Artigos
Recepção: 10 Dezembro 2019
Aprovação: 12 Dezembro 2019
DOI: https://doi.org/10.24302/drd.v9iEd.%20esp.%202.2588
Resumo: As indicações geográficas (IG) podem se tornar poderosas estratégias de desenvolvimento dos territórios rurais. O fortalecimento do turismo rural tornou-se um dos eixos prioritários de desenvolvimento do Ministério do Turismo. Diversos fatores comuns existem entre ambos como a escala de ação, a localização em meios rurais, as atividades agrícolas, entre outras, como a qualidade das paisagens, os aspectos culturais e tradicionais. Considerando essa confluência de elementos, o presente estudo tenta definir quais relações podem se tecer entre turismo rural e indicações geográficas buscando confirmar ou não a teoria elaborada por Le Guerroué e Barjolle (2018), que propõem a hipóteses de que existe quatro tipos de interações possíveis. Assim, o trabalho consiste em associar os territórios, identificados pelos munícipios, segundo suas classificações em termo de desenvolvimento turístico, às áreas geográficas definidas nos cadernos de especificações das indicações geográficas, buscando em fontes diversas avaliar quais atividades estão presentes nessas áreas comuns e em particular quais estão diretamente associadas às IGs. O agrupamento de dados possibilitou ver a heterogeneidade do turismo nos territórios das indicações geográficas. Os dados observados confirmaram a hipótese emitida, identificando quatro tipos de interação entre o desenvolvimento das indicações geográficas e do Turismo rural. Estudos complementares são necessários para representar de modo mais preciso outras variáveis não contempladas no presente trabalho.
Palavras-chave: Indicações Geográficas, Turismo Rural, Interação, Desenvolvimento Territorial.
Abstract: Geographical indications (GIs) can become powerful development strategies for rural territories. The strengthening of rural tourism has become one of the priority development axes of the Ministry of Tourism. Several common factors exist between them such as scale of action, location in rural areas, agricultural activities among others, quality of landscapes, cultural and traditional aspects. Considering this confluence of elements, the present study tries to define which relations can be woven between rural tourism and geographical indications, trying to confirm or not the theory elaborated by Le Guerroué and Barjolle (2018), which advance the hypothesis that there are four possible types of interactions. By doing so, the work consists in associating the territories, identified by the municipalities, according to their classifications in terms of tourism development to the geographical areas defined in the codes of pratice (CoP) of the geographical indications seeking from different sources to evaluate which activities are present in these common areas and in particular. which are directly associated with GIs. The data grouping made it possible to see the heterogeneity of tourism in the territories of geographical indications. The observed data confirmed the hypothesis identifying four types of interaction between the development of geographical indications and rural tourism. Complementary studies are needed to more accurately represent other variables not contemplated in this paper.
Keywords: Geographical Indications, Rural Tourism, Interaction, Territorial Development.
1 INTRODUÇÃO
O turismo é uma atividade econômica que movimenta cerca de U$ 1,6 trilhões em exportações e é responsável por empregar cerca de 10% da população mundial (OMT, 2018). Esse setor foi bem desenvolvido na França, China, Estados Unidos, Itália e Espanha, principais destinos do turismo mundial. Em comparação, o Brasil recebe cerca de dez vezes menos turistas em relação a França, principal país receptor de turistas (BRASIL, 2016).
Alguns desses países mais desenvolvidos turisticamente são ainda os que detêm o maior quantitativo de indicações geográficas (IG) registradas. Pode-se, então, pensar que existem possíveis interações entre turismo e produtos tradicionais?
A partir deste questionamento e apesar do início recente de registros de indicações geográficas e de uma participação não tão expressiva no turismo mundial, os autores do estudo pressuponham que os atributos sociais, históricos e culturais brasileiros compõem um amplo potencial para o desenvolvimento do turismo e o estabelecimento de novas indicações geográficas.
Considerando o contexto brasileiro, uma hipótese central permeia o desenvolvimento deste trabalho: Diferentes tipos de interações ocorrem entre desenvolvimento turístico dos territórios e desenvolvimento das indicações geográficas brasileiras (LE GUERROUÉ, BARJOLLE, 2018). O objeto deste estudo busca confirmar essa hipótese, podendo, assim, participar na evolução das estratégias e políticas públicas para o desenvolvimento dos territórios.
O trabalho está estruturado da seguinte forma: a primeira seção realiza uma contextualização do desenvolvimento das IG e do turismo no Brasil. Após apresentação da metodologia, a seção subsequente apresenta os resultados de análises e concomitantemente abre a discussão sobre o desenvolvimento turístico e suas diversas formas de interações com o desenvolvimento das IG. A última seção apresenta as considerações finais do presente estudo.
2 DESENVOLVIMENTO
No Brasil, o desenvolvimento de estratégias de indicações geográficas é relativamente recente. Apenas em 2002 temos o primeiro registro de indicação de procedência concedido à Associação de Produtores de Vinhos do Vale dos Vinhedos (APROVALE) em razão da notoriedade do vinho e seu reconhecimento com o local de origem. Essa indicação possibilitou o surgimento de parâmetros e estimulou a busca por novos registros.
É notória a consolidação da IG do Vale dos Vinhedos, que, posteriormente, foi reconhecida também com a concessão de uma denominação de origem[2], devido à presença de atributos específicos de qualidade intrinsecamente ligados ao seu local de origem e às técnicas específicas de seu processo de fabricação. Ainda sobre o Vale dos Vinhedos, de acordo com a APROVALE (VALE DOS VINHEDOS, 2019), atualmente 22 vinícolas estão envolvidas na IG. 40 empreendimentos de apoio ao turismo (hotéis, restaurantes, ateliês de artesanatos, queijarias) participam do desenvolvimento local. Diversos roteiros focados nos atrativos enológicos, culturais e gastronômicos da região foram criados. A IG já recebeu inúmeros prêmios em competições internacionais de vinho.
Entretanto, o sucesso do Vale do Vinhedos, não devem esconder os problemas enfrentados por todas as 63 IG (incluindo o Vale do Vinhedos). Maiorki e Dallabrida (2015) destacam alguns desafios encontrados nesse sentido: a mobilização de diferentes agentes da cadeia produtiva, o envolvimento de apenas parte dos produtores (que resulta em diferentes padrões qualitativos), a defesa de interesses apenas de membros (produtores e empresas) mais influentes na associação ligada à indicação geográfica.
Apesar das dificuldades apontadas, o Brasil possui um grande potencial de desenvolvimento de indicações geográficas. Quando comparados, os mapas das 63 indicações geográficas registradas e das potenciais indicações geográficas, disponíveis no site do MAPA (BRASIL, 2018), é nítida a margem que existe para crescimento do número das indicações geográficas, em particular nas regiões Norte e Centro-oeste que detêm os menores números de indicações geográficas.
Quando tratamos do turismo rural, o cenário brasileiro também encontra grandes desafios. Conforme o guia “Orientações para o Turismo Rural, desenvolvido pelo Ministério do Turismo” (BRASIL, 2010), as principais motivações do turista brasileiro são: lazer, praia e sol. Como reflexo, algumas modalidades do turismo não detêm tanto destaque como o turismo de lazer. Pode-se ressaltar o turismo rural, que enfrenta desafios no que tange à regulamentação das atividades do segmento, incentivos insuficientes, pouca articulação institucional, e comercialização pouco eficiente (SANTOS; RIBEIRO; SILVEIRA, 2018).
De modo complementar, o estudo “Caracterização das atividades turísticas brasileiras em 2015” (SANTOS; RIBEIRO; SILVEIRA, 2018) evidencia um maior desenvolvimento turístico nas cidades com praia e nas capitais brasileiras. Essas observações resultam da análise do número de estabelecimentos ligados ao turismo, (hospedagem, transporte, alimentação, lazer e recursos biológicos) presentes em todos os municípios brasileiros. Neste trabalho, destaca-se que cerca de 60% dos municípios possuem atividades turísticas incipientes e que nessas localidades apenas 1% dos trabalhadores formais está vinculado ao turismo.
Esses desafios podem ser observados, por exemplo, no número de turistas internacionais que visitaram o Brasil em 2018. Foram 6,589 milhões de visitantes, número que se comparado com o primeiro destino mundial, a França, que recebeu 86,9 milhões de turistas, evidencia que, apesar dos esforços e avanços adquiridos com a intervenção governamental, o cenário turístico brasileiro ainda tem seus desafios a superar (OMT, 2018).
Por conta desse cenário, o investimento em turismo se faz importante, vista seu potencial como ator no desenvolvimento territorial. Esse potencial pode ser observado no turismo rural, onde o espaço rural, por meio de sua multifuncionalidade, engloba outras atividades, possibilitando um aumento da renda da população local.
Begnini (2010) elenca dois caminhos possíveis para o desenvolvimento local. São eles: o desenvolvimento de arranjos locais produtivos e o incentivo ao desenvolvimento turístico. Portanto, a implantação de IG em um território e o fomento de políticas públicas voltadas para a atividade turística configuram-se como instrumentos do desenvolvimento regional.
Outro ponto de convergência se encontra no perfil do turista e do consumidor das indicações geográficas. Ambos buscam produtos ou serviços que tenham ligação com a origem, identidade e cultura do território (BARROS NETO; OLIVEIRA; ALMEIDA, 2017). Desse modo, há uma busca pela valorização do território, por meio da ligação entre bem e origem, fomentando os atributos físicos, culturais, gastronômicos de determinada região.
Como benefícios dessa relação entre turismo rural e indicações geográficas podemos destacar maior notoriedade ao produto, seus atributos de qualidade, maior destaque à região turística/produtora, além da manutenção e preservação das técnicas tradicionais e saberes empregados na produção. Podemos citar ainda ganhos financeiros e a geração de empregos nas comunidades locais (NASCIMENTO; NUNES; BANDEIRA, 2012). Costa (2014) ainda destaca que podem ser observadas melhorias nos âmbitos físicos (infraestrutura), ambientais (preservação de recursos naturais) e socioculturais nos territórios.
Algumas atividades que podem ser desenvolvidas por meio da associação dos dois setores são: a participação de eventos, iniciativas de turismo como roteiros específicos, degustação de produtos, visitação das propriedades produtivas abertas ao turista, desenvolvimento de materiais publicitários, além de parcerias com restaurantes, lojas e participações em competições (MEDEIROS; PASSADOR, 2015).
Um exemplo claro do emprego de atividades turísticas associadas a IG pode ser observado no caso do reconhecimento da IG do Vale dos Vinhedos. Fernández (2012) constata que a partir da indicação geográfica, alguns produtores passaram a investir em estruturas de hospedagem nas propriedades, proporcionando a criação de mercados locais.
Entretanto, apenas o estabelecimento dessas ações, sem o devido acompanhamento (instituições públicas, associações, etc.), não assegura resultados positivos. Nesse sentido, outra abordagem, a partir do enfoque das indicações geográficas sob a ótica de análise do espaço geográfico, afirma que:
[...] relações comerciais para nichos específicos influenciam a cadeia produtiva dos bens culturais e vice-versa. Assim, os detentores de bens culturais precisam incorporar práticas e atores que no intuito de se inserir no mercado, de manter o interesse comercial de suas produções e, com isso, afiançar a sobrevivência material do grupo e de seu patrimônio. E, ao mesmo tempo, garantir que as inovações técnicas e tecnológicas não descaracterizem o saber-fazer que confere a identidade ao grupo (LIBERATO, 2015, p. 76).
Ou seja, o limitante para o estabelecimento de ações e estratégias transversais entre o turismo e as indicações geográficas é a salvaguarda da identidade histórica e cultural das comunidades onde se espera atuar. De modo sintético, temos a relação entre os conceitos explicitada no Quadro 1.

Como demonstrado, a associação entre esses dois fatores mostra-se, muitas vezes, benéfica, se consideradas as especificidades naturais, culturais e históricas do território.
3 METODOLOGIA
Para realização do estudo foi utilizado o método indutivo que é o raciocínio que, após considerar um número suficiente de dados, conclui uma verdade geral podendo indeferir ou deferir nossa hipótese.
Dessa forma, procurou-se primeiramente identificar e classificar áreas geográficas no Brasil em função de seus desenvolvimentos turísticos. Num segundo tempo, foram identificadas as áreas geográficas das Indicações Geográficas. Num terceiro momento uma busca qualitativa dos eventos turísticas ocorrendo nas áreas das IG foi realizada.
3.1 CATEGORIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DAS REGIÕES TURÍSTICAS
Para obtenção dos dados referentes às classificações dos territórios em função de seu desenvolvimento turístico foi utilizado a categorização dos municípios das regiões turísticas do mapa do turismo brasileiro, dentro do âmbito do Programa de Regionalização do Turismo (BRASIL. Ministério do Turismo, 2018).
A categorização tem por objetivo classificar as regiões de acordo com o desenvolvimento turístico. Por meio da análise de cluster foram observados os seguintes parâmetros: o número de estabelecimentos formais cuja principal atividade é a hospedagem, número de empregos formais no setor de hospedagem e a expectativa de fluxo turístico doméstico e internacional. De acordo com esses aspectos os municípios foram organizados em “A”, “B”, “C”, “D” e “E”. Os resultados dessa análise são sintetizados na Quadro 2.

Os municípios classificados na categoria “A” são os mais desenvolvidos turisticamente, no entanto menos de 2% dos municípios se enquadram nesse estágio de desenvolvimento. Em contraponto, 76,41% dos municípios pertencem a categoria D e E, respectivamente com (59,7%) e (16,71%) caracterizados por ausência total ou parcial de atividades turísticas. Estes simples dados básicos evidenciam a amplitude de melhorias que podem ser geradas, principalmente quanto à infraestrutura das cidades e à geração de empregos formais. Assim, cada município identificado nos cadernos de especificações das IG´s foi classificado segundo a classificação do Ministério do Turismo.
3.2 IDENTIFICAÇÃO DAS ÁREAS DAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS
As áreas das Indicações geográficas foram obtidas dos cadernos de especificações disponíveis no site do INPI (BRASIL, 2018). No momento de realização deste trabalho foram analisadas 59 Indicações geográficas. Para cada IG os municípios constituindo a área geográfica foram identificados.
Neste estudo, o objetivo sendo de fazer uma análise genérica sem descriminação por setor das indicações geográficas, não descriminamos cada IG (nome, tipo de produto ou serviço, área geográfica). Unicamente algumas IG foram citadas para servir de exemplos.
3.3 DADOS SOBRE ATIVIDADES TURÍSTICAS
Outros dados observados, colhidos nos sites das Secretarias de Turismo Estaduais e Agências de Turismo (estados do AC, AL, AM, BA, CE, ES, GO, MG, MS. MT, PB, PI, PR, RJ, RN, RS, SC, SE, SP, TO, foram as relações dos principais atrativos turísticos presentes nas áreas definidas nos cadernos de especificações das 59 IG's brasileiras analisadas. Os dados completos desta analise estão disponíveis no trabalho de Felisberto (2018).
3.4 HIPÓTESE DE ESTUDO
As indicações geográficas foram analisadas de acordo com a teoria elaborada por Le Guerroué e Barjolle (2018), autores que sugerem a existência de três modalidades diferentes de interações entre as indicações geográficas e o turismo rural. De acordo com dados colhidos entre 2008 e 2018, os autores sugerem que o turismo rural e as indicações geográficas interagem em um sistema de atrações uni ou bilaterais de modo que existem três relações possíveis.
A primeira diz respeito a área geográfica onde o atrativo principal não é o bem reconhecido pela IG, mas sim outros atrativos turísticos como sítios arqueológicos, parques naturais e eventos de reconhecimento internacional. Ou seja, a motivação turística do visitante se baseia em aspectos geográficos, históricos e culturais do território dentro dos quais a indicação geográfica presente na região pode se inserir. O bem da IG participa nesse caso como um dos elementos de uma cesta de bens[3], mas não como elemento central. Nessa interação, considera-se que o turismo local favorece o desenvolvimento das IG (símbolo: TR>IG).
O segundo tipo de interação está ligado a presença de indicações geográficas de alto desempenho, que proporcionam o desenvolvimento da região onde estão inseridas incluindo atividades relacionadas ao turismo rural. Geralmente estão ligadas a vinhos, cafés e cachaças, com fortes reconhecimentos nacionais ou internacionais. Neste caso, a indicação geográfica compõe o atrativo principal da cesta de bens, de modo que a dinâmica de desenvolvimento da área geográfica se dá pelo vínculo direto de bens ou serviços à IG (símbolo IG>TR).
O terceiro sistema de interação aparece em territórios detentores de indicações geográficas e de recursos naturais, culturais e históricos ainda poucos conhecidos pelo público em geral. Cria-se uma cesta de bens na qual o conjunto de bens participa do desenvolvimento sem destaque particular para um ou outro. Nesse cenário cria-se uma interação híbrida, benéfica para ambas as estratégias, IG e turismo, (símbolo: hibrida). Essas interações biliterais podem igualmente ocorrer em territórios onde é difícil reconhecer a presença de uma cesta de bens. Pode acontecer quando as IG´s e os territórios oferecem muitas características atraentes, que nem sempre são diretamente associadas, no entanto, podem ser favoráveis de forma mútua caso desenvolvidas.
3.5 ANÁLISE DOS DADOS
Cada município identificado pertencente a uma área geográfica de uma IG foi assim categorizado segundo a classificação do ministério do turismo. Desta forma foi possível identificar quais tipos de municípios constituiu a área de uma IG. Se por exemplo todos os municípios pertenciam todos a mesma categoria ou a categorias diferentes. Para melhor organização dos dados, as classificações dos municípios foram agrupadas em percentuais, devido ao grande número de municípios que são contemplados nas áreas de algumas IG´s.
Partindo desse cruzamento de dados entre municípios constituindo as áreas geográficas das IG e categorização dos municípios segundo ministério do turismo, avaliando as informações recolhidos sobre atividades turísticas desenvolvidas nas áreas geográficas das IGs, foi possível definir o tipo de interação que se estabelece entre IG e o território que ela representa.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Analisando a convergência entre o desenvolvimento do turismo e as áreas geográficas das IG´s, observa-se que não existe uma conformidade especial específica. As áreas de indicação geográfica se classificam de forma bastante heterogênea quanto ao grau de desenvolvimento turístico, como pode ser observado no quadro 3.

Conforme os dados, apenas 36,5% da amostra, 23 IG’s tiveram seu território caracterizado de modo homogêneo de acordo com a categorização turística ao exemplo da IP de Paraty ou IP de Goiabeiras. Desse modo, é ressaltada a heterogeneidade, no que diz respeito ao quantitativo de turistas, empregos formais e estabelecimentos de hospedagem presentes nas áreas de indicações geográficas. Desse total de 23 IGs, 17 se encontram nos segmentos “C, D e E”, o que salienta o baixo grau de desenvolvimento do turismo regional destes territórios. Os resultados demostram também que as áreas de indicações geográficas cobrem municípios com grande heterogeneidade de desenvolvimento turístico. Isto é particularmente óbvio quando se trata de grandes extensões territoriais, como no caso da DO Manguezais de Alagoas.
O cruzamento de dados entre atividades turísticas, atividades turísticas especificamente associadas as IGs e a categorização dos municípios compondo as IGs possibilitou a classificação das relações entre desenvolvimento do turismo e das IGs em quatro tipos (gráfico 1). Assim conforme à teoria de Le Guerroué e Barjolle (2018), podemos identificar a presença das três categorias de interação quando observados principalmente os atrativos turísticos da região e a classificação dos municípios. Também foi observada a incidência de uma quarta categoria, onde os atributos turísticos da área geográfica e o tipo de indicação geográfica não conversam entre si, de modo que não é possível enquadrá-los nas categorias anteriores exploradas pelos autores.

Identificamos que as relações de interação entre as indicações geográficas concentram-se principalmente naquelas onde o turismo é o principal atrativo da região geográfica, impulsionando o conhecimento e consumo de produtos ou serviços da IG (TR>IG, 38,1%). Outra relação significativa expressa a presença de interações híbridas (34,9%). A influência das IG sobre o turismo rural no Brasil é ainda pouco representativa (19%).
Os critérios para a definir a relação entre as indicações geográficas e o turismo foram: os principais atrativos turísticos da região, a relevância da indicação geográfica e a incidência de eventos, roteiros e turísticos voltados para elas.
Como representante da categoria onde o turismo rural por meio de uma cesta de bens impulsiona a indicação geográfica (TR>IG), temos a IP Queijo da Canastra. A IG situa-se em uma região que se destaca pela presença de diversos atrativos naturais que compõem o Parque da Serra da Canastra, principal atrativo turístico da região, de acordo com Gomes e Santos (2007). O queijo, por sua vez, também é destaque na gastronomia regional e foi reconhecido em 2008 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como patrimônio cultural imaterial (APROCAN, 2018) e, em 2013, teve sua comercialização liberada para todo o Brasil (GIESBRECHT et al, 2014). Conforme dados fornecidos pelo Observatório de Turismo de Minas Gerais (2018), o número de visitantes do Parque passou de 40.914, em 2012, para 89.087 visitantes em 2017. A IP queijo da Canastra se encaixa como um dos bens e beneficia-se das presenças dos turistas.
Se enquadram na categoria onde a IG é a principal fonte de atração turística (IG>TR), indicações geográficas como a do Vale dos Vinhedos. Essa indicação, além de dar base para o registro de outras IGs no território brasileiro, é reconhecida e premiada a níveis nacional e internacional, sendo os únicos vinhos brasileiros que possuem denominação de origem. A APROVALE estabeleceu parcerias com restaurantes, pousadas, hotéis e vinícolas, de modo que hoje existe um grande aporte para o enoturismo na região, o que se reflete no aumento do fluxo turístico.
A indicação de procedência do Jalapão, pertence a categoria híbrida. Em 2008, o registro foi solicitado como estratégia frente à crise dos artesãos locais (BELAS, WILKINSON, 2014). O artesanato em capim dourado é conhecido nacional e internacionalmente, apesar disso, enfrenta desafios na infraestrutura dos centros de produção. A IG se encontra em uma área que apesar dos diversos atrativos turísticos, compostos principalmente pela paisagem natural (dunas, cachoeiras, formações rochosas), não dispõe de estrutura especializada para o atendimento dos turistas, o que é visualizado por meio da classificação do Ministério do Turismo, onde 75% dos municípios da região turística pertencem a categoria “D” e 25% encontram-se na categoria “E”, que representa nível inexpressivo de atividades turísticas. O desenvolvimento da IP e do turismo local devem mutualmente se favorecer.
Há, ainda, as indicações geográficas que não possuem relação com as principais atividades turísticas nas regiões onde se encontram. Dentro dessa categoria, temos a indicação de procedência do Porto Digital, concedida em razão de seus aspectos inovadores e tecnológicos, encontrados nas mais de 300 empresas que englobam o parque tecnológico (PORTO DIGITAL, 2018). Porto Digital se encontra na Região Metropolitana do Recife, bem desenvolvida turisticamente e que tem como principais atrativos turísticos as praias, conhecer o artesanato, visitar os monumentos históricos e participar de festas regionais e manifestações religiosas. Apesar do alto fluxo turístico, Porto Digital se encontra nessa categoria devido à impossibilidade de traçar uma correlação entre os dois setores. A demanda pela indicação geográfica Porto Digital é bem específica, os turistas, em sua maioria, não fazem uso dos serviços oferecidos pela IG. Assim, mesmo que a indicação geográfica represente um parque tecnológico com reconhecimento internacional e Recife seja um destino turístico especializado, não há uma relação entre esses dois fatores.
Quando mesclamos os dados sobre a categorização turística e as interações com as indicações geográficas temos: o sistema de interação híbrida concentrado em municípios classificados como “C”, “D” e “E”. Essa interação demostra que mesmo sendo centros turísticos, essas áreas padecem de infraestruturas e mão de obra especializada e que em termo de desenvolvimento territorial deve-se pensar em ações conjugadas entre IG e Turismo de forma a impulsionar ambos setores.
Nesses territórios existem focos de concentrações turísticas e áreas onde os turistas não se deslocam. Porém, a dinâmica do turismo local pode impulsionar o desenvolvimento das IG. Nesse tipo de interação, as proatividades dos associados da IG é uma das características essenciais de integração no circuito turístico.
Ainda fazendo um paralelo acerca dos dois instrumentos principais de análise, dentro do sistema de interação onde a indicação geográfica de alto desempenho impulsiona o turismo local, os municípios são categorizados como “B”, “C”, “D” e “E”. Ou seja, apesar da incidência da categoria “B”, que representa locais com melhores estruturas turísticas, temos ainda dentro do território dessas IGs, locais com aporte turístico incipiente, sendo representados pelo segmento “E”. Porém, a presença das IGs pode desenvolver o turismo local de forma consequente nesses espaços e por consequência a adequação dos municípios a esta demanda.
Já na categoria onde não se pode traçar uma relação entre o turismo rural e a indicação geográfica, encontramos regiões sem expressividade turística, outras altamente desenvolvidas (capitais brasileiras) e territórios onde há uma grande distinção entre o nível de desenvolvimento turístico dos munícipios.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tanto as indicações geográficas quanto o turismo rural brasileiros têm potencialidades que revelam a necessidade de implantação de estratégias efetivas de desenvolvimento em ambos os setores. É importante ressaltar que as características convergentes desses setores (a valorização do território, saberes tradicionais e manifestações culturais) configuram-se como possibilidade de estratégias transversais, capazes de proporcionar benefícios mútuos.
De acordo com os dados levantados, a diversidade do território brasileiro se refletiu também na estrutura do turismo, de modo que apenas 36,5% das indicações geográficas obtiveram apenas uma categoria de classificação segundo os critérios estabelecidos pelo Ministério do Turismo. A limitação encontrada nesta classificação, que influenciou os dados da pesquisa, foi que os parâmetros estipulados excluem cerca de 50% dos municípios brasileiros e assim, algumas IG’s não foram contempladas na discussão segundo esse instrumento.
A teoria de Le Guerroué e Barjolle (2018) foi confirmada, sendo acrescida de mais uma categoria, onde a natureza da indicação geográfica e o tipo de turismo praticado não conversam entre si. Entender a relação entre esses dois setores permite a tomada de decisão apropriada na escolha de estratégias de fomento que englobem o turismo rural e as indicações geográficas como instrumentos do desenvolvimento regional brasileiro.
Para um melhor aprofundamento do tema serão necessários estudos posteriores que possibilitem observar o do fluxo turístico nos territórios após o registro das indicações geográficas, que visem reconhecer os principais motivadores para o deslocamento turístico em territórios das indicações geográficas, e com vistas a identificar o nível de notoriedade e reconhecimento dos produtos pelos consumidores.
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Notas