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Economia da cultura: uma possibilidade de desenvolvimento regional para o estado de Goiás
Economy of culture: a possibility of regional development for the state of Goias
Economia da cultura: uma possibilidade de desenvolvimento regional para o estado de Goiás
Desenvolvimento Regional em Debate, vol. 9, núm. Esp.1, pp. 126-142, 2019
Universidade do Contestado
Recepção: 07 Maio 2019
Aprovação: 12 Maio 2019
Resumo: Este artigo aborda as relações econômicas e profissionais no campo da cultura e sua relação com o desenvolvimento regional do estado de Goiás. Pesquisas bibliográficas e documentais apontam melhoria de investimentos públicos na área cultural e artística do estado. Esses investimentos provocaram uma significativa melhoria nos indicadores socioeconômicos das cidades com vocação cultural e turística. Em 2016, a Economia Criativa representou aproximadamente 2,6% do PIB Brasileiro além de apresentar um crescimento de cerca de 70% nos últimos dez anos. Quanto mais investimento público ou privado neste novo segmento econômico, menor é o fluxo migratório de pessoas em busca de serviços públicos em grandes aglomerações urbanas. Em suas várias linguagens e modalidades, a cultura se tornou um bem simbólico tangível e capaz de gerar renda e empregos, contribuindo para o desenvolvimento social, humano e sustentável. O objetivo deste artigo é discutir como se relacionam as dinâmicas da globalização da economia e o papel desempenhado nas economias locais. A Economia da Cultura movimenta uma gama de serviços articulando desenvolvimento e profissionalização. Nesse cenário, o incentivo de políticas públicas culturais às cidades firma-se como uma boa estratégia de crescimento e de geração de emprego, além de gerar um clima de criatividade, empreendedorismo, negócios e serviços que alavancam o surgimento de polos de inovação nos territórios.
Palavras-chave: Economia da Cultura, Profissionalização, Desenvolvimento Regional.
Abstract: This article discusses the economic and professional relations in the field of culture and its relation with the regional development of the state of Goiás. Bibliographical and documentary researches point to improvement of public investments in the cultural and artistic area of the state. These investments have led to a significant improvement in the socioeconomic indicators of cities with a cultural and tourist vocation. In 2016, the Creative Economy represented approximately 2.6% of the Brazilian GDP, in addition to a growth of around 70% in the last ten years. The more public or private investment in this new economic segment, the smaller is the migratory flow of people seeking public services in large urban agglomerations. In its various languages and modalities, culture has become a tangible symbolic asset capable of generating income and jobs, contributing to social, human and sustainable development. The objective of this article is to discuss how the dynamics of the globalization of the economy and the role played in the local economies are related. The Culture Economy moves a range of services articulating development and professionalization. In this scenario, the incentive of cultural public policies to cities is a good strategy for growth and job creation, in addition to generating a climate of creativity, entrepreneurship, business and services that leverage the emergence of innovation poles in the territories.
Keywords: Economy of Culture, Professionalism, Regional development.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como propósito apresentar em que medida a cultura pode se relacionar com o desenvolvimento, mais especificamente dentro do estado de Goiás. Procurar entender a cultura como um processo de construção do resgate da autoestima da população, da produção de bens e serviços materiais e imateriais, da criatividade e da geração de emprego e renda, são elementos fundamentais para a promoção do desenvolvimento em todas as suas dimensões, seja ela econômica, social, humana, sustentável e regional.
O crescimento econômico nunca foi suficiente para gerar desenvolvimento. O simples aumento do PIB per capita e da renda não contemplam a população como um todo e nem promove um desenvolvimento homogêneo. Em muitos casos alarga os graves problemas de desigualdades regionais, não produzindo desenvolvimento humano e social a fim de melhorar a qualidade de vida da população. E a cultura como estratégia de desenvolvimento precisa estar inserida no debate político, fortalecendo a democracia, a economia e o trabalho no combate às desigualdades (BRANT, 2009).
O estado de Goiás, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015) é a nona maior economia do país. Pesquisas realizadas pelo Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (IMB, 2017) demonstravam em 1995, o estado de Goiás com um valor nominal do Produto Interno Bruto (PIB) na ordem de R$ 14 bilhões e participação no PIB nacional de 2,05%. Após 20 anos, o Estado tem um PIB aproximado de R$ 170 bilhões e participação nacional de 2,9%.
Segundo levantamento realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN, 2018), o estado de Goiás com seus 246 municípios, pouco mais de 25% desse total não têm arrecadações próprias que consigam cobrir suas despesas com custeio da máquina pública, precisando recorrer às transferências intragovernamentais. Dentro do universo de municípios goianos, somente 10 (dez) apresentam uma população acima de 50 mil habitantes de acordo com estimativa do (IBGE, 2017) e cuja economia apresenta uma dinâmica própria na geração de emprego e renda para a população local.
Segundo Benhamou (2007) três fatores contribuíram para o reconhecimento da Economia da Cultura por meio de pesquisas publicadas no Journal of Economic Literature: i) a geração de fluxos de renda ou de empregos; ii) a necessidade de avaliação das decisões culturais; iii) a evolução da economia política para campos novos. Esses fatores expuseram a cultura num campo econômico nas quais seus valores gerados constituíam uma experimentação dos conceitos econômicos fundamentais.
A relevância do setor cultural está ligada ao incremento do setor de serviços e está contextualizada a partir de um processo de ressignificação no interior do sistema produtivo internacional. Uma das alternativas nas quais algumas cidades estão investindo é o estímulo à inovação e ao empreendedorismo. Tenta-se criar uma rede de serviços e empreendimentos inovadores para poder superar a estagnação econômica e social que muitos municípios vivenciam, em razão, da pouca dinamicidade da economia e do mercado de trabalho local.
O objetivo geral desse trabalho é buscar compreender como a cultura de um território pode se relacionar com a economia e especificamente como esses produtos e serviços gerados podem contribuir para a geração de empregos criativos para a população local.
PROBLEMATIZAÇÃO
A geração de renda e emprego em pequenos municípios é ínfima, o que acarreta um problema social e econômico. Estes cidadãos se tornam vítimas e sujeitos passivos da globalização, segundo Sassen (1998). A expressão “lógica da expulsão” retrata o atual estágio das pequenas e médias cidades. Sem investimentos públicos e nem privados na sua localidade ou região, muitos cidadãos acabam se transferindo para municípios maiores onde terão uma oferta mais ampla em serviços públicos como: saúde, educação, transporte e lazer. Porém este fluxo migratório acaba gerando uma pressão sobre estas regiões mais desenvolvidas saturando a oferta de serviços públicos.
Como estimular o crescimento local sem perder a conexão com o mundo global? Talvez seja esse um dos grandes desafios para os gestores públicos neste século. Trata-se de não deixar que as cidades fiquem marginalizadas do eixo de crescimento e desenvolvimento, cujo estímulo não seja só econômico, incluindo a dimensão regional, a humano e a sustentável. Investir em outras dimensões do desenvolvimento é permitir que os cidadãos se aproximem dos governos e que possam ter voz ativa, além de estimulá-los a proporem soluções e melhorias para o seu território por meio da criatividade advinda das tradições e costumes locais. Entretanto, a infraestrutura urbana ainda é um grande entrave para o desenvolvimento local e regional. E a criatividade acaba sendo relegada por não fazer parte da agenda prioritária dos gestores públicos na construção de alternativas para o desenvolvimento local.
A cidade e o espaço urbano precisam serem criativos, ao proporcionar uma inteligência territorial, compondo uma gama de conhecimentos tecnológicos e inovadores (DALLABRIDA; COVAS; COVAS, 2017). Nesse panorama, a cultura constitui-se como um elemento de considerável importância para o desenvolvimento econômico e social das cidades. O Brasil das “belas-artes”, da música erudita e das expressões culturais, que estava restrito a pequenos grupos, tem se descoberto, à medida que mais grupos sociais produzem e consomem cultura resgatando as origens históricas e culturais de cada região e transformando este patrimônio histórico e cultural em bens e valores simbólicos.
Na visão de Dallabrida e Ferrão (2016) a vertente cultural é o local de apropriação do território pelo cidadão, a valorização da regionalidade cultural ao espaço ocupado. O desafio a ser enfrentado pelos gestores públicos e moradores das pequenas e médias, como o exemplo das cidades goianas, é buscar soluções criativas e empreendedoras que possibilitem diminuir o fluxo migratório destes cidadãos para grandes centros urbanos.
A terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano e Sustentável (Habitat III), realizado na cidade de Quito no Equador em 2016, reconheceu que em 2050, cerca de 70% da população mundial viverá em centros urbanos ocasionando um aumento por demandas nas áreas da habitação, emprego, saúde, segurança e educação. Esses dados corroboram a problemática dessa pesquisa ao considerar os pequenos territórios como espaço apropriado para desenvolverem novos modelos de negócios e empreendimentos, nos quais, se possa permitir uma maior interação e conexão dos atores locais com a sua região.
A metodologia dessa pesquisa teve como fundamento uma revisão bibliográfica dos principais autores que discutem a cultura, a economia e o desenvolvimento regional. Buscou-se também uma análise de dados primários de institutos de pesquisa, como o IBGE e IMB cujos resultados serviram para embasar este estudo que tenta mostrar a economia da cultura como uma nova alternativa de desenvolvimento local e regional.
POLÍTICAS PÚBLICAS REGIONAL E CULTURAL
O Brasil é considerado um país com dimensões continentais formado por 26 (vinte e seis) estados mais o Distrito Federal e tem aproximadamente 8,5 milhões de Km. organizados em cinco regiões de acordo com o IBGE (2018): Região Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2017) as primeiras ações governamentais para diminuir as desigualdades regionais coincidiram com a criação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (Ifocs) em 1909. No governo do ex-presidente da República Getúlio Vargas, em 1952, cria-se o Banco do Nordeste (BNB) e no governo do também ex-presidente da República Juscelino Kubitscheck, em 1956, é criado o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN).
Todos esses esforços resultaram na criação a partir de 1959, das Superintendências Regionais de Desenvolvimento: Nordeste (Sudene), Norte (Sudam) e Centro-Oeste (Sudeco). Para Monteiro Neto, Brandão e Castro (2017) estas superintendências regionais tinham como objetivo estimular a industrialização para estas regiões periféricas do país. Os PNDs I e II (Plano Nacional de Desenvolvimento) implantados nas décadas de 1970 e 1980, durante o período da ditadura militar (1964-1985) experimentaram investimentos públicos vultosos, principalmente na infraestrutura de estradas, telecomunicações, energia, habitação, portos e aeroportos cujo objetivo era interligar a parte litorânea do país ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.
Criou-se um arcabouço jurídico e legal sobre o tema desenvolvimento regional com a finalidade de transformá-lo em políticas públicas de Estado e não de Governo. Logo em 1989, por meio da lei 7.827 o governo federal cria os Fundos Constitucionais de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), do Nordeste (FNE) e do Norte (FNO). Estes fundos tinham a função de alavancarem à economia regional destas regiões. No período do governo do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-2002), as superintendências foram extintas e segundo Cano (2007) e Pacheco (1998) o estado abdicou do seu papel em fomentar o desenvolvimento regional nestas regiões.
Em 2003, com a posse do ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), as superintendências regionais foram restabelecidas, porém sem verbas específicas capazes de promover a volta do desenvolvimento nestas regiões. A edição do Decreto 6.047/2007 foi considerada um marco para o desenvolvimento regional pós redemocratização. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Regional, conforme inciso III do artigo 3º da CF: “A Política Nacional de Desenvolvimento Regional - PNDR tem como objetivo a redução das desigualdades de nível de vida entre as regiões brasileiras e a promoção da equidade no acesso a oportunidades de desenvolvimento, e deve orientar os programas e ações federais no Território Nacional”. Monteiro Neto, Brandão e Castro (2017) afirmam que os poucos recursos públicos disponibilizados para estes fundos não permitiram que a PNDR cumprisse os seus objetivos como política nacional de desenvolvimento. Na concepção dos autores a não implantação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional e a baixa adesão e articulação de outros atores governamentais não foram suficientes para transformar a dinâmica regional brasileira.
Em nível estadual, a gestão de Mauro Borges à frente do Governo de Goiás (1961-1964) foi considerada a primeira experiência pública em planejamento na formulação de metas para o desenvolvimento do Estado. Conforme Vieira (2012), a construção de Brasília era considerada uma ameaça à economia goiana, em razão do deslocamento da mão de obra e da classe produtiva para um mercado mais competitivo. Conhecido como Plano de Desenvolvimento Econômico de Goiás (Plano MB), teve sua base em quatro grandes eixos estruturantes de desenvolvimento econômico e social, segundo Vieira (2012): i) um eixo focado nas atividades agropecuárias; ii) processo de industrialização; iii) fortalecimento da região de Goiânia como ponto de referência no crescimento econômico do Estado; iv) melhoria na eficiência da administração pública, a partir de investimentos em educação, saúde, estradas, saneamento básico e energia elétrica. Contudo Mauro Borges não teve como dar prosseguimento ao seu plano devido ao golpe militar que o alijou do poder em 26 de novembro de 1964 (VIEIRA, 2012).
Falar de políticas públicas culturais é resgatar a história do Brasil Império e entender as relações a coroa Portuguesa e os artistas. Admiradores de obras de arte europeias, o Brasil Império valorizava à música erudita, os grandes salões de concerto e as exposições vindas da Europa. Essa dependência resulta, na atualidade, em muitas tendências criativas e culturais desenvolvidas pelos artistas nacionais.
As primeiras ações voltadas à cultura no Brasil partiram do Governo Vargas (1930- 1945), com a criação do SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, bem como o Instituto Nacional do Livro (INL) e o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE).
Porém, a instalação da Semana de Arte Moderna de 1922 realizada no Teatro Municipal de São Paulo foi considerada uma ruptura das estéticas artísticas conservadoras consumidas pelo Império. Um período marcado, como explica Boaventura (2000), por agentes culturais e políticos ávidos por mudanças e que buscaram na Europa tendências estéticas contemporâneas aliadas ao contexto nacional.
No período de 1945 a 1964, houve pouco movimento da gestão pública no fortalecimento da Cultura. Segundo Calabre (2003), a iniciativa privada ganhou evidência devido à massificação das Indústrias Culturais como o rádio e a televisão, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Único destaque neste período é a criação do Ministério da Educação e Cultura (MEC) em 1953.
Dentro destas mudanças que ocorriam no país têm destaque as ações praticadas na área cultural no período denominado Estado Novo (1930-1945), no qual sob a Presidência de Getúlio Vargas há um rompimento da República Velha (1889-1930)[1]. Durante os 15 anos de governo, o Brasil experimentou a criação de vários departamentos e institutos que visavam o fortalecimento da Cultura conforme aponta Brant (2009):
A criação do Serviço Nacional do Teatro (SNT), do Serviço de Radiodifusão Educativa, da Casa Ruy Barbosa, do Museu Histórico Nacional, de diversas universidades, colégios e Liceus federais, do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) e do Instituto Nacional do Livro (INL), além da efetivação do Museu de Belas Artes [..] (BRANT, 2009, p. 52).
A promulgação da nova Constituição Federal (CF) em 1988 elencou as obrigações do Estado com a cultura perante à população. Surgem então as políticas públicas culturais de Estado e não de governo como vimos nos parágrafos anteriores. O art. 215 da CF é bem claro sobre o papel do Estado com a Cultura: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acessos às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Avelar (2013) descreve este processo como uma escolha governamental:
Políticas públicas são linhas de orientação que um governo estabelece para o trato de determinada matéria de interesse da sociedade. A escolha de alguns caminhos em detrimento de outros espelha, na verdade, os princípios ideológicos da base política que sustenta os governantes. As prioridades dependem dos valores e da visão de mundo daqueles que ocupam os cargos de primeiro escalão de um governo, e também da capacidade de articulação dos setores organizados (AVELAR, 2013, p. 96).
Somente em 1985 durante o Governo José Sarney (1985-1990) surge o Ministério da Cultura desmembrando as suas funções do Ministério da Educação. Pode-se afirmar que raras ações foram desenvolvidas no Ministério, em razão dos parcos recursos, clientelismo e disputas políticas. Já em 1991, no Governo Fernando Collor de Mello (1990-1992) promulga-se à Lei de Apoio e Incentivo à Classe Cultural Artística – conhecida como a Lei Rouanet. A União transfere os seus deveres constitucionais de investimento em cultura para a iniciativa privada. A curadoria, a seleção e a indicação de quais as regiões ou cidades que terão apoio, via renúncia fiscal passa ao controle das empresas. Esta é uma das críticas da classe cultural, em razão das empresas, quase exclusivamente, apoiarem projetos culturais do eixo Rio-São Paulo, com um olhar mais mercadológico do que cultural ou simbólico. E, por outro lado, as demais regiões do país, por possuírem um mercado consumidor menor e de baixo poder aquisitivo não recebem recursos via renúncia fiscal do Imposto de Renda das Empresas optantes pelo lucro real.
A partir do final da Guerra Fria (1991) e com o aumento da tecnologia nos processos produtivos, alguns países, como a Austrália, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá começaram a trabalhar a Indústria Cultural e a Economia Criativa como uma nova opção de desenvolvimento econômico e social. Jameson (2006, p. 20) define esse período pós Guerra Fria como manifestações do pós-modernismo, e de acordo com o mesmo autor [...] “o surgimento de novos aspectos formais na cultura [...] um novo tipo de vida social e de uma nova ordem econômica [...]”. Essa nova ordem permitiu que muitas cidades se (re)descobrissem alinhando à sua vocação econômica ao processo de cultura e história da sua região.
IMPORTÂNCIA DA ECONOMIA CULTURAL NO ESTADO DE GOIÁS
Trabalhar as cidades contemporâneas é entendê-las dentro da nova realidade pós-moderna. É analisar o contexto sociocultural nas quais estão inseridas. Identificar novas opções de desenvolvimento partindo de uma ideologia de “indivíduo singular”. Mas, dentro desta singularidade, onde as pessoas se comunicam quase que instantaneamente percebe-se que a cultura de massa estimula à prática do igual, conforme Jameson (2006). Essa “imitação” ou padronização de ideias e serviços levam às cidades a adotarem discursos criativos como se estes fossem a solução para os problemas urbanísticos, sociais e econômicos do território. Tony Blair no início da década de 1990 do século XX estimulou o desenvolvimento de uma nova ordem econômica na Inglaterra, apoiando empresas e negócios cujo trabalho fosse desenvolvido sob a ótica da criatividade e inovação. O surgimento de clusters criativos permitiu que algumas cidades se tornassem “polos criativos mundiais”.
Em Goiás, de acordo com o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) cerca de 40% da população do estado reside na região metropolitana de Goiânia (capital do Estado). Essa concentração populacional afugenta munícipes de pequenas cidades, pois não se vê perspectivas profissionais para o seu desenvolvimento. Como crescer na era da globalização e das novas tecnologias oferecendo oportunidades iguais para todos? O que esperar de pequenas cidades e das futuras gerações destas localidades, se não houver investimentos em inovação, em prestação de serviços estimulando o empreendedorismo cultural e artístico? São questionamentos que se pretendem não responder, mas provocar o leitor em refletir e pensar sobre as novas mudanças econômicas, sociais e humanas que o mundo atravessa.
Numa recente entrevista divulgada no site do Ministério da Cultura (BRASIL, 2018), John Newbigin, fundador da Creative London, expôs seu raciocínio sobre o desenvolvimento de novos mercados e serviços baseados na capacidade intelectual do indivíduo, no qual podemos destacar: i) “talento está em toda parte, mas a oportunidade não”; ii) “cada cidade, cada região, cada país é diferente e tem de ser construído em suas próprias tradições criativas, suas habilidades, sua herança, sua cultura”. Somente essas duas afirmações extraídas desta entrevista, permite-nos dizer que a Cultura pode ser tratada como um novo eixo de desenvolvimento regional. Mas, para que aconteça esse fomento à criatividade e inovação, os municípios precisam criar condições para seu cidadão estimular à arte e cultura junto com outras pessoas, formando uma conexão em comum de serviços e produtos advindos da intelectualidade.
Para uma melhor compreensão e análise deste trabalho é importante pontuar a diferença entre desenvolvimento e crescimento. Bugs e Bassan (2013) propõe o desenvolvimento como resultado de melhorias no bem-estar da sua população. O crescimento está relacionado ao índice quantitativo referendado pelo seu PIB. Amartya Sen[2], Prêmio Nobel de Economia fez uma relação entre liberdade e desenvolvimento apontando que somente indicadores econômicos não suprem à dignidade humana. Na visão de Sen (1999), a liberdade humana é conseguida também pelo fortalecimento de indicadores sociais (educação e saúde) além da liberdade de escolha.
Contudo governos e sociedade não conseguem se libertar da falta de criatividade em áreas sociais, a qual gera uma estagnação no desenvolvimento social do país. Sobre essa afirmação, Furtado (1984, p.51) cita: “[...] as forças que alimentam a capacidade criativa da sociedade em todos os planos, forças que entre nós têm profundas raízes regionais”. E a criatividade é considerada a principal matéria-prima da Economia da Cultura.
Essa regionalidade terá protagonismo neste novo século caso haja políticas públicas que efetivamente procurem estimular o desenvolvimento local com foco no cidadão e naquilo que é produzido nestes locais. Informe Técnico nº 10/2018 do Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (IMB, 2018) descreve a “[...] criatividade como uma poderosa ferramenta para os momentos de crise além de servir para a diminuição das desigualdades sociais” (p. 1). Partindo dessa análise, Dallabrida, Covas e Covas (2017) apresenta o conceito de “região inteligente”, referindo-se àquelas que propiciam um ambiente de conhecimento e ideias estimulando a aprendizagem. Nesta mesma linha de raciocínio, Reis (2007) afirma que a criatividade como é posta aqui no Brasil, sem nenhum modelo educacional e isoladamente, não resulta em impacto na economia.
Ao se discutir a importância da aplicação dos recursos públicos na cultura e consequentemente no desenvolvimento do estado, Brant (2009, p. 32-33) afirma:
As dinâmicas socioculturais surgem como possibilidades concretas de ampliar o espaço público e oferecer novas dinâmicas de sociabilização e participação nas decisões da comunidade e da sociedade como um todo. Uma democracia direta, porém, resultante de uma teia de diálogos e conversações. Esta visão se contrapõe ao atual modelo onde os espaços de construção e de participação da vida política estão cada vez mais restritos e contaminados por lógicas corporativas. O incentivo ao debate público, a necessidade de compartilhar decisões com o Estado, a criação de uma esfera pública não estatal e a participação estimulada em todos os espaços, formais, informais, institucionais, autônomos, governamentais, são pontos fundamentais para o estabelecimento de políticas baseadas na cidadania cultural.
De acordo com Hermet (2002), a cultura possibilita a geração de riquezas e empregos locais em contrapartida às padronizações da Indústria Cultural advinda dos Estados Unidos, Japão e Europa. O mesmo autor cita “o capital social” como elemento eficaz na capacidade de desenvolver “repertórios” em cada localidade respeitando as suas origens e valor étnicos.
Dados da FIRJAN – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (2014) apontam dados expressivos da Economia da Cultura ou Colaborativa. Em 2013 as atividades econômicas que fazem parte deste segmento representaram 2,6% do PIB do Brasil ou 126 bilhões de reais gerados pelos empreendedores da área, apresentando um expressivo crescimento de 70% nos últimos dez anos.
A nova economia do século XXI passa pelas transformações nas profissões. Algumas poderão ser dizimadas e outras surgirão. Os produtores culturais são aqueles profissionais que têm a missão de fazer acontecer o espetáculo, o evento e os serviços inovadores ligados à indústria criativa. A região e o território são espaços urbanos que terão impacto maior nesta nova economia, pois a matéria-prima para a geração destas riquezas culturais passa pelos estudos destes territórios e toda a sua raiz cultural, artística e histórica. É a transnacionalização do território.
Pode-se dizer que os mecanismos fiscais utilizados pelo Governo de Goiás buscaram diversificar e conduzir a industrialização de algumas áreas do Estado. As regiões Sul e Sudeste, por exemplo, experimentaram melhorias nos seus indicadores socioeconômicos. Porém, o desenvolvimento regional não foi equânime. Pequenos territórios desenvolvidos economicamente, em contraste com o restante, subdesenvolvido em infraestrutura e na precária oferta de serviços públicos. A partir do ano 2000, com uma política agressiva de resgate da cultura e da regionalidade história e cultural de Goiás, o governo passa a investir em indústrias criativas nas pequenas e médias cidades goianas. Nesse sentido, a criação da Agência Goiana de Turismo (AGETUR) e Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (AGEPEL) foram importantes para o desenvolvimento cultural no Estado, porém, sem uma política de continuidade e avaliações, acabaram deixando de ser prioridades em outros governos.
Na Cidade de Goiás - antiga capital do Estado – houve o primeiro e grande movimento para incentivar as economias locais. Em 2001, a história cultural, a arquitetura colonial e as ruas com calçamento de pedra foram fundamentais para o reconhecimento da Cidade de Goiás como Patrimônio Histórico da Humanidade concedido pela UNESCO. Com este incentivo e apoio dos poderes públicos juntamente à iniciativa privada, demandou-se mais significativamente profissionais culturais no Estado, Produtores, Gestores, Administradores, Contadores e Advogados, além de uma demanda maior por Atores, Diretores e Técnicos, profissionais que constituíram um novo nicho de mercado de trabalho com o incremento considerável de vagas no campo cultural. De acordo com o Observatório Brasileiro da Economia Criativa (OBEC-GO), segundo Marinho (2015), compõem a indústria criativa 19 (dezenove) segmentos econômicos, entre eles: arquitetura, patrimônio material e imaterial, música, jogos eletrônicos, gastronomia, design de moda, entre outros.
Mas, a percepção que se tem da realidade econômica destes municípios, cuja tese de doutorado de Reis (2012) corrobora, é que os perfis destas cidades ditas criativas são mais excludentes e segregados, em vista de outras “não criativas”. De acordo com a autora “bolsões de criatividade” são gerados em confronto ao pensamento de desenvolver uma política pública, cujo objetivo interligasse toda a cadeia de produção dos municípios, levando à criatividade não para pequenos nichos, mas também para dentro das escolas, dos segmentos organizados e da classe política.
De acordo com Hermet (2002), a cultura possibilita a geração de riquezas e empregos locais em contrapartida à padronização da Indústria Cultural advinda dos Estados Unidos, Japão e Europa. O mesmo autor cita “o capital social” como elemento eficaz na capacidade de desenvolver “repertórios” em cada localidade respeitando as suas origens e valores étnicos. A Economia da Cultura movimenta uma gama de serviços, emprega milhares de pessoas e gera emprego e renda nas cidades.
Zukin (2000) reverbera a importância do desenvolvimento das carreiras criativas como fator de expansão da valorização criativa:
Carreiras novas e em processo de expansão no setor de serviços tornam a infra-estrutura crítica especialmente visível nesse processo de valorização cultural. Não se trata de líderes das sociedades históricas locais; há também profissionais de museus, assessores de coleções de arte de empresas, funcionários de galeria de arte e curadores independentes. [...]. Sua atividade, todavia, constitui uma categoria cultural que, por sua vez, ajuda a constituir o sistema de produção de uma cidade pós-moderna (cf. SAHLINS 1976, p.185 apud ZUKIN, 2000, p.90).
Este novo cenário social e econômico do mundo globalizado, no qual o segmento de serviços atinge uma maior fatia do PIB (Produto Interno Bruto) em detrimento à indústria, permite que os gestores e os munícipes invistam em aprimoramento e qualificação profissional dentro da área da Economia Criativa. “À medida que mais pessoas trabalham na economia de serviços, podemos esperar que elas separem suas identidades “reais” das formas de produção nas quais trabalham” (ZUKIN, 2000, p. 99).
Em Goiás, segundo IMB (2014), a economia goiana é representada em quase 7% dentro do segmento cultural e criativo. Na perspectiva de novos desafios a Economia da Cultura se configura como uma nova oportunidade de desenvolvimento econômico e social para a população que vive, principalmente, em pequenos municípios, nos quais a cultura, as artes e o turismo podem ser alternativas de empreendedorismo cultural.

Observa-se na Tabela 1 os principais segmentos econômicos representados pela Economia da Cultura. Verifica-se as atividades de Gastronomia com quase 58%, seguido pela Tecnologia de Informação e Comunicação com 10,8%, sendo os principais geradores de empregos formais e informais no estado de Goiás, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC). Cabe destacar na mesma tabela, a força da atividade econômica ligada ao artesanato, empregando quase 25 mil pessoas, onde estes cidadãos se organizam numa espécie de rede colaborativa, ou arranjos produtivos locais, em parceria com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas; 2014; 2018). O segmento de artes ainda é pouco explorado no estado de Goiás. Ao contemplar o circo, teatro e dança, as artes sofrem com o problema da ausência de profissionais para fazer a gestão cultural e a produção. Um dos gargalos dos empregos ditos criativos são as poucas oportunidades que estes trabalhadores têm em se capacitar e qualificar, visto que o estado como um grande gerador de produtos criativos deixa de exigir uma capacitação mais específica destes trabalhadores.
PROFISSIONALIZAÇÃO CULTURAL E DESENVOLVIMENTO CRIATIVO
Neste estudo identificamos que a falta de profissionalização dos agentes culturais interferia no desenvolvimento local através da exploração de produtos e serviços culturais e artísticos do estado. Conforme definição de Freidson (1996) a profissão, entendida em sua dimensão típico-ideal, pode ser considerada como uma ocupação que utiliza um corpo especializado de conhecimentos e qualificações, que é reconhecida oficialmente, dentro de um mercado formal, e é fundamentada em conceitos e teorias abstratas. Além disso, a profissão detém jurisdição sobre um corpo especializado de conhecimentos e qualificações, bem como o controle ocupacional da prática desse corpo de conhecimentos e qualificações no mercado de trabalho, através da reserva de mercado de trabalho.
Um outro ponto a ser levantado nesta discussão sobre as dificuldades de profissionalização dos artistas é a visão do senso comum em acreditar que os profissionais ligados à cultura, não trabalham, apenas se divertem, confundindo toda uma lógica de profissionalismo com a cultura do entretenimento e da diversão (CUNHA, 2007). Não separar essa relação pejorativa entre a profissionalização e diversão cultural é um dos grandes entraves atuais no mercado profissional. “O desafio de romper a ideia de que para trabalhar com a cultura, basta gostar das artes” (Revista Observatório Itaú Cultural, 2008). Essa afirmação representa o tamanho das dificuldades encontradas por estes profissionais. Voltando para o senso comum, muitos acreditam que não precisam ter conhecimentos e nem habilidades para desenvolver a produção cultural. Nessa mesma confusão que permeia o campo profissional da cultura atrelado à diversão, distração e prazer, cabe destacar um depoimento da produtora Lívia, extraído na obra de Cunha (2007):
[...] esse é um problema para essa área. Nela, o lazer se confunde com o trabalho. Esse é um grande problema, porque o que na realidade é lazer para a maioria das pessoas... é também para nós. Chegar no final de semana e ir ao cinema, ao teatro ou durante a semana ir a uma exposição, etc., para nós também é lazer, mas ao mesmo tempo a gente está trabalhando. Depois que se está na área é impossível você entrar numa instituição, num museu e não começar a reparar como é o serviço, que instituição é, que em está patrocinando... Então, acaba virando um processo de trabalho que você estende mesmo, estende e fica envolvente. E para a nossa área isso é um problema. Eu brinco que para eu descansar só se eu for para algum lugar que não tenha nada... nem artesanato. Pois é um inferno [...] Onde a gente chega, acaba conversando sobre esse assunto (CUNHA, 2007, p. 103).
Os pequenos empreendimentos, de acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) já representam aproximadamente 30% do PIB do Brasil – somatório de todas as riquezas produzidas no país. Segundo a Secretaria da Micro e Pequena Empresa do Governo Federal, em 2014, as micros e pequenas empresas foram responsáveis por 84% da geração de empregos:
As atividades artísticas, tidas até há bem pouco tempo como a cereja que enfeitava a torta, como consumidores de recursos sem retorno material, em virtude de sua crescente importância econômica já despontam como opção preferencial de desenvolvimento de Municípios e até de Estados (CUNHA FILHO, 2002, p. 56).
A perspectiva de entender esse tema da profissionalização cultural perpassa por vários conceitos e ideologias. Ideologia, na forma como muitos profissionais da arte e da cultura percebem a arte, não como um bem com alto valor agregado, mas somente uma forma de manifestação e protesto. E conceitos, pela dificuldade em padronizar um significado para a cultura, num país em que cada estado tem suas regionalidades e ressignificações artísticas e patrimoniais bem distintas.
Na iniciativa privada, os grandes eventos culturais realizados em Goiás pouco se utilizam de mão de obra local. A possibilidade, mais viável e prática, de discutir essa problemática é o investimento em cursos de formação ou aperfeiçoamento na área cultural. A este respeito, o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, foi uma das primeiras pessoas a levantar este debate sobre a profissionalização da mão de obra cultural. Durante discurso em aula inaugural de Produção Cultural na Universidade Federal Fluminense, Gil apontou para o cerne do problema da gestão cultural: “Um dos desafios centrais para o fortalecimento da produção e da difusão de bens e serviços culturais no Brasil é a capacitação profissional e, nesse processo, a universidade é fundamental” (BRASIL. MINC, 2012). Na gestão de Gilberto Gil houve incentivos de parceria com o MEC (Ministério da Educação) na intenção de promover cursos de qualificação e capacitação profissional para a área cultural. Porém essa intencionalidade não conseguiu mudar o cenário atual da gestão cultural no país e nem em Goiás.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Numa economia globalizada as dinâmicas culturais, econômicas e territoriais numa escala local e regional disputam espaço e relevância com os mercados globais. A massificação do uso das tecnologias de informação e comunicação proporcionaram à sociedade esse contato com culturas de diversos países. Esse artigo acadêmico tentou contribuir para uma reflexão dos atores sociais e políticos locais, a fim de valorizar os seus recursos materiais e imateriais oriundos das tradições territoriais e culturais, a favor de um desenvolvimento regional que possa estimular a melhoria da qualidade de vida e do crescimento econômico no estado de Goiás.
Essa valorização dos costumes e hábitos culturais locais como instrumento de promoção ao desenvolvimento tem sido gradual e lento. A ausência da profissionalização desses atores sociais locais envolvidos com a economia da cultura é um fator que contribui para esse lento desenvolvimento econômico e social. Atuar nessa atividade como explica Brant (2009) é exigir desse profissional conhecimentos que vão além dos específicos da cultura. É entender o mercado que está inserido, numa visão holística e crítica, que o faça dialogar com todas as partes envolvidas nessa cadeia de produção.
As políticas públicas culturais estabelecidas na CF de 1988 (BRASIL, 1988) e posteriormente em estados e municípios é um desses instrumentos capazes de promover o desenvolvimento local de maneira integrada entre as regiões. Seja por meio da promoção da diversidade cultural e da formação de uma identidade local e regional, as políticas públicas implementadas por estados e municípios precisam “[...] ultrapassar os limites da pasta da cultura e envolver o setor privado e a sociedade civil” (REIS, 2007, p. 140), na intenção de aperfeiçoar esse instrumento político num contexto de coletividade e união entre os atores locais.
Esse novo papel da cultura como estratégia de desenvolvimento regional permite aos municípios e por conseguinte ao Estado de Goiás, propor projetos e empreendimentos culturais para alavancarem à economia local. Porém observa-se uma ausência de infraestrutura institucional e de governança que os inibem propor projetos culturais que contemplem a diversidade cultural e a identidade local. Poucos são os empreendimentos culturais que valorizam a identidade e as características locais. Segundo Reis (2007) esse processo de exclusão das minorias e das suas manifestações culturais é resultado dos privilégios obtidos pelas elites nacionais vindas dos séculos passados. Além disso, a falta de pessoas qualificadas nesses municípios para pensarem e trabalharem alternativas para a promoção do desenvolvimento regional ficou bem evidente, ao constatar que os esforços do poder público e da sociedade ainda continuam na questão industrialização para alcançar uma qualidade de vida e bem-estar social.
Os desafios da economia da cultura para a promoção do desenvolvimento regional ultrapassam a negação da cultura como alternativa para o desenvolvimento. A certeza agora é provocar o debate de como e em que forma essas novas atividades econômicas serão exploradas e utilizadas com o objetivo de gerar renda e emprego no município de maneira sustentável. O papel de estrategista na formulação de planos de desenvolvimento e crescimento local é dos municípios e do Estado. A importância da integração e da união dos seus stakeholders constituem peça fundamental para a elaboração de um planejamento discutido com base nas vocações e nas habilidades dos seus moradores e do seu território.
Afinal, ao propor esse tema buscou-se uma apropriação da cultura além do entretenimento e da diversão. Discutir cultura é aprofundar o debate acerca da profissionalização da classe cultural e das inúmeras possiblidades de se trabalhar a cultura numa perspectiva de desenvolvimento. A preocupação com os pequenos municípios e os seus desafios para o novo século baseou-se no registro de que aproximadamente 80% dos 246 municípios goianos têm população abaixo dos 30 mil habitantes. E além disso, o estado de Goiás apesar de todos os esforços de industrialização carrega uma forte vocação para a economia primária, ou seja, produção de grãos.
Trata-se de segmentos da economia pouco dinâmicos e geradoras de empregos com baixo valor agregado e de qualificação, reduzindo a renda per capita da população. A administração pública constitui uma outra fonte de renda quando se propõe a empregar as pessoas de pequenas localidades prejudicando as despesas da prefeitura, ao invés, de criar condições de empreender utilizando políticas públicas sociais. Sem perspectivas de empregos nos pequenos municípios é natural o fluxo migratório para os grandes centros urbanos, aumentando a demanda por atendimentos nos serviços públicos.
Essa foi a razão deste estudo e esperamos que possa contribuir como fonte de informações e estratégias para os gestores públicos, sociedade, estudantes e profissionais da cultura. Num país multicultural como o Brasil, é importante que estes atores sociais e políticos comecem a perceber que a economia da cultura pode ser uma alternativa para promoverem o desenvolvimento local e também intermunicipal, ao valorizar os municípios vizinhos construindo uma rede de conexões com o objetivo comum de movimentar a economia e o trabalho, gerando renda e emprego para seus munícipes.
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Notas