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Certificação florestal: acesso a mercado ou mercado de acesso?
Waleska Reali de Oliveira Braga; Andrea Rossi Scalco; Gessuir Pigatto
Waleska Reali de Oliveira Braga; Andrea Rossi Scalco; Gessuir Pigatto
Certificação florestal: acesso a mercado ou mercado de acesso?
Forest certification: a good deal for whom?
Desenvolvimento Regional em Debate, vol. 8, núm. 1, pp. 182-197, 2018
Universidade do Contestado
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Resumo: A crescente preocupação com as questões ambientais, principalmente com o avanço do desmatamento ilegal de florestas nativas, fortaleceu uma demanda por madeira certificada no mercado brasileiro e mundial. Essa tem sido a justificativa no crescente mercado de certificações na área florestal, bem como a descentralização de gestão por parte governo por meio das concessões de florestas nacionais. Baseado neste contexto, o presente estudo tem como objetivo analisar a influência da certificação florestal para acesso ao uso dos recursos madeireiros por meio do manejo das florestas naturais. Para tanto, foi realizada uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo e quantitativo visando compreender o público atendido pela certificação florestal dentre os diversos consumidores de madeira, que tipo de floresta está sendo certificada (Nativa ou Plantada), bem como a mudança estrutural do Estado na gestão de florestas públicas a partir do modelo de bom manejo florestal defendido pela certificação voluntária. Como resultado foi possível observar que houve aumento da participação das florestas plantadas na produção florestal madeireira e que a certificação florestal e o manejo florestal sob a forma de concessão de florestas nacionais pelo Estado não são suficientes para reduzir a níveis significativos o desmatamento no país.

Palavras-chave:Manejo FlorestalManejo Florestal,Preservação AmbientalPreservação Ambiental,MadeiraMadeira.

Abstract: The growing concern with environmental issues, especially with the advance of illegal deforestation of native forests, strengthened demand for certified wood in the Brazilian and world market. This has been the reason for the growing market of certification in forestry, as well as the government party for management decentralization through the national forest concessions. Based on this context, this study aims to analyze the influence of forest certification to access the use and management of natural forests. Therefore, an exploratory research of qualitative and quantitative order to understand that public forest certification meet among the various wood consumers was held, what kind of forest is being certified (Native or planted) and the structural state of change in management of public forests from good forest management model advocated by voluntary certification. As a result it was observed that there was increase in the share of planted forests in the timber forest production and forest certification and forest management in the form of granting State by national forests, they are not enough to reduce the significant levels of deforestation in the country.

Keywords: Forest Management, Environmental Preservation, Wood.

Carátula del artículo

Artigos

Certificação florestal: acesso a mercado ou mercado de acesso?

Forest certification: a good deal for whom?

Waleska Reali de Oliveira Braga
Universidade Estadual Paulista (UNESP)., Brasil
Andrea Rossi Scalco
Universidade Estadual Paulista (UNESP)., Brasil
Gessuir Pigatto
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Brasil
Desenvolvimento Regional em Debate, vol. 8, núm. 1, pp. 182-197, 2018
Universidade do Contestado

Recepção: 09 Setembro 2017

Aprovação: 14 Fevereiro 2018

1 INTRODUÇÃO

Conhecido mundialmente por seus recursos naturais, o Brasil é um dos poucos países que ainda possuem grandes áreas florestadas no mundo. Com 463,2 milhões de hectares (54,4% do seu território) cobertos por florestas naturais e plantadas, sendo 456,1 milhões de hectares de florestas nativas e 7,1 milhões de hectares de florestas plantadas, ocupa a segunda maior área de floresta do mundo, atrás apenas da Rússia, conforme dados do Sistema Nacional de Informações Florestais (SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO, 2016).

O setor florestal brasileiro tem papel importante como fornecedor de energia e matéria-prima para a indústria da construção civil e de transformação, e devido aos seus recursos florestais abundantes, tem aumentado sua participação no comércio mundial. Porém, essa expansão de negócios tem encontrado dificuldades devido às restrições impostas pela legislação, principalmente na região Amazônica dado seu apelo ambiental (SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO, 2006).

Com uma legislação ambiental considerada como umas das mais completas e avançadas do mundo (PETRENTCHUK; SCHINATO; MARCHESAN, 2016), pressupõe-se que os recursos naturais no Brasil estejam protegidos da exploração ilegal e predatória e que a certificação florestal reforce esse cenário. Contudo, não é este o cenário que foi constatado por Silva et al. (2014) que demonstraram algumas contradições sobre o comércio de madeira certificada na região nordeste do Brasil.

Com base neste contexto, deve-se observar se os interesses de grupos distintos podem estar pressionando mudanças de normas consideradas rígidas para conseguir explorar áreas que ainda não foram exploradas, como por exemplo, as mudanças na Lei de Gestão das Florestas Públicas, também conhecida como Lei das Concessões Florestais, sobre a qual Carneiro (2012) explica que a mesma serviu para resolver a principal dificuldade apontada pelos empresários do setor florestal da Amazônia que era o acesso seguro à matéria-prima florestal, permitindo a exploração de recursos madeireiros em terras, depois de dada a Concessão florestal, com a situação jurídica definida.

Com órgãos públicos desatualizados quanto à disponibilidade de recursos humanos e materiais para licenciar e fiscalizar, aqueles que deveriam fazer cumprir a lei não conseguem cobrir e acompanhar a grande extensão de florestas brasileiras no que se refere à exploração legal e ilegal da floresta. Como consequência, o país sofre com a baixa eficácia da política florestal que é afetada pela fraca aplicação da lei e pela corrupção dos agentes públicos encarregados de sua implementação, mesmo com uma legislação ambiental rígida (SMITH et al., 2003).

Estas questões ainda esbarram em interesses conflituosos entre metas de preservação ambiental e o desenvolvimento agrícola do país, frente à demanda mundial por alimentos, atividades que, diga-se de passagem, não coadunam.

Considerando este conflito de interesses e as recentes preocupações com a preservação das florestas, o presente estudo orientou-se pela seguinte questão: Como as certificações florestais estão contribuindo para o acesso ao uso e manejo das florestas nativas? Neste sentido, o presente estudo tem como objetivo analisar a influência da certificação florestal para acesso ao uso dos recursos madeireiros por meio do manejo das florestas naturais.

Orientada pelo presente objetivo, foi realizada uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo e quantitativo onde foram coletados e analisados os dados disponíveis pelo Sistema Nacional de Informações Florestais (SNIF) entre os anos de 2005 e 2014 relativo as florestas nativas e plantadas no território brasileiro, bem como a finalidade de uso e origem da madeira. É importante ressaltar que as certificações florestais atendem os dois perfis de florestas, contudo, sobre a floresta plantada as regras para supressão da vegetação são menos rígidas.

2 MATERIAL E MÉTODOS

Considerando que o objetivo da presente pesquisa foi analisar a influência da certificação florestal no manejo e uso das florestas naturais, foi realizada uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo e quantitativo onde foram coletados e analisados os dados disponíveis pelo Sistema Nacional de Informações Florestais (SNIF) entre os anos de 2005 e 2014, relativo às florestas nativas e plantadas no território brasileiro bem como a finalidade de uso e origem da madeira.

A natureza exploratória da pesquisa priorizou desenvolver, esclarecer e entender conceitos e ideias visando fundamentar o problema e o objetivo, e envolveu o levantamento bibliográfico e documental dos temas relacionados com a pesquisa (HAIR et al., 2005). Estes preceitos fortaleceram o caráter qualitativo e quantitativo da pesquisa.

A pesquisa quantitativa buscou analisar a evolução e a finalidade de uso da madeira considerando o período de 2005 a 2014 que estava disponibilizado pelo Sistema Nacional de Informações Florestais (SNIF), tanto aquela proveniente das florestas naturais quanto das florestas plantadas. Para tanto, foi realizada uma análise de correlação para comparar as áreas de florestas nativas e plantadas.

Como complemento, foi desenvolvido um mapa perceptual utilizando o escalonamento multidimensional que, segundo Hair et al. (2005), trata de encontrar a estrutura de um conjunto de medidas de distância entre objetos (finalidade de uso da madeira) e sua relação com as certificações e manejo (casos). Colocam-se as observações em posições específicas no espaço conceitual (normalmente de duas ou três dimensões) de modo que as distâncias entre os pontos, neste espaço, concordem ao máximo com as dissimilaridades dadas. Os critérios de aceitação são: R2 (coeficiente de determinação), o qual indica a proporção dos dados que são escalonados otimamente pelo modelo, representando o grau de ajuste do modelo. É aceitável que ele seja maior que 0,60 ou 60%. No entanto, quanto maior, melhor.

O segundo critério definido por Hair et al. (2005) é o valor do Estresse que indica a qualidade do modelo. O R2 mede a aderência do modelo e o Estresse mede a pobreza do ajuste ou a porcentagem dos dados do modelo que não foram escalonados otimamente. Para a fórmula de Estresse 1 de Kruskal as recomendações para avaliar valores de Estresse são: 20% (pobre); 10% (razoável); 5% (boa); 2,5% (excelente); 0% (perfeita).

Quando a série histórica que foi analisada, esta é de dez anos e para se gerar um modelo com duas dimensões no mapa seria necessário, no mínimo, 16 casos (16 anos) e 6 variáveis. Contudo, o mapa foi gerado com uma dimensão baseada em 10 casos (10 anos) e 8 variáveis. As variáveis que representam o uso da madeira foram "FN_Ind"; "FN_Lenha"; "FN_Carvao"; "FP_Ind"; "FP_Lenha"; "FP_Carvao"; "Cert_MF";"Cert_CC", onde FN representa Floresta Nativa em seus respectivos usos para a indústria, lenha e carvão; FP representa Floresta Plantada em seus respectivos usos para a indústria, lenha e carvão; Cert_MF representa a certificação de manejo florestal e Cert_CC representa a certificação para a cadeia de custódia.

Baseado nos resultados dos testes estatísticos foi realizada uma análise qualitativa no sentido de explicar e interpretar, sob os aspectos da certificação florestal e do manejo florestal, os impactos causados nas florestas nativas quanto à preservação de tais florestas.

Além da análise dos dados, foi realizada uma análise descritiva das informações que estão disponibilizadas pelo SNIF assim como as informações disponibilizadas pelos meios de comunicação para comparar se as informações sobre a finalidade de uso da madeira informada pelo SNIF são as mesmas informadas pelo mercado.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 EXPLORAÇÃO FLORESTAL

A relação comercial do homem com a floresta no Brasil data da época do descobrimento, quando a exploração madeireira já começa de forma intensiva e predatória, o que passou a ser um padrão de comportamento que prevalece a décadas. A exploração madeireira era um negócio muito lucrativo, monopolizado pela Coroa Portuguesa que, já naquela época, possuía normas específicas para o controle da exploração madeireira sob o ponto de vista comercial.

Devido a escassez de diversas espécies de árvores propícias ao mercado madeireiro, como o pau-brasil, providências jurídicas que salvaguardassem os reais interesses econômicos foram adotadas, como a edição de normas que objetivavam reduzir a devastação e proceder uma exploração racional das reservas(LIBÓRIO, 1994)

Ao longo da história essa relação comercial com a floresta não se modificou e o negócio madeireiro se intensificou, trazendo preocupação ambiental para o país e para o mundo, visto a importância de biomas florestais como o Amazônico nas discussões sobre mudanças climáticas. Vale destacar que na Conferência das Nações Unidas para a Mudança Climática realizada em Paris, o Brasil comunicou sua pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (INDC) para zerar o desmatamento na Amazônia até o ano de 2025 e restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares até 2030. Esta proposta transparece a possibilidade de ser uma meta de não proteção ambiental, visto o acumulado de 50 milhões de hectares já desmatados na Amazônia legal de 1990 a 2015, conforme dados apresentados pelo INPE (2016) e reforçado pela UN Environment World Conservation Monitoring Centre - UNEP-WCMC (2016) que demonstram o total acumulado de área florestal que foi reduzida no Brasil em comparação com outros países da América Latina e Caribe (figura 1).


Figura 1
– Comparativo entre a redução da área florestal e a promessa de reflorestamento na América Latina e Caribe no período de 1990 a 2015
Fonte: UNEP-WCMC (2016)

Segundo Fonseca et al. (2016) desmatamento é a supressão total da floresta para utilização do solo para outras finalidades. E maio de 2016 o desmatamento atingiu 474 quilômetros quadrados na Amazônia Legal brasileira, o que representa um aumento de 22% em relação a maio de 2015 quando o desmatamento somou 388 quilômetros quadrados, concentrados nas regiões Norte e Centro-oeste.

Basso et al. (2011) explicam que, em atendimento à legislação florestal, o mercado internacional passou a exigir um instrumento que comprovasse que os produtos florestais eram provenientes de extração legal e não de desmatamentos ilegais, estimulando assim, que empreendimentos florestais buscassem estratégias que atendessem essas exigências.

A primeira floresta pública certificada no Brasil foi a Floresta Estadual do Antimary no Estado do Acre, com uma extensão de 47.064 hectares (ha) e 12.211 ha de sua extensão já foram desmatados, ocupando o nono lugar no ranking 2016 de desmatamento em Florestas Estaduais (INPE, 2016). Assim como a floresta certificada, a primeira Floresta Nacional concedida pelo Estado para exploração sustentável teve até 2010, um acumulado de desmatamento de 7704.93 ha do total de sua extensão de 220 mil ha dos quais 96 mil ha foram destinados para a concessão florestal.

Contudo, as pressões sobre as florestas nativas ainda continuam, principalmente sobre a região amazônica, conforme demonstra a figura 2 que compara a área desmatada de floresta nativa entre os períodos de 2014/2015 e 2015/2016 (FONSECA et al., 2016).


Figura 2
– Desmatamento de agosto2014 a maio2015 comparado com agosto2015 a maio2016
Fonte: Fonseca et al. (2016, p. 2)

Ainda segundo Fonseca et al (2016), as florestas desmatadas na Amazônia Legal somaram 1.959 quilômetros quadrados, significando um aumento de 5.785% em relação a maio de 2015, que foi de 33 quilômetros quadrados. Deste total, 62% do desmatamento ocorreu em áreas privadas ou sob diversos estágios de posse, 11% em assentamentos de reforma agrária, 26% em Unidades de Conservação e 1% em Terras Indígenas (tabela 1).

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2014) a liberação de áreas para a agricultura, a demanda de mercado (tanto para produtos agrícolas quanto para produtos madeireiros), o valor dos produtos madeireiros e a disponibilidade de mão-de-obra são fatores que influenciam no desmatamento das florestas nativas brasileiras sendo possível observar uma constante redução da área de floresta nativa, visto que a reposição deste tipo de floresta é pequena e sua recuperação é de longo prazo (FONSECA et al., 2016).


Tabela 1
– Desmatamento por categoria fundiária em maio de 2016 na Amazônia Legal
Fonte: Fonseca et al. (2016, p. 5)

De acordo com Smeraldi e Veríssimo (1999), ao contrário da percepção comum, a grande maioria (86%) da madeira amazônica é consumida no Brasil, enquanto apenas 14% são exportados. No Brasil, o destaque é o Estado de São Paulo, com cerca de 20% de todo o consumo nacional de madeira amazônica.

Conforme Buainain et al. (2007, p. 13):

A cadeia produtiva com base no setor florestal constitui uma atividade econômica complexa e diversificada de produtos e aplicações energéticas e industriais. [...] No mundo inteiro, o setor florestal tem importância como fornecedor de energia ou matéria prima para a indústria da construção e de transformação. No Brasil, apresenta ainda características ainda mais singulares em razão do fato de o País estar entre os principais detentores de recursos florestais abundantes, sendo o único que possui extensa área de florestas tropicais.

Conforme o relatório de 2015 de Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS) do IBGE, a madeira explorada no ano de 2014 foi destinada principalmente para os seguintes usos: lenha, carvão vegetal e madeira para a indústria, conforme apresentado na figura 3. Essas informações referem-se à quantidade da produção decorrente dos processos de exploração dos recursos vegetais naturais (denominados de extrativismo vegetal), bem como da exploração de maciços florestais plantados (silvicultura).


Figura 3
– Uso da madeira em tora extraída em 2014 proveniente das florestas nativas e plantadas
Fonte: Adaptado do IBGE, PEVS (2014)

Vistos como recursos inesgotáveis e por não ser valorizada enquanto floresta em pé, os biomas florestais brasileiros têm diminuído gradativamente a medida que a fronteira agrícola avança para o Norte do País. Foi assim com a Mata Atlântica, o Cerrado e provavelmente não será diferente com a Floresta Amazônica.

Como consequência, as florestas nativas sofrem pressão de desmatamento em favor do avanço da fronteira agrícola, sendo a criação do manejo florestal e da certificação florestal, medidas tomadas para oferecer ao mercado produtos madeireiros provenientes de áreas controladas e de origem controlada (SFB, 2016).

3.2 CERTIFICAÇÃO E CONCESSÃO FLORESTAL

A crescente preocupação com as questões ambientais, principalmente com o avanço do desmatamento ilegal de florestas nativas, fortaleceu uma demanda por madeira certificada no mercado brasileiro e mundial. Segundo Costa, Flexor e Santos (2008) o movimento em favor da certificação florestal começou no final dos anos 80 com o boicote dos consumidores do mercado externo contra madeiras tropicais oriundas do desmatamento proveniente, principalmente, do Norte do Brasil.

Tem-se como ideia principal da certificação, atributos diferenciados carregados por determinado selo que atestam que as expectativas do consumidor quanto à qualidade ou valores pessoais estão sendo atendidos. Partindo deste pressuposto, produtos certificados trazem confiança ao consumidor sobre o produto adquirido.

Nussbaum e Simula (2005) explicam que as certificações florestais são essenciais no processo de exploração e uso das florestas, visto que a demanda por madeira certificada cresce no mercado mundial. Sartori e Bacha (2007) e Voivodic e Beduschi Filho (2011) fortalecem esta afirmação contextualizando que os sistemas de certificação florestal são desenvolvidos para reconhecer empreendimentos florestais, plantados ou nativos, que buscam adequar suas atividades de produção a critérios sociais, econômicos e ambientais pré-definidos para atender as expectativas dos participantes da cadeia produtiva.

Segundo Sartori e Bacha (2007) o processo deve atestar, de maneira confiável e independente, a adequação especificada pelo órgão credenciador, cujos padrões baseiam-se em três pilares: ambientalmente correto, economicamente viável e socialmente benéfico.

Os dois principais selos de certificação florestal utilizados no Brasil são o Forest Stewardship Council (FSC) e o Programa Brasileiro de Certificação Florestal (CERFLOR), sendo que o FSC certificou a primeira área em 1995 e o CERFLOR foi reconhecido em 2002 pelo Program for the Endorsement of Forest Certification – PEFC (SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO, 2016)

Para o FSC o conceito da certificação surgiu como uma forma de controle das práticas produtivas florestais, por meio da valorização, no mercado, dos produtos originados de manejo responsável das florestas, norteada por princípios que vão desde obediência às leis, respeito aos direitos dos trabalhadores, povos indígenas e tradicionais, uso múltiplo dos produtos e serviços da floresta até minimização de impactos ambientais.

Conforme informações descritas pelo FSC Brasil (2017), a certificação FSC pode ser realizada em duas modalidades: Manejo Florestal, que garante que a floresta está sendo manejada de maneira responsável e a Certificação de Cadeia de Custódia, aplicável a fabricantes, processadores e comerciantes de produtos florestais, garantindo a rastreabilidade em toda a cadeia de processamento e transformação e assegurando os princípios FSC nos produtos florestais. Ainda conforme FSC (2017), os Certificados de Manejo Florestal são válidos por 5 anos, sendo monitorados anualmente para garantir o cumprimento das normas FSC.

Os números divulgados do ano 2015 pelo Serviço Florestal Brasileiro (2016) sobre cada selo foram:

- FSC: Brasil: 6,411 milhões de hectares certificados na modalidade manejo florestal, envolvendo 103 operações de manejo, entre florestas nativas e plantadas e 1.035 certificados na modalidade cadeia de custodia.

- CERFLOR: 2,468 milhões de hectares de florestas plantadas, sendo 24 certificados de manejo florestal e 68 de cadeia de custodia.

Vale ressaltar que a formação das diretrizes que orientam a condução dos citados selos serão fortemente influenciados pela visão que o grupo gestor terá a respeito da gestão e usos da floresta. No caso do FSC a governança é constituída por atores diversos, entre eles estão representantes de ONGs ambientais e sociais, comerciantes de madeira, organizações florestais, organizações de povos indígenas, pequenos produtores, grupos comunitários, fabricantes e varejistas, organizações de certificação florestal, proprietários florestais, pessoas físicas, entre outros.

Nardelli e Griffith (2003) mostram que os maiores conflitos na construção de sustentabilidade no setor florestal encontram-se nas câmaras econômica e social, formadas respectivamente por representantes de empresas e organizações com interesse comercial e organizações ligadas ao campo social como ONGs, associações comunitárias e entidades de representação dos povos indígenas e quilombolas.

O princípio do bom manejo apregoado pela certificação florestal abriu precedentes para que o Estado fizesse mudanças legais e institucionais que surgiram após as ações de promoção da produção florestal certificada (CARNEIRO, 2011).

Segundo o Serviço Florestal Brasileiro (SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO, 2016), a Lei no. 11.284/2006 é o marco legal que descreve como ocorre esse processo de concessão, que envolve do levantamento das áreas em todo o país, a elaboração do edital, as audiências públicas com a população e o monitoramento da atividade.

Segundo o Art. 3. da citada Lei, entende-se por Floresta Pública as florestas naturais ou plantadas, localizadas no diversos biomas brasileiros, em bens sob o domínio da União, dos Estados, dos Municípios, do Distrito Federal ou das entidades da administração indireta.

Ainda segundo o Serviço Floresta Brasileiro, a Lei no. 11.284/2006 permite que:

Desde 2006, o governo pode conceder a empresas e comunidades o direito de manejar florestas públicas para extrair madeira, produtos não madeireiros e oferecer serviços de turismo. Em contrapartida ao direito do uso sustentável, os concessionários pagam ao governo quantias que variam em função da proposta de preço apresentada durante o processo de licitação destas áreas. A política de concessão florestal permite que os governos federal, estaduais e municipais gerenciem seu patrimônio florestal de forma a combater a grilagem de terras, evitar a exploração predatória dos recursos existentes, evitando assim a conversão do uso do solo para outros fins, como pecuária e agricultura, e promovendo uma economia em bases sustentáveis e de longo prazo.

Atualmente encontram-se sob concessão de uso as seguintes Florestas Nacionais: 1. Floresta Nacional do Jamari (RO); 2. Floresta Nacional de Saracá-Taquera (PA); 3. Floresta Nacional de Jacundá (RO); 4. Floresta Nacional de Saracá-Taquera (PA) - Lote sul; 5. Floresta Nacional do Crepori (PA); 6. Floresta Nacional de Altamira (PA). A Floresta Nacional (FLONA) do Jamari foi a primeira concessão florestal do País, com 220 mil hectares aproximados, dos quais 96 mil foram destinados a concessão florestal (SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO, 2016).

Para se ter o alcance do volume de madeira a ser colocado no mercado após a operacionalização da política de concessões, seria necessário considerar também as concessões que estão sendo licitadas as quais corresponderiam segundo dados do SFB (SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO, 2016) a um potencial de 9,2 milhões de ha no Pará, 1,3 milhão no Amapá e 154 mil no Acre.

A localização da FLONA Jamari, disponibilizada pelo site Unidades de Conservação no Brasil (Figura 4) demonstra que a área destinada como concessão florestal está cercada por áreas destinadas a proteção integral, significando abertura de acessos a áreas de preservação integral e terras indígenas.


Figura 4
– Localização da FLONA do Jamari
Fonte: Unidades de Conservação no Brasil (2016)

Desta forma, quando uma área é destinada à concessão florestal é necessário planejar as áreas que serão exploradas anualmente (denominada UPA – Unidade de Produção Anual) e para cada UPA preparar uma estrutura de acesso para o que a extração manejada aconteça. Desta forma, a área concedida é separada em lotes de exploração, são abertos acessos para a retirada da madeira que está sendo manejada, conforme apresenta a Figura 5, e este acesso acaba ficando disponível para que madeireiros que atuam no mercado ilegal também tenham acesso a mesma área.


Figura 5
– Exemplo de como é montada a estrutura para a exploração em uma área de concessão florestal
Fonte: Serviço Florestal Brasileiro (2016)

No caso das concessões florestais, a Lei no. 11.284/2006 em seu artigo 42 determina que as auditorias nestas áreas, sob a responsabilidade dos concessionários, sejam submetidas a auditorias florestais de caráter independente, em prazos não superiores a 3 anos e, se a escala de atividade florestal tornar inviável as custas da auditoria pelo concessionário, o órgão gestor adotará formas alternativas de realização das auditorias.

Pode-se notar, através da construção da Lei de Concessão Florestal, que o Estado passa a responsabilidade do bom manejo florestal, da fiscalização das Florestas Nacionais e do controle do desmatamento para empresas particulares e com interesses de produção em escala.

3.3 CERTIFICAÇÃO E MANEJO FLORESTAL

A partir da pesquisa bibliográfica e da análise exploratória realizada no Portal do Sistema Nacional de Informações Florestais, foi realizada uma analise de correlação utilizando os dados disponibilizados sobre o período de 2005 até 2014 e que estão relacionados com a certificação florestal e o manejo florestal. Estes dados foram correlacionados com a origem da madeira, sendo ela de Floresta Nativa e de Floresta Plantada.


Tabela 2
– Análise de Correlação entre Origem da Madeira (Nativa e Plantada) com Certificações e Manejo Florestal

O propósito desta correlação foi verificar se as certificações florestais e o manejo florestal possuem relação positiva com uma ou com as duas origens da madeira; floresta nativa e floresta plantada (Tabela 2). O resultado desta análise demonstrou que tanto a certificação quanto o manejo possuem alta correlação positiva com a madeira oriunda das florestas plantadas e uma alta correlação negativa com as florestas nativas.

Estas relações permitem inferir que as certificações florestais e os planos de manejo florestal podem atender as florestas plantadas, visto que as certificações de manejo florestal podem estar voltadas para certificar a cadeia de custódia (correlação de 0.942) que tem maior enfoque na indústria de papel e celulose.

Em uma segunda análise, foi utilizado o escalonamento multidimensional para se gerar um mapa perceptual que representa a distância entre os objetos ou casos. Assim, foi avaliado a finalidade de uso da madeira (objetos) frente às certificações e manejo (Figura 6).

Para analisar a validade estatística do modelo, devem ser observados o estresse e o R. do modelo. Seguindo as recomendações apresentadas por Hair et al. (2005), após rodar os dados, no presente modelo o Estresse foi de 0,00728 (0,728%) e o R. foi de 0,99988 (99,988%) demonstrando um ótimo ajuste.

Com base no modelo ajustado, pode-se inferir que as certificações florestais são mais utilizadas para florestas plantadas onde são certificados tanto o manejo quanto a cadeia de custódia destas florestas. Possivelmente, a finalidade do uso da madeira frente as certificações de manejo florestal e de cadeia de custódia para as florestas nativas não representam um volume significativo estatisticamente que os tornem possível de comparar ou correlacionar para este tipo de floresta.

Pelo mapa perceptual, também foi possível demonstrar que existe a mesma tendência de as certificações estarem mais direcionadas para as florestas plantadas e que a exploração das florestas nativas ainda ocorrem com pouco ou nenhum acompanhamento por parte dos órgãos certificadores e fiscalizadores das áreas onde ocorre o manejo das florestas nativas.


Figura 6
– Mapa perceptual representando a relação da certificação e do manejo com o uso da madeira

Com base nas informações disponibilizadas para justificar o presente estudo e por meio da análise dos dados de cada item abordado, foi possível verificar que a certificação florestal suscitou uma modificação na estrutura de governança do Estado, que passou a criar formas de acesso aos produtos madeireiros garantindo o bom manejo da floresta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na perspectiva construída no estudo percebeu-se que por meio da atuação da certificação florestal voluntária, o Estado, através das práticas do bom manejo assimiladas da certificação voluntária, passa através das Concessões Florestais, a garantir as boas condutas sociais e ambientais pregoadas pelas certificadoras independentes, tornando o futuro da certificação florestal menos incerto (CARNEIRO, 2011). Porém os números recentes sobre o desmatamento no Brasil contradizem todos esses fatos e números apontados sobre as duas formas de governança das florestas tropicais brasileiras.

Se for considerado que os dois principais selos florestais utilizados no Brasil possuem as certificações voltadas para as florestas plantadas, cuja demanda vem das indústrias; que o principal uso da madeira nativa é para lenha; e que os índices de desmatamento continuam a subir, pode-se inferir que a certificação florestal no Brasil acontece principalmente como forma de acesso a mercados internacionais, no que se refere a produtos como a polpa de celulose.

O crescimento no número de certificações de floresta plantada não retirou a pressão sobre as florestas nativas e o selo florestal, no caso brasileiro, apenas serviu de pano de fundo para que o Estado pudesse regulamentar um mercado antes inacessível por conta das restrições legais de exploração florestal.

Considerando que estas áreas têm corte seletivo de árvores, pode-se inferir que a infraestrutura necessária para a realização do manejo florestal, seja através da certificação voluntária, seja pelo bom manejo apregoado pelo Estado, tenha contribuído para o acesso de madeireiros ilegais por meio da infraestrutura necessária para execução do plano de manejo.

O presente estudo verificou que a certificação florestal surgiu a princípio para que a produção florestal brasileira tivesse acesso a mercados externos, mas principalmente, que ela serviu como ponto de partida para acesso do Estado no mercado de madeira tropical, dando acesso à exploração madeireira em áreas antes pensadas estrategicamente como reservas de biodiversidade.

Visto que a floresta brasileira é um grande estoque de madeira com potencial de exploração evidente, foi possível demonstrar na presente pesquisa que a certificação florestal pode ter surgido como impulsionadora do arranjo institucional para retirada da madeira da floresta nativa de forma legal, ficando o discurso da preservação ambiental em segundo plano

Por fim, buscou-se contribuir no sentido de se verificar como está o cenário das certificações florestais no Brasil e deixar, como propostas para novas pesquisas, o aprofundamento nos dados sobre o manejo e as certificações florestais para as florestas nativas, visto que são nelas que estão presentes as consideradas madeiras nobres e raras, além de avaliar os impactos sociais e ambientais causados nas áreas manejadas e em seus entornos.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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Notas

Figura 1
– Comparativo entre a redução da área florestal e a promessa de reflorestamento na América Latina e Caribe no período de 1990 a 2015
Fonte: UNEP-WCMC (2016)

Figura 2
– Desmatamento de agosto2014 a maio2015 comparado com agosto2015 a maio2016
Fonte: Fonseca et al. (2016, p. 2)

Tabela 1
– Desmatamento por categoria fundiária em maio de 2016 na Amazônia Legal
Fonte: Fonseca et al. (2016, p. 5)

Figura 3
– Uso da madeira em tora extraída em 2014 proveniente das florestas nativas e plantadas
Fonte: Adaptado do IBGE, PEVS (2014)

Figura 4
– Localização da FLONA do Jamari
Fonte: Unidades de Conservação no Brasil (2016)

Figura 5
– Exemplo de como é montada a estrutura para a exploração em uma área de concessão florestal
Fonte: Serviço Florestal Brasileiro (2016)

Tabela 2
– Análise de Correlação entre Origem da Madeira (Nativa e Plantada) com Certificações e Manejo Florestal

Figura 6
– Mapa perceptual representando a relação da certificação e do manejo com o uso da madeira
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