qual se instala. Esses indivíduos, por sua vez, se reúnem em centros que lhes permita florescer sua essência e conhecimento criativo, lugares que apresentam estímulos diversificados, tolerâncias, qualidade de vida e autenticidade. Florida afirma que, a “atmosfera humana” ou criativa para uma região, é tão essencial quanto à atmosfera comercial.

Portanto, para uma região se fortalecer, não basta que seja um centro de potencialidades econômicas, matérias-primas, turismo, produtos e serviços, pois, como já foi dito, isto tudo se torna secundário perante o conhecimento criativo. Ela precisa, então, se tornar uma comunidade criativa, atraindo esta classe e também fazendo com que seus habitantes tornem-se parte dela. E aqui não se refere somente aos possuidores de profissões formais, como médicos, advogados, professores, mas também prestadores de serviços e pequenos empresários. Para tanto, Florida (2011) estabeleceu a tolerância, o talento e a tecnologia (os três T´s) como alicerces. Cidades que aderiram a este esforço tiveram resultados positivos, segundo o autor.

Tendo como certeza que, para fazer parte da classe criativa e, portanto, impulsionar o desenvolvimento territorial, é necessário inovar, um grande exemplo desta premissa são as chamadas startups. Estas, em uma definição mais atual, são empresas em caráter inicial, embasadas na inovação, adentrando em um mercado de riscos e incertezas, mas que, depois de um apurado estudo mercadológico e financeiro, possuem uma ideia em potencial que pretende garantir sucesso e retornos, seja no curto, médio ou longo prazos. Geralmente uma startup inicia na internet, devido aos menores custos de implementação, com o que indivíduos criativos podem fazer de pequenas ideias um meio de negócios, abrindo espaços físicos de serviços ou comércio local.

As ideias, conceitos e definições levantados por Florida são inéditos, no entanto, sua obra recebeu críticas. Dentre elas, a de Esteve (2011)[2], cujo autor considera que Florida, ao identificar uma classe criativa, a qual tem uma grande mobilidade e prefere residir nas cidades que ofereçam uma série de valores, altamente dotadas de tecnologias e atrativas sob o aspecto ambiental e social, trata-se de uma argumentação coerente, considerando a realidade de países avançados social, econômica e tecnologicamente. A questão é: quais as implicações de estratégias urbanísticas de geração ou criação de espaços mais criativos? Sobre isso, o crítico afirma que, em não poucos casos em países europeus, as políticas urbanísticas, pela exigência de disporem de espaços para a criatividade e a inovação, têm levado a expulsar população vulnerável de certas áreas urbanas, para a periferia das cidades, resultado, por exemplo, da especulação imobiliária decorrente. Por isso, propõe alternativas de articulação urbana que gerem uma cidade criativa, mantendo a coesão social. Portanto, a criatividade deve ser fomentada, sim, no entanto, é necessário que as estratégias para tal tenham um caráter fortemente inclusivo.

Mas afinal, o que torna um sujeito criativo? São os estudos, o foco, a experiência e a ousadia de pensar e operar às margens do que foi estabelecido como correto, buscando novos meios de comprovar o que é certo. A criatividade não é exclusivamente dependente da tecnologia, mas foi sim outorgada por ela.

A classe criativa comprova que o crescimento e o desenvolvimento em âmbitos sociais, econômicos, ambientais e políticos se dá na proporção em que se permite aos indivíduos inovar, criando um clima e uma cultura no ambiente que lhes seja propícia. Tanto que, atualmente, muitas empresas dispõem de horários flexíveis e ambientes descontraídos, enfocando no insight criativo, com resultados comprovados. Para tanto, a velha coesão social deve ser readequada, a fim de comportar a nova ordenação social advinda com a explosão da nova classe.

Por fim, apesar das críticas que possam ser dirigidas à abordagem sobre a ascensão da classe criativa, ou dos argumentos de que se aplica mais aos grandes centros urbanos, recomendamos uma leitura atenciosa à obra referida. Certamente, mudaremos algumas de nossas crenças e nos reposicionaremos frente a esta nova realidade, que não é nova, mas é crescente, sejamos nós indivíduos, trabalhadores ou servidores públicos, instituições, ou empresas.

Referências

ESTEVE, J. M. P. La generación de capital social creativo en las ciudades: estrategia para una ciudad creativa socialmente cohesionada. In: CURBELO, J. L.; PARRILLI, M. D.; ALBUQUERQUE, F. (coords.). Territorios innovadores y competitivos. Madrid: Marcial Pons Ediciones Jurídicas y Sociales, 2011. p. 257-284

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