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Identidade regional no cluster comercial de confecções do Bom Retiro

Regional identity in commercial cluster of manufacture of Good Retreat

Ivan Maia Tomé
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Brasil
Marco Aurélio Sanches Fittipaldi
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Brasil

Identidade regional no cluster comercial de confecções do Bom Retiro

Desenvolvimento Regional em Debate, vol. 6, núm. 3, pp. 149-163, 2016

Universidade do Contestado

Recepção: 05 Setembro 2016

Aprovação: 09 Novembro 2016

Resumo: A presente pesquisa objetivou evidenciar a identidade regional formada no cluster comercial de confecções na região do Bom Retiro na cidade de São Paulo (SP). Foi feita uma pesquisa de campo descritiva com entrevistas, considerando os lojistas e os serviços complementares ao negócio da confecção. Foi considerado na pesquisa de campo os três aspectos que caracterizam a identidade regional: a cognitividade, a afetividade e a conatividade (PAASI, 2013). Os entrevistados apontaram que a atual imagem do Bom Retiro é muito ligada à roupa de qualidade. Também delinearam as predominâncias éticas e de nacionalidades ao decorrer do tempo: italianos, judeus, agora coreanos e, futuramente os bolivianos, que são os novos investidores. Os lojistas não se organizam para resolver os problemas do Bom Retiro e os não consideram representativo o apoio da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL).

Palavras-chave: Confecções, Cluster Comercial, Identidade Regional.

Abstract: This research aims to highlight the regional identity formed in commercial garment cluster in Bom Retiro area in city of São Paulo. Descriptive field research interviews with tenants and considering complementary to the clothing business services was made. Was considered in the research field of the three aspects that characterize the regional identity: cognitividade, affectivity and conatividade (PAASI, 2013). Respondents indicated that the current image of the Bom Retiro is very attached to clothing quality. Also outlined the ethical and nationalities to predominance over time: Italians, Jews, Koreans now and in the future Bolivians who are new investors. Retailers are not organized to solve the problems of Bom Retiro, and the shopkeepers do not consider representative the support of the Chamber of Shopkeepers (CDL).

Keywords: Clothes, Commercial Cluster, Regional Identity.

1 INTRODUÇÃO

Centros comerciais, que são difundidos pelo preço competitivo, acabam atraindo clientes dos mais diversos interesses. Cidades são reconhecidas pela diversidade de setores e muitas pelo seu comércio. Quando um determinado local atrai clientes pelo interesse de um comércio específico, outros comércios podem se desenvolver devido à facilidade de acesso.

Devido a sua especialidade e proximidade, na cidade de São Paulo (SP), cidade mais populosa e representativa no Brasil pelo consumismo, muitas ruas se formaram como conglomerados comerciais. A Rua Santa Ifigênia pelos eletroeletrônicos e a Rua da Consolação pelos lustres são bons exemplos desta especialização. Este trabalho destaca a Rua José Paulino (RJP) pelas confecções, diversificada pelas modas masculina e feminina, social e esporte, íntima e de festa.

A RJP oferta as confecções por galerias, lojas de departamentos, atacadistas e possui serviços complementares, como corte e costura com atendimento aos lojistas e aos clientes diretos. Os lojistas contam com serviços para melhoria do comércio coletivo pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do Bom Retiro e imobiliárias.

Ao longo dos anos, toda a estrutura da RJP desenvolveu-se com as mais diversas nacionalidades que se instalaram no local. Dentre a região dessa rua, judeus se organizaram em lojas com suas famílias e empregados na RJP e em todo o bairro do Bom Retiro. Há muitas evidências do judaísmo, até hoje, como uma sinagoga em uma Rua da Graça, paralela à RJP, e muitos judeus ainda trabalham ou locam seus estabelecimentos para seus antigos empregados, os coreanos, que se tornaram maioria.

Frente a esse cenário, a presente pesquisa objetivou evidenciar a identidade regional formada no cluster comercial de confecções na região do Bom Retiro. A estrutura do trabalho é composta por cinco seções, incluindo-se esta introdução. No tópico a seguir é apresentada a revisão de literatura dos principais conceitos teóricos que embasaram o estudo – sobre identidade e, mais especificamente, sobre identidade regional, além dos clusters. Sequencialmente, é exposta a descrição da metodologia empregada na pesquisa de campo. Logo após são analisados e apresentados os principais resultados auferidos na pesquisa. Por fim, as considerações finais são expostas.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 IDENTIDADE

Bauman (2001, p. 97) ao descrever o mundo como algo volátil, líquido, retrata a identidade como “[...] esta obra de arte que queremos moldar a partir do estofo quebradiço da vida”. Cada pessoa dispõe de liberdade para escolher e manter a sua própria identidade enquanto desejar, mas, cada mudança inclui a quebra de certos vínculos e a exclusão de algumas obrigações.

Na concepção de Hall (2012, p. 108-109), em uma visão de mundo pós-colonial, “[...] as identidades parecem invocar uma origem que residiria em um passado histórico com o qual elas continuariam a manter uma certa correspondência”. Elas utilizam-se dos recursos da história, da linguagem e da cultura para produzir não o que somos, mas, o que nos tornamos. Nota-se que é um processo construído ao longo de “[...] discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser antagônicas [...]”, ou seja, posições que uma pessoa é obrigada a assumir.

Woodward (2012) afirma que a linguagem e os sistemas simbólicos conferem sentido à identidade, para tanto descreve os povos sérvios e croatas como exemplo. Eles possuem a mesma história política e econômica, sob o regime de Tito na, dividem o mesmo lugar e várias perspectivas culturais, entretanto, não se consideram iguais. Os croatas se consideram melhores que os sérvios. Isto confere à identidade um caráter de diferença, um sentimento de pertencer a uma etnia que não é outra, mas que, “[...] fornece condições para que ela exista” (WOODWARD, 2012, p. 9).

A história e a cultura propiciam a determinados casos e por certos contextos regionais, uma maior importância ou um valor simbólico ou identitário maior que a outros, como exemplificado por Haesbaert (2010) nas regiões sul (colonizadas por gaúchos) e nordeste (com a identidade nordestina). Nota-se, por exemplo, que em São Paulo alguns bairros como Bixiga, com os italianos, e a Liberdade, com os japoneses, refletem a identidade de seus moradores. Identidade essa, que se revela na história desses bairros, assim como por cultura que por lá se criou, como a Festa de Nossa Senhora Achiropita e a feira que ocorre todos os domingos na Liberdade. Percebe-se nestes bairros a presença da língua materna quer seja em placas de anúncios, na fala dos moradores ou em jornais locais, bem como pratos típicos italianos (fogazza e lasanha) e japoneses (tempurá e yakisoba). Para Seyferth (2000) a língua é o principal signo das identidades étnicas, ela relembra a origem, a pertinência social.

Mais específica que a identidade, a identidade regional contém características que distinguem o comportamento de pessoas de cada região. A seguir serão apresentadas as características da identidade regional, de acordo com Paasi (2009) incluindo a cognitividade, a afetividade e a conatividade.

2.2 IDENTIDADE REGIONAL

A identidade regional se constrói por meio dos atores de uma região caracterizada, empiricamente, por seu ambiente, economia, sociedade e cultura e por sua imagem interna, formada a partir do ponto de vista de seus atores e, imagem externa, formada pelos outros públicos ligados (PAASI, 2013). Paasi (2009) afirma que a identidade regional pode ser entendida como características da região que podem ser mapeadas.

Os imigrantes e refugiados muitas vezes já se perguntaram “onde eu pertenço?”. A resposta a esta questão, formulada não só por imigrantes, mas também pelas pessoas que habitam uma região, passa pela identidade regional e é baseada na história pessoal ou familiar ligada a uma região específica (PAASI, 2009).

Nota-se que em alguns bairros da cidade de São Paulo, fortemente influenciados pelos imigrantes, encontra-se uma caracterização própria do local para que as pessoas que lá convivem sintam-se pertencentes a este como, por exemplo: Liberdade, Bixiga, entre outros. As várias famílias que por lá chegaram inicialmente trouxeram de seu país de origem costumes, tradições, hábitos, arquitetura, entre outras que implantaram onde vivem para tentar se adaptar e, com isto, reforçar o sentimento de pertencimento como afirma Paasi (2009), a identificação das pessoas com a região. Souza, Silva e Leão (2013) afirmam que a identidade regional é construída por seus moradores que trazem a tradição e vivem em um espaço sentimentalizado.

São considerados três aspectos para a identidade regional (PAASI, 2013; HEALEY, 2007):

- Cognitividade – é o reconhecimento entre os atores que decorre a história regional. A intensidade da convivência reflete a identidade construída e o consequente comportamento. Souza (2011) refere-se à conduta dos personagens sobre a região, ou seja, reconhecer os limites geográficos do local, assim como a existência de culturas e entidades institucionais que favoreçam sua manutenção e desenvolvimento;

- Afetividade – é o reconhecimento cognitivo, elaborado anteriormente, pode estruturar o afeto comum. A afetividade é uma identidade em comum, entre os atores, gerando ações que remetem à imagem interna que os atores têm frente a uma determinada região;

- Conatividade - é o comportamento dos atores, frente ao reconhecimento e à identidade dos atores, é balanceado, instrumentalmente, pelas ações que refletem prol ou contra uma região. Essas ações são chamadas de conatividade.

Esses fatores são diferenciados, respectivamente, pelas suas identidades cognitiva, de ações e de comportamento.

2.3 CLUSTERS

Nesta parte será apresentado o conceito de cluster, fundamentos para seu desempenho competitivo e fatores para sua avaliação.

Desde os estudos de Marshall (1890), as pequenas e médias empresas aproximadas e similares tiveram destaque como formação de clusters.A existência de um cluster depende de sua aproximação geográfica de empresas em um determinado local e suas similaridades com relação à natureza de seus negócios. Cluster é “[...] um agrupamento geograficamente concentrado de empresas inter-relacionadas e instituições correlatas numa determinada área vinculada por elementos comuns e complementares” (PORTER, 1999, p. 211).

Para Zaccarelli et al. (2008) há onze fundamentos para a existência de competividade nos clusters, nove sem controle ou governança efetiva das empresas: concentração geográfica; abrangência de negócios viáveis e relevantes; especialização das empresas; equilíbrio com ausência de posições privilegiadas; complementaridade por utilização de subprodutos; cooperação; substituição seletiva de negócios; uniformidade do nível tecnológico; cultura da comunidade local. E dois passíveis de controlabilidade: caráter revolucionário por introdução de novas tecnologias; estratégia de resultado do cluster. Por meio desses detalhados fatores é possível analisar os efeitos advindos da competitividade.

Analisado o desempenho pelos fundamentos do desempenho de sua competitividade, há outro meio mais generalizado para avaliar os clusters que chamado, propositalmente, de Diamante de Porter (1998) pela composição de seus quatro fatores: condições de fatores; condições de demanda; indústrias correlatas e estratégia, estrutura e rivalidade das empresas.

A aplicação dos aspectos da identidade regional de Paasi (2009) na região do Bom Retiro será apresentado na Metodologia.

3 METODOLOGIA

Este é um estudo descritivo, por meio de entrevistas, pois “[...] busca descrever as características da situação que envolve um problema” (BOYD, 1978, p. 317). Evidencia-se a identidade regional formada na região do Bom Retiro, na cidade de São Paulo (SP), incluindo o cluster comercial de confecções na Rua José Paulino (RJP). O trabalho de campo foi feito durante o ano de 2014.

Para a coleta de dados foram utilizados vários procedimentos: análise de documentos (impressos e disponibilizados na internet), entrevistas e observações in loco. Foram selecionados, aleatoriamente, dez lojistas localizados na RJP e em galerias nas imediações do Bom Retiro. Esses atuam com o comércio de roupas (atacado e varejo), administradora de imóveis e serviço complementar de corte e de costura. As entrevistas ocorreram no horário comercial e com permissão para gravação. Não se obteve êxito no contato com a Câmara de Dirigentes Lojistas do Bom Retiro, a qual não permitiu entrevista e não respondeu aos e-mails e ligações efetuadas.

A análise dos resultados será de acordo com os aspectos da identidade regional de Paasi (2009). Primeiro a cognitividade, considerando os traços históricos dos residentes do Bom Retiro sobre experiências locais. Seguido da afetividade, apresentando como o morador se identifica com a região e outros aspectos locais como os outros moradores e o foco comercial do Bom Retiro. E a conatividade, detalhando as ações dos moradores a favor da região.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O bairro do Bom Retiro surgiu por meio de Manfredo Mayer, entre 1880 e 1890, com o crescimento da imigração italiana. Ele adquiriu e loteou uma grande área de chácaras existentes. Com a via férrea São Paulo Railway, armazéns de mercadorias se estabelecem no bairro, pois, os produtos eram desembarcados na Estação da Luz. Surgem no novo bairro indústrias e a população de trabalhadores se adensa (PIRES, 2014). Segundo o relato da entrevistada 10 sobre a origem do local, estabelecida no bairro há 45 anos, “primeiro vieram os italianos depois vieram os judeus e depois vieram os coreanos. Praticamente não tem mais judeus aqui agora, só coreanos”. Um lojista judeu, segunda geração da família judaica no mesmo ponto comercial há mais de 30 anos, também confirmou as origens do bairro “no começo a grande maioria era de descendência da família judaica, tinha até gregos ... italianos, era uma região de colônias mesmo”.

Segundo Pires (2014), as atividades comerciais não foram iniciadas por italianos, mas por portugueses e, às vezes, por turcos, sírios ou libaneses. A autora afirma que a chegada dos judeus ao Bom Retiro ocorreu durante a década de 20, oriundos da Rússia, da Lituânia e da Polônia, porém, só a partir do fim da década de 30 houve uma maior concentração de judeus no bairro, pois, haviam fugido da 2ª Guerra Mundial. Ao se instalarem na região, iam trabalhar nas indústrias têxteis de seus patrícios. Por ser passagem obrigatória para quem vinha do centro, a Rua dos Imigrantes proporcionou o estabelecimento de várias empresas comerciais que ali se concentraram.

Esse agrupamento de varejo formado espontaneamente ao longo do tempo, composto por um tipo de produto, vestuário, em uma área espacial determinada pode ser caracterizado como cluster comercial (TELLER; REUTTERE, 2008; TELLER; ELMS, 2010). Esse aglomerado, por função dos efeitos da concentração geográfica, adquire competitividade progressiva durante o transcorrer do tempo que acaba por beneficiar todas as empresas que o compõem (ZACCARELLI et al., 2008). Durante a fase inicial de observação da região, constatou-se a presença de restaurantes, cafés, imobiliárias, entre outros, atividades essas que auxiliam o desenvolvimento regional (EDWARDS, 2011), pois, servem de apoio à atividade principal (PORTER, 1999; ZACCARELLI et al., 2008).

Ao considerar o cluster comercial formado, das antigas lojas de comércio de confecções dos judeus aos estabelecimentos mais modernos dos coreanos, nota-se a forte influência construída no bairro. A história e a cultura propiciam, por esse contexto regional, uma maior importância ou um valor simbólico ou identitário maior (HAESBAERT, 2010). Desta forma, o bairro molda-se à identidade de seus habitantes, ou seja, podem-se distinguir características típicas da região como ambiente, economia, sociedade e cultura e por sua imagem interna, formada a partir do ponto de vista de seus atores e, imagem externa, formada pelos outros públicos ligados (PAASI, 2013) formadoras da identidade regional. Tais características foram mapeadas, conforme descrito por Paasi (2009), e descritas a seguir por seus três aspectos: cognitividade, afetividade e conatividade.

Cognitividade - uma lojista estabelecida no bairro do Bom Retiro há 14 anos, descreveu a retirada dos camelôs da rua e o investimento que os coreanos fizeram nas lojas, tornando-as, visualmente, mais modernas. Alguns entrevistados identificam-se muito com o bairro como é o caso da de outra lojista, que está há 45 anos “aqui é ótimo, estou falando em um geral não só daqui”. Uma respondente descreveu a imagem que o bairro tem em comparação ao Brás: “o pessoal comenta que aqui no Bom Retiro é o polo da moda, eles preferem aqui até mais do que o Brás. Comprar melhor compra aqui [...] as coisas mais atualizadas sempre aqui.”.

A entrevistada presente há 15 anos, a importância do local em comparação a outro é grande, como pode ser notado em sua fala: “Nós temos cinco lojas no Brás. E uma teria que estar em outra região, que seria o Bom Retiro. Para poder mostrar. Como aqui não tem muito masculino, porque aqui a maioria das confecções é feminina”. Outra respondente está há 3 anos no bairro, para ela o bairro representa um ponto de moda: “É importante, já foi melhor aqui o movimento. Essa rua é uma rua bem importante, bem conhecida [...]. Antigamente era pelo preço, hoje o pessoal está reclamando um pouco. Mas ela era conhecida como ponto da moda”. Para a entrevistada estabelecida há 10 anos o bairro é muito importante, conforme sua fala: “A José Paulino é um dos melhores centros comerciais do Brasil. Diretamente de fábrica, onde as pessoas lançam as coleções em primeira mão. Agora mesmo estamos em liquidação de verão, para entrar a coleção de inverno”.

Notou-se, na fase inicial de observação, uma grande diferença nas vitrines das lojas da RJP em comparação a lojas que estão em ruas paralelas a ela, como pode ser notado nas Figuras 1, 2, 3 e 4. Conforme alguns pesquisados relataram os coreanos estão investindo e modernizando suas lojas. As Figuras 1 e 2 apresentam lojas tradicionais judaicas.

– Shira – Loja de origem judaica
Figura 1
– Shira – Loja de origem judaica
Fonte: Foto produzida pelos autores

– Aeróbica – Loja de origem judaica
Figura 2
– Aeróbica – Loja de origem judaica
Fonte: Foto produzida pelos autores

As Figuras 3 e 4 demonstram a modernidade trazida com a posterior imigração coerana.

– Shop TK – Loja de origem coreana
Figura 3
– Shop TK – Loja de origem coreana
Fonte: Foto produzida pelos autores

– Mestre Kim – Loja de origem coreana
Figura 4
– Mestre Kim – Loja de origem coreana
Fonte: Foto produzida pelos autores

De acordo com a entrevistada Dória, que é uma das gestoras da administradora de imóveis da Hai Imóveis, fala que já há bolivianos investidores. Antes haviam os italianos, depois judeus e agora coreanos, que trabalhavam para os judeus, contudo, os bolivianos que estão trabalhando para os coreanos podem ser os futuros principais investidores da região do Bom Retiro.

Afetividade - Os judeus deixaram marcas de sua passagem, edificaram no Bom Retiro a sinagoga mais antiga presente no Estado de São Paulo, erguida em 1912 na Rua da Graça, conforme figura 5. Mais do que um templo para cultos abrigava os imigrantes judeus que não tinham onde ficar. Atualmente, encontra-se ao processo de restauração e irá abrigar um museu.

– Sinagoga Kehilat Israel Comunidade Israel – Instituição voltada para os judeus
Figura 5
– Sinagoga Kehilat Israel Comunidade Israel – Instituição voltada para os judeus
Fonte: Foto produzida pelos autores

No bairro encontram-se também ruas que remetem a origem judaica, por exemplo: Rua Solon, Rua Lubavitch e Rua Talmud Thorá, entre outras. Durante 1952, judeus inauguraram um edifício de arquitetura moderna na Rua 3 Rios com um instituto cultural, uma escola e o TAIB - Teatro de Arte Israelita Brasileiro – teatro importante entre os anos 1970 e 1980 em São Paulo, a Casa Menorah padaria que produz um típico pão salgado chamado Beigale e o restaurante típico judaico Buraco da Sara atualmente com outro nome, Bistrô da Sara, dedicado à cozinha brasileira contemporânea. Essas contribuições dos atores aparentam um caráter de manutenção e desenvolvimento à região. Para Souza (2011) são as existências de cultura e de entidade institucionais que atuam em prol de sua manutenção e de seu de seu desenvolvimento.

Nota-se no bairro diversos estabelecimentos comerciais, que apresentam placas em dois idiomas, conforme pode-se notar nas Figuras 6 ,7 e 8. Gradativamente, há a adaptação da região à população que nela habita. Como descrito por Paasi (2013), esses atores modificaram o lugar conforme sua cultura, seus hábitos em sociedade e economia criando assim uma identidade própria. São identificados, também, ações de afetividade como o reconhecimento entre os atores locais pela língua coreana.

Academia esportiva voltada para os coreanos
Figura 6
Academia esportiva voltada para os coreanos
Fonte: Foto produzida pelos autores

– Clínica dentária voltada para os coreanos
Figura 7
– Clínica dentária voltada para os coreanos
Fonte: Foto produzida pelos autores

– Instituição religiosa voltada para os coreanos
Figura 8
– Instituição religiosa voltada para os coreanos
Fonte: Foto produzida pelos autores

Uma entrevistada descreveu o fato de encerrar as atividades com certo pesar, como pode ser notada em sua fala, demonstrando a identificação do ator com a região, seu lado afetivo: “Olha, tem muita gente triste porque eu estou fechando porque gostam, trabalho com modelos grandes é uma coisa especializada, e não tá sobrando aí. Principalmente coreano. Eles fazem tamanhos bem pequenos porque as mulheres deles são magérrimas. Vai fazer falta”.

Outras respondentes descreveram a diferença entre judeus e coreanos: “Eles começaram a trabalhar com as lojas mais enfeitadas, mais arrumadas. Mas, eu gosto mesmo do tempo que eram os judeus [...] porque eles eram mais delicados, mais amáveis. Coreano é muito seco” (entrevistada 8). “Não tem relacionamento com brasileiro não. São muito entre eles, a-gente não têm amizade. Os funcionários deles são brasileiros, são fechados. Às vezes até para a-gente comprar deles é difícil” (entrevistada 5).

Um dos estabelecimentos pesquisados, uma imobiliária, apresenta na recepção textos fixados nas paredes escritos em idioma diferente do português, próprio aos coreanos. Segundo descrito por duas entrevistadas, faz parte da cultura dos coreanos não comentar os negócios que fazem, mesmo que seja entre irmãos. Ela relatou que contou a um cliente que seu irmão havia comprado um imóvel. O que para ela parecia ser um comentário simples e inofensivo, foi motivo de uma grande repreensão, por parte do comprador, que não gostou de saber pelo irmão a operação realizada. Detalhes da cultura que ela desconhecia, porém, importante pelo aumento no volume de negócios com os coreanos.

Conatividade: todos os entrevistados afirmam que conhecem a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do BR, porém, o que se percebe é que não há um envolvimento dos lojistas com a instituição, como pode ser notado no depoimento da entrevistada 2, presente há 2 anos: “[...] eles passam aqui dando informações de horários, funcionamentos. Fazem pesquisas, mas o pessoal do Bom Retiro não é muito envolvido com isso não”.

Segundo uma lojista, a CDL tem um importante papel no bairro, como pode ser verificado em sua fala sobre o problema do lixo produzido pelas lojas: “Se jogar depois das sete e meia a loja é multada, não pode colocar a noite, é cedinho”. A entrevistada Dória, uma das gestoras da administradora de imóveis da Hai Imóveis, fala que não há apoio da administradora ao Bom Retiro.

Outro fato importante é a contribuição que os lojistas fazem mensalmente com a segurança da rua, conforme exposto pela respondente, que está há 10 anos no bairro: “a José Paulino tem a segurança coletiva que é paga pela loja. Nós pagamos todo mês”.

Dentre os três aspectos para a identidade regional (PAASI, 2013), identificaram-se fortes traços de identidade cognitiva com a cultura tradicional judaica e com o advindo da cultura coreana, que é fortemente demonstrada nas faixadas dos estabelecimentos voltados a este público. Porém, não é encontrado um comportamento forte para melhorar o ambiente geral qual todos da RJP se encontram.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível evidenciar a identidade regional formada no cluster comercial na região do Bom Retiro, com respostas de perguntas remetendo à cognitividade, à afetividade e à conatividade – aspectos para a identidade regional (PAASI, 2013).

Cognitividade: Os entrevistados reconheceram seu envolvimento com a história regional da região do Bom Retiro sempre interligada - com a atividade comercial das confecções da Rua José Paulino (RJP) e intermediações. A imagem do Bom Retiro é destacada pela qualidade das confecções, diferente do preço destacado do Brás. Os diferentes ocupantes, fora brasileiros, ao decorrer da história são apontados pelos entrevistados: italianos, judeus de diversas nacionalidades, atualmente os coreanos, e o início da vinda dos bolivianos. A entrevistada Dória destaca, os agora iniciantes, investidores bolivianos que podem ser os principais investidores para um futuro próximo.

Afetividade: Os entrevistados dizem que os coreanos não são muito afetivos. A falta de relacionamento com os brasileiros é notória com os entrevistados, que já trabalharam com os coreanos. Mesmo com essa falta de relacionamento, os brasileiros notam que a imagem do Bom Retiro se modernizou. Eles vêm da Coréia do Sul com recursos financeiros suficientes para investir bem em cada loja, contratando vários brasileiros, que têm que se acostumar com a forma de trabalho deles.

Conatividade: nem a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e nem a administradora de imóveis da Hai Imóveis apoiam o Bom Retiro. Os lojistas se reúnem, exclusivamente, por causa da segurança.

Este estudo limitou-se às entrevistas feitas numa única região, a do Bom Retiro, durante o período limitado do início do ano de 2014. Por causa do foco comercial do Bom Retiro, os entrevistados são muito ligados a um único negócio: das confecções. Seja com os comerciantes, seja com a gestora da administradora de imóveis. Todos os entrevistados foram brasileiros, incluindo judeus e descendentes de italianos. Coreanos e bolivianos não aceitaram fazer entrevistas.

Sugere-se entrevistas com os coreanos, para conhecer a forma de negócios atual e predominante no Bom Retiro. Entrevistas com os bolivianos também são necessárias, por um outro lado, para conhecer esses novos investidores de forma a identificar as tendências de negócios na região. Como nessa pesquisa não obteve o êxito do contato com a Câmara de Dirigentes Lojistas do Bom Retiro, que pode ser considerado numa próxima pesquisa.

REFERÊNCIAS

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