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Região Mendanha: o novo espaço do mercado imobiliário em Goiânia, Goiás
The Mendanha Region: an emerging real estate marketing in Goiânia, Goiás
Região Mendanha: o novo espaço do mercado imobiliário em Goiânia, Goiás
Desenvolvimento Regional em Debate, vol. 9, núm. Esp.1, pp. 43-61, 2019
Universidade do Contestado
Recepção: 07 Maio 2019
Aprovação: 12 Maio 2019
Resumo: A atribuição de valor de uso e, principalmente, de valor de troca ao solo está consolidada, e isso faz da terra uma das mais rentáveis e eficientes fontes de renda fundiária da cidade contemporânea, por meio da ação do Estado e de promotores imobiliários. A especulação imobiliária é um dos principais elementos do processo de expansão urbana das cidades. Nesse sentido, as intervenções urbanas configuraram-se como práticas comuns nas urbes contemporâneas, utilizadas em discursos políticos e de desenvolvimento econômico e sustentável, porém, escondendo sua verdadeira natureza: a supervalorização imobiliária de determinada localidade. Em Goiânia esse processo não é diferente e faz parte da história urbana da cidade/capital planejada. Como exemplo disso cita-se a região Mendanha da cidade – objeto de estudo deste trabalho –, que é fruto da segregação socioespacial, de intervenções urbanas públicas e privadas e da valorização imobiliária, o que tem propiciado a transformação desse espaço urbano em uma nova frente do mercado imobiliário.
Palavras-chave: Especulação imobiliária, Intervenções urbanas, Goiânia, Região do Mendanha.
Abstract: The attribution of use value, and mainly of exchange value to the land is so far well consolidated, and hence makes the land one of the most profitable and efficient sources of land rent in the city through actions of the State and real estate agents. Real estate speculation is one of the main elements in the process of urban expansion. It is in this sense that urban interventions became part of the daily life in contemporaneous cities, and are even in speeches about political and economic and sustainable development that hide their true intentions: real estate overvaluation of urban areas. This process is not different in Goiânia, and have been present in the urban history of this planned city. An example of that is the Mendanha Region, subject of this work, that developed amid socio-spatial segregation, public and private urban interventions, and real estate valuation, which has transformed this urban space into a new real estate market.
Keywords: Real estate speculation, Urban intervention, Goiânia, Mendanha Region.
INTRODUÇÃO
A formação dos espaços urbanos segue a lógica das ações do capital e quem determina a sua configuração socioespacial são os agentes urbanos centrados principalmente na figura do Estado e dos especuladores imobiliários. Em Goiânia, essa lógica tem se manifestado a partir de intervenções urbanas, tais como a construção de equipamentos sociais, a verticalização expressiva da paisagem, a implantação de infraestrutura e o aumento do perímetro urbano, que têm provocado alterações no uso do solo e, consequentemente, o surgimento de uma nova periferia que leva a cidade planejada a crescer de forma desordenada. Essa condição pode ser observada mais diretamente nos bairros periféricos, sobretudo nos da região Mendanha, que atualmente se caracteriza por uma rápida urbanização marcada por uma forte tendência à verticalização, que modela e remodela o conteúdo da cidade periférica. Tal condição pode ser ainda melhor explicada no texto Cidades Rebeldes, de David Harvey (2014, p. 92), quando este autor diz que os processos de urbanização na contemporaneidade “[...] têm sido um meio fundamental para a absorção dos excedentes de capital e de trabalho ao longo de toda história do capitalismo”.
A problemática urbana da região em estudo pode ser entendida a partir desse contexto. Sua formação gira em torno das ações dos especuladores imobiliários e da implantação de novos equipamentos urbanos que elevam o preço dos imóveis, devido ao processo de redefinição do uso do solo, e promovem também a supervalorização da terra e a gentrificação do lugar, com o apoio e a conivência do Estado. Compreender a lógica capitalista nas transformações urbanas da referida região pode trazer apontamentos e reflexões futuras para o processo de ordenamento e reordenamento da cidade.
As consultas bibliográficas e documentais deste estudo, além da pesquisa de campo, revelaram a formação e a transformação do espaço da região do Mendanha. O levantamento fotográfico e o estudo comparado de imagens de diferentes pontos da região permitiram identificar as intervenções imobiliárias e, consequentemente, a alteração de suas paisagens ao longo do tempo. Por fim, as entrevistas realizadas com a população local ajudaram a identificar os novos perfis dos usuários da região.
A DINÂMICA ESPACIAL DA CIDADE DE GOIÂNIA
Para compreender melhor a atual configuração espacial de Goiânia, torna-se necessário passar pela história de sua construção. Trata-se de uma cidade planejada conforme o modelo das teorias do urbanismo moderno e construída na década de 1930. Assim, a formação de seu espaço urbano ocorreu a partir de uma corrente de especuladores imobiliários.
O plano original apresentava largas avenidas, traços nobres de uma cidade jardim, e arquitetura art déco, ou seja, um modelo para um novo Brasil, assim pretendido por Getúlio Vargas e Pedro Ludovico. Nessa época, o Estado idealizava as cidades pelo prisma de uma modernidade urbana, mas a consolidação e a formação dos seus espaços urbanos tiveram, como pressuposto e suporte, sobretudo, um poder político autoritário, um poder econômico segregador e uma estrutura fundiária arcaica e conservadora como os de Goiás (MORAES, 2006).
O poder público e o setor imobiliário sempre estiveram presentes na formação do espaço urbano de Goiânia e no seu reordenamento territorial. Inúmeros especuladores imobiliários, como mostra Oliveira (2005), já se apropriavam de certos espaços desde o início da construção da cidade, por meio da reserva de lotes que deveriam ser comercializados posteriormente. Essa era uma regra entre os empreendedores que aguardavam a valorização da terra, a ocorrer mediante a instalação futura de infraestrutura e serviços públicos.
Tal prática permite entender que essa norma especulativa se realizava de modo sistemático na atividade imobiliária da cidade em construção. Segundo o raciocínio dos empreendedores, a extração do lucro dar-se-ia durante as fases de implantação dos loteamentos. Percebe-se claramente que os interesses das imobiliárias estavam voltados fundamentalmente para a obtenção de lucro, mesmo que para isso fosse necessário esperar certo tempo.
Em 1940, apenas sete anos após o início de sua construção, Goiânia já possuía uma população de 48.166 habitantes. Desde o princípio, portanto, a cidade apresentava níveis elevados de crescimento populacional, fato que se intensificou mais tarde com a construção de Brasília. O fluxo migratório foi um elemento extremamente importante no processo de expansão urbana de Goiânia.
De 1933 a 1950, a zona urbana de Goiânia expandiu-se para as regiões periféricas, por conta da ação de proprietários de terras e agentes imobiliários. As melhores áreas urbanizadas, situadas próximas à região central, ficaram reservadas para fins de valorização fundiária. Esse momento é chamado por Moysés (2005) de “período dos planos de desurbanização de Goiânia”, ou seja, de expansão das periferias, ocupação de terras e retomada do controle da expansão urbana da cidade por parte do Estado, principalmente de sua zona rural.
A lógica montada pelas imobiliárias contribuiu também para o processo de espraiamento da cidade a partir da década de 1970 e, ao mesmo tempo, para a produção de seus territórios segregados. Conjuntos populares foram construídos em áreas distantes da cidade e sem nenhuma infraestrutura básica. Foi assim que Goiânia adquiriu uma paisagem urbana marcada por espaços planejados e institucionalizados pelo Estado e que constituíram “[...] a negação do direito à cidade”, como afirma Moraes (2006). Essa mesma condição possibilitou o surgimento e o fortalecimento dos movimentos sociais, com destaque para o aparecimento de mais um agente espacial, os excluídos, que foram vitais para o processo de transformação do espaço urbano de Goiânia.
Entre as décadas de 1970 e 1990 houve uma intensa ocupação do solo de Goiânia, especialmente em sua zona de expansão e rural, período em que posseiros urbanos ocuparam fazendas situadas na região noroeste da capital. Entre as fazendas ocupadas estavam a Caveiras e a São Domingos, que deram origem a vários bairros da região noroeste e, mais tarde, da região Mendanha. Diversas estratégias foram utilizadas pelos governantes para a construção desses bairros, dos quais os mais famosos são a Vila Mutirão I e II[1]. Sendo assim formada, esta região se revestiu de caráter segregacional, na medida em que se organizava a partir do parcelamento do solo, implantado pelo poder público e destinado a uma população de baixa renda que morava em diversos lugares insalubres, normalmente áreas de risco e fundos de vale da cidade, e/ou a famílias sem teto que demandavam moradias em Goiânia[2].
Como dito anteriormente, a transformação do espaço urbano de Goiânia teve como principal fator a atuação do capital imobiliário. No caso da região Mendanha, destacam-se inclusive as observações de Corrêa (1989) quando se refere à produção dos espaços em cidades que se organizam sob a lógica do capital. Nessas cidades, os espaços adquirem valor de troca, transformam-se em mercadoria e seus valores de uso ficam em segundo plano. Sobre essa mesma questão, Lefebvre (2008, p. 35) também diz que as relações do espaço submetidas à lógica do mercado ocorrem em função da “[...] oposição entre o valor de uso (a cidade e a vida urbana, o tempo urbano) e o valor de troca (os espaços comprados e vendidos, o consumo dos produtos, os bens, dos lugares e dos signos)”.
A REGIÃO NOROESTE: OCUPAÇÃO E DESMEMBRAMENTO
A ocupação da região noroeste iniciou-se em 1979 com a criação do Jardim Nova Esperança, período de grande expansão urbana da cidade de Goiânia. De acordo com Moraes (2006, p. 201), foi em julho de 1979 que algumas famílias, os chamados sem-teto, ocuparam um terreno vazio e assim “[...] rapidamente fizeram a limpeza do terreno baldio e montaram barracas de lona de plástico, para servir-lhes de abrigo até o assentamento definitivo [...] e a construção de seus barracos”.
Inicialmente os posseiros resistiram às pressões do Estado por quatro meses. Posteriormente, cercas e barracos foram derrubados pelas forças policiais, além de vários ocupantes terem sido presos. No dia 4 de outubro de 1979, entretanto, os moradores obtiveram uma primeira vitória, com a transformação da região em um espaço para a população de baixa renda (MORAES, 2006).
Além dessa iniciativa, o Estado efetivamente não se interessou em resolver o problema dessa população, como se pôde observar nas diversas tentativas inglórias de retirada de ocupantes da área. Nesse caso, a polícia atuou de forma violenta, em busca da reintegração de posse, o que atendia aos interesses da classe dominante.
Em função desses injustos e acirrados conflitos, que desencadearam comoção social, o Estado passou a ter uma imagem desgastada perante a sociedade goianiense. Mas, mesmo havendo essa sensibilidade em favor dos moradores da região, a exclusão socioespacial continuou, pois muitas lutas ainda estariam por vir.
Não bastassem os referidos conflitos, os moradores da região encontravam-se em situação de extrema dificuldade, eram marginalizados e viviam em condições precárias. Para minimizar tal situação, o Estado passou a intervir a favor dos ocupantes, mas apenas quando a imprensa denunciava a situação em que essa população se encontrava.
Procurando reconstruir sua imagem, a estratégia do Estado foi a de desistir da reintegração de posse e fazer a doação do terreno, aprovando, assim, o parcelamento da área. Conforme a análise de Moysés e Oliveira (2005, p. 293), a atitude do governo tinha como objetivo “[...] neutralizar a ousadia das populações do Jardim Nova Esperança, do Jardim Boa Sorte e do Jardim Boa Vista que, em última instância, assumiam o papel de atores principais”.
Mas essa foi apenas uma vitória. A luta não havia chegado ao fim, visto que muitas coisas ainda deveriam ser conquistadas: dignidade, moradias adequadas, transportes, equipamentos sociais e urbanos, e infraestrutura básica.
Posteriormente, os problemas e dilemas urbanos aumentaram exponencialmente, e as ocupações cresceram. Por outro lado, entretanto, a consciência política da luta pelo direito à moradia e à cidade trouxe novas discussões acerca da ocupação urbana em Goiânia. Os posseiros urbanos da capital foram atrás de seus direitos, resistindo e enfrentando a truculência do Estado. Estavam conscientes de que, apesar de suas fragilidades, juntos se tornariam mais fortes e poderiam enfrentar os grandes desafios que teriam pela frente.
O surgimento e o fortalecimento dos movimentos sociais urbanos foram fatores importantes na luta pelo direito à cidade, especialmente para os pioneiros do Jardim Nova Esperança, que construíram uma identidade política como moradores de uma ocupação que passara a ser bairro e como símbolo de luta e resistência dos movimentos sociais em Goiânia. De acordo com essa lógica, o movimento social consolidado no Jardim Nova Esperança configurou-se como referência para a criação do movimento de moradia de Goiânia, por meio da União das Invasões. Esse movimento repercutiu por mais de três décadas e fortaleceu a luta pelo direito à moradia, o que, sem dúvida, muito contribuiu para a criação dos movimentos nacionais, tais como o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), União Nacional por Moradias Popular (UNMP), Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Central dos Movimentos Populares (CMP) e tantos outros em nível regional e local.
A história da região noroeste de Goiânia demonstra, portanto, como a cidade foi vítima do planejamento urbano “desurbanizador” na década de 1980, conforme pontua Moysés (2004). As políticas urbanas adotadas nessa época tiveram como consequência a segregação socioeconômica de um grande contingente populacional de baixo poder aquisitivo e que não possuía moradia própria na capital. O autor ainda enfatiza que esse modelo de planejamento assumiu um recorte modernista e conservador que desconsiderou grande parte da população como sujeito. Essa condição pôde ser observada nas formações e ocupações dos bairros Jardim Nova Esperança, Finsocial, Vila Mutirão I e II e Jardim Curitiba I, II, III e IV, dentre outros. Nesses bairros, as famílias viviam em barracos precários, insalubres e sem nenhuma infraestrutura urbana, formando assim uma periferia distante, desurbanizada e dependente da cidade.
Ainda conforme Moysés (2004, p. 173), esse processo de periferização corresponde à lógica perversa de remoção dos “[...] pobres que estão no caminho da promoção imobiliária” e de seu reassentamento “[...] fora do perímetro urbano, ou seja, no espaço rural da cidade”. Trata-se, portanto, de uma lógica que reforça o caráter elitista e preconceituoso que predomina nas cidades modernas, onde a elite se impõe por meio das ações do Estado coercitivo.
A consolidação da região noroeste foi, em parte, fruto do processo de gentrificação ocorrido em Goiânia, segundo a lógica de uma “limpeza social” que era feita da seguinte forma: assentava-se a população de baixo poder aquisitivo em locais distantes do centro da capital. Muitos moradores foram trazidos de outras regiões da cidade para a região noroeste e também para outras áreas periféricas da cidade. Moysés (2004, p. 219) enfatiza que “[...] limpar não significa remover para ambientes mais decentes”, como foi o caso de Goiânia e de outras cidades brasileiras nas quais a grande maioria dessa população foi assentada em lugares distantes.
Assim, as regiões sudoeste e noroeste de Goiânia, onde vive um contingente populacional de 110 mil pessoas, segundo o Censo Demográfico de 2000, foram ocupadas pelo método da remoção. Os bairros foram implantados pelo governo estadual, à revelia da legislação urbana vigente, e pela iniciativa privada. Esta aproveitou-se da ação do Estado e alavancou grandes negócios, em alguns casos, apoiada por movimentos pela moradia. O espaço, que era rural e de preservação ambiental, foi transformado em um espaço urbano que já nasceu deteriorado.
Segundo Moysés e Oliveira (2005, p. 302), “[...] na região Noroeste de Goiânia concentrou-se o maior bolsão de miséria da cidade ao longo da década de 80, alojando 7,2% da população da cidade, ou seja, aproximadamente 66.450 pessoas”[3]. A expansão urbana no local ocorreu principalmente pela intensificação da comercialização de loteamentos ilegais e clandestinos e pelo crescimento de outras regiões, como a oeste e a sudoeste. Como consequência, na revisão do Plano Diretor de 1992, com o objetivo de melhorar o reordenamento territorial, a cidade foi dividida em 12 regiões, dentre as quais a Mendanha (MOYSÉS; OLIVEIRA, 2005, p. 28)[4]. Segundo esta divisão o Bairro Jardim Esperança passou a fazer parte da nova Região Mendanha e ao que parece tornar-se-á o alvo de mais um processo de gentrificação, tão recorrente na formação do espaço de Goiânia.
A FORMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO MENDANHA
O conhecimento sobre a formação da região do Mendanha requer que se considere inicialmente a existência de dois recortes espaciais disponíveis. O primeiro deles é o que divide a cidade de Goiânia em sete regiões administrativas e que é adotado pela esfera estadual. O segundo recorte espacial divide a cidade em doze regiões administrativas - sendo um deles a região Mendanha -, e é o utilizado pela prefeitura, porém, essa regionalização oficial do município ainda não foi aprovada pela Câmara Municipal. A análise do objeto deste estudo será feita de acordo com o recorte espacial utilizado pela prefeitura, a fim de manter a objetividade da espacialização divulgada pela Secretaria de Planejamento e pelos meios de comunicação da cidade.
Admitindo assim tal recorte espacial, a região Mendanha de Goiânia se localiza entre as regiões Campinas, oeste, noroeste e Vale do Meia Ponte (Figura 1). Foi criada em 2003, e como se vê, é formada por áreas de diversas regiões e bairros, como é o caso do Jardim Nova Esperança que antes pertencia a região noroeste, e hoje conta com 15.840 habitantes. O território dessa região inicia-se no ponto de passagem da Avenida Anhanguera sobre o ribeirão Anicuns, delimitado pelas GOs 060 e 070, principais eixos viários locais, e prolonga-se até atingir os limites com os municípios de Goianira e Trindade. Possui um grande vazio urbano que se encontra entre as rodovias e que pertencia anteriormente à região oeste da cidade (Figura 2).
Segundo dados da Prefeitura Municipal de Goiânia, de 2010, a região Mendanha é formada por 31 bairros (Figura 3) e possui uma população de 68.858 habitantes. São eles: Jardim Nova Esperança, Setor Cândida de Moraes, Bairro Capuava, Vila João Vaz, Bairro Ipiranga, Bairro São Francisco, Jardim Leblon, Jardim Leblon II, Residencial Jardim Leblon, Residencial Cidade Verde, Jardim Petrópolis, Vila Regina, Parque Industrial Paulista, Setor Santos Dumont, Residencial 14 Bis, Residencial 14 Bis – Extensão, Jardim Bonanza, Residencial Noroeste, Chácara de Recreio São Joaquim, Residencial Carla Regina, Residencial Sollar Ville, Residencial Park Solar, Chácara Maringá, Residencial Dezopi, Residencial Pillar dos Sonhos, Residencial São Bernardo, Jardim Real, Loteamento Tropical Valle, Residencial Tempo Novo, Residencial Recanto das Graças, Setor Maísa – Extensão.

Tais bairros assim organizados também foram acompanhados por um gradativo aumento populacional, mas foi mais especificamente a partir de 2002 que os índices deste aumento se tornaram mais expressivos, em decorrência dos vários empreendimentos residenciais e comerciais que foram realizados pelos diversos agentes imobiliários da cidade. Esta condição, somada à adoção de um novo sistema de infraestrutura promovido pelo Estado, vêm reconfigurando os espaços da região e provocando impactos consideráveis nos bairros, levando-os a alterações que podem ser observadas claramente pela construção de uma nova paisagem (Figuras 4 e 5).


Mas não só os impactos das intervenções físicas ajudam a explicar as rápidas mudanças socioespaciais da região Mendanha. Outros aspectos que também contribuem para o entendimento destas alterações e, consequentemente, dos processos de gentrificação, é a avaliação da renda familiar da população local, a partir de uma comparação do seu perfil socioeconômico. Harvey (2013) aponta, inclusive, que a renda da população se transformou em um dos principais elementos de especulação imobiliária. Ela é fator determinante no processo de controle social, com reflexos que podem ser percebidos na organização e ocupação dos espaços das cidades. Essa relação mostra, portanto, o desenvolvimento da produção e da reprodução do capital.
No caso específico da região em estudo, observa-se que a atual renda dos moradores alterou, apontando para um outro perfil de comprador de imóveis, como também para a construção de tipologias de imóveis que visam a atender às demandas desse público-alvo. Esse fato não só evidencia a presença de uma nova classe média, como também um novo redesenho do espaço social.
A REGIÃO MENDANHA COMO MERCADO IMOBILIÁRIO
Os processos de intervenção urbana ocorrem à medida que a cidade cresce e surge a necessidade de reestruturação das novas áreas ocupadas, que também passam a ser valorizadas (SINGER, 1978, p. 29). Essa valorização ocorre com a implantação de equipamentos sociais custeada pelo Estado, além de investimentos privados dirigidos para empreendimentos comerciais, ocasionando a especulação imobiliária local.
Na região Mendanha, as intervenções urbanas de maior impacto começaram a ser feitas pelo Estado a partir de 2003, mesma época de sua criação, quando ainda pertencia à região noroeste. Naquele momento o uso do solo foi alterado em alguns bairros, com a finalidade de favorecer e promover a especulação imobiliária. Em continuidade ao processo, houve também a construção de dois viadutos: um na confluência da Avenida Perimetral Norte com a GO-070 e outro no entroncamento da Avenida Castelo Branco com a GO-060, o que gerou mudanças no trânsito dos eixos viários principais da região.
Assim, foi a iniciativa privada uma das grandes responsáveis por atrair novos investimentos públicos para a região, tão logo o Estado deu início às suas intervenções. Esse momento consolidou-se com a construção do Portal Shopping em 2006, localizado na Avenida Anhanguera com a Avenida Perimetral Norte, no Bairro Capuava. Com esse empreendimento, a região entrou na “era dos shoppings”, assim como ocorreu com Goiânia no ano de 1981, com a construção do Flamboyant Shopping Center.
A construção do Portal Shopping (Figura 6), assim como a maioria desse tipo de equipamento, foi escolhida estrategicamente. O empreendimento foi fator de relevância econômica para a região, configurando-se como elemento polarizador e de atração para outros investimentos. Segundo informações junto à população local, sua construção alavancou os preços de imóveis e aluguéis em sua proximidade.

Além dos shopping centers, vários outros empreendimentos imobiliários foram e estão sendo construídos na região. A construtora Borges Landeiro, por exemplo, construiu o Residencial Tropicale (Figuras 7 e 8) no Bairro Jardim Nova Esperança, com 1.920 unidades de apartamentos distribuídas em 12 torres, cada uma delas com 20 pavimentos, com oito apartamentos por andar, e 2.298 garagens.


Seguindo a mesma lógica apontada no parágrafo anterior, existem também o Residencial Ipiranga o Terra Mundi, ambos próximos à Estação Padre Pelágio, no Jardim Fonte Nova. O primeiro compõe-se de três torres com 24 pavimentos cada e oito apartamentos por andar, totalizando 576 unidades (Figura 9), enquanto o segundo possui quatro torres e 15 pavimentos (Figura 10).


Outro exemplo de empreendimento imobiliário na região Mendanha é o complexo residencial Ecovillaggio (Figura 11), lançado pela Loft Construtora e localizado no Bairro São Francisco. Na divulgação desse conjunto, curiosamente, destaca-se o enfático discurso da sustentabilidade e da qualidade de vida das pessoas (LOFT CONSTRUTORA, 2013/2014), mostrando claramente o uso de ferramentas de marketing que visam a valorização do empreendimento.

A construção desses três empreendimentos imobiliários, todos situados nas proximidades do Portal Shopping, somam para a região um total de aproximadamente 3.000 novas moradias. Considerando que cada um desses imóveis possui em média quatro moradores, haverá um grande impacto populacional na região, que passará a contar com mais 12.000 mil pessoas.
Há de se destacar, no entanto, que no contexto da região algumas áreas sofreram maiores intervenções do que outras, resultando assim em uma significativa diferença de adensamento populacional, como é o caso, por exemplo, do Jardim Nova Esperança, bairro fortemente estigmatizado pela sua história de ocupação. Por considerar tal condição, os segmentos imobiliários privilegiaram o Setor Cândida de Morais com a construção do Edifício Tropicale, que abriga 7.680 habitantes. Estes, somados à população existente, configuram um total de 23.600 moradores. Além deste considerável aumento populacional, vale apontar ainda que tais edifícios revelam novidades na paisagem, como consequências das transformações morfológicas e espaciais. São, portanto, formas de rupturas características das cidades contemporâneas, que expressam relações econômicas e sociais desiguais, marcando assim os traços do mundo moderno.
Mas não só edifícios residenciais fazem parte desse conjunto de intervenções. Grandes edifícios para fins educacionais e financeiros também figuram na nova paisagem da região, a exemplo da Faculdade Alfa e de diversas agências bancárias, tais como as do Bradesco, da Caixa Econômica Federal e do Itaú, todas na Avenida Perimetral Norte, e a do Banco do Brasil, que se localiza nas dependências do Portal Shopping, denotando assim uma clara combinação de interesses entre os agentes privados e estatais que fazem parte dos mecanismos de exploração e acumulação do capital.
Para além de alguns benefícios que as intervenções levaram para a região Mendanha, há de se observar ainda que o shopping, os edifícios residenciais em questão e a Faculdade Alfa podem ser considerados hoje como polos geradores de congestionamento de avenidas e ruas locais em determinados horários do dia, pois suas construções não levaram em consideração os Estudos de Impactos de Vizinhança (EIV). Esse fato explica-se porque, de acordo com a Lei nº 8.646/2008, Art. 2, não existe obrigatoriedade para os empreendimentos residenciais com área de até 5.000m² cumprirem tal exigência EIV. Mesmo não havendo tal exigência, verifica-se que os impactos negativos dessas construções na região foram e ainda são enormes, por falta de um maior planejamento.
Como se vê, as ações intervencionistas do Estado no espaço da região em estudo atraíram diversos investidores, iniciando assim um processo de especulação imobiliária que alavancou o preço dos imóveis em um curto espaço de tempo. Essa dinâmica é assim explicada por Singer (1978, p. 34): “As transformações no preço do solo acarretadas pela ação do Estado são aproveitadas pelos especuladores, quando estes têm possibilidade de antecipar os lugares em que as diversas redes de serviços são expandidas”. Desse modo, entende-se que a antecipação de informações privilegiadas sobre a implantação de serviços básicos na cidade pode elevar o preço de um imóvel mesmo antes da implantação da infraestrutura básica.
Essa mesma lógica ainda em curso também pode ser observada quando se constata o interesse de outros investidores pela região considerada o mais novo espaço de consumo da cidade de Goiânia. Tal fato a torna merecedora de receber mais shopping centers, tal como o América Shopping, situado nas margens da GO-060, em frente ao Conjunto Vera Cruz.
Para evidenciar o grande potencial de crescimento e de investimento da região Mendanha, destacam-se ainda as ações que também contribuem para o avanço da especulação, apesar dos grandes benefícios que possam trazer. É o caso da construção do Hospital de Urgência Noroeste - Hugo 2 (Figura 12), concluída em 2014, e da implantação de parques cujas concepções atendem mais especificamente às demandas dos especuladores, porque, na dinâmica de produção e reprodução das áreas livres das cidades, o espaço é compreendido como um produto que, no sistema capitalista, oscila entre as necessidades geradas pelo capital e as reais carências da sociedade (GRANDE; BOAVENTURA; MARTINHO, 2016).

A despeito das inúmeras e significativas transformações, a região ainda enfrenta grandes problemas sociais, tais como o atendimento precário à saúde e à educação, a violência, a falta de infraestrutura básica e um transporte público deficitário. Em relação a esse último, destacam-se as condições da estação Padre Pelágio, que recebe passageiros das regiões oeste, Mendanha e noroeste da capital, além de atender aos moradores dos municípios de Goianira e Trindade. Como consequência, observam-se graves congestionamentos nas proximidades dessa estação, quadro que deve se agravar em face da progressiva verticalização e do consequente adensamento da região.
Por fim, em que pese a importância de algumas das intervenções que visam melhorar a qualidade de vida da população da região Mendanha, muitas delas também são acompanhadas de aumentos de impostos e de processos de especulação e valorização imobiliária que podem levar à gentrificação. O aumento do valor dos serviços pode, portanto, causar a expulsão da população residente de baixo poder aquisitivo, ocasionando sua migração para novas áreas da cidade com pouca ou nenhuma infraestrutura. Observa-se, nesse momento, a existência de uma pressão do capital imobiliário na dinâmica urbana da região, cujo objetivo relaciona-se com a apropriação de áreas sem infraestrutura ou degradadas, a fim de reestruturá-las para uma nova dinâmica, regida pela especulação e marcada pela supervalorização imobiliária e, com certeza, pela geração de grandes lucros para os investidores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo procurou mostrar que a região Mendanha de Goiânia surgiu da fragmentação da região noroeste e de outras, sendo possível observar a existência de um processo de gentrificação do espaço em questão. Sua trajetória tem início em localidades marcadas pela exclusão e pela segregação social, seguida pela instalação de equipamentos urbanos e, por último, pela construção de equipamentos privados de grande porte e de empreendimentos imobiliários, cuja verticalização muda a paisagem da região.
A partir dos anos 2000, a região Mendanha transformou-se em uma nova frente para o mercado imobiliário. O Estado, que anteriormente a definira como região para acolher habitações para a população de baixa renda, agora a fragmenta em prol de um novo espaço urbano que se coloca à disposição de uma perversa especulação imobiliária.
A transformação econômica na região Mendanha é bastante clara, sobretudo, a partir das mudanças na paisagem, marcada atualmente por edificações verticais que possuem 20 pavimentos em média. Essas mudanças denunciam o modo como se dá a reprodução do espaço urbano da cidade como um todo, como também sinalizam a vulnerabilidade da população de menor poder aquisitivo, frequentemente exposta à gentrificação.
Muito embora não tenha sido objeto deste artigo, cabe destacar que essa é uma estratégia do capital imobiliário que, com ações arrojadas de gentrificação, tenta ao mesmo tempo (des) estigmatizar uma área ocupada por pessoas pobres, abrindo espaço que possibilita a transformação de novos espaços fora dos centros tradicionais edificados.
Essas alterações no espaço urbano revelam cada vez mais a omissão dos gestores municipais e o descaso com o planejamento urbano de Goiânia. Muitas das intervenções na região em estudo vêm transformando o espaço urbano em busca de esquemas especulativos e supervalorização imobiliária, sem se ocuparem mais especificamente com as questões sociais ligadas às necessidades da população.
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Notas