Editorial
Editorial dossiê temático: Indicação geográfica no Brasil e denominações afins em outros países
Editorial dossiê temático: Indicação geográfica no Brasil e denominações afins em outros países
Desenvolvimento Regional em Debate, vol. 9, núm. Esp.2, pp. 1-3, 2019
Universidade do Contestado
Recepção: 17 Dezembro 2019
Aprovação: 17 Dezembro 2019
Editorial dossiê temático: Indicação geográfica no Brasil e denominações afins em outros países
É com muita honra que a revista DRd – Desenvolvimento Regional em debate, aceitou acolher um Dossiê Temático sobre Indicação Geográfica, contando com o apoio dos membros da Rede de Estudos sobre Indicação Geográfica no Brasil. Dentre seus membros, muitos são autores de artigos desse dossiê. Tanto a articulação dos interessados em escrever, quanto a organização do dossiê, contou com a participação especial da Profa. Dra. Ligia Inhan Matos, na condição de Editora Convidada.
Antes de fazer referência ao dossiê em específico, é necessário referenciar o tema Indicação Geográfica (IG) e sua importância acadêmica.
Quando a primeira Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos recebeu seu registro, em 2002, no meio acadêmico quase não havia pesquisas relacionadas ao tema. Em menos de 20 anos após esse primeiro registro, 19% dos currículos cadastrados na Plataforma Lattes já são classificados com o termo “Indicações Geográficas” (INHAN MATOS, 2019)[1]. Isto demonstra que tanto o interesse acadêmico, quanto o profissional, têm sido capazes de produzir uma massa crítica importante para a evolução desse sistema de proteção. Nas duas décadas seguintes, apesar de não possuir experiência institucional robusta sobre o tema IG, o Brasil foi capaz de criar uma espécie de “modelo” bem típico: enquanto aprendia a fazer, flertou com um modelo francês baseado na produção familiar e na valorização da cultura, mas com os olhos nos interesses do Mercosul, para um mercado de commodities (NIEDERLE; WILKINSON; MASCARENHAS, 2019)[2].
Essa miscigenação de interesses, lógicas e idealizações acerca da definição, elaboração e desenvolvimento de uma IG despertou, e ainda continua despertar, inúmeras discussões e também paixões. Discussões essas, por vezes polidamente apresentadas em eventos científicos, outras vezes, não tão suaves, como ocorre na lista de discussão da IG, especialmente criada para permitir a livre expressão[3]. Dessa última fonte, vem muito do debate que está selecionado para este dossiê.
Paralelamente ao crescente número de registros, aumentou a preocupação em torno dos signos distintivos, no que se refere à sua proteção e às brechas decorrentes da ausência de uma regulamentação específica das IG’s nacionais, principalmente. Sendo a IG um reconhecimento ex post à notoriedade da região, o emprego de marcas coletivas e de serviços para a IG pela associação, substituta processual, aparece como um desafio a mais, pois ao invés de proteger o interesse da coletividade de produtores estabelecidos na região, se insurge como uma marca restrita aos seus associados. Por outro lado, esse mecanismo de proteção está também sendo desafiador até mesmo para os países que já possuem alguma maturidade institucional, como a Espanha e a Argentina. Esta última, devido a influência mais à europeia, se afastou da legislação do Mercosul em curto espaço de tempo e emprega mecanismos de reconhecimento da qualidade no território bem mais estritos do que os brasileiros.
A falta de uma instituição que agregue todas as demandas e consiga obter uma centralização nas tomadas de decisão permite que os produtores brasileiros resolvam as principais questões de implementação de IG via um conjunto diversificado de instituições, tanto públicas quanto privadas, advindas do mercado ou acadêmico. Obviamente o poder local cresce exponencialmente, excluindo a esfera federal de uma potencial função de conciliadora de conflitos.
Portanto, o conjunto de artigos que compõem o presente dossiê demonstra que a massa crítica evoluiu ao levantar questões importantes para os tomadores de decisão política e institucional, deixando para trás a visão romantizada da IG. Por exemplo, já se tem consciência de que o Brasil tem grande potencial para o desenvolvimento das IGs de diferentes tipos de produtos, incluindo os artesanais, no entanto, ainda é um grande desafio que deva fazer para incorporar os diversos (e muitos) atores, com seus interesses próprios para pensar coletivamente. Em função disso, a maior parte das IGs serve para poucos. Neste sentido, já se percebeu que a legislação referente à IG é extremamente aberta e deixa margem para diversas interpretações, principalmente no que se refere aos signos distintivos, que têm causado ações controversas por parte dos agentes envolvidos, tanto dentro das regiões, quanto fora delas.
Assim sendo, o presente dossiê contempla doze artigos. O primeiro artigo está intitulado “O campo nativo e sua relação com a produção do queijo artesanal serrano em Santa Catarina”. A opção em anunciá-lo primeiro, confirma o path dependence criado pelas IGs de vinho (NIDERLE; GELAIN, 2013)[4], em que se busca, especificamente, a qualidade e as características do produto para a Denominação de Origem, em contraste com os primeiros registros brasileiros deste produto, cujo foco para reconhecimento se baseava no saber fazer, dois deles - Canastra e Serro -, reconhecidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Os demais artigos foram divididos em três seções, sendo que a primeira agrega a maior parte dos artigos enviados para este dossiê, discutindo (i) questões jurídicas sobre selos distintivos e (ii) estudos comparativos entre países, referente à legislação e características de qualidade. A segunda seção discute questões sobre governança institucional e políticas públicas, já que o modelo brasileiro de construção de IG é marcado por um complexo arcabouço institucional. Já a terceira seção trata sobre causa e efeito entre turismo e IG, apresentando dois artigos.
A primeira seção reúne sete artigos. Dentre eles, numa primeira parte, quatro artigos discutem questões jurídicas sobre selos distintivos. O primeiro, “Indicações Geográficas e Infrações Concorrenciais”, que trata situações envolvendo as Indicações Geográficas com a possibilidade de questionamentos do ponto de vista concorrencial. O segundo, “Indicações Geográficas como mecanismo de proteção aos common-pool resources do tipo nome geográfico”, que busca avaliar se Indicações Geográficas (IGs) podem ser consideradas ferramentas eficazes de proteção para common pool resources (CPR) do tipo nome geográfico. O terceiro, o artigo “O uso e registro conjunto de marcas e indicações geográficas: (in)conveniências?”, cujo objetivo é apresentar de forma sucinta as principais conveniências e inconveniências do registro e/ou do uso conjunto de marcas e indicações geográficas no Brasil sob diferentes aspectos. Finalmente, “O Ouro Verde Andaluz”, que argumenta as circunstâncias que justificam a aparição de sinais distintivos de mercado e as ações que favorecem a emergência de processos de inovação social no âmbito dos territórios rurais.
A segunda parte, da primeira seção, é composta por três artigos, que comparam os regimes de proteção de IG entre países. O primeiro deles, “Las IG en Argentina y Brasil: una discusión sobre las promesas de calidad”, faz uma comparação de alguns aspectos da legislação dos dois países, relacionando o reconhecimento de uma região ao atributo da qualidade para uma IG. O segundo artigo, “Um estudo das rendas artesanais singeleza e puntino ad ago: marca coletiva ou indicação geográfica?”, apresenta uma análise comparativa entre registro de IG e MC, na Itália e no Brasil. O último artigo, “Análise comparativa dos sistemas de proteção dos nomes de origem no Brasil e na França”, identifica os aspectos estruturais e organizacionais de proteção dos nomes de origem nos sistemas dos dois países.
A segunda seção trata da governança institucional e políticas públicas, buscando abarcar os artigos que refletiram sobre relatos de caso. O primeiro artigo, “A influência do ambiente institucional informal na produção de cacau na região de Linhares/ES: análise de fatores culturais e a indicação geográfica”, apresenta como as instituições locais informais influenciam na produção. O segundo artigo, “Governança Ambiental e Indicação Geográfica: o caso da Denominação de Origem Manguezais das Alagoas”, analisa as conexões entre Indicação Geográfica e a governança dos recursos naturais, com ênfase nas estratégias de cogestão e parcerias público-privada-social.
A terceira seção agrupa dois artigos, tratando das causas e efeitos entre Turismo e IG: “A convergência entre o turismo rural e as indicações geográficas brasileiras”, faz uma associação entre os territórios, segundo suas classificações em termos de desenvolvimento turístico e às áreas geográficas definidas nos cadernos de especificações das IGs; e “Breves considerações sobre comida local, terroir, indicações geográficas e turismo gastronômico”, que revela o poder de comunicação de alimentos e bebidas e a necessidade de uma conceituação precisa de terroir como forma de justificação do território para o turismo gastronômico.
Assim, temos a certeza que o presente dossiê sobre Indicação Geográfica marcará um momento especial no debate sobre o tema entre os estudiosos brasileiros e de outros países. A Revista Desenvolvimento Regional em Debate, ao abrir espaço para sua publicação teve como propósito contribuir com a divulgação científica do tema.
Por fim, além de todos os autores, em nome de um dos apoiadores e colaboradores, o Dr. Léo Teobaldo Kroth da Epagri de Santa Catarina, queremos agradecer a todos os que de alguma forma se sentiram motivados com a proposta e deram seu apoio, tanto na condição de autores, quanto de divulgadores ou avaliadores.
Santa Catarina, 19 de dezembro de 2019.
Notas