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Gestão social comparada: territórios da APA Cantão e Bico do Papagaio no Tocantins

Comparative social management: APA Cantão and Bico do Papagaio territories in Tocantins

Gestión social comparada: territorios de la APA Cantão y Bico do Papagaio en el Tocantins

Waldecy Rodrigues
Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Airton Cardoso Cançado
Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Lauro Santos Pinheiro
Instituto Federal do Maranhão, Brasil

Gestão social comparada: territórios da APA Cantão e Bico do Papagaio no Tocantins

Desenvolvimento Regional em Debate, vol. 10, pp. 703-729, 2020

Universidade do Contestado

Recepção: 26 Maio 2020

Aprovação: 16 Junho 2020

Resumo: Esta pesquisa teve por objetivo realizar uma análise de Gestão Social Comparada em dois territórios no estado do Tocantins: Território da Ilha do Bananal/APA Cantão (9 municípios) e Território do Bico do Papagaio (25 municípios). A pesquisa foi realizada junto aos colegiados territoriais no intuito de perceber a intensidade das categorias teóricas da Gestão Social nos dois espaços. A pesquisa de campo aconteceu no decorrer do ano de 2016 por meio de questionário auto administrado pelo pesquisador. Cada município tem dois representantes no colegiado territorial ao qual faz parte, sendo um pertencente ao poder público e outro à sociedade civil organizada, os dois com titular e suplente, correspondendo então a um censo em termos de representação municipal de participantes do colegiado. Os resultados foram divididos em seis dimensões: 1) Funcionamento e Resultados do Colegiado Territorial; 2) Avaliação da Atuação dos NEDETs; 3) Avaliação das Políticas Públicas Territoriais; 4) Plano de Desenvolvimento Territorial; 5) Gestão Social; e 6) Impactos das Dinâmicas Territoriais nas Políticas Públicas. Segundo as respostas, nas seis dimensões o Território do Bico do Papagaio apresenta uma maior intensidade de Gestão Social, conforme conceito e aproximação teórica utilizados nesse texto.

Palavras-chave: Gestão Social, Territórios, Território Ilha do Bananal, APA Cantão, Território do Bico do Papagaio, Participação.

Abstract: This research aimed to carry out an Comparative Social Management analysis in two territories in the state of Tocantins: Bananal Island / APA Cantão Territory (9 counties) and Bico do Papagaio Territory (25 counties). The research was carried out with the territorial collegiate bodies in order to understand the intensity of the theoretical categories of Social Management in both spaces. The field research took place during 2016 through a questionnaire self administered by the researcher. Each municipality has two representatives in the territorial collegiate to which it belongs, one belonging to the public power and the other to organized civil society, both with holder and alternate, corresponding then to a census in terms of municipal representation of participants in the collegiate. The results were divided into six dimensions: 1) Operation and Results of the Territorial Collegiate; 2) Evaluation of the performance of the NEDETs; 3) Evaluation of Territorial Public Policies; 4) Territorial Development Plan; 5) Social Management; and 6) Impacts of Territorial Dynamics on Public Policies. According to the answers, in the six dimensions, the Bico do Papagaio Territory presents a greater intensity of Social Management, according to the concept and theoretical approach used in this text.

Keywords: Social Management, Territories, Ilha do Bananal / Cantão Environmental Protection Area (EPA) Territory, Bico do Papagaio Territory, Participation.

Resumen: Esta investigación tuvo como objetivo llevar a cabo un análisis de Gestión Social Comparada en dos territorios en el estado de Tocantins: Isla Bananal / Territorio APA Cantão (9 condados) y Territorio Bico do Papagaio (25 condados). La investigación se realizó con el colegiado territorial para percibir la intensidad de las categorías teóricas de Gestión Social en ambos espacios. La investigación de campo tuvo lugar durante 2016 a través de un cuestionario autoadministrado por el investigador. Cada municipio tiene dos representantes en la universidad territorial a la que pertenece, uno que pertenece al poder público y el otro a la sociedad civil organizada, ambos con titular y suplente, que corresponde luego a un censo en términos de representación municipal de los participantes. Los resultados se dividieron en seis dimensiones: 1) Operación y Resultados de la Colegiata Territorial; 2) Evaluación del Desempeño de los NEDET; 3) Evaluación de Políticas Públicas Territoriales; 4) Plan de Desarrollo Territorial; 5) Gestión Social; y 6) Impactos de la dinámica territorial en las políticas públicas. Según las respuestas, en las seis dimensiones, el territorio Bico do Papagaio presenta una mayor intensidad de gestión social, de acuerdo con el concepto y el enfoque teórico utilizado en este texto.

Palabras clave: Gestión Social, Territorios, Territorio Isla del Bananal/ APA (Área de Protección Ambiental) Cantón, Territorio del Pico del Papagayo, Participación.

1 INTRODUÇÃO

A Gestão Social vem se desenvolvendo no Brasil desde 1990. O marco inicial pode ser atribuído à criação do Programa de Estudos em Gestão Social na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas – PEGS/EBAPE/FGV (CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2015).

A partir daí a Gestão Social, enquanto conceito, vem se desenvolvendo. Em 2003 foi criada a Rede de Pesquisadores em Gestão Social – RGS. A partir de 2007 começa o Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social (em 2020 foi realizado um pré-ENAPEGS à distância em maio e o evento presencial foi adiado para 2021-11ª Edição – por causa da pandemia do COVID19), cursos de graduação, graduação tecnológica e mestrado profissional passam a funcionar e também revistas acadêmicas contendo em seu título a expressão Gestão Social (CANÇADO; SILVA JUNIOR; CANÇADO, 2017). Em outras palavras, existe uma comunidade acadêmica ativa na Gestão Social.

Em linhas gerais pode se definir a Gestão Social como a participação da sociedade na tomada de decisões no espaço público. Participação essa que busca a emancipação dos sujeitos e o desenvolvimento, a partir dos preceitos do próprio território. A participação do Estado nesse processo é desejada, como o próprio indutor do processo (CARRION, 2007), porém, pode haver Gestão Social para além do Estado, ou à sua revelia (CANÇADO; TAVARES; DALLABRIDA, 2013). A Gestão Social pode ser entendida como uma possibilidade de desenvolvimento participativo de territórios ou outras instâncias que demandem decisões coletivas.

No Brasil, a abordagem territorial voltada para o desenvolvimento rural não é nova. Ela é embasada nas experiências europeias com distritos industriais que geraram desenvolvimento local na Europa nos anos 1990, que foram embasados em estudos anteriores, principalmente no norte da Itália. Ao incluir a perspectiva do desenvolvimento endógeno essa abordagem avança no sentido de incorporar a questão do desenvolvimento regional e a perspectiva rural nesse processo. Essa discussão ao desembarcar na América Latina e no Brasil nesse período encontra terreno fértil, incorporando o combate à pobreza com o desenvolvimento rural (CORRÊA, 2009).

No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) iniciam-se as discussões sobre o desenvolvimento territorial rural. Nos governos posteriores, Lula (2003-2010) e na sua sucessora, Dilma (2011-2016), esse processo se amplia. A visão de Fernando Henrique Cardoso é que o agricultor familiar deve ser visto como “proto-empresário”, influenciado fortemente pelo Banco Mundial. No governo Lula a visão foi mantida, mas com três diferenças: o discurso de valorização territorial é mais visível; b) houve tentativa de ampliação do escopo por meio da integração entre rural e urbano; e c) um maior incentivo à participação. A ideia central de profissionalização do agricultor familiar como indutor do desenvolvimento e combate à pobreza é mantida (GERALDI, 2012).

A política brasileira de desenvolvimento rural territorial foi instituída em 2003 pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário - SDT/MDA por meio do Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais - PRONAT (BRASIL, 2010), cuja sigla posteriormente passou a ser PDSTR “cujos principais objetivos são o estímulo à constituição de ‘territórios rurais’” (FAVARETO; SCHOREDER, 2007) e a sua gestão realizada por um colegiado territorial. Nesse ponto a Gestão Social e a PDSTR se encontram por meio do desafio de realizar uma gestão colegiada de um espaço público para além do município. O colegiado territorial rural é representativo e paritário, com metade de representantes da sociedade civil e metade do poder público.

O objetivo desse trabalho é demonstrar as diferenças em relação à Gestão Social nos colegiados dos Territórios APA[1] Ilha do Bananal/Cantão (APA Cantão) e Bico do Papagaio, situados no Tocantins.

Este trabalho se justifica por comparar a Gestão Social em dois espaços coletivos, que passaram pelo acompanhamento da universidade por meio dos Núcleos de Desenvolvimento Territorial – NEDETs, com a presença de um Assessor Territorial para a Gestão Social nos dois territórios. Dessa forma o artigo busca realizar esta avaliação comparada de Gestão Social na perspectiva territorial. Para o campo da Gestão Social, apresenta-se um ganho em relação à percepção da aplicabilidade do conceito de Gestão Social e da própria resposta dos territórios quando estimulados a pensar os seus próprios desafios e possibilidades na tomada de decisão coletiva.

O texto está dividido em mais cinco seções além dessa introdução. A seção seguinte apresenta o a gestão social como possibilidade de gestão coletiva de espaços públicos, na seção seguinte será apresentado o desenvolvimento desses territórios por meio da política pública. Posteriormente serão apresentados a metodologia e os resultados, seguidos das considerações finais.

2 GESTÃO SOCIAL: POSSIBILIDADES E DESAFIOS NA PERSPECTIVA TERRITORIAL

A partir dos primeiros estudos em torno da delimitação do conceito de Gestão Social (TENÓRIO, 1998; 2011; FISCHER, 2002; FRANÇA FILHO, 2003) a Gestão Social passa a fazer parte da agenda de pesquisa de diversos pesquisadores. A comunidade acadêmica da Gestão Social, em seu início partiu de alguns grupos que pesquisavam o terceiro setor, como o Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor da Universidade de São Paulo - CEATS/USP, Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas e Estudos sobre o Terceiro Setor - NIPETS/UFRGS e Núcleo de Estudos Avançados do Terceiro Setor - NEATS/PUC-SP. Em outros casos como o PEGS/EBAPE/FGV e o Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social - CIAGS/UFBA os núcleos de pesquisa já nascem com a Gestão Social no seu nome.

O crescimento do número de trabalhos envolvendo a Gestão Social, tendo a Gestão Social como tema central é descrito em (HOCAYEN-DA-SILVA; ROSSONI; FERREIRA JUNIOR, 2008) e Cançado (2011).

Outra perspectiva importante em relação ao conceito é que ele é um conceito inerentemente brasileiro como mostram Cançado e Pizzio (2019, p.116)

A perspectiva da gestão social tratada neste texto é eminentemente nacional, segundo Cançado, Pereira e Tenório (2015) e mais recentemente Pereira e Cançado (2018), não encontrando, pelo menos por enquanto, semelhanças com o constructo em espanhol (HERNANDÉZ; CANÇADO, 2017) e inglês (CANÇADO; MARINHO; IWAMOTO, 2018). Dessa forma, esse texto não realizou uma revisão internacional, pois a mesma foi realizada recentemente nesses textos citados. Porém, com a publicação de alguns textos com a discussão da temática em congressos internacionais, como o ISTR - International Society for Third Sector Research, mais recentes (VASCONCELLOS SOBRINHO et al., 2016; CANÇADO; POZZEBON, 2016; MARINHO; CANÇADO, 2018), é possível que a discussão possa ser ampliada a nível internacional.

Essa perspectiva brasileira vem sendo reconhecida em outros países. Em 2019, o livro “Gestão social: epistemologia de um paradigma” (CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2015), já na sua segunda edição, foi traduzido para o espanhol pela Universidad del Azuay sob o título “Gestión social: epistemologia de um paradigma(CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2019). Ainda em 2019 o livro “Social Management within Icelandic Crowdsourced Constitution” (MARINHO; CANÇADO, IWAMOTO, 2019) é publicado em uma editora internacional, interpretando a Construção da constituição colaborativa da Islândia na perspectiva da gestão social brasileira. Esses indícios apontam para uma possível internacionalização do termo.

Partindo para uma delimitação conceitual, optou-se pela visão de Cançado, Pereira e Tenório (2015), essa opção se dá pela construção, por esses autores de uma aproximação teórica para a Gestão Social que será apresentada à frente. Existem outras visões de Gestão Social, como a de Araújo (2012) e as descritas por Maia (2005) e Menon e Coelho (2019). O fio condutor para essas posições acerca do Conceito de Gestão Social é a participação na tomada de decisões.

A opção desse texto é ainda embasada na proximidade da perspectiva de Cançado, Pereira e Tenório (2015) com o conceito de Gestão Social empregado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, demonstrada em Cançado et al. (2015).

Para esses autores

Em síntese, a gestão social pode ser apresentada como a tomada de decisão coletiva, sem coerção, baseada na inteligibilidade da linguagem, na dialogicidade e no entendimento esclarecido como processo, na transparência como pressuposto e na emancipação enquanto fim último. Esta síntese não tem caráter prescritivo, em outras palavras, pode haver gestão social para além dela. O intuito aqui é a delimitação do campo não para ‘cercar o que tem dentro’ e sim para criar fronteiras para serem mudadas com o decorrer das pesquisas e da própria prática na área (CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2019, p.697).

A partir dessa definição inicial, os autores constroem uma aproximação teórica para a Gestão Social, inicialmente em Cançado, Pereira e Tenório (2013) e avançam em Cançado Pereira e Tenório (2015). Segundo os autores, a aproximação teórica é constituída por quatro categorias teóricas: Interesse Bem Compreendido - IBC, Emancipação, Esfera Pública e Dialética Negativa.

O Interesse Bem Compreendido parte da perspectiva de Tocqueville (1987), em sua clássica obra “Democracia na América”. Entendendo que existem interesses individuais, mas também existem interesses coletivos, o Interesse Bem Compreendido se dá quando esses dois tipos de interesses (não necessariamente antagônicos) se encontram em equilíbrio. Obviamente esse equilíbrio não é pleno, mas um ponto de referência para o Interesse Bem Compreendido, um tipo ideal weberiano, que nunca será alcançado, mas servirá como norte para sua avaliação (CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2015). Complementando, para Gahyva (2006, p.564) "a aposta tocquevilliana [...] [do interesse bem compreendido] implicava a possibilidade de fundar uma solidariedade social a partir do exercício do auto interesse esclarecido dos indivíduos democráticos". Frey (2000) corrobora essa posição. O IBC caminha no sentido do reconhecimento da interdependência entre as pessoas (BARBACENA, 2009).

A Emancipação é entendida no sentido de “livrar-se da tutela de alguém”, “pensar por conta própria” (CHAUÍ, 2011). Nesse sentido, a Emancipação é uma condição interna, pois ninguém emancipa ninguém. Toda libertação depende de se perceber em um estado de servidão (MARCUSE, 1979), a saída dessa condição é intrínseca ao ser, podendo ser potencializada ou reprimida pela realidade. Para Marx e Engels (2004) o desenvolvimento da coletividade depende do livre desenvolvimento de cada um. Nesse sentido, ao se pensar em Emancipação, entendida como pensar por contra própria, abrem-se possibilidades para uma relação com o IBC.

A Esfera Pública, por sua vez, à qual se está referindo, é uma aproximação das pessoas com a política. Diferente da Esfera Pública Burguesa, descrita por Habermas (2003), a Esfera Pública da Gestão Social é inclusiva e se pretende livre, pois é o espaço para a tomada de decisão sem coerção, transparente, dialógica e intersubjetiva (OLIVEIRA; CANÇADO; PEREIRA, 2010). A Esfera Pública, nessa aproximação teórica faz a mediação da relação dialética negativa (ADORNO, 2009) entre o IBC e a Emancipação.

A Dialética Negativa (ADORNO, 2009) é uma construção crítica à dialética tradicional hegeliana, que por sua vez é baseada em tese, antítese e síntese. Segundo Adorno (2009) não se pode falar em síntese, ou falsas sínteses como prefere o autor.

Junto a Hegel, coincidiam identidade e positividade; a inclusão de todo não-idêntico e objetivo na subjetividade elevada e ampliada até espírito absoluto deveria compreender a reconciliação. Em contraposição a isso, a força efetiva em toda determinação particular não é apenas a sua negação, mas também é ela mesma, o negativo, não-verdadeiro. A filosofia do sujeito absoluto, total, é particular. A reversibilidade da tese da identidade que é inerente a essa tese atua contrariamente ao princípio do espírito. Se o ente pode ser deduzido totalmente a partir do espírito, então esse se torna, para seu infortúnio, similar ao mero ente que imagina contradizer: de outro modo, o espírito e o ente não estariam em acordo. Justamente o princípio da identidade insaciável eterniza o antagonismo em virtude da opressão daquilo que é contraditório. Aquilo que não tolera nada que seja ele mesmo sabota a reconciliação pela qual ele se toma equivocadamente. O ato de violência intrínseco ao ato de igualar reproduz a contradição que ele elimina (ADORNO, 2009, p.124-125, grifos nossos).

Não se pode conquistar imediatamente o não-idêntico como algo que seria por sua parte positivo, nem tampouco pela negação do negativo. Essa negação não é ela mesma, como em Hegel, afirmação (ADORNO, 2009, p.137).

Desta forma Adorno (2009) faz a crítica à dialética hegeliana e propõe a dialética negativa, que consiste em tese e antítese, sem síntese. Na aproximação teórica para a Gestão Social a dialética negativa adorniana faz a mediação entre IBC e Emancipação no espaço da Pública, como apresentado na Figura 1.

Aproximação teórica para a gestão social[2].
Figura 1
Aproximação teórica para a gestão social[2].
Fonte: adaptado de Cançado, Pereira e Tenório (2015, p.161)

Na seção seguinte serão apresentados os territórios na APA-Cantão e Bico do Papagaio.

3 O PDSTR NOS TERRITÓRIOS DA APA-CANTÃO E BICO DO PAPAGAIO

Para o MDA (BRASIL, 2015) a abordagem territorial é uma visão que integra espaços, atores sociais, agentes, mercados e políticas públicas. Essa abordagem, expressa no Programa, considera que “a equidade, o respeito à diversidade, a solidariedade, a justiça social, o sentimento de pertencimento, a valorização da cultura local e a inclusão social são objetivos fundamentais a serem atingidos” (BRASIL, MDA, 2015).

Na concepção do MDA o território pode ser descrito como

[...] um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo a cidade e o campo, caracterizado por critérios multidimensionais – tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições – e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial (BRASIL, 2005, p. 7-8, grifos nossos).

Na interpretação de Cançado et al. (2015) essa concepção pode ser decomposta em duas partes interligadas: espaço e população. Essas duas partes, se relacionam interna e externamente quando se consideram também as questões imateriais como o relacionamento entre os grupos sociais, que incluem poder, identidade, coesão social, cultural e social. Segundo os autores, a definição do MDA é muito próxima ao debate sobre territórios, como apresentam Cançado et al. (2015). A questão é apenas a expressão “processos específicos” de que tratam os relacionamentos entre espaço e população. Se esses processos específicos se referirem apenas a espaços institucionalizados, como o colegiado territorial, então a concepção do MDA seria restrita. Mas não se entende dessa forma, pois a Gestão Social pode acontecer mesmo em espaços não institucionalizados.

Em 2014 o MDA se abre um amplo edital em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (CHAMADA CNPq/MDA/SPM-PR No 11/2014 - Apoio à implantação e manutenção de Núcleos de Extensão e Desenvolvimento Territorial - NEDETs). Essa chamada tornou possível, além da realização de diversos projetos de extensão e acompanhamento dos colegiados territoriais, a realização da pesquisa nos territórios APA Cantão e Bico do Papagaio.

Na seção seguinte serão apresentados os territórios onde se deu a pesquisa.

3.1 TERRITÓRIO DA APA CANTÃO

Compõem o Território da APA Cantão 9 municípios: Abreulândia, Araguacema, Caseara, Chapada de Areia, Divinópolis do Tocantins, Dois Irmãos do Tocantins, Marianópolis do Tocantins, Monte Santo do Tocantins e Pium.

A Área de Proteção Ambiental Ilha do Bananal/Cantão é uma Unidade de Conservação de domínio estadual no Tocantins, localizada na região oeste do Estado, criada pela Lei Estadual nº 907, de 20 de maio de 1997, com o objetivo de garantir a conservação da fauna, da flora e do solo, além de proteger a qualidade das águas e das vazões de mananciais da região (TOCANTINS, 2020). No território da APA Ilha do Bananal/Cantão (ou APA Cantão) o cerrado é a vegetação predominante, com exceção de uma pequena porção representada pela floresta estacional semidecidual, áreas de transição para a Floresta Amazônica (TOCANTINS, 2016). O Cerrado é um dos hotspots para a conservação da biodiversidade mundial, possui a mais rica flora dentre as savanas do mundo (>7.000 espécies), com alto nível de endemismo. Nos últimos anos as taxas de desmatamento no Cerrado aumentaram e apenas 2,2% da área do Cerrado se encontram legalmente protegida (KLINK; MACHADO, 2005).

A APA Ilha do Bananal/Cantão possui uma área de 16.780 km², abrangendo nove municípios, com população estimada em aproximadamente 45 mil habitantes (TOCANTINS, 2016). Dos municípios localizados em seu interior, três se encontram totalmente inseridos na APA (Araguacema, Caseara e Marianópolis), conforme (Figura 2).

– Municípios que a compõem a APA Ilha do BananalCantão
Figura 2
– Municípios que a compõem a APA Ilha do BananalCantão
Fonte: Elaboração própria, com base em dos dados IBGE (2018)

No território da APA Cantão há a presença de comunidades tradicionais, que são representadas por duas colônias de pescadores, pequenos produtores rurais, torrãozeiros que caracterizam as comunidades tradicionais da APA do Cantão (CARVALHO; ROCHA; CHAVES, 2016). Existe também a organização das mulheres agroextrativistas da região do Cantão que transformam frutos nativos do cerrado em produtos medicinais.

A atividade econômica dos municípios fica centrada na agropecuária, com destaque cultivo da soja, a região tornou se um importante polo agrícola do Estado Tocantins. E nos últimos anos essa cultura tem expandido, enquanto a área plantada de soja cresceu no Estado cerca de 747% da safra 2014/2015 para a 2015/2016. Período em que houve significativo do desmatamento na Unidade, no mesmo período em que dados indicaram um expressivo aumento da área plantada de soja na APA (MOREIRA; COLLICCHIO, 2017).

O turismo é uma atividade também presente na região, por ser uma área de transição entre os três maiores ecossistemas brasileiros (o pantanal, a floresta amazônica e o cerrado) a região oferece diversas possibilidades. Na estiagem as praias e lagos espalhado em mais de 156 km de canais navegáveis são os principais atrativos. Na época das cheias o cenário muda, os cursos d’agua se conectam e formam um imenso lago, habitado por jacarés, tartarugas, aves e peixes. O Ecoturismo e o turismo praia e pesca esportiva são os principais segmentos explorados na região. O município de Caseara é o principal acesso ao Parque Estadual do Cantão e a pesca esportiva e os esportes náuticos são praticados de forma constante. Em Pium localizam-se dois importantes santuários ecológicos: a Ilha do Bananal, que também abrange o município de Lagoa da Confusão, e o Parque Estadual do Cantão. Araguacema localiza-se às margens do Rio Araguaia onde são formadas diversas praias que atraem os turistas no período de alta temporada, que na região acontece em julho (TOCANTINS, 2020a).

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) médio dos municípios que compõem a APA é de 0,639, o considerado como médio. E a média do índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM) é 0,6526 também na faixa de médio desenvolvimento. Estando um pouco abaixo da média estadual que é de e 0,710 e da Nacional que é de 0,766.

3.2 Território da Bico do Papagaio

O Território do Bico do Papagaio - TO abrange uma área de 15.852,60 Km² e é composto por 25 municípios: Aguiarnópolis, Ananás, Angico, Araguatins, Augustinópolis, Axixá do Tocantins, Buriti do Tocantins, Cachoeirinha, Carrasco Bonito, Sampaio, Darcinópolis, Esperantina, Itaguatins, Luzinópolis, Maurilândia do Tocantins, Nazaré, Palmeiras do Tocantins, Praia Norte, Riachinho, Santa Terezinha do Tocantins, São Miguel do Tocantins, São Sebastião do Tocantins, Sítio Novo do Tocantins, Tocantinópolis e São Bento do Tocantins. A população total do território é de 196.367 habitantes, dos quais 66.516 vivem na área rural, o que corresponde a 33,86% do total. Possui 7.202 estabelecimentos de agricultura familiar familiares, 6.059 famílias assentadas e uma terra indígena. (SOUSA; SILVA, 2017; IBGE, 2018; INCRA, 2014).

O território localiza-se no extremo-norte do estado do Tocantins, situado na Amazônia Oriental próximo a confluência dos rios Araguaia e Tocantins. Figura 3. Esta é uma área de transição entre os biomas do cerrado e floresta amazônica. A região é composta por 25 municípios com área (em Km²) 15.767,97 e polução estimada em 214.000 mil. Araguatins é a maior cidade da região com 35.346 mil habitantes, que representa 16,5% da população da região. Seguido de Tocantinópolis com 22.896 mil, que são 10,6% dos biquenses e o terceiro lugar pertence a Augustinópolis, com 18.178 mil ou 8,4% (IBGE, 2018).

– Mapa Localização do Bico do Papagaio Tocantins
Figura 3
– Mapa Localização do Bico do Papagaio Tocantins
Fonte: Base Cartográfica IBGE 2006 e Base Territorial SDT/MDA 2009

Seu território é caracterizado por ser uma região pobre, com baixo PIB per capita, relativamente populosa e fortemente influenciada pela agricultura familiar, notadamente pela pressão exercida pelos movimentos sociais pela reforma agrária. Na região existiam em 2014, 108 assentamentos, com 6.099 famílias, sendo a pecuária de corte e a produção leiteira uma das principais fontes de renda dos agricultores familiares (INCRA, 2014).

É uma área de ocupação recente e sua população migrou principalmente do Maranhão e Piauí durante os anos 1960 e 1970. Majoritariamente agroextrativistas, esta população implantou o sistema de produção baseado na “roça de toco”, na coleta do coco do babaçu no agro extrativismo de frutas nativas, na pesca artesanal, na produção de mel e de farinha de mandioca de imensa importância social, ambiental, cultural e econômica.

Na seção seguinte será apresentada a metodologia desse trabalho.

4 METODOLOGIA

Os dados foram levantados por meio de um questionário administrado pelo pesquisador (ou formulário) presencialmente a um representante do poder público e um representante da sociedade civil de ambos os colegiados territoriais.

Segundo Farias Filho e Arruda Filho (2013) existem diferenças entre questionário e formulário. O questionário, também conhecido como questionário auto administrado é preenchido pelo respondente e deve ter instruções claras e objetivas. Já o formulário, ou questionário administrado pelo pesquisador, é aplicado pelo pesquisador junto ao respondente. As perguntas devem estar relacionadas ao objetivo da pesquisa. A importância do instrumento de coleta de dados está relacionada aos resultados que ele pode apresentar.

No território da APA Cantão são 9 municípios totalizando 18 formulários. No território do Bico do Papagaio são 25 municípios totalizando 50 formulários. Cada município tem dois representantes e dois suplentes para o poder público e para a sociedade civil organizada. Dessa forma considerou-se resposta de titulares e suplentes do colegiado territorial (1 representante do poder público e 1 representante da sociedade civil organizada, titular ou suplente, de acordo com a disponibilidade dos respondentes), chegando-se a um censo no sentido de representação municipal. Dada a quantidade de municípios e as dificuldades de locomoção na região, a aplicação ocorreu no decorrer do ano de 2016.

O questionário administrado pelo pesquisador foi criado por um grupo de professores convidados pelo MDA e era um dos objetivos do projeto. As respostas foram comparadas e apresentadas em Tabelas. Por questões de espaço, não foram apresentadas neste texto todas as questões perguntadas aos respondentes. Foram selecionadas as mais importantes para atingir o objetivo do trabalho, ou seja, comparar os dois territórios na perspectiva da Gestão Social.

Ressalta-se que essa comparação se torna importante na medida em que as atividades relativas aos NEDETs já estavam em curso desde 2015, assim, as ações dos NEDETs também foram avaliadas pelos respondentes. A aplicação do formulário, inclusive, foi uma das ações previstas para a atuação dos NEDETs.

Na seção seguinte são apresentados os resultados da análise comparativa dos territórios em relação à Gestão Social.

5 ANÁLISE COMPARATIVA DOS TERRITÓRIO APA CANTÃO E BICO DO PAPAGAIO NA PERSPECTIVA DA GESTÃO SOCIAL

Com objetivo de facilitar a leitura a partir desse ponto iremos nomear os territórios por sigla. O Território da APA Cantão será denominado TAC e o Território do Bico do Papagaio será denominado TBP.

A análise comparativa entre os territórios aconteceu em 6 dimensões: 1) Funcionamento e Resultados do Colegiado Territorial; 2) Avaliação da Atuação dos NEDETs; 3) Avaliação das Políticas Públicas Territoriais; 4) Plano de Desenvolvimento Territorial; 5) Gestão Social; e 6) Impactos das Dinâmicas Territoriais nas Políticas Públicas.

Em relação à primeira dimensão, o resumo das respostas está na Tabela 1.

Funcionamento e Resultados do Colegiado Territorial
Tabela 1
Funcionamento e Resultados do Colegiado Territorial
Fonte: Dados da Pesquisa

Nessa dimensão, a primeira questão não apresenta muita diferença entre os territórios. Tanto os membros do colegiado do TAC (77,8%) quanto o TBP (92,3%) aprovam e recomendam que o colegiado planeje ações comuns para o desenvolvimento do território. No item seguinte há a primeira diferença, enquanto o TBP (61,5%) em cerca de 2/3 aprova e recomenda que o colegiado defina as responsabilidades de cada membro, no TAC (28,6%) essa aprovação e recomendação está pouco acima de 1/4, com valores semelhantes para os que não responderam a questão. Isso pode mostrar desinformação no TAC em relação às funções do colegiado territorial. A estas duas questões se soma a terceira, a definição de regras coletivas de funcionamento, que é aprovada e recomendada por uma grande maioria no TBP (84,6%) enquanto apenas metade aprova e recomenda no TAC (50%). A exemplo da questão anterior é também muito grande (21,4%) o número dos membros do colegiado que não souberam responder.

Essas três questões em conjunto nos permitem a primeira inferência. Pelos números apresentados, o TBP mostra conhecer mais os objetivos do colegiado territorial e concordar com eles. Em relação à Gestão Social pode-se estabelecer uma relação onde o TBP demonstra apresentar um nível mais alto de Interesse Bem Compreendido e Emancipação que o TAC, considerando o colegiado territorial uma Esfera Pública nos moldes da Gestão Social por excelência.

Continuando a análise, a quarta questão da Tabela 1 se refere a cumprir regras definidas e acordadas coletivamente. A discrepância aqui é maior, enquanto no TBP (76,9%) pouco mais de ¾ dos membros aprova e concorda com a questão, no TAC (7,1%) menos de um em cada dez membros aprova e concorda. Outros números relevantes do TAC reforçam essa diferença. No TAC 42,9% dos membros reprova essa questão, enquanto 21,4% não souberam responder. A questão seguinte, estimular reuniões e atividades do colegiado é aprovada e recomendada no TBP (61,5%), enquanto no TAC (28,6%) as respostas chegam a menos da metade do TBP. Um outro número é importante para entender essa questão no TAC, metade dos entrevistados reprovam esse estímulo. Se o próprio colegiado territorial não acredita que deva estimular reuniões e atividades do colegiado, transparece que não se acredita na própria instituição colegiado, mesmo no TBP esse número ainda não é o ideal pois é menor que 2/3 dos membros apesar de ser maior que a metade.

Essas duas questões mostram que no TBP, grande parte dos membros está disposta a cumprir as regras acordadas, enquanto que TAC é o contrário. O mesmo acontece, em menor escala, com o estímulo às reuniões e atividades. Essas questões são importantes para entender a dinâmica do colegiado territorial. Pelas respostas apresentadas pelos membros dos colegiados tem-se que os colegiados, em especial o TAC, não estão completamente maduros ainda para ser a Esfera Pública de tomada de decisão no território. Essa deve ser uma questão a ser discutida no colegiado e se necessário ter algum apoio externo para desenvolver essa postura institucional.

As questões seguintes dessa dimensão nos apresentam um grande desafio, pois são referentes ao funcionamento do colegiado territorial: tomar decisões de maneira transparente e/ou democrática, encaminhar a resolução de problemas, lidar/resolver conflitos, acompanhar e resolver as ações desenvolvidas e definir regras para o repasse de informações. Essas cinco questões apresentam números preocupantes em relação à Gestão Social no TAC, chegando à reprovação de uma grande parte do colegiado territorial para as quatro últimas, sendo que nas três últimas nenhum membro desse colegiado aprovou e recomendou essas ações. Essas questões são o cerne da gestão social: tomada de decisão coletiva, transparência, resolução de conflitos (IBC) e acompanhamento das ações (CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2015); descrevem de maneira bastante visível a diferença entre a intensidade da presença nos dois colegiados. O TBP tem espaço para avançar, mas o TAC precisa passar por um processo de acompanhamento mais detido.

A segunda dimensão é a Avaliação dos NEDETs, conforme Tabela 2.

Avaliação do NEDET
Tabela 2
Avaliação do NEDET
Fonte: Dados da Pesquisa

Essa dimensão conta com apenas três questões. A primeira deixa claro que as atividades do colegiado territorial melhoraram após a implantação do NEDET, tanto no TAC (92,9%) e TBP (100%). A questão seguinte se refere a aprovação e recomendação do NEDET. A maior parte dos membros dos colegiados territoriais aprovam e recomendam, sendo o número mais expressivo no TBP (84,6%) que no TAC (71,4%). Essas avaliações vão de encontro à primeira questão dessa dimensão.

A terceira questão extrapola a ação do NEDET, mas também faz parte das ações previstas pelos núcleos. Dentre elas está a aproximação entre poder público e organizações da sociedade civil com os colegiados. A questão se relaciona com os trabalhos anteriores que foram realizados por Organizações Não Governamentais contratadas pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário. O NEDET, a partir de 2015 substituiu essas organizações pela parceria firmada com o CNPq e a SPM/PR, aproximando assim as universidades dos colegiados territoriais. Essas ações são aprovadas, mas não recomendadas pelos membros dos colegiados territoriais (TBP – 59,2% e TAC – 50,0%), porém são reprovadas por mais de um terço do TAC (35,7%).

Essas ações são de natureza externa ao colegiado, pois são estímulos ao seu funcionamento pelo SDT. Em outras palavras o SDT estimulou os colegiados territoriais a desenvolver sua Gestão Social. Os números apontam que os NEDETs (Universidades) tem sido melhor avaliados que as organizações da sociedade civil.

Aqui ressalta-se a importância do Assessor Territorial para a Gestão Social, com conhecimento e experiência em mediação transformadora (FISCHER, 2002). Apoiar um coletivo significa trabalhar com e não para o colegiado territorial. Pelas respostas a universidade parece estar mais preparada para essa atuação.

A terceira dimensão é a avaliação de políticas públicas territoriais. Nessa dimensão, existem dois tipos de questão. As primeiras estão relacionadas diretamente à avaliação pelos colegiados das políticas públicas de desenvolvimento para os territórios e as demais estão ligadas ao conhecimento dessas políticas públicas conforme Tabela 3.

Tabela 3
Avaliação das Políticas Públicas Territoriais
Avaliação das políticas públicas territoriais TerritórioReprovoAprovo, mas não recomendoAprovo e recomendoNão respondeu]Total
Política de desenvolvimento territorialBico7,7%92,3%100%
APA28,6%35,7%28,6%7,1%100%
Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PTDRS do Território)Bico100,0%100%
APA78,6%14,3%7,1%100%
Realidade do seu Território RuralBico84,6%15,4%100%
APA35,7%28,6%21,4%14,3%100%
Políticas públicas em geralBico84,6%15,4%100%
APA64,3%14,3%14,3%7,1%100%
Nível de conhecimento das políticas públicas:
TerritórioFracoBomMuito BomNão sabe / não se aplicaTotal
AgroecologiaBico7,7%76,9%15,4%100%
APA64,3%14,3%21,4%100%
CooperativismoBico38,5%61,5%100%
APA71,4%14,3%14,3%100%
Educação no CampoBico7,7%92,3%100%
APA7,1%64,3%21,4%7,1%100%
Minha Casa Minha Vida (MCMV)Bico15,4%84,6%100%
APA7,1%64,3%21,4%7,1%100%
Programa de aquisição de Alimentos (PAA)Bico7,7%92,3%100%
APA42,9%42,9%14,3%100%
PGPM Bio - Política de Garantia de Preço Mínimo para os Produtos da SociobiodiversidadeBico7,7%7,7%84,6%100%
APA64,3%35,7%100%
PROINF - Ação Orçamentária de Apoio a Infraestrutura em Territórios RuraisBico7,7%92,3%100%
APA21,4%28,6%42,9%7,1%100%
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura FamiliarBico7,7%92,3%100%
APA21,4%42,9%21,4%14,3%100%
SUASA - Sistema Unificado de Atenção à Sanidade AgropecuáriaBico15,4%84,6%100%
APA57,1%7,1%35,7%100%
ATER - Assistência Técnica e Extensão RuralBico100,0%100%
APA64,3%28,6%7,1%100%
Crédito FundiárioBico7,7%92,3%100%
APA7,1%64,3%21,4%7,1%100%
Microcrédito OrientadoBico15,4%84,6%100%
APA57,1%21,4%21,4%100%
PNAE - Programa Nacional de Alimentação EscolarBico100,0%100%
APA42,9%42,9%14,3%100%
PNRA - Programa Nacional de Reforma AgráriaBico15,4%84,6%100%
APA64,3%7,1%7,1%21,4%100%
PRONATEC - Programa Nacional de Acesso à Formação Profissional, Técnica, Tecnológica e EmpregoBico100,0%100%
APA14,3%42,9%35,7%7,1%100%
Seguro SafraBico7,7%15,4%76,9%100%
APA57,1%7,1%35,7%100%
Terra LegalBico23,1%76,9%100%
APA64,3%35,7%100%
Fonte: Dados da pesquisa

A primeira questão está relacionada à política de desenvolvimento territorial como um todo. Os membros do colegiado territorial do TBP (92,3%) na sua grande maioria aprovam e recomendam essa política, por outro lado pouco mais de ¼ dos membros do colegiado territorial do TAC (28,6%) caminham nesse sentido. No TAC o mesmo percentual reprova a política, enquanto mais de 1/3 (35,7%) aprovam, mas não recomendam.

A questão seguinte é mais emblemática. Ela se refere ao Plano de Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PTDRS). Enquanto no TBP (100,0%) a totalidade dos membros aprova e recomenda o plano no TAC (78,6%) reprovam e nenhum dos membros aprova e recomenda o referido plano. Uma das explicações pode estar assentada na reprovação do trabalho das organizações da sociedade civil na construção desses planos, pois o NEDET ainda não revisou esse instrumento. Em todo caso o PTDRS seria o instrumento de planejamento coletivo para as ações do território. Retoma-se aqui a questão da tomada de decisão coletiva sem coerção, transparente e dialógico, consideradas como a característica da Gestão Social (CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2015).

Em relação à realidade do seu território rural, grande parte dos membros do colegiado territorial do TBP (84,6%) aprova e recomenda essa realidade, enquanto no TAC mais de 1/3 reprovam (35,7%) mais de ¼ aprovam mais não recomendam (28,6%), enquanto que apenas pouco mais de 1/5 dos membros aprovam e recomendam. Os números apontam que os membros do colegiado territorial do TBP aprovam mais a realidade do seu território que o TAC. Mais uma vez os resultados pedem uma revisão das ações e posicionamento do TAC.

A quarta questão amplia-se para a avalição das políticas públicas em geral. No caso do TBP (84,6%) os números permanecem constantes, porém no TAC (14,3%) os números são ainda menores e a reprovação chega quase a 2/3 (64,3%). Esses números demonstram que os membros do colegiado territorial do TAC não estão satisfeitos com as políticas públicas, porém os membros do colegiado territorial do TBP se mostram bem mais satisfeitos com as mesmas políticas.

A seguir as questões tratam das políticas públicas especificamente, São elas: as relativas a Cooperativismo, as relativas a Educação no Campo, Minha Casa Minha Vida, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), PGPM Bio (Política de Garantia de Preço Mínimo para Produtos da Sociobiodiversidade), PROINF (Ação Orçamentária de Apoio a Infraestrutura em Territórios Rurais), PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), SUASA (Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural), Crédito Fundiário, Microcrédito Orientado, PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), PNRA (Programa Nacional de Reforma Agrária), PRONATEC (Programa Nacional de Acesso `Formação Profissional, Técnica, Tecnológica e Emprego), Seguro Safra e Terra Legal. As questões específicas a cada uma dessas políticas se refere ao nível de aprovação a cada uma delas: Fraco, Bom, Muito Bom e Não se Aplica. É recorrente nas respostas que os membros do Colegiado Territorial do TBP estão mais satisfeitos com todas essas políticas, na Tabela 3 pode-se notar que as respostas referentes são TBP, em todas as políticas são mais positivas que as do TAC. O que corrobora as questões anteriores. Dessa forma, parece que a Esfera Pública do TBP está mais “incluída” nas políticas públicas relativas a seu território o que pode demonstrar maior grau de IBC e Emancipação nesse território em relação ao TAC.

Essas políticas públicas influenciam o cotidiano do território e podem ser o diferencial no desenvolvimento da agricultura familiar. Desconhecer ou não acompanhar as políticas demostra que o IBC e a Emancipação ainda são realidades distantes no colegiado territorial do TAC.

A quarta dimensão abordada no questionário administrado pelo pesquisador se refere ao Plano de Desenvolvimento Territorial. Aqui apresenta-se um conjunto de questões mais curiosa. Tabela 4.

Plano de Desenvolvimento Territorial
Tabela 4
Plano de Desenvolvimento Territorial
Fonte: Dados da pesquisa

O primeiro questionamento dessa dimensão busca compreender se os membros dos Colegiados Territoriais utilizam o Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS) para orientar as ações realizadas para o desenvolvimento do território. No caso do TAC existe praticamente um empate entre os que aprovam e recomendam (42,9%) e os que reprovam (57,1%), com ligeira maioria para a segunda opção. No TBP (92,3%) a grande maioria aprova, mas não recomenda. Aqui, mais uma vez se reflete a opinião dos colegiados territoriais sobre as ações anteriores aos NEDETs. As organizações da sociedade civil contratadas pela SDT foram responsáveis pela construção desses planos e como sua atuação foi mal avaliada, o PTDRS que é um produto dessa atuação, de certa forma não tem conseguido orientar as ações do colegiado.

Na questão seguinte os membros dos colegiados territoriais são questionados se os projetos realizados por eles são avaliados de acordo com o PTDRS. No TAC (100,0%), de forma unânime não, os projetos desconsideram o PTDRS. No TBP (84,6%) grande parte dos projetos são avaliados de acordo com o PTDRS, mesmo que a grande maioria aprove, mas não recomende esse documento, conforme questão anterior.

A última questão dessa dimensão é voltada para a análise técnica dos projetos antes de serem submetidos. No TAC (77,8%) cerca de ¾ deles percorrem esse caminho, enquanto que no TBP (57,1%) pouco mais da metade é submetida a essa análise.

Essa dimensão destoa um pouco das demais dimensões já analisadas. No TAC há uma grande cisão sobre se o PTDRS orienta as ações do colegiado, esse colegiado desconsidera o PTDRS, mas faz com que seus projetos passem pelo crivo de uma análise técnica. No caso do TBP, grande parte reconhece o PTDRS como uma ferramenta (apesar de não a recomendar), mas a análise técnica é realizada apenas em cerca da metade deles. Nesse caso, o que parece acontecer aqui, em relação Gestão Social é que o TAC, por “não confiar” no PTDRS utiliza a avaliação técnica dos seus projetos. Por outro lado, o TBP se sente mais confortável com alguns projetos ao ponto de não os submeter a essa análise. Interpretado dessa maneira, parece que o TBP caminha mais no sentido da Emancipação que o TAC. Porém, essa afirmação pode não estar completamente precisa, pois não se sabe o nível de acesso a análise técnica que cada colegiado possui. O que fica um pouco mais claro é que o PTDRS do TBP faz mais sentido para o colegiado que o do TAC.

Essa avaliação do PTDRS reforça o quão importante é participar ativamente da sua construção, o que, pelas respostas, foi o caso do TBP. De outra forma, quando o plano é construído em “gabinete” ou sem a participação direta do colegiado territorial se exclui mais uma vez a questão do IBC e da Emancipação (CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2015), pois o PTDRS passa a ser quase um “produto” de consultoria externa, o que parece ser o caso do TAC, do que um documento construído coletivamente para ser usado pelo colegiado territorial.

A quinta dimensão aborda diretamente as questões relativas à Gestão Social, conforme exposto na Tabela 5.

Gestão Social no TBP e TAC
Tabela 5
Gestão Social no TBP e TAC
Fonte: Dados da pesquisa

A primeira questão é se a sociedade local considera o colegiado territorial um espaço legítimo (Esfera Pública) para o desenvolvimento territorial. O colegiado do TBP (92,3%) acredita que boa parte da sociedade legitima esse espaço. No caso TAC (35,7%) pouco mais de 1/3 dos membros tem essa visão, enquanto o restante não acredita (42,9%) ou não respondeu (21,4%).

A pergunta seguinte se refere aos resultados da ação dos colegiados territoriais. Os dois colegiados acreditam que têm trazido benefício para o território, tanto o TBP (100%), quanto o TAC (92,9%).

As duas últimas perguntas se referem à influência do colegiado na distribuição do poder político e renovação de lideranças no território. De maneira geral os colegiados acreditam que têm conseguido realizar uma repartição mais equilibrada do poder político no território. O TAC (71,4%) com pouco mais de 2/3 dos membros inclinados nessa percepção, enquanto que a totalidade dos membros do colegiado do TBP (100%). Quanto à renovação de lideranças nos territórios, pouco mais da metade dos membros do colegiado do TAC (57,1%) concorda com essa assertiva. No TBP (100%) a totalidade não soube responder a essa questão.

A legitimidade dos colegiados frente à sociedade ajuda a torná-la uma Esfera Pública com as características da Gestão Social, esse ponto precisa ser aperfeiçoado no TAC. Quanto aos resultados frente à sociedade, que também ajudam nesse processo de legitimação, os dois colegiados acreditam estar fazendo um bom trabalho. O mesmo acontece na questão da repartição do poder político, que influencia diretamente a tomada de decisão coletiva sem coerção, uma das características da Gestão Social. Porém, a grande questão relativa a essa dimensão é a renovação das lideranças no território, que não é percebida no TBP e percebida parcialmente no TAC. A entrada de novas lideranças é um processo importante para a própria dinâmica do território, novas ideias e percepções podem estimular a relação entre IBC e Emancipação no processo de Dialética Negativa na Esfera Pública. Essa questão deve ser considerada nos dois colegiados, em especial no TBP.

A última dimensão trata do impacto da presença do colegiado nas dinâmicas territoriais das políticas públicas. Essa dimensão está apresentada na Tabela 6.

Tabela 6
Impacto da Presença do colegiado nas dinâmicas territoriais das políticas públicas
Impacto da presença do colegiado nas dinâmicas territoriais das políticas públicasTerritórioImpacto baixoImpacto bomImpacto muito bomNão sabe / não se aplicaTotal
Apropriação da gestão social como instrumento para implementação das políticas públicasBico7,7%92,3%100%
APA14,3%57,1%28,6%100%
Diálogo com o poder públicoBico7,7%92,3%100%
APA21,4%7,1%71,4%100%
Visão mais clara dos desafios do territórioBico100,0%100%
APA35,7%14,3%50,0%100%
Melhor compreensão das dinâmicas atuais do territórioBico7,7%92,3%100%
APA28,6%35,7%28,6%7,1%100%
Entendimento das políticas públicasBico100,0%100%
APA14,3%35,7%50,0%100%
Entendimento das percepções dos grupos de interesseBico7,7%92,3%100%
APA57,1%21,4%21,4%100%
Capacidade de negociarBico100,0%100%
APA78,6%21,4%100%
Capacidade de definir, implementar e avaliar projetosBico7,7%92,3%100%
APA78,6%7,1%14,3%100%
Capacidade de intercâmbios de experiências e trocas de conhecimentoBico7,7%92,3%100%
APA57,1%14,3%28,6%100%
Capacidade de lidar com conflitosBico7,7%92,3%100%
APA78,6%7,1%14,3%100%
Capacidade de planejamento territorialBico15,4%84,6%100%
APA57,1%14,3%21,4%7,1%100%
Capacidade de expressão em públicoBico100,0%100%
APA42,9%35,7%14,3%7,1%100%
Capacidade de relação interpessoalBico7,7%92,3%100%
APA50,0%21,4%21,4%7,1%100%
Capacidade de respeitar regras ou normas pactuadas coletivamenteBico100,0%100%
APA35,7%35,7%21,4%7,1%100%
Capacidade de resolver problemasBico100,0%100%
APA64,3%7,1%21,4%7,1%100%
Fonte: Dados da pesquisa

A primeira questão dessa última dimensão diz respeito à apropriação da Gestão Social como instrumento para implementação das políticas. Esta questão está intimamente ligada à segunda que trata do diálogo com o poder público. No caso do colegiado territorial do TBP (92,3% nas duas questões) a grande maioria acredita que as políticas públicas devem ser baseadas na Gestão Social, ou seja, a população tem o direito e o dever de participar desse processo como um todo. Já no TAC, há uma pequena diferença, no caso da primeira questão (57,1%), mais da metade do colegiada acredita nos caminhos da Gestão Social, enquanto mais de 2/3 (71,3%) acreditam no diálogo com o poder público.

As duas questões seguintes estão interligadas e dizem respeito aos desafios do território. A primeira trata de interpretar melhor os desafios do território e a outra da melhor compreensão das dinâmicas territoriais. A primeira questão mostra uma discrepância, enquanto no TBP (100,0%) todo o colegiado acredita conseguiu, por meio do colegiado territorial, ter uma visão mais clara do território, apenas a metade dos membros do colegiado do TAC (50,0%) têm esse entendimento. Em relação à segunda questão a diferença permanece, ainda mais acentuada. No TBP (92,3%) dos membros acreditam que compreendem melhor (Resposta Muito Bom) as dinâmicas atuais do território, no TAC, se forem somadas as respostas Bom (35,7%) e Muito Bom (28,6%), não se chegaria a 2/3 dos membros, enquanto essa soma no caso do TBP seria a totalidade dos membros do colegiado territorial.

À luz da Gestão Social, considerando essas cinco questões, nota-se mais uma vez que a Esfera Pública (colegiado territorial) no TBP se encontra mais consolidada que no TAC, o que é imprescindível para a Gestão Social (CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2015).

As duas questões seguintes: entendimento das políticas públicas e entendimento das percepções de grupos de interesse reforçam a percepção anterior. No TBP (100,0%) a totalidade dos membros considera como Muito Bom o entendimento das políticas públicas e a quase totalidade (92,3%) também considera Muito Bom a questão da percepção dos grupos de interesse. Por outro lado no TAC (50,0%) a metade considera como Muito Bom o entendimento das políticas públicas e 35,7% consideram Bom. No mesmo território, o entendimento das percepções dos grupos de interesse é considerado Ruim (57,1%) por pouco mais que a metade dos membros do colegiado territorial

Esses entendimentos (políticas públicas e dos grupos de interesse) são interdependentes. Pois os interesses de determinados grupos podem interferir na condução (ou supressão) das políticas públicas no território. Essa questão impacta diretamente na categoria teórica IBC no sentido de propiciar o equilíbrio entre os interesses individuais e coletivos. Se não se conhece bem o interesse de determinados grupos esse equilíbrio fica mais distante.

As questões seguintes estão relacionadas às capacidades do proporcionadas pelo colegiado territorial, são elas: de negociar; de definir, implementar e avaliar projetos; de intercâmbios de experiências e trocas de conhecimento; de lidar com conflitos; de planejamento territorial; de expressão em público; de relação interpessoal; de respeitar normas comuns ou pactuadas coletivamente e; de resolver problemas.

Em uma análise geral, o TBP em todas as capacidades atinge um número expressivo (em alguns casos a totalidade) respostas Muito Bom. Ao contrário, os membros do colegiado territorial do TAC, de forma geral concentram suas respostas na opção Ruim, com uma exceção (capacidade de respeitar regras ou normas pactuadas coletivamente) onde as opções Ruim e Bom empatam (35,7%).

Essas questões sobre as capacidades deixam claro que TBP se percebe mais capaz de realizar essas atividades inerentes à gestão coletiva do colegiado territorial e algumas (capacidade de se expressar em público e capacidade de relação interpessoal) que evocam a categoria teórica da Emancipação. Esse ponto deve ser um dos centrais no caso de intervenção interna ou mesmo discussões internas no TAC NA PERSPECTIVA DA Gestão Social (CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2013).

A análise comparativa entre os territórios aconteceu então em seis dimensões: 1) Funcionamento e Resultados do Colegiado Territorial; 2) Avaliação da Atuação dos NEDETs; 3) Avaliação das Políticas Públicas Territoriais; 4) Plano de Desenvolvimento Territorial; 5) Gestão Social; e 6) Impactos das Dinâmicas Territoriais nas Políticas Públicas. Na grande maioria das questões nas seis dimensões, o TBP demonstrou que seu colegiado territorial se aproxima mais da Gestão Social. Essa proximidade possibilita uma gestão mais emancipada em uma relação com o IBC em uma Esfera Pública que permita o diálogo entre a sociedade civil e o poder público. Na seção seguinte serão apresentadas as considerações finais da pesquisa.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desse trabalho foi demonstrar as diferenças em relação à Gestão Social nos colegiados dos Territórios APA Ilha do Bananal/Cantão (APA Cantão) e Bico do Papagaio, situados no Tocantins. A pesquisa fez parte das atividades de um Projeto contemplado no Edital do MDA em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (CHAMADA CNPq/MDA/SPM-PR No 11/2014 - Apoio à implantação e manutenção de Núcleos de Extensão e Desenvolvimento Territorial - NEDETs). Desta forma, este texto é parte integrante dessas ações.

A metodologia consistiu em questionário administrado pelo pesquisador em todos os municípios de cada território com um representante do poder público e um representante da sociedade civil organizada que pertenciam ao respectivo colegiado territorial. Dessa forma, pode se considerar que a pesquisa “ouviu” todos os municípios nos dois setores representados no colegiado territorial.

As respostas foram divididas em seis grandes categorias: 1) Funcionamento e Resultados do Colegiado Territorial; 2) Avaliação da Atuação dos NEDETs; 3) Avaliação das Políticas Públicas Territoriais; 4) Plano de Desenvolvimento Territorial; 5) Gestão Social; e 6) Impactos das Dinâmicas Territoriais nas Políticas Públicas.

Os resultados indicam que o colegiado do TBP tem uma intensidade maior em relação a Gestão Social em relação ao colegiado do TAC. Apresentam ainda que os NEDETs são melhor avaliados que a política anterior, baseada na contratação de ONGs. Outro resultado relevante é a coesão mostrada pelos membros do TBP, que demonstra que mesmo sem incentivo no acompanhamento (universidades, ONGs, etc) esse colegiado territorial tem maiores possibilidades que o outro de sobreviver e se desenvolver.

Sugere-se uma nova pesquisa nos mesmos territórios os NEDETs continuaram atuando tanto no TAC, quanto TBP, o que pode trazer mais resultados. Outras avaliações também poderiam ser realizadas, por meio de entrevista sem-estruturada ou um acompanhamento mais longevo que permita criar uma série histórica.

As duas realidades (nos territórios) são muito distintas, dessa forma, essa pesquisa pode continuar com outras abordagens, utilizando as características históricas de cada território ou mesmo uma etnografia.

Com o fim do MDA essas iniciativas provavelmente vão perder força e a saída pode ser encontrada de forma mais endógeno com apoio do poder público local e universidades.

Outra variável que surgiu no final de 2019 foi o COVID-19. Pode-se realizar outra pesquisa nesse sentido também. As dinâmicas territoriais certamente serão influenciadas pela pandemia.

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Notas

[1] Área de Preservação Ambiental.
[2] Esta aproximação teórica apresenta alguns problemas que merecem ser apresentados aqui, mesmo não sendo o objetivo deste trabalho. Voirol (2012) apresenta as diferenças entre a primeira geração da Escola de Frankfut (Horkheimer, Marcuse e Adorno) em relação à segunda geração (Habermas). Especialmente entre o projeto dialético de Horkheimer e o processo de reconstrução em Habermas, Voirol (2012) apresenta o “paradigma da reconstrução” como possível alternativa para considerar uma aproximação entre as gerações. Maar (2002) reforça a diferença entre a dialética de Adorno e a construção intersubjetiva não dialética de Habermas. Essa aproximação teórica para a Gestão Social não considera essas diferenças, o que pode ser considerado como uma “fragilidade’ a ser sanada no futuro. Fica aqui uma indicação para atualização da aproximação teórica para a Gestão Social com a possibilidade de usar o conceito de reconstrução de Habermas no lugar de dialética negativa de Adorno, mas esse é tema para outro texto. Considera-se que essa “fragilidade” não interfere com os objetivos desse trabalho.
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