A autorregulação da aprendizagem: formação de docentes e discentes no contexto educacional

Estimulação da recordação e autorregulação da aprendizagem no estágio docente

Stimulation of recall and self-regulatory learning in the teacher training

Lourdes Maria Bragagnolo Frison
Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Luciana Toaldo Gentilini Avila
Universidade Federal do Rio Grande, Brasil
Ana Margarida Veiga Simão
Universidade de Lisboa, Portugal

Estimulação da recordação e autorregulação da aprendizagem no estágio docente

Revista de Educação PUC-Campinas, vol. 23, núm. 3, pp. 349-363, 2018

Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Recepção: 24 Novembro 2017

Revised document received: 10 Abril 2018

Aprovação: 02 Maio 2018

Financiamento

Fonte: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

Fonte: Pq-2 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Número do contrato: 408140/2017-8

Número do contrato: 99999.010731/2014-08

Número do contrato: 310075/2017-3

Descrição completa: Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo nº 408140/2017-8), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Processo nº 99999.010731/2014-08) e L.M.B. FRISON é Pq-2 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo n° 310075/2017-3).

Resumo: A autorregulação refere-se ao grau em que os indivíduos apelam a seus conhecimentos e competências metacognitivas, motivacionais e comportamentais, para atingir um nível adequado de domínio sobre sua aprendizagem, de acordo com o contexto educativo em que estão inseridos e com os objetivos pretendidos. Este artigo busca evidenciar processos de autorregulação da aprendizagem mobilizados por estagiários de Educação Física. O estudo recorreu à estimulação da recordação como instrumento potencializador dos processos e estratégias de autorregulação, e, também, à pesquisa-ação, na medida em que esta possibilita analisar a própria prática pedagógica. Foram identificados problemas e soluções, desencadeando uma ação autorregulada perante a atuação docente. O estudo foi realizado em 2014, com 11 universitários do 7º e 8º semestres, em fase de estágio curricular supervisionado. A partir da análise dos dados, três categorias foram evidenciadas: planejamento, procura por ajuda e autoavaliação. Constatou-se que os estagiários demonstraram conhecer a importância do planejamento, desenvolvendo significativamente a autonomia no exercício das práticas pedagógicas e refletindo sobre elas, o que lhes permitiu a tomada de consciência dos percursos de aprendizagem. Discutem-se implicações, contribuições e potencialidades para o desenvolvimento da formação inicial de professores.

Palavras-chave: Autorregulação, Estágio supervisionado, Experiências pedagógicas, Formação de professores.

Abstract: Self-regulation refers to the degree to which individuals can appeal to their knowledge, metacognitive, motivational and behavioral skills to achieve an adequate level of mastery over their learning within the educational contexts and according to the objectives they intend to attain. The aim of this article is to highlight the processes of self-regulated learning used by Physical Education trainees. The study resorted to the stimulation of recall as a tool to empower self-regulatory processes and strategies, and action research, as it makes it possible to analyze pedagogical practice. Problems and solutions were identified, which led to self-regulated action in view of teaching. The study was carried out with 11 undergraduate students enrolled in the 7th and 8th semesters in 2014 during their internship. Three categories were found after analysis of the data: planning, seeking help, and self-assessment. We found that the trainees demonstrated that they were aware of the importance of planning, significantly developing autonomy in the exercise of pedagogical practices and reflecting on them, which enabled them to be aware of the learning process. The implications, contributions and potentialities for the development of initial teacher training are discussed.

Keywords: Self-regulation, Supervised internship, Pedagogical experiences, Teacher training.

Introdução

A formação dos professores, atualmente, precisa ser pensada em função das novas realidades escolares e das diferentes exigências sociais, culturais e políticas (Sarmento, 2017). Ao se analisar o contexto escolar e acadêmico, percebe-se, conforme alertam Cadório e Veiga Simão (2013), que as transformações sociais levaram a escola e os professores a redimensionar sua ação em função das exigências impostas por novos contextos e novos modelos políticos.

As constantes transformações políticas, econômicas e culturais da sociedade demandam professores que saibam atuar de maneira eficaz na sala de aula, buscando e adaptando métodos para ensinar em diferentes contextos de intervenção, de forma a favorecer a aprendizagem dos alunos.

Diante desse cenário, reconhece-se o papel importante dos cursos de formação de professores em oportunizar diferentes atividades que promovam o desenvolvimento e o aprimoramento dos conhecimentos e das competências docentes. Especialmente na formação inicial, os futuros professores precisam ser incentivados a construir novas aprendizagens, bem como a refletir sobre elas e, se necessário, alterar percepções sobre a prática docente. Os estágios, que são disciplinas obrigatórias nas licenciaturas no Brasil (Conselho Nacional de Educação, 2002, 2015; Brasil. 2013), precisam ser mais valorizados, tanto pelos docentes como pelos estagiários, como um desses contextos de aprendizagens e desenvolvimento de competências profissionais.

Entende-se que, para fomentar o desenvolvimento de competências docentes nos cursos de formação inicial de professores, é preciso investir na promoção de estratégias autorregulatórias, para que estes possam vivenciar práticas articuladas com a teoria. Fomentar a autorregulação para o exercício da docência pode trazer, segundo Boruchovitch (2014), um duplo benefício, por auxiliar no desenvolvimento tanto do professor quanto do aluno, uma vez que ambos terão a chance de fortalecer a capacidade de aprender a partir de uma maior consciência dos processos psicológicos que influenciam a forma como aprendem.

Nesse sentido, com base nos pressupostos teóricos da aprendizagem autorregulada, este artigo visa evidenciar processos de autorregulação da aprendizagem utilizados por estagiários de Educação Física, a partir da utilização da técnica de estimulação da recordação.

A autorregulação da aprendizagem na formação do professor

O termo “autorregulação” origina-se de uma construção abrangente, que envolve a ideia de autogerência exercida pelas pessoas em seus comportamentos, pensamentos e sentimentos, com vistas à obtenção de objetivos nos diferentes domínios da vida. Uma ideia central é a consideração de um self, capaz de fazer escolhas e de agir sobre si próprio para alcançar um resultado desejado. Essa concepção de human agency está associada aos trabalhos de Bandura (1997).

Podem-se autorregular desde ações voltadas à aprendizagem, tema deste trabalho, até estados de saúde, como a adoção de hábitos alimentares mais saudáveis ou a prática regular de exercícios físicos (Puustinen; Pulkkinen, 2001).

Em relação à autorregulação da aprendizagem dos estudantes, assiste-se, nas últimas décadas, ao aumento do interesse em estudar os processos utilizados pelos indivíduos para controlar a aprendizagem no contexto escolar e universitário (Veiga Simão; Frison, 2013; Zimmerman, 2013; Butler, 2015). Zimmerman (2013), considerado o estudioso pioneiro sobre o assunto, define a autorregulação da aprendizagem como o grau em que os estudantes atuam nos níveis metacognitivo, motivacional e comportamental, sobre seus próprios processos de aprendizagem.

No processo de autorregulação da aprendizagem, os estudantes encaram a aprendizagem de forma intencional, autônoma e efetiva (Panadero; Alonso-Tapia, 2014), adaptando suas competências às necessidades da tarefa e aos objetivos traçados (Zimmerman, 2013). Além disso, os indivíduos com maiores graus de autorregulação da aprendizagem apresentam melhores resultados acadêmicos, porque não só utilizam estratégias para alcançar os seus objetivos, como também dominam e adaptam com mais facilidade as suas crenças motivacionais e emocionais a diferentes tarefas e ambientes, e ainda controlam os fatores contextuais e mantêm a concentração e o esforço durante a aprendizagem (Embuena; Amorós, 2012).

O envolvimento do estudante nas diferentes dimensões da aprendizagem faz com que as competências que levam à autorregulação do aprender não possam ser consideradas como traços particulares, inatos ou habilidades mentais desenvolvidas isoladamente. Segundo alguns autores, a autorregulação da aprendizagem é um processo ativado pelos estudantes para aprender, levando em consideração o ambiente físico, afetivo e social em que se encontram (Paulino; Lopes da Silva, 2012; Veiga Simão; Frison, 2013; Butler, 2015). Por não serem inatas, as competências autorregulatórias são entendidas por Monereo e Garganté (2013, p.21) como “[...] um conjunto de conhecimentos e estratégias aptas para resolver problemas relevantes dentro de um determinado sistema de atividade”, podendo ser desenvolvidas em diferentes graus por todos os estudantes, quando lhes são dadas oportunidades para isso.

Os processos que envolvem a autorregulação da aprendizagem podem ser explicados a partir do modelo proposto por Zimmerman (2013), baseado na perspectiva da teoria social-cognitiva de Bandura, também adotada neste trabalho. Nas últimas décadas, esse modelo tem recebido expressiva atenção, principalmente dos psicólogos educacionais, devido à abrangência explicativa dos processos-chave que o envolvem (Kitsantas; Cleary, 2016). Conforme Zimmerman (2013), o estudante autorregula sua aprendizagem e as crenças motivacionais, seguindo ciclicamente três fases: antecipação, execução e autorreflexão.

Na primeira fase, denominada “antecipação”, o estudante analisa a tarefa a ser apreendida, observa o ambiente de aprendizagem, estabelece objetivos pessoais e elabora um planejamento estratégico para alcançá-los. Na segunda fase, denominada “execução”, esse planejamento estratégico é posto em ação, paralelamente ao controle da atenção e do esforço dedicado à tarefa (Veiga Simão; Frison, 2013). Na última fase da autorregulação da aprendizagem, denominada “autorreflexão”, o estudante reflete sobre o progresso da sua aprendizagem e a efetividade do seu planejamento estratégico para o alcance de seus objetivos. Quando o estudante avalia que estes não foram alcançados, pode alterar sua abordagem e fazer os ajustes no comportamento, no ambiente e nos fatores sociais, para estabelecer um ambiente propício a um novo investimento de aprendizagem (Schunk; Zimmerman, 1998). É importante ressaltar que um ciclo autorregulatório de aprendizagem se completa a partir das avaliações geradas pela fase de autorreflexão, as quais influenciarão uma nova fase de antecipação.

Desse modo, a forma cíclica como esse modelo funciona, representa a oportunidade do estudante agir de forma ativa e autônoma durante o seu aprender. Entende-se a autonomia “[...] como a possibilidade que tem o estudante de autorregular o seu processo de estudo e aprendizagem em função dos objetivos que persegue e das condições do contexto que determinam a consecução desses objetivos” (Veiga Simão, 2004, p.82). Rever o planejamento estratégico, monitorar os esforços, avaliar e alterar comportamentos, sentimentos e pensamentos para o alcance dos objetivos, são alguns dos processos iniciados pelos indivíduos autorregulados, o que demonstra que estes são mais controladores do que controlados pelos outros, nas suas experiências de aprendizagem (Zimmerman, 1998).

A autorregulação da aprendizagem, quando oportunizada no período de formação do professor de Educação Física, pode auxiliá-los, especialmente, na superação de uma formação que não está proporcionando segurança e experiências suficientes para a atuação pedagógica na escola (Neira, 2012; Souza Neto; Sarti; Benites, 2016). Para Veiga Simão e Flores (2006), o Ensino Superior não deve apenas adicionar conhecimentos teóricos e científicos à formação dos acadêmicos. Sendo assim, o Ensino Superior precisa possibilitar o desenvolvimento de competências nos futuros professores para que tenham um papel ativo e construtivo nas suas aprendizagens – durante o curso e, posteriormente, como profissionais.

As experiências que facilitarão a autorregulação da aprendizagem dos futuros professores podem ser promovidas pelos seus docentes nos cursos de graduação. As intervenções educativas nas Licenciaturas precisam mobilizar os estudantes para que eles se apropriem dos processos de regulação do seu aprender. Para o estudante ser autorregulado, precisa ser o protagonista das decisões e ações do seu processo de aprendizagem. Para se tornar um professor autorregulado, é preciso garantir, ainda enquanto estudante, maiores níveis de motivação para encarar e superar os desafios impostos pelos processos de estudar e aprender a ensinar (Veiga Simão; Frison, 2013). A competência reflexiva, desencadeada pela construção de seus próprios conhecimentos, permite ao futuro professor ter consciência do seu processo de aprendizagem e das estratégias que escolhe empregar, podendo alterá-las na medida em que identifique que seus objetivos não estão sendo atingidos (Schunk; Zimmerman, 1998).

Dentre as pesquisas já realizadas com o objetivo de promover o desenvolvimento de competências autorregulatórias dos estudantes de cursos de Licenciatura (Veiga Simão; Flores, 2006; Frison; Veiga Simão, 2011; Embuena; Amorós, 2012), a de Embuena e Amorós (2012) mantém relação direta com a proposta deste estudo. A pesquisa citada procurou valorizar as contribuições do estágio para a aquisição de competências de autorregulação da aprendizagem em estudantes de Psicopedagogia de uma universidade espanhola. Para os autores, o estágio é uma das disciplinas mais importantes da grade curricular dos cursos que formam professores. Por meio deles, os futuros profissionais têm a oportunidade de aplicar de forma autônoma e ativa os conhecimentos teóricos, em um contexto real da prática profissional, além de se deparar com situações que exigirão bastante de sua ação autorregulada para aprender.

Quanto aos resultados do presente estudo, os autores encontraram, por meio das respostas aos questionários aplicados, que o estágio foi uma oportunidade para os estudantes autorregularem a aprendizagem. Durante sua realização, utilizaram estratégias de organização, planejamento, resolução de problemas e avaliação das atividades realizadas (Embuena; Amorós, 2012). Dessa forma, acredita-se que proporcionar um contexto promotor de competências autorregulatórias durante os estágios em Educação Física, possa auxiliar na formação de profissionais mais conscientes da sua função na escola, que valorizem a disciplina que ministram e oportunizem diferentes conteúdos e formas de aprendizagem para seus alunos.

Procedimentos Metodológicos

O presente estudo foi desenvolvido durante os estágios curriculares de 11 estudantes de um curso de Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública localizada no sul do Brasil. Desses estagiários, quatro eram do sexo feminino (ED, EE, EI, EL) e sete do sexo masculino (EB, EF, EG, EJ, EM, EN, EO), com média de 22 anos de idade. Todos cursavam sua primeira graduação em Licenciatura.

Este estudo, realizado em 2014, acompanhou os estagiários no decorrer do 7º e 8º semestres da graduação, quando atuaram junto a alunos dos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, respectivamente em cada semestre.

No início do 7º semestre, com a finalidade de buscar solução para os problemas evidenciados no estágio, os 11 estagiários formaram um grupo de pesquisa-ação, denominado Grupo de Pesquisa e Formação em Educação Física Escolar (GRUPESF), sob a orientação de uma pesquisadora. O grupo manteve reuniões de forma presencial, ao longo dos dois semestres, com o intuito de discutir, avaliar e refletir, de forma participativa e colaborativa, sobre as práticas e questões pertinentes aos desafios encontrados nos estágios (Avila, 2017).

A pesquisa-ação foi a metodologia escolhida para o desenvolvimento desta investigação por se entender ser essa uma pesquisa do tipo social que combina ações colaborativas entre pesquisador e participantes, organizadas de forma sistemática, com o objetivo de solucionar problemas comuns e transformar práticas (Alarcão, 2011; Amado; Cardoso, 2017). O incentivo promovido pela pesquisa-ação, aos futuros professores, para analisarem e aprimorarem a própria prática pedagógica, permite-lhes identificar os problemas e agir com liberdade para resolvê-los (Tripp, 2005), desencadeando, assim, uma ação autorregulada perante sua atuação docente (Cadório; Veiga Simão, 2013).

Seguindo a proposta de desenvolvimento de pesquisa-ação de Tripp (2005), o processo do GRUPESF deu-se em quatro etapas: (1) formação do grupo colaborativo e planejamento de suas ações; (2) desenvolvimento de atividades (estimulação da recordação, reuniões em grupo presenciais e diálogos no Facebook); (3) análise das atividades e seus efeitos na prática, e busca de novas estratégias de ação; (4) avaliação e análise das mudanças ocorridas e dos reflexos da formação.

Neste artigo, optou-se por analisar os resultados obtidos na segunda etapa de pesquisa-ação, em que os estagiários escolheram diferentes ferramentas para superar desafios frente às situações de estágio. Mais precisamente, foram analisados os resultados obtidos a partir da estimulação da recordação.

As sessões de estimulação da recordação consistiram no registro em vídeo das aulas dos estagiários e, posteriormente, visualização do vídeo e entrevista de estimulação da recordação, individual ou em grupo, dependendo do momento do estudo (Amado; Veiga Simão, 2017). Na etapa aqui apresentada, foram realizadas três diferentes sessões de estimulação da recordação (Figura 1).

Sessões de estimulação da recordação ao longo da pesquisa-ação.
Figura 1
Sessões de estimulação da recordação ao longo da pesquisa-ação.
Fonte: Elaborada pelas autoras (2014) com base em Avila (2017, p.128).

Na estimulação da recordação inicial, ocorrida no primeiro semestre da pesquisa, os estagiários tomaram conhecimento do propósito do método e decidiram, junto à pesquisadora, usá-lo como ferramenta para auxiliar a discussão e reflexão sobre sua atuação pedagógica nos estágios. A partir desse acordo, os estagiários poderiam solicitar, a qualquer momento das ações do grupo, sessões de estimulações da recordação de suas aulas.

Os registros em vídeo das aulas e as entrevistas foram efetuados pela pesquisadora. Anteriormente à utilização do método, os estagiários já haviam assinado o termo de consentimento livre e esclarecido, que lhes garantia o anonimato e a confidencialidade das informações fornecidas. A pesquisadora somente filmou as aulas e os alunos dos estagiários após consentimento e assinatura, pelo responsável da escola, do termo de autorização de gravação e de uso de áudio e imagens dos alunos.

Para as entrevistas de estimulação da recordação, a pesquisadora utilizou um roteiro pré-estruturado, contendo tópicos de discussão que procuravam identificar: (a) como os estagiários elaboraram o planejamento e os planos de aula para o estágio; (b) quais as estratégias pedagógicas utilizadas na execução da aula para o alcance dos objetivos; (c) se o estagiário procurava refletir sobre a atuação nas aulas e se conseguia apontar soluções para os problemas vivenciados nesse contexto; e (d) se o estagiário permitia a participação dos alunos no processo de desenvolvimento das aulas do estágio.

Nas entrevistas de estimulação da recordação, foi utilizado um gravador de voz para registrar os comentários, realizados pelos estagiários e pela pesquisadora, sobre a aula assistida. Durante a realização dessas entrevistas, os estagiários e a pesquisadora poderiam solicitar que a reprodução do vídeo fosse pausada, a qualquer momento. A permissão para o estagiário escolher as pausas no vídeo seguiu o mesmo procedimento das pesquisas de Stough (2001) e de Veiga Simão (2002). Pausar o vídeo objetivou permitir a reflexão, por parte dos estagiários, e a discussão com a pesquisadora (e com o resto do GRUPESF, dependendo da etapa do estudo) sobre algum fato que considerassem crítico, tanto de forma positiva como negativa, na sua atuação. Cada entrevista de estimulação da recordação aconteceu de 24 a 48 horas após o registro em vídeo, com duração aproximada de 60 minutos.

Na estimulação da recordação inicial, seis estagiários (ED; EE; EF; EG; EI; EJ) solicitaram o registro em vídeo de uma de suas aulas no estágio. Em seguida, realizaram a entrevista de estimulação da recordação apenas com a presença da pesquisadora, assim como ocorreu nos estudos de Veiga Simão (2002) e Cadório eVeiga Simão (2013).

A escolha pela realização de entrevista individual ocorreu como medida de precaução, uma vez que o GRUPESF se encontrava em estágio inicial de formação e os estagiários poderiam não se sentir à vontade com a presença de um ou mais colegas assistindo e discutindo sobre sua aula. Conforme Veiga Simão (2002), a realização da estimulação da recordação pode gerar algum tipo de stress no professor/estagiário ao se ver atuando em aula. Por isso, é importante que os professores/estagiários pesquisados se sintam familiarizados com a técnica para poderem decidir se permitem ou não a participação de outras pessoas.

Ainda no primeiro semestre de atividades do grupo, foi realizada uma nova sessão de estimulação da recordação, denominada “estimulação da recordação em grupo 1”. Dessa vez, as entrevistas de estimulação da recordação aconteceram de maneira coletiva, tendo a participação dos outros colegas do grupo. Na “estimulação da recordação em grupo 1”, cinco estagiários (ED, EF, EG, EI, EJ) solicitaram o registro de suas aulas, e oito estagiários (EB, ED, EF, EG, EI, EJ, EL, EM) participaram da análise e discussão desses registros.

No segundo semestre, ocorreu a estimulação da recordação em grupo 2, quando os universitários estavam realizando o estágio com alunos do Ensino Médio. Apenas quatro estagiários (EI, EJ, EM, EN) tiveram suas aulas filmadas, e sete (ED, EF, EG, EJ, EM, EN, EO) participaram na análise e discussão desses registros.

Os dados coletados foram analisados por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2011). Conforme as orientações de utilização desse método, como primeiro passo, foram realizadas as transcrições das entrevistas de estimulação da recordação, na sua totalidade, em formato Microsoft Word. Com a finalidade de facilitar e organizar a análise de conteúdo do material coletado, as transcrições foram importadas para o software Nvivo-10. Após repetidas leituras atentas e exploratórias dessas transcrições e tendo como base, inicialmente, os eixos de análise definidos a partir dos tópicos de discussão nas sessões de estimulação da recordação, os documentos analisados foram fragmentados em unidades de registros. Tomaram-se como unidade de registro as proposições (frases ou elementos de frases, analisadas e recortadas do discurso dos estagiários) que possuíssem sentido próprio e correspondessem a um dos eixos de análise definidos. A criação desses eixos auxiliou, posteriormente, no processo de agrupamento das unidades de registro, no qual emergiram as categorias e subcategorias do estudo. A partir da utilização do software Nvivo-10, buscou-se alcançar maior rigor científico no processo de codificação dos dados, contribuindo para a validação da análise realizada (Amado, 2017).

Um juiz externo à pesquisa, especialista no tema e conhecedor dos critérios utilizados para a análise dos dados deste estudo, foi convidado a colaborar no processo de verificação da confiabilidade do sistema de categorias. Ressalta-se ainda que, de forma a respeitar os princípios éticos que envolvem a execução de um estudo científico, a presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas/Brasil sob Parecer nº 136.565.

Resultados e Discussão

A partir da análise dos dados deste estudo, foi possível criar três categorias que evidenciam os processos de autorregulação da aprendizagem utilizados pelos estagiários de Licenciatura em Educação Física, com base na utilização da técnica de estimulação da recordação sobre as aulas lecionadas nos estágios. Tais categorias foram denominadas: (a) planejamento; (b) procura de ajuda; e (c) autoavaliação.

Para Scherer e Molina Neto (2000), normalmente, grande parte dos professores de Educação Física não vê necessidade de planejar com antecedência suas aulas, por considerar que tais conteúdos e atividades já foram incorporados ao seu repertório pessoal, ou durante a formação inicial ou em decorrência dos anos de trabalho. No entanto, contrariando os achados de Scherer e Molina Neto (2000), os estagiários da presente pesquisa relataram planejar, com antecedência, as ações e atividades que utilizariam nos encontros com os alunos do estágio, especialmente com base nos planos de aula.

Conforme observado nas sessões de estimulação da recordação, a maioria dos estagiários (EE, EF, EG, EI, EL, EM, EN, EO) relatou, desde o começo da pesquisa, que redigia em um papel a organização de cada aula, discriminando objetivos, conteúdos, atividades selecionadas e materiais necessários para o desenvolvimento da aula. De acordo com Zimmerman (2013), a ação de elaborar um planejamento antes da execução de uma tarefa, caracteriza-se como uma competência cognitiva que permite ao indivíduo organizar mentalmente a sequência de operações que deverão ser executadas para o alcance dos objetivos previamente estabelecidos.

No que diz respeito à elaboração do planejamento das aulas pelo professor, Libâneo (2013) argumenta que por meio desse documento o docente tem a possibilidade de guiar suas ações na tarefa de ensinar. O mesmo autor coloca que a organização de um planejamento deve ser realizada com base nos objetivos de ensino propostos e prever as atividades didáticas que serão oferecidas aos alunos. Além disso, por meio do planejamento, o professor pode avaliar com mais facilidade se os objetivos pedagógicos estão sendo alcançados, bem como realizar as modificações nas ações planejadas quando necessário (Libâneo, 2013).

Porém, conforme observado, no início da pesquisa nem todos os estagiários tinham consciência da importância do planejamento para a eficácia das aulas ministradas. Uma das estagiárias, na estimulação da recordação inicial, disse não redigir o plano de aula: “não é que eu chegue na aula e pense na hora o que irei fazer. Não, eu já vou com as coisas dentro da cabeça. A minha dificuldade é de pôr no papel” (ED). Porém, no decorrer das sessões de estimulação da recordação em grupo, observou-se que essa estagiária tomou consciência da importância de se ter um plano de ação redigido para agir diante dos alunos: “estou botando no meu plano de aula: falar tal coisa, ver tal coisa com os alunos” (ED, na estimulação da recordação em grupo 1 do EJ).

Conforme comentado por Libâneo (2013), o plano de aula, por constituir um guia das ações do professor, deve atender aos objetivos de ensino e ao contexto em que o docente está inserido. É o caso do estagiário EG, que, na “estimulação da recordação em grupo 1”, relatou ter elaborado o plano de aula de maneira um pouco diferente daquela a que estava acostumado: “dessa vez, eu não fiz um plano bonitinho. Eu peguei todas as atividades de lutas que eu tinha, coloquei tudo em uma folha”. Observa-se, dessa forma, que o estagiário EG, percebendo que a turma não demonstrava interesse pelo conteúdo que havia planejado, levou todas as possibilidades que conhecia para ver se alguma despertava a vontade dos alunos participarem.

Por meio dos relatos dos estagiários, principalmente na “estimulação da recordação em grupo 2”, observou-se como os planos de aula eram organizados e, depois, utilizados por eles nas aulas, como, por exemplo: “[...] sempre reviso [o plano] antes da aula e levo para a aula” (EI); “nessa aula, fiz só a metade do plano [elaborado]” (EJ); “[...] faço o aquecimento direto, vou para fundamento e prática, o jogo propriamente dito ou o próprio jogo situacional [...]” (EM); “nos primeiros cinco a dez minutos, reviso as aulas passadas [com os alunos] e depois dou a aula planejada” (EO).

A partir do que disseram os estagiários nas diferentes sessões de estimulação da recordação realizadas na pesquisa, observou-se que eles demonstraram uma progressiva autonomia para estabelecer objetivos de ensino e elaborar os planejamentos das aulas conforme a necessidade dos alunos. Ser autônomo para guiar as suas ações é uma das características importantes dos estudantes autorregulados, o que demonstra que o indivíduo consegue tomar decisões para regular a própria aprendizagem em função dos objetivos pessoais estabelecidos, levando em consideração as condições proporcionadas pelo contexto de aprendizagem em que está inserido (Veiga Simão, 2004; Monereo, 2010).

Sendo assim, por meio da observação do comportamento e dos relatos dos estagiários nas sessões de estimulação da recordação, pode-se inferir que na graduação eles construíram boa aprendizagem dos conhecimentos técnico-pedagógicos necessários ao exercício da profissão, o que pode garantir a condução eficaz dos processos de ensino e de aprendizagem de seus alunos (Caparroz; Bracht, 2007). Vale ressaltar que saber planejar é importante, uma vez que, segundo Bagnara e Fensterseifer (2016), uma intervenção pedagógica eficaz em Educação Física não pode ser concebida sem antes se ter um plano do processo de ensino aos alunos.

Relativamente à segunda categoria de análise deste trabalho – procura de ajuda –, observa-se que os estagiários recorreram a essa estratégia para alcançar seus objetivos de aprendizagem como professores. A procura de ajuda é considerada uma estratégia de autorregulação da aprendizagem utilizada pelos estudantes quando percebem que sozinhos não conseguem atingir os objetivos que traçaram para aprender em uma determinada tarefa (Serafim; Boruchovitch, 2010).

Observa-se que os estagiários procuraram ajuda, tanto no meio social como material, para solucionar problemas decorrentes das aulas do estágio. Conforme Farias et al. (2012), no início da carreira, os docentes buscam, em diferentes fontes de conhecimento, apoio para a intervenção profissional. Da mesma forma, como mostram os resultados do estudo de Gaspari et al. (2006), professores de Educação Física mais experientes também recorrem a essa estratégia para vencer os obstáculos da atuação pedagógica.

No meio social, percebe-se que os estagiários solicitavam ajuda aos pares (colegas) e a pessoas com mais experiência na profissão (professores do curso, responsáveis pelo estágio). Nas estimulações da recordação em grupo 1 e 2, três estagiários (EG, EI, EJ) revelaram recorrer a essa estratégia, solicitando auxílio aos colegas e ao supervisor de estágio: “quando o conteúdo é mais puxado, o EF me ajuda na aula” (EG); “[...] depende da atividade, mas, quando ficam grupos separados na quadra, a gente [os estagiários] tenta se ajudar, cada um fica de um lado ajudando os alunos” (EJ)5; “[...] conversei com o M. [supervisor de estágio] e ele me sugeriu que eu fizesse [para a aula] uma parte analítica, que fizesse o jogo condicionado e fizesse o jogo formal final, porque eles gostam” (EI).

Tomar consciência de suas dificuldades e buscar ajuda no meio social para vencer os desafios são características dos indivíduos autorregulados, os quais percebem que a relação com os outros é um degrau importante para o sucesso de sua aprendizagem (Serafim; Boruchovitch, 2010). O estudo de Silva e Silva (2015) com futuros professores de Educação Física, ao investigar as estratégias mais utilizadas por eles, apontou que o pedido de ajuda foi a segunda mais citada em termos de contribuição para o sucesso acadêmico.

Outro meio de assistência utilizada pelos estagiários foi a procura de materiais acadêmicos e recursos na Internet. Os estagiários ED, EI e EJ expressaram, nas estimulações da recordação inicial e em grupo 2, que procuraram essas ajudas para conseguir ensinar os conteúdos planejados. Dois estagiários (ED, EJ) revelaram procurar exercícios na Internet para desenvolver o conteúdo: “quando queria achar uma atividade eu olhava vídeos na Internet” (ED); “desde que eu estou nessa escola venho pensando como aproveitar aquela sombra [que ficava em um canto da quadra]. Antes de ir para a aula, eu vi essas atividades no Youtube e aproveitei o espaço” (EJ).

O ato de procurar ajuda, tanto das outras pessoas como de materiais acadêmicos, é um meio para o estudante autocontrolar o próprio processo de aprendizagem (Zimmerman, 2013). Essa ação inicia com a tomada de consciência do estudante acerca da necessidade de ajuda exterior para alcançar seus objetivos (Ryan; Pintrich; Midgley, 2001). No entanto, conforme analisaram Ryan, Pintrich e Midgley (2001), nem sempre o contexto de aprendizagem favorece a busca por ajuda. Dessa forma, o contexto social precisa ser considerado para o estudante sentir se pode ou não pedir ajuda. Os professores podem estabelecer um ambiente que encoraje ou desencoraje o pedido de ajuda pelos estudantes. As regras da sala de aula, a estrutura das metas de ensino e aprendizagem e o clima social/interpessoal com os colegas e o professor podem proporcionar um ambiente favorável ou não ao pedido de ajuda (Ryan; Pintrich; Midgley, 2001).

Outro fator interessante a se considerar é que, segundo Ryan e Pintrich (1997), existe uma forte relação entre uma percepção alta de competência social e o pedido de ajuda. Isto é, os estudantes que se percebem socialmente competentes sentem-se menos ameaçados em procurar ajuda, tanto social como material, do que aqueles com sentimento baixo de competência social.

Sendo assim, por meio das observações e relatos dos estagiários, pode-se perceber que pedir ajuda auxiliou na formação profissional, uma vez que beneficiou a formação de sua identidade como professores, por meio do fortalecimento da relação consigo próprios e com o meio social em que estavam inseridos (Frison; Veiga Simão, 2011).

No que concerne à autoavaliação, observou-se que as sessões de estimulação da recordação auxiliaram os estagiários a avaliar melhor as ações que estavam desenvolvendo nos estágios. Conforme alguns autores (Caldeira, 2001; Machado; Boruchovitch, 2015), a formação inicial do professor deve ser capaz de desenvolver competências reflexivas e avaliativas a respeito das ações executadas em aula, em função dos objetivos de ensino e aprendizagem traçados. É preciso considerar que as autoavaliações auxiliarão os professores a se manterem construindo novas aprendizagens ao longo da carreira.

De acordo com o que argumentaram alguns estagiários (ED, EF, EI, EM), as sessões de estimulação da recordação permitiram a realização de julgamentos sobre o desempenho pedagógico e a eficácia da aula lecionada: “é um método [estimulação da recordação] muito produtivo. Agora eu saio daqui, vou me lembrando, na próxima vez posso fazer de tal jeito [...]” (ED); “[a estimulação da recordação ajuda a] refletir para as próximas aulas. O que eu posso melhorar ou não” (EF); “é importante, a gente se vê e vê a aula porque tem coisas que tu acaba [sic] não analisando, durante a aula, porque tu está [sic] focado em cumprir o plano de aula [...]” (EI); “é bem diferente te ver dando aula e ver como tu te posiciona [sic] com os alunos, como é que tu fala [sic], como é que tu age [sic], como é que tu te expressa [sic], tentando passar o objetivo da aula” (EM).

A autoavaliação que os estudantes realizam, a respeito das ações executadas para o alcance dos objetivos, é considerada um elemento primordial ao aprender, uma vez que promove o autorreconhecimento da situação de aprendizagem, gerando maior participação e responsabilidade do estudante na tomada de decisões frente aos resultados encontrados (Punhagui; Souza, 2012). No entanto, destaca-se que a autoavaliação é uma competência de autorregulação da aprendizagem que tem um processo de desenvolvimento complexo. Ela exige do futuro professor disponibilidade de tempo e de energia, assim como reconhecimento das suas limitações e potencialidades para a tarefa de ensinar (Machado; Boruchovitch, 2015).

Os julgamentos pessoais que envolvem a avaliação das atividades desempenhadas e do alcance dos objetivos traçados podem ser utilizados pelos estudantes para entender como aprendem, ampliando o grau de autonomia que exercem na tomada de decisões frente aos desafios encontrados no processo de aprendizagem (Punhagui; Souza, 2012). As autoavaliações são componentes essenciais do controle que o indivíduo exerce sobre o aprender uma nova tarefa. A reflexão e avaliação sobre o que se está fazendo, com base nos propósitos almejados, auxilia um maior autocontrole sobre o modo de aprender e identificar aquilo em que ainda é preciso avançar (Pozo, 2002).

Por meio das autoavaliações dos estagiários acerca das ações desempenhadas nas aulas do estágio, percebe-se um envolvimento mais ativo desses futuros professores em aprender a ensinar, tornando-se indivíduos mais responsáveis pelas próprias ações (Punhagui; Souza, 2012). Como já comentado, as autoavaliações dos estagiários foram beneficiadas pelos objetivos que traçaram para as aulas dos estágios. Por meio desse comportamento estratégico, os estagiários puderam comparar o que desejavam com o que de fato conseguiram alcançar como professores (Capa-Aydin; Sungur; Uzyntiryaki, 2009).

Conforme Rivers (2001), a autoavaliação é um comportamento que depende do desenvolvimento da competência metacognitiva do estudante. A metacognição é de fundamental importância para a construção do conhecimento, do autoconhecimento, do autocontrole dos pensamentos, dos estados afetivos, das motivações e das ações (Boruchovitch, 2007).

Ao se observarem os resultados obtidos nesta pesquisa, percebem-se semelhanças com aqueles encontrados por Embuena e Amorós (2012) quando investigaram os processos de autorregulação da aprendizagem utilizados por futuros professores no ambiente de estágio. Segundo esses autores, o estágio é um ambiente propício para o desenvolvimento de diferentes competências, as quais os futuros professores podem utilizar para autorregular o seu aprendizado, gerando expectativas positivas em relação à profissão (Embuena; Amorós, 2012).

Infere-se que a identificação e o desenvolvimento de competências autorregulatórias dos estagiários foram beneficiados pela utilização da técnica de estimulação da recordação. Nesta pesquisa, a utilização da técnica permitiu aos estagiários: assistirem às aulas dadas por eles, autoavaliarem seu desempenho como professores, tomarem consciência de suas facilidades e dificuldades para ensinar, buscarem ajuda dos colegas e de outros meios quando necessário, e alterarem planejamentos que não estavam contribuindo para o alcance das metas de ensino traçadas.

Conforme Boekaerts e Cascallar (2006), o método de estimulação da recordação é considerado um instrumento potente, utilizado por professores e pesquisadores para avaliar as competências autorregulatórias dos estudantes. Podem-se explicar os benefícios do uso desse método, uma vez que, para Veiga Simão (2002) e para Amado e Veiga Simão (2017), a estimulação da recordação permite que sejam identificados os esforços utilizados na aprendizagem, bem como que se reflita sobre as ações desempenhadas para tanto.

Por fim, entende-se que saber ensinar envolve um aprendizado (Boruchovitch, 2014) e, nesta pesquisa, o estágio foi considerado como o momento em que se podem desenvolver as competências necessárias ao exercício profissional. O desenvolvimento de competências autorregulatórias – como o planejamento, a autoavaliação e a utilização de estratégias de aprendizagem, como pedir ajuda –, poderá contribuir para a formação inicial de professores mais autônomos, mais motivados para aprender e melhor preparados para ensinar (Veiga Simão, 2006; Capa-Aydin; Sungur; Uzyntiryaki, 2009).

Considerações Finais

O presente artigo teve por finalidade evidenciar processos de autorregulação da aprendizagem utilizados por estagiários de Educação Física a partir da utilização da técnica de estimulação da recordação. No planejamento, estabeleceram-se objetivos com vistas a organizar a sequência das aulas de acordo com as necessidades da turma, investindo no controle das ações durante a aula e no pedido de ajuda. A elaboração de um planejamento anterior à aula pode colaborar para o alcance dos objetivos traçados, uma vez que auxilia no controle e na avaliação das ações empregadas no decorrer das atividades oferecidas aos alunos. Constatou-se, a partir da estimulação da recordação, que os estagiários demonstraram ter conhecimento da importância do planejamento das aulas para a eficácia da aprendizagem de seus alunos, o que desenvolveu significativamente a autonomia dos estagiários. Esse procedimento facultou a reflexão metacognitiva do estagiário face ao seu desempenho e permitiu a tomada de consciência acerca dos processos de resolução de tarefas e dos percursos de aprendizagem.

Desse modo, o desenvolvimento futuro de intervenções eficazes na promoção de comportamentos autorregulatórios, por meio da estimulação da recordação, pode trazer uma maior compreensão sobre os processos a adotar, conduzindo a uma mudança sustentada dos comportamentos.

Colaboradores

L.M.B. FRISON colaborou na concepção e desenho, análise e interpretação dos dados, revisão e aprovação da versão final do artigo. L.T.G. AVILA colaborou na concepção e desenho, análise e interpretação dos dados, revisão e aprovação da versão final do artigo. A.M. VEIGA SIMÃO colaborou na concepção e desenho, análise e interpretação dos dados, revisão e aprovação da versão final do artigo.

Agradecimento

À Janete Silva, doutoranda da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, Portugal, pela contribuição na validação dos resultados da pesquisa.

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Como citar este artigo/How to cite this article

5 O EJ solicitava ajuda a um colega de turma que estagiava na mesma escola que ele, porém em outra turma.
Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo nº 408140/2017-8), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Processo nº 99999.010731/2014-08) e L.M.B. FRISON é Pq-2 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo n° 310075/2017-3).
Frison, L.M.B.; Avila, L.T.G.; Veiga Simão, A.M. Estimulação da recordação e autorregulação da aprendizagem no estágio docente. Revista de Educação PUC-Campinas, v.23, n.3, p.349-363, 2018. http://dx.doi.org/10.24220/2318-0870v23n3a4095

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