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UMA APLICAÇÃO DA HEURÍSTICA DA ANCORAGEM E AJUSTAMENTO CONSIDERANDO DIFERENTES ESTRATOS SOCIOECONÔMICOS NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA-CE
AN APPLICATION OF ANCHORING AND ADJUSTMENT HEURISTIC CONSIDERING DIFFERENT SOCIOECONOMIC STRATIFICATION OF AGENTS IN THE MUNICIPALITY OF FORTALEZA-CE
UMA APLICAÇÃO DA HEURÍSTICA DA ANCORAGEM E AJUSTAMENTO CONSIDERANDO DIFERENTES ESTRATOS SOCIOECONÔMICOS NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA-CE
ESTUDIOS ECONÓMICOS, vol. XXXVIII, núm. 76, pp. 123-145, 2021
Universidad Nacional del Sur

Recepção: 13 Abril 2020
Aprovação: 29 Junho 2020
Resumo: A Economia Comportamental avança como alternativa à abordagem mainstream econômica, pressupondo que a racionalidade limitada dos agentes os conduz a regras simplificadoras na tomada de decisão, as heurísticas. O objetivo deste trabalho foi analisar os efeitos da heurística da ancoragem e ajustamento em estimativas numéricas de itens de consumo entre os estratos socioeconômicos de indivíduos fortalezenses. Para tanto, realizou-se uma pesquisa empírica com análise posterior nos moldes estatísticos propostos por Jacowitz e Kahneman. Os resultados indicaram uma grande influência do efeito ancoragem nas decisões desses agentes. O Estrato Baixo foi mais influenciado pelas âncoras que o Médio, que sofreu maior influência que o Alto. Concluiu-se que a estratificação socioeconômica afetou as estimativas numéricas dos indivíduos no ambiente de consumo.
Palavras-chave: heurística da ancoragem e ajustamento, estratificação socioeconômica, comportamento do consumidor.
Abstract: The Behavioral Economics advances as an alternative to the mainstream economic approach, putting pressure on the agents’ limited rationality or leading the simplifying rules in decision making, as heuristics. The objective of this paper was to analyze the effects of anchoring and adjustment heuristics in the numbers of consumption items among socioeconomic strata of fortalezenses people. To this end, it carried out an empirical research with subsequent analysis in the statistical molds proposed by Jacowitz and Kahneman. The results indicate a great influence of the effect anchored in the decisions of these agents. The Lower Stratum was more influenced by the anchors of the Middle, which suffered greater influence from the Upper. It was concluded that socioeconomic stratification affected how numerical environments can be detected in consumption.
Keywords: anchoring and adjustment heuristic, socioeconomic stratification, consumer behavior.
INTRODUÇÃO
A corrente econômica neoclássica idealizou, na década de 1930, uma modelagem matemática comportamental dos indivíduos que ficou consagrada pela figura do homo economicus: indivíduos com comportamento padrão, racionalidade substantiva, perfeita cognição e isentos de influências históricas ou sociais (Luz & Fracalanza, 2013). Essas ideias foram contestadas empiricamente por Kahneman e Tversky, os quais evidenciaram que variáveis psicológicas influenciam comportamentos distantes do ótimo decisório (Thaler, 2018).
Novas interpretações de modelos de julgamento e de tomada de decisão tiveram como um de seus pioneiros Herbert Simon (1955), autor defensor de que, devido à limitação do processamento das informações, os agentes simplificam o processo decisório através de regras de bolso, chamadas de heurísticas (Thaler, 2018). Seus estudos serviram de base para pesquisas posteriores que conduziram o nascimento da área da Economia Comportamental (EC).
Tversky e Kahneman (1974) produziram um estudo que complementa a abordagem de Simon (1955) e avança na identificação de três heurísticas principais: heurística da representatividade, da disponibilidade e da ancoragem e ajustamento. A despeito dessa última, os autores explicam que seus efeitos derivam de situações em que os indivíduos precisam estimar um valor a partir de um ponto inicial (uma âncora), e independentemente de como foi estipulada a âncora, os ajustamentos que dela decorrem são geralmente insuficientes.
Este trabalho procura contribuir nessa temática através de um procedimento empírico, considerando a hipótese de que a estratificação socioeconômica dos indivíduos afeta as estimativas numéricas por meio da heurística de ancoragem e ajustamento. O objetivo principal é analisar os efeitos de tal heurística nas estimativas numéricas relacionadas a diversos itens de consumo em indivíduos fortalezenses pertencentes aos diferentes estratos socioeconômicos.
I. REFERENCIAL TEÓRICO
A racionalidade substantiva está estritamente ligada à ênfase de que o indivíduo maximiza o seu comportamento. Contudo, a realidade do comportamento humano tem demonstrado outras evidências (Tronco, 2019). Simon (1955), um economista expoente dessa crítica, entendia que a complexidade do mundo real, a qual comporta infinitas relações sociais e inúmeras restrições cognitivas dos indivíduos, faz com que os agentes construam modelos mentais simplificados. Na presença de múltiplas possibilidades, a busca dos indivíduos se torna seletiva. Assim, ele será guiado por regras práticas, operações mentais simples que facilitam a tomada de decisão, as quais ele denominou heurísticas (Simon, 1990).
A abordagem da racionalidade limitada de Simon e os trabalhos resultantes dela, como os de Kahneman e Tversky1, foram cruciais para o avanço de um novo campo de pesquisas intitulado Economia Comportamental (EC): “o estudo das influências cognitivas, sociais e emocionais observadas sobre o comportamento econômico das pessoas” (Samson, 2015, p. 26).
Segundo Kahneman (2012), um dos principais avanços no entendimento da mente humana esclarece que os indivíduos possuem duplo processamento: um rápido, com respostas mais automáticas e que utiliza menor energia mental, denominado de Sistema 1; e outro mais lento, com operações deliberadamente controladas, porém, menos usado nas decisões, chamado de Sistema 2.
Evidenciou-se que frequentemente as pessoas usam os recursos cognitivos automáticos e distanciam-se do comportamento entendido como racional pela corrente mainstream. Esses desvios, segundo Kahneman e Tversky (1979), são “vieses”, ou erros comportamentais. Para Tversky e Kahneman, as heurísticas são estratégias simplificadoras que levam a respostas apropriadas, embora sejam frequentemente imperfeitas. Ou seja, o enfoque delas recai sobre o Sistema 1, enquanto Simon manteve uma relativa predileção pelo enfoque deliberado do Sistema 2 em suas pesquisas (SBICCA, 2014). Ao longo do tempo, as evidências demonstraram que os efeitos de âncoras aleatórias são efetivos em ambos os Sistemas.
Tversky e Kahneman (1974) propuseram a existência de três heurísticas: a heurística da representatividade, a da disponibilidade e a da ancoragem e ajustamento. Quanto à última mencionada, afirmaram que as estimativas pautadas na ancoragem ocorrem quando um valor inicial, uma âncora, é posta e os indivíduos, a partir disso, avaliam suas opções e decidem seus resultados potenciais. Esse mecanismo pode levar a estimativas tendenciosas, pois o valor posto como âncora pode ser completamente alheio ao resultado que se busca estimar. Ademais, os indivíduos realizam ajustes insuficientes tentando obter valores aproximados.
Os experimentos de Tversky e Kahneman (1974) acerca desse fenômeno seguem um modelo de dois estágios, que consiste em um julgamento comparativo seguido de um julgamento estimativo. Os respondentes devem indicar se o valor de algo que se deseja estimar é menor ou maior que um valor inicial arbitrário, e, em seguida, realizam uma estimativa absoluta da quantidade final. Os resultados indicam, em sua maioria, que a estimativa final sofre vieses que a empurram para o valor da âncora dada (Epley & Gilovich, 2005).
A eficácia do efeito ancoragem tornou-se, em certa medida, preocupante, pois:
Se o conteúdo de um irrelevante descanso de tela num computador pode afetar sua disposição de ajudar estranhos sem que você se dê conta disso, até onde vai sua liberdade? Efeitos de ancoragem são ameaçadores de maneira similar. Você sempre tem consciência da âncora e até presta atenção nela, mas não sabe como ela orienta e restringe seu pensamento, pois não pode imaginar como teria pensado se a âncora tivesse sido diferente (ou ausente) (Kahneman, 2012, p. 163).
O efeito da ancoragem tem mostrado grande eficiência, ao ponto de capturar leigos e especialistas no assunto em pauta (Tronco et al., 2019). Na pesquisa de Jacowitz e Kahneman (1995), os autores criaram um indexador de ancoragem para medir tal efeito, e a partir de então, outras aplicações foram estudadas e medidas através desse método.
II. METODOLOGIA
Visando atender ao objetivo deste estudo, realizou-se um experimento baseado no método proposto por Jacowitz e Kahneman (1995), elaboradores de um Índice de Ancoragem (IA) que requer três grupos de pessoas de uma mesma população: um grupo de calibragem e outros dois de estimação. O grupo de calibragem, livre da influência de âncoras, é responsável por fornecer um conjunto de quantidades incertas e, em seguida, indicar de 0 a 10 o nível de confiança que possui na sua estimativa realizada, onde 0 representa nenhuma confiança e 10, total confiança nessa estimativa.
Posteriormente, os outros dois grupos de estimação são apresentados a uma âncora, sob a qual fazem um julgamento e, em seguida, apresentam suas estimativas. As âncoras expostas a esses dois grupos são fornecidas através da posição na distribuição de estimativas do grupo de calibragem: a âncora baixa fixa-se no 15º percentil, e a alta fixa-se no 85º percentil da distribuição de estimativas. Um grupo faz suas estimativas baseado na âncora baixa e o outro na âncora alta, e, em seguida, apontam o seu grau de confiança nessa estimativa (de 0 a 10). Tal método poderá ser melhor entendido nos exemplos adiante.
Esse índice tem a finalidade de analisar descritivamente o efeito de ancoragem. Ele é capaz de mensurar o movimento da estimativa mediana dos sujeitos ancorados em direção à âncora à qual foram expostos. Seus valores variam entre 0 e 1, onde 0 representa nenhum efeito de ancoragem e 1 significa que a estimativa mediana dos sujeitos coincide com a âncora a eles exposta. Valores maiores que 1 também são possíveis (Jacowitz; Kahneman, 1995). O IA para estimação de problemas particulares é definido conforme na Equação (1)2:
(1)Os autores indicam que um IA também pode ser definido para cada âncora separadamente. O IA para âncoras baixas e o IA para âncoras altas podem ser computados conforme as Equações (2) e (3):
(2)
(3)II.1. Estruturação do instrumento de pesquisa
O questionário3 base desse estudo foi composto por seis perguntas sobre bens e serviços comuns à realidade brasileira. Sua estruturação pode ser vista conforme o exemplo a seguir:
Grupo de Calibragem
TV 28 POLEGADAS LED
Qual sua melhor estimativa para o preço desta TV? _____________
Indique em uma escala de 0 a 10 qual o seu nível de confiança na estimativa realizada:
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Grupo – Âncora Baixa
TV 28 POLEGADAS LED
Você considera que o preço desta TV é maior ou menor que R$ X? _____________
Qual sua melhor estimativa para o preço desta TV? ___________
Indique em uma escala de 0 a 10 qual o seu nível de confiança na estimativa realizada:
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Grupo – Âncora Alta
TV 28 POLEGADAS LED
Você considera que o preço desta TV é maior ou menor que R$ Y? _____________
Qual sua melhor estimativa para o preço desta TV? ___________
Indique em uma escala de 0 a 10 qual o seu nível de confiança na estimativa realizada:
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
As seis perguntas estruturadas para esse questionário foram, respectivamente:
A escolha das seis variáveis (três produtos e três serviços) pautou-se no estudo de Kamakura e Mazzon (2013)4 e de Luppe (2010). O Quadro 1 apresenta o coeficiente de Gini para as categorias que compõem os seis itens de consumo escolhidos.

Categorias como “gasto com cereais, farinhas, óleos e gorduras” e “aquisição de eletrodomésticos”, demonstram ser consumidas de maneira relativamente similar entre todas as classes (Coeficientes de Gini iguais a 0 e 0.39, respectivamente). Portanto, a escolha pelos dois primeiros itens (arroz e TV) pautou-se nessa característica.
Do terceiro ao sexto item (carro automático, viagem para a Europa, consumo de saúde privada e consumo de educação privada, respectivamente), apresentam-se elementos de consumo mais comuns apenas aos estratos mais altos. Os coeficientes de Gini para “aquisição de veículos” (0.69), “viagens esporádicas” (0.62), “plano/seguro-saúde” (0.75) e “educação” (0.70) foram todos acima de 0.50, ou seja, são itens de consumo com concentração mais forte em estratos mais elevados.
II.2. Amostra e tratamento dos dados
O universo desta pesquisa é formado por indivíduos habitantes de Fortaleza, com amostra composta por 300 respondentes5 (100 do grupo de calibragem, 100 do grupo de âncora alta e 100 do grupo de âncora baixa), pertencentes aos estratos socioeconômicos baixo, médio e alto6. A coleta dos dados ocorreu no centro da cidade no ano de 2018.
Seguindo o método de Jacowitz e Kahneman (1995), após serem recolhidos os 100 questionários referentes ao grupo de calibragem, realizaram-se os procedimentos estatísticos nas estimativas das seis questões, presentes no Quadro 2. As âncoras baixa e alta, representadas pelo 15º e o 85º percentil, respectivamente, foram incorporadas aos questionários dos grupos experimentais e seguiu-se com a aplicação desse instrumento de pesquisa aos outros 200 indivíduos.

Posteriormente, puderam ser realizadas as análises dos Índices de Ancoragem: Geral (IA), de Âncora Baixa (IAB) e de Âncora Alta (IAA), calculados conforme as Equações (1), (2) e (3), mostradas anteriormente, para os grupos experimentais. Também foi possível a aplicação de outros procedimentos de análises estatísticas mais detalhadas, propostas também por Jacowitz e Kahneman (1995), para investigar os efeitos da heurística da ancoragem e a confiança dos respondentes.
III. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Os resultados iniciais concentram-se na análise do Índice de Ancoragem Geral (IAG), Índice de Ancoragem Baixa (IAB) e Índice de Ancoragem Alta (IAA) para os 200 indivíduos pertencentes aos grupos experimentais e para cada estrato socioeconômico separadamente: Estrato Baixo (EB), Estrato Médio (EM) e Estrato Alto (EA) dos agentes fortalezenses (Quadro 3).
Os efeitos da ancoragem foram grandes. A média do IAG para a população agregada foi de 0,51, isso representa que as medianas das estimativas dos grupos ancorados moveram-se mais de 50% em direção à âncora exposta. Esse resultado aproxima-se do encontrado por Jacowitz e Kahneman (1995), que foi de 0,49. Conforme detalhado anteriormente, essa análise se refere ao indicador criado por Jacowitz e Kahneman (1995), exposto nas Equações (1), (2) e (3).
Quanto à análise desagregada por estratos socioeconômicos, a média dos índices demonstram uma grande diferença dos efeitos de ancoragem entre eles, sobretudo ao se comparar o EB (0,64) com o EA (0,40), enquanto o EM alcançou o IAG de 0,42. Essa análise revela que o estrato inferior sofreu um maior efeito das âncoras que os estratos superiores.
Esse é o resultado do estudo de Chauvel e Mattos (2008), que identifica que os indivíduos de classes socioeconômicas inferiores possuem racionalidades que os conduzem a comportamentos de consumo distintos. Eles se consideram “experts” em preços e na boa alocação dos seus recursos em uma cesta ótima de bens, mas, na verdade, são afetados por diversos fatores além do preço e da restrição monetária, e acabam optando por produtos e lojas mais caros. No exemplo desse estudo, as pessoas do EB foram visivelmente mais afetadas.
Enquanto isso, a menor média de IAG obtida pelo EA corrobora com o esperado, pois todos os itens expostos são frequentes na cesta de consumo desses indivíduos. Quanto ao EM, a média de seu IAG ficou bem mais próxima do estrato socioeconômico superior. Esse resultado de caráter diferenciado deriva, em partes, de sua composição, que agrega indivíduos das classes socioeconômicas B2 e C1. Geralmente, quando se estuda esse estrato, os autores7 chamam de Classe Média a união das classes C. Portanto, manter muitos respondentes da classe B2 nesse estrato pode ter gerado influência em seu IAG, aproximando-o ao do EA.
A análise desagregada por itens (Figura 1) demonstra que aqueles que são comuns na cesta de consumo de todos os estratos apresentaram IAG mais baixos, como é o caso do Arroz e da TV LED. Conforme aumenta a desigualdade de consumo do bem ou serviço exposto, aumentaram também os índices, e ficaram mais discrepantes quando comparados entre os estratos socioeconômicos. Destacam-se, nesse quesito, as estimativas relacionadas à TV LED e à Viagem à Europa, o primeiro produto apresentou índices visivelmente baixos e próximos entre os três estratos, enquanto o segundo item exibiu os maiores índices.


Apesar de o IA, proposto por Jacowitz e Kahneman (1995), constituir-se de uma ferramenta bastante útil em termos estatísticos descritivos por fornecer uma mensuração facilmente interpretável dos efeitos de ancoragem, os autores indicam que ele pode ser complementado por outras medidas mais detalhadas, como, por exemplo, pela correlação ponto-bisseral8.
Essa correlação é capaz de detectar se os sujeitos foram influenciados pela primeira pergunta de cada questão, que procura saber se o valor a ser estimado é MAIOR ou MENOR que a âncora exposta. Para essa análise, agruparam-se os dados dos respondentes dos dois grupos ancorados, Âncora Alta (AA) e Âncora Baixa (AB), em seguida transformou-se a variável MAIOR/MENOR em uma binária, onde MAIOR=1 e MENOR=0. Como variável contínua, contabilizaram-se as estimativas realizadas posteriormente pelos respondentes.

Os resultados expostos no Quadro 4 mostram que a média das correlações das seis questões foram significativas, exceto para o EA9. Esse resultado reforça a influência das âncoras nas estimativas realizadas para os demais casos investigados (Jacowitz & Kahneman, 1995). Ademais, demonstra que os respondentes são influenciados pela pergunta comparativa inicial (MAIOR/MENOR), ou seja, a ancoragem não se restringe a experiências numéricas, podendo ser igualmente efetiva sem o processo posterior de ajustamento (Dorow et al., 2010).
A análise seguinte refere-se à comparação da efetividade das âncoras baixa e alta. A verificação anterior do Quadro 3 mostra que as AB exerceram maior influência nas estimativas que as altas em todos os casos dispostos, exceto para o EB. Para uma análise comparativa mais efetiva entre os dois conjuntos de âncoras, seguiu-se o método da padronização das estimativas dos grupos experimentais pelo valor das medianas do grupo de calibragem, que adota os seguintes critérios:
1) Quando a estimativa do grupo ancorado for igual à mediana do grupo de calibragem, ela será representada pelo escore transformado 50.
2) Caso essa estimativa esteja fora da faixa de estimativas do grupo de calibragem, será representada por 0, se for menor que o valor mínimo, ou por 100, se for maior que o valor máximo.
3) Caso essa estimativa esteja entre o valor máximo e o valor da mediana das questões do grupo de calibragem, deve ser transformada conforme a Equação 4:
(4)4) Caso essa estimativa esteja entre o valor da mediana e o valor mínimo das questões do grupo de calibragem, deve ser transformada conforme a Equação 5:
(5)As transformações aplicadas aos grupos experimentais possibilitaram a comparação dos efeitos das âncoras baixas e altas em suas respostas (Quadro 5). A análise é feita a partir do cálculo da distância, em módulo, entre o valor das medianas e 50. O maior resultado indicará qual grupo sofreu o maior efeito da âncora.
Em todos os casos investigados, os indivíduos fortalezenses foram mais fortemente influenciados pelas âncoras baixas. Esse resultado converge para o estudo de Luppe (2010). O autor acredita que a maior eficiência dessas âncoras pode estar relacionada com a plausibilidade de seus valores frente as âncoras altas.
A verificação estatística posterior, utilizada também pelos autores Jacowitz e Kahneman (1995) como complementação ao seu estudo, busca testar a diferença entre as duas condições experimentais (grupo de AA e grupo de AB). Para isso foi utilizado o teste t, que faz a comparação entre as médias das estimativas dos dois grupos ancorados. Para a análise geral e para os estratos socioeconômicos separadamente, o nível de significância estatística foi menor que 10% de significância10. Ou seja, estatisticamente, ambas as âncoras exercem influência sobre as estimativas dos grupos experimentais e, portanto, são ambas eficazes. Com destaque para o efeito do conjunto de AB, que se demonstrou significativamente maior que o das AA. Esse resultado difere do encontrado por Jacowitz e Kahneman (1995); entretanto, concorda com estudos nacionais, como ressaltado nas pesquisas de Luppe (2006) e Dorow et al. (2010).

Para finalizar, investigou-se a relação entre a ancoragem e o nível de confiança dos indivíduos em suas estimativas através de dois procedimentos. O primeiro calcula para cada grupo experimental a correlação entre as estimativas transformadas e o grau de confiança dos respondentes. Os estudos anteriores sugerem que quanto menor a confiança dos agentes em suas estimativas, maior o efeito das âncoras (Jacowitz & Kahneman, 1995; Luppe; Angelo, 2010; Dorow et al., 2010).
Nesse caso, o maior efeito da ancoragem em estimativas com baixa confiança ocorre quando a correlação é positiva para os respondentes da AB, e negativa para os respondentes da AA. O resultado no Quadro 6 mostrou que na maioria dos itens, de fato, as estimativas sofreram uma maior influência das âncoras quando os agentes apresentaram maior incerteza quanto aos preços e porcentagens perguntados.
Para os itens de AB, todos apresentaram a correlação estatística significativa. Entre os itens de âncora alta, a correlação apresentou sinal contrário apenas para Viagem Europa, mas, em média, também apresentaram a correlação indicada, exceto pelo EB. Para os indivíduos desse estrato, os mais afetados pelas âncoras nem sempre foram aqueles que indicaram baixa confiança nas suas estimativas.

O segundo procedimento adotado investigou se os respondentes muito confiantes (nível de confiança entre 8 e 10) estão imunes aos efeitos da ancoragem. Para isso, calculou-se novamente o IA Geral (Equação 6)11 apenas para as estimativas de cada questão que apresentaram esse perfil. Os resultados encontram-se no Quadro 712.
(6)

A média do IA para o Grupo não desagregado foi de 0.35, valor13 substancialmente inferior ao encontrado anteriormente (0.51). A análise de cada item de consumo evidencia um caráter ainda mais distinto desses índices. Para produtos comumente consumidos pela população em geral (Arroz e TV LED), os índices foram inferiores (0.08 e 0.00, respectivamente), demonstrando que quanto mais os respondentes tiveram confiança nas suas estimativas, menos foram influenciados pelo efeito das âncoras. Em contrapartida, os quatro últimos itens, consumidos majoritariamente por classes abastadas, foram altos, indicando que mesmo sendo confiantes em suas estimativas, os indivíduos ainda incorreram bastante nos efeitos das âncoras apresentadas.
A média dos IAs dos indivíduos altamente confiantes dos EB, EM e EA, foi de 0.42, 0.31 e 0.28 respectivamente. Esses valores também foram inferiores aos IAs encontrados anteriormente (0.64, 0.42 e 0.40) (Quadro 3). Desagregando por item, apesar de todos os índices dos indivíduos muito confiantes terem sido menores, o serviço de pacote de Viagem para Europa ainda apresentou números altos, revelando que, independentemente do estrato pertencente, até os agentes confiantes podem incorrer no efeito da ancoragem e ajustamento.
A comparação entre os três estratos socioeconômicos indica que os respondentes confiantes pertencentes ao Estrato Baixo sofreram maiores efeitos da ancoragem que os confiantes dos Estratos Médio e Alto. Essa característica revela que o estrato inferior é composto por uma parcela de agentes que se consideram altamente conhecedores das estimativas realizadas, mas que, ainda assim, caem nas armadilhas da ancoragem.
Ressalta-se, ainda, que a existência de altos IA referentes a consumidores excessivamente confiantes refletem a existência do viés da ancoragem na avaliação das distribuições de probabilidade subjetiva, que ocorre quando os indivíduos exibem uma confiança superior aos seus conhecimentos acerca do valor a ser estimado (Tversky; Kahneman, 1974).
CONCLUSÃO
O principal objetivo deste estudo foi analisar os efeitos da heurística de ancoragem e ajustamento nas estimativas numéricas relacionadas a diversos itens de consumo de indivíduos fortalezenses pertencentes aos diferentes estratos socioeconômicos. Para tanto, utilizou-se o Índice de Ancoragem proposto no estudo de Jacowitz e Kahneman e os demais procedimentos estatísticos indicados pelos mesmos autores.
Os resultados encontrados revelaram uma grande influência do efeito ancoragem nas decisões dos agentes fortalezenses, sobretudo das âncoras baixas, tanto na análise da população geral investigada, quanto nos estratos separadamente. Encontrou-se ainda, que itens consumidos frequentemente por todos os estratos socioeconômicos sofreram menor efeito das âncoras que aqueles produtos e serviços acessíveis apenas a estratos socioeconômicos superiores. Esses últimos apresentaram índices maiores no EB, intermediários no EM e menores no EA.
Em relação à confiança dos agentes em suas estimativas, a análise mostrou que quanto maior a incerteza dos respondentes no valor a ser estimado, maior foi a influência das âncoras em suas estimativas finais.
As análises executadas permitiram confirmar a hipótese principal de que a estratificação socioeconômica dos indivíduos afeta suas estimativas numéricas por meio da heurística de ancoragem e ajustamento. Constatou-se que o ambiente do consumo é sensível aos efeitos das âncoras e que a aplicação dessa heurística gera efeitos que vão além de experimentos laboratoriais ou com estudantes universitários. O estudo realizado com agentes fortalezenses revela que valores arbitrários geram atalhos mentais que influenciam a estimativa de pessoas comuns, mesmo aquelas que se consideram mais confiantes, resultado que vai ao encontro de estudos anteriores como de Northcraft e Neale (1987), Jacowitz e Kahneman (1995), Mussweiler e Stracker (1999), Luppe (2010) e Bezerra e Leone (2013).
Esses achados demonstram a importância de estudos econômicos comportamentais na formação de uma teoria de decisão robusta e condizente com a realidade da expressão do comportamento humano. Isso porque os indivíduos comuns seguem, frequentemente, atalhos cognitivos negligenciados pela Economia mainstream. Como ressalta Thaler (2018, p. 1285): “Embora nem toda aplicação da economia comportamental torne o mundo um lugar melhor, (...) dar à economia uma dimensão mais humana e criar teorias que se apliquem aos seres humanos, não apenas Econs, tornarão nossa disciplina mais forte, mais útil e, sem dúvida, mais precisa”.
Salienta-se que, por tratar-se de uma pesquisa com dados primários, o tamanho da amostra pode ser considerado um dos principais limitadores deste estudo, contudo não invalida os resultados encontrados.
REFERÊNCIAS
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Apêndice

Notas