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REGRA DO TETO DOS GASTOS PÚBLICOS (PEC 55/241) E SUSTENTABILIDADE DA DÍVIDA PÚBLICA NO BRASIL: ANÁLISE DE CENÁRIOS A PARTIR DE UM MODELO DSGE°
Áydano Ribeiro Leite; Cássio da Nóbrega Bessaria; André Luis Mota dos Santos;
Áydano Ribeiro Leite; Cássio da Nóbrega Bessaria; André Luis Mota dos Santos; Fernando Fernandes Neto
REGRA DO TETO DOS GASTOS PÚBLICOS (PEC 55/241) E SUSTENTABILIDADE DA DÍVIDA PÚBLICA NO BRASIL: ANÁLISE DE CENÁRIOS A PARTIR DE UM MODELO DSGE°
PUBLIC SPENDING CEILING RULE (PEC 55/241) AND PUBLIC DEBT SUSTAINABILITY IN BRAZIL: SCENARIO ANALYSIS FROM A DSGE MODEL
ESTUDIOS ECONÓMICOS, vol. XXXIX, núm. 79, pp. 219-247, 2022
Universidad Nacional del Sur
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Resumo: O propósito deste artigo é analisar, sob diferentes cenários, a trajetória da dívida pública com uma regra do teto dos gastos correntes do governo. Utilizou-se um modelo Dinâmico Estocástico de Equilíbrio Geral considerando dois cenários distintos, assumindo o cumprimento ou não da nova regra fiscal por parte do governo. No contexto em que o governo não cumpriu o teto, o resultado primário caiu de forma significativa, e a dívida pública cresceu persistentemente, mesmo diante dos choques positivos de produtividade e sobre os tributos. No cenário onde o governo cumpriu a regra do teto, a responsabilidade fiscal foi capaz de corrigir o desequilíbrio em suas contas, tanto diante do choque de produtividade, como também, frente aos choques fiscais sobre os tributos.

Palavras-chave: Trajetória da dívida, Regra fiscal, DSGE.

Abstract: The purpose of this article is to analyze, under different scenarios, the trajectory of the public debt with a government current expenditure ceiling rule. A Dynamic Stochastic General Equilibrium model was used considering two different scenarios, assuming compliance or not with the new fiscal rule by the government. In the context in which the government did not comply with the ceiling, the primary result dropped significantly and the public debt grew persistently, even in the face of positive shocks to productivity and taxes. In the scenario where the government complied with the ceiling rule, fiscal responsibility was able to correct the imbalance in its accounts, both in the face of the productivity shock and also in the face of fiscal shocks on taxes.

Keywords: Debt trajectory, Fiscal Rule, DSGE.

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Artículos

REGRA DO TETO DOS GASTOS PÚBLICOS (PEC 55/241) E SUSTENTABILIDADE DA DÍVIDA PÚBLICA NO BRASIL: ANÁLISE DE CENÁRIOS A PARTIR DE UM MODELO DSGE°

PUBLIC SPENDING CEILING RULE (PEC 55/241) AND PUBLIC DEBT SUSTAINABILITY IN BRAZIL: SCENARIO ANALYSIS FROM A DSGE MODEL

Áydano Ribeiro Leite
Universidade Regional do Cariri, Brasil
Cássio da Nóbrega Bessaria
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
André Luis Mota dos Santos
Universidade Federal da Baha, Brasil
Fernando Fernandes Neto
Universidade de São Paulo, Brasil
ESTUDIOS ECONÓMICOS, vol. XXXIX, núm. 79, pp. 219-247, 2022
Universidad Nacional del Sur

Recepción: 28 Junio 2021

Aprobación: 06 Diciembre 2021

INTRODUÇÃO

O atual debate associado à política macroeconômica no Brasil tem se concentrado, sobretudo, nas questões relacionadas à extensão do desequilíbrio fiscal. Neste contexto, a expansão da despesa primária do governo, que cresceu em média 5% a.a. entre 1997 e 2015, associada à reversão do resultado primário que passou a apresentar um déficit médio de, aproximadamente, 2.5% a.a. a partir do ano de 2014, são elementos que explicam o rápido crescimento da dívida pública entre os anos de 2013 e 2017. Neste período, a dívida do governo passou de 51.5% para 74.2%, o que motivou a definição de um conjunto de recomendações como forma de correção do problema que convergem à adoção de instrumentos fiscais baseados em regras.

Neste aspecto, no ano de 2016 foi aprovada a PEC (Projeto de Emenda Consitucional) 55/2411, estabelecendo um teto para os gastos públicos, como forma de corrigir a tendência de crescimento da dívida pública, cujo objetivo principal seria estabilizar a relação Dívida/PIB. A nova regra fiscal passa a determinar limites ao crescimento dos gastos correntes reais do governo, corrigido pela taxa de inflação do período anterior. Como a regra está prevista para vigorar por vinte anos, podendo sofrer alterações a partir do décimo ano, a meta do governo será atingir neste mesmo período uma redução de 4 % a 5% dos gastos primários em proporção ao PIB, a fim de consolidar o ajuste fiscal pretendido.

Diante deste contexto, surge uma série de estudos que procuraram analisar os efeitos da adoção de regras fiscais alternativas no Brasil, investigando os impactos destas sobre a dinâmica da economia brasileira. Entre estes, podem-se destacar as contribuições de Cavalcanti e Vereda (2014), Santos, Souza Júnior e Almeida (2017), Saraiva et al. (2017) e Jesus et al. (2020).

O trabalho de Souza Júnior, Santos e Almeida (2017) procurou investigar regras fiscais alternativas com diferentes instrumentos de ajustes nos gastos e seus efeitos sobre a economia brasileira. O autor estruturou um modelo DSGE incluindo o capital governamental e um choque de risco sobre os títulos da dívida pública. Três simulações foram efetuadas no modelo, assumindo diferentes regras de política fiscal divididas da seguinte maneira: (1) Regra para superávit primário; (2) Regra para os gastos primários como proporção do PIB e (3) Regra para os gastos primários fixos, similar à regra do teto conforme a EC 55/2412. As evidências encontradas indicam que esta última exerce um efeito positivo na estabilização do produto da economia e no nível de consumo agregado.

Na mesma direção, Saraiva et al. (2017), analisou, em um modelo DSGE calibrado para a economia brasileira, os efeitos da EC 55/241 sobre os níveis de bem-estar utilizando diferentes cenários. Os resultados apontam que, em um cenário de estagnação do produto, os ganhos de bem-estar em função da regra do teto são pouco significantes. No entanto, assumindo que haja uma alteração na regra que permita a sua flexibilização em direção aos investimentos públicos, os ganhos de bem-estar seriam superiores em comparação aos demais cenários avaliados.

Cavalcanti e Vereda (2014) estruturaram um modelo DSGE calibrado para a economia brasileira, com o objetivo de identificar os impactos de choques monetários sobre a economia, quando esta funciona sob regras fiscais. Os resultados mostraram que a direção dos efeitos foi distinta em função do tipo de regra considerada nas simulações. Por exemplo, em uma regra fiscal onde o ajuste recaiu sobre a redução do investimento público, o esforço para estabilizar o nível de endividamento do governo foi acompanhado por uma maior queda do produto da economia. A intuição teórica por trás do modelo parte da hipótese de que um choque monetário com elevações da taxa de juro aumenta o custo da dívida, o que exige um ajuste maior a fim de estabilizar a dívida pública ao longo do tempo.

Com o intuito de investigar os efeitos de um choque de política monetária em um contexto de restrição fiscal da economia brasileira, Jesus et al. (2020), estimaram três modelos DSGE’s, sendo um baseline sem nenhuma restrição fiscal e os demais incorporam alguma regra de política fiscal. No primeiro destes modelos, os autores consideraram uma regra baseada na Emenda Constitucional 95/2016 (EC 55), enquanto no outro, impuseram uma regra de política fiscal alternativa mais austera. Comparando o modelo que inclui a EC/55 com o modelo básico, os resultados sugerem que as respostas das variáveis ao choque monetário não foram estatisticamente distintas. Contudo, ao se comparar o modelo com a regra de política mais rígida em relação ao modelo baseline, observam-se respostas estatisticamente diferentes das variáveis ao mesmo tipo de choque. Por exemplo, no modelo com regra fiscal mais rígida, a resposta da dívida pública ao choque monetário foi significativamente menor. Por outro lado, no modelo que segue a regra baseada na EC 55, o nível de bem-estar das unidades familiares foi superior em comparação ao modelo com a regra alternativa mais austera.

Este artigo busca responder a seguinte questão: a regra do teto dos gastos públicos pode impactar e estabilizar a dívida do governo ao longo do tempo? Portanto, buscou-se responder tal questionamento a partir da adaptação dos modelos propostos por De Resende e Rebei (2008) e Ornellas (2011). Estes autores consideraram em seus modelos uma regra de política fiscal de longo prazo, em que o valor presente dos superávits primários seria ajustado em todos os períodos no montante necessário, a fim de financiar uma fração constateda dívida do governo. Com base nisso, temos que a principal contribuição deste trabalho está no fato de ser incorporada uma regra de política fiscal para o teto dos gastos públicos, com base na PEC 55/241, conjugados a um problema de otimização intertemporal para o governo condicionado à regra fiscal.

Esses novos componentes irão permitir a análise da trajetória do nível de endividamento do governo, sob diferentes cenários fiscais, associando a regra do teto dos gastos públicos aos choques exógenos de produtividade e tributários. Essa discussão será desenvolvida a partir de um modelo Dinâmico Estocástico de Equilíbrio Geral (DSGE), envolvendo o método de calibração paramétrica, teste de aderência do modelo e a análise do comportamento das funções de resposta ao impulso, em dois cenários distintos: (1) governo cumpre a regra do teto; (2) autoridade fiscal não cumpre a regra do teto dos gastos públicos.

Em linhas gerais, os resultados mostraram que os efeitos dos choques são distintos em função do comportamento do governo em relação à regra do teto. Considerando os choques de produtividade e dos tributos, no cenário em que o governo cumpre o teto dos gastos, o superávit primário cresce e a dívida pública cai de forma persistente, principalmente para o choque de produtividade. Por outro lado, ao não cumprir a regra fiscal, a dinâmica das variáveis se inverte. Da mesma forma, para os choques de produtividade e sobre os tributos, o resultado primário cai e, consequentemente, a dívida cresce, mas retorna ao estado estacionário no final do período considerado.

Além dessa introdução, o artigo apresenta outras três seções. A Seção 1 apresenta a descrição e estrutura do modelo teórico. Na Seção 2, tem-se a análise dos resultados distribuídos na calibração, teste de aderência do modelo e as funções de respostas ao impulso para cada choque. Por fim, a Seção 3 trata das principais conclusões.

I. MODELO TEÓRICO

A estrutura do modelo considera uma economia fechada composta pelos seguintes setores: família representativa, firmas e o governo. O objetivo da família representativa é maximizar uma função de utilidade sujeita a sua restrição orçamentária, considerando o consumo, o estoque de moeda e as horas trabalhadas como variáveis de escolha. Ademais, ofertam trabalho e capital as firmas em troca de suas respectivas remunerações, além de receberem dividendos e adquirirem títulos da dívida pública que são remunerados à taxa de juros da economia. Do lado das firmas, estas estão distribuídas entre produtoras de bens finais, em um mercado de concorrência perfeita, e de bens intermediários, em um mercado de competição imperfeita. Por fim, o governo segue uma regra de política fiscal de longo prazo, além de otimizar uma função utilidade restrita a uma regra de um teto para seus gastos.

I.1.Famílias

O problema de otimização do consumidor representativo envolve a maximização da utilidade intertemporal escolhendo o nível de consumo ct, a demanda por encaixes reais e as horas trabalhadas ht. O parâmetro é o fator de desconto intertemporal, que permite a avaliação da utilidade gerada pelo consumo presente em relação ao consumo futuro. Associado ao estoque real de moeda, o parâmetro , expressa a elasticidade da demanda por moeda, enquanto mede a elasticidade da oferta de trabalho. Portanto, a função utilidade da família representativa segue a seguinte estrutura:

(1)

Sujeito à restrição orçamentária:

(2)

Na restrição (2), é a taxa de imposto incidente sobre o consumo, representa o tributo sobre a renda do capital, e o tributo sobre a renda do trabalho é dado por . A taxa de inflação bruta da economia é definida por e a parcela nominal de títulos do governo é representada por bt, sendo a taxa nominal de juros da economia que remunera estes títulos dada por it-1 . Quanto à renda destinada aos fatores de produção, rt mede a rentabilidade do estoque de capital kte wté o salário real que remunera as horas trabalhadas. Ademais, como as famílias são proprietárias das firmas, estas têm direito a receber os dividendos reais . Ainda em relação à restrição, introduziu-se o custo de ajustamento3 convexo CACt = para o estoque de capital, onde. Nesta função, o estoque de capital se deprecia a uma taxa e xt representa o nível de investimento na economia.

I.2.Firmas
Firmas de bens finais

Seguindo a mesma estrutura definida por De Resende e Rebei (2008), o modelo assume dois tipos de firmas. A primeira se refere a uma firma representativa de bens finais, que agrega bens intermediários para produzir em um mercado perfeitamente competitivo4 um único bem homogêneo . O segundo é formado por um contínuo de firmas indexadas por que produzem bens intermediários diferenciados em um mercado de concorrência monopolística.

Utilizando a agregação padrão de Dixit e Stiglitz (1997), com elasticidade de substituição constante entre os diferentes bens e , as firmas que produzem bens finais combinam bens intermediários de acordo com a seguinte função de produção:

(3)

Dados os preços nominais dos bens finais e intermediários que são, respectivamente, pt e pj,t, o problema de maximização de lucro da firma que produzem o bem final pode ser representado por:

(4)

Resolvendo o problema da firma sujeita à função de produção (3), chega-se à seguinte condição de primeira ordem:

(5)

A expressão (5) representa a demanda por bens intermediários diferenciados. Substituindo-a na função de produção (3), o preço do bem final é determinado pela regra de precificação:

(6)

Firmas de bens intermediários

A fim de produzir o bem intermediário j, a firma combina unidades dos insumos capital e trabalho. Assim, assumindo a hipótese de que o mercado de fatores seja competitivo, a função de produção do tipo Cobb-Douglas da firma que produz bens intermediários é dada por:

(7)

Em que, é o estoque de capital utilizado pela firma, enquanto os serviços obtidos de mão-de-obra são dados por hj,t. O parâmetro representa a parcela ou elasticidade do capital em relação ao produto. Ainda quanto à expressão (7), o choque de produtividade segue um processo autor regressivo AR(1), sendo, com .

Seguindo a regra definida no modelo de De Resende e Rebei (2008), foi introduzida uma rigidez nominal de preço a la Calvo (1983). Neste caso, sempre que for permitido, a firma otimiza o preço do bem no momento t a fim de maximizar a soma descontada dos dividendos futuros, em que o problema de maximização de lucro é definido da seguinte forma:

(8)

Onde é um fator de desconto estocástico para a avaliação dos lucros por parte das famílias no instante t, enquanto reflete a probabilidade de que o preço ajustado em t0 continue em vigor no instante t.

Sujeito à função de produção (7), além das seguintes funções:

(9)

(10)

No problema de maximização (8), o termo é o fator de desconto estocástico para a avaliação dos lucros por parte das famílias no instante t.

I.3.Governo

Além da consideração de uma regra de política fiscal de longo prazo baseada em De Resende e Rebei (2008), o modelo incorpora uma regra fiscal para o teto dos gastos primários na restrição de recursos intertemporais do governo, que pode ser expressa da seguinte maneira:

(11)

Como se pode observar pela restrição, o termo é a equação da regra para o teto dos gastos primários, considerando que o crescimento do gasto corrente do governo no tempo t depende da taxa de inflação em t - 1. Por outro lado, é a despesa financeira com os juros sobre a dívida, enquanto ( B t B t 1 ) p t e ( M t m t 1 ) p t são as respectivas receitas decorrentes da colocação dos títulos públicos e da emissão monetária entre dois períodos.

Assim, considerando os gastos primários do governo gt e excluindo da restrição as despesas com os juros da dívida e as receitas financeiras, o superávit primário e a senhoriagem no momento t, podem ser assim definidos:

(12)

(13)

Por outro lado, avaliando a dinâmica da dívida em sucessivos períodos de tempo, o nível de endividamento público segue a seguinte estrutura:

(14)

Sendo gt- Tt o superávit primário e iia taxa de juros da economia. Como a autoridade fiscal segue uma regra de política para o teto dos gastos e persegue uma meta para o superávit primário em todos os infinitos períodos, a função utilidade intertemporal do governo pode ser assim representada:

(15)

Em que representa o fator de desconto intertemporal em que o governo avalia a utilidade dos seus gastos no presente em relação aos gastos no futuro. Na função utilidade, a expressão representa os gastos primários condicionados à regra do teto, onde é o parâmetro que mede a reação do governo quanto ao cumprimento do teto dos gastos. De acordo com Alper et al. (2006), a utilização de uma função utilidade deste tipo parte da premissa de que o governo seja regido por um comportamento racional, ligado às decisões de ordem política e econômica ao avaliar os custos e benefícios de suas ações.

No entanto, assumindo a hipótese de que governo buscará gastar o máximo que puder dada a regra do teto dos gastos, tem-se a seguinte restrição de convexidade no problema de otimização:

(16)

Definida a restrição (16), o problema de otimização intertemporal do governo em relação aos gastos pode ser representado pelo seguinte lagrangeano:

(17)

Onde é o multiplicador de lagrange. Portanto, resolvendo o problema em relação à gt-1, tem-se:

(18)

Pela relação (18), percebe-se a existência de um trade-off para o governo entre expandir os gastos com o objetivo de estimular a economia e os possíveis efeitos adversos do gasto sobre o comportamento das variáveis fiscais. Derivando o mesmo problema em relação a , segue-se a seguinte sequência:

(19)

Portanto, definido o problema do governo a partir da condição (19), algumas considerações podem ser feitas. Por exemplo, pela função utilidade (15), quando , a solução gerada é a própria função do teto dos gastos, sendo este o valor do parâmetro que maximiza a utilidade e a trajetória da economia na ausência de choques exógenos.

Conhecida a restrição orçamentária do governo, os tributos sobre o consumo, a renda do capital e a renda do trabalho, respectivamente, , e seguem um processo estocástico AR(1), dado pela razão entre o logaritmo delas em relação aos seus valores estacionários, definidos por:

(20)

(21)

(22)

Dentro desta dinâmica, resolvendo a restrição orçamentária do governo e combinando a uma condição No-Ponzi5, onde: , chega-se ao valor presente da restrição orçamentária intertemporal do governo:

(23)

Onde é um fator de desconto n períodos à frente.

Ao seguir uma regra de política fiscal de longo prazo, dado um nível inicial de dívida B mais uma sequência de preços , a política fiscal em pode ser estabelecida pela sequência , para todo , onde:

(24)

Na regra de política (24), onde Xt é a parcela do endividamento do governo lastreado pelos superávits primários, o valor presente destes é ajustado em todos os períodos no montante necessário para financiar uma fração constate da dívida do governo. Como a restrição orçamentária intertemporal do governo deve ser respeitada, tem-se que:

(25)

Assim, na função (25), em que é a parte das receitas de senhoriagem que financia o nível da dívida do governo, então representa a parcela da dívida que será suportada pelo valor presente descontado das receitas de senhoriagem.

Por fim, o equilíbrio competitivo simétrico do modelo resulta na seguinte identidade:

(26)

II. ANÁLISE DOS RESULTADOS
II.1. Calibração dos parâmetros estruturais

Neste trabalho optou-se pela estratégia empírica de calibração dos parâmetros, de acordo com os valores estimados e consolidados na literatura. Quanto a este procedimento e a metodologia adotada, de acordo com Cavalcanti e Vereda (2014), embora se reconheça suas limitações, o modelo com parâmetros calibrados torna-se útil à investigação e simulação de políticas macroeconômicas em um ambiente com as características da economia brasileira, frente aos diversos choques estocásticos aos quais ela está sujeita. Por outro lado, a depender da complexidade da estrutura do modelo, isto poderá dificultar a estimação e interpretação dos parâmetros estruturais, o que representa uma vantagem em relação aos modelos estimados. Portanto, quando se levam em consideração os avanços metodológicos desta agenda de pesquisa, uma outra abordagem empírica atualmente bastante utilizada se refere à estimação dos parâmetros estruturais a partir de técnicas Bayesianas. Contudo, segundo Lancaster (2004), o grau de subjetividade em que se baseia a inferência Bayesiana abre espaço às críticas, na medida em que o evento tratado possa ser mais ou menos provável. Neste caso, as probabilidades captam as crenças sobre determinado evento, e os parâmetros são variáveis aleatórias com respectivas distribuições de probabilidades.

Neste sentido, adotou-se, como principais referências para a escolha dos valores dos parâmetros, o modelo SAMBA6 desenvolvido por Castro et al. (2015), além dos trabalhos de De Resende e Rebei (2008) e Ornellas (2011). Entre os parâmetros calibrados e dispostos nas Tabelas 1 e 2, o fator de desconto intertemporal apresenta um valor ligeiramente inferior a 17, a fim de refletir uma taxa de juros da economia de aproximadamente 8.35% a.a., para uma meta de inflação de 4.5% a.a.

Tabela 1.
Valores Calibrados dos Parâmetros

Fonte: Elaboração própria, 2020

O parâmetro que expressa a proporção da renda do capital em comparação à renda agregada da economia, teve seu valor calibrado de acordo com Castro et al. (2015). Ademais, o parâmetro para a taxa de depreciação do capital foi calibrado em 0.015 ao trimestre, se aproximando das estimativas nos trabalhos de Bonelli e Fonseca (1998), Carvalho (2006) e Fernandes Neto (2014). Por outro lado, o parâmetro que representa o custo de ajustamento do capital teve seu valor calibrado a 6.59, seguindo as estimações de Ornellas (2011). Tal valor se aproxima dos estimados por Smets e Wouters (2003) e Christoffel et al. (2008), cujos respectivos valores foram de 5.8 e 5.9.

O parâmetro de rigidez de Calvo assumido foi de 0.74, o que impõe uma probabilidade de ajustamento de preços de 0.26. Este valor converge às estimativas encontradas por Valli e Carvalho (2009) ao nível de 0.73 e aos valores geralmente adotados pela literatura internacional, como nos trabalhos Smets e Woulters (2003) e Galí et al. (2007).

Os parâmetros de persistência relacionados aos choques exógenos como, por exemplo, a persistência do choque de produtividade8, foram calibrados de acordo com a estimativa de Castro et al. (2015) para o Brasil. Contudo, para os parâmetros de persistência dos choques nos tributos, utilizaram-se as médias estimadas por De Resende e Rebei (2008).

Por fim, podem-se destacar dois parâmetros mais importantes associados às regras de política fiscal explícita no modelo. O primeiro se refere ao , que implicitamente representa a coordenação entre as políticas fiscal e monetária. Este parâmetro foi fixado em 0.93 de acordo com o valor estimado por Ornellas (2011), refletindo a eficiência da política monetária em relação ao cumprimento de uma meta de inflação. Por outro lado, o parâmetro associado à regra fiscal do teto dos gastos do governo, foi calibrado conforme o desejo da autoridade fiscal em cumprir a regra do teto dos gastos. Assim, dado que a regra é cumprida quando , observa-se que o governo cumpre a regra além do estabelecido quando e, ao contrário, descumpre na medida em que .

Na Tabela 2 se encontra a calibração das razões de alguns agregados macroeconômicos. A proporção dos gastos do governo em relação ao PIB foi extraída do trabalho de Fernandes Neto (2014). Para a realização do cálculo, o autor utilizou o filtro de Hodrick-Prescott sobre as séries de consumo do governo e PIB, o que permitiu inferir a proporcionalidade dos gastos a partir das séries suavizadas. Ademais, a proporção do nível de endividamento bruto do governo foi fixada expressando a real tendência de crescimento da variável ao longo do tempo.

Os tributos sobre o consumo, renda do capital e renda do trabalho foram calibrados de acordo com os valores definidos no trabalho de Nóbrega et al. (2019), a fim de refletir a estrutura de impostos praticados na economia brasileira.

Tabela 2.
Calibração e Proporção de Algumas Variáveis no Estado Estacionário

Fonte: Elaboração própria, 2020

II.2. Teste de aderência empírica do modelo

Como os parâmetros do modelo foram calibrados, faz-se necessária uma análise das propriedades cíclicas obtidas a partir da economia artificial. Seguindo o método analítico de Kanczuk (2002), Mussolini e Teles (2012) e Bender Filho et al. (2012), utilizaram-se dados trimestrais entre os anos de 1999 a 2019, disponíveis nas contas nacionais do IBGE, BACEN e IPEA, que foram suavizados utilizando o filtro de Holdrick-Prescott. O objetivo foi separar a tendência do componente cíclico e avaliar o segundo momento das séries e os coeficientes de correlação contemporâneos. As variáveis consideradas na análise foram: (1) Produto Interno Bruto (PIB); (2) Consumo; (3) Investimento; (4) Gastos do governo; (5) Nível de endividamento do governo em proporção ao PIB; (6) Oferta de moeda; (7) Taxa de juros e (8) Taxa de inflação.

Portanto, comparou-se o comportamento cíclico gerado pela economia simulada aos dados reais da economia brasileira, frente ao choque de produtividade e à postura fiscal do governo em relação à regra do teto dos gastos públicos, analisando dois cenários distintos. No primeiro, quando o governo não cumpriu a regra fiscal, gastando 3% acima do definido, assumiu-se um ao trimestre. Por outro lado, o cenário de cumprimento da regra dos gastos foi parametrizado para um , o que denota uma economia de 3% ao ano além do estabelecido pelo teto.

Na Tabela 3, os momentos gerados pela economia artificial se associam ao não cumprimento da regra do teto para os gastos públicos. Na análise, o comportamento cíclico do modelo e a aderência aos dados podem ser verificados a partir da direção das variáveis em relação ao produto da economia. Neste contexto, a observação ocorre sobre o coeficiente de correlação contemporâneo entre cada variável e o produto da economia.

Destarte, comparando os momentos da economia real em relação à economia artificial, observa-se que a maioria das variáveis apresenta um comportamento procíclico. Entre estas, destaca-se o consumo, o investimento e o estoque de moeda, que apontaram coeficientes de correlação aproximados entre ambas, o que indica uma boa aderência dos dados em relação ao modelo empírico.

Quanto às variáveis fiscais, os gastos do governo apresentaram uma tendência procíclica, enquanto a dívida pública expressou um comportamento contracíclico de acordo com os dados da economia real, o que foi corroborado na economia simulada, especificamente, no cenário em que o governo cumpriu a regra do teto dos gastos. A evidência de que os gastos do governo são procíclicos é reforçada pelos resultados encontrados por Borges (2017), ao mostrar que, no período de 1995 a 2017, a política fiscal no Brasil foi procíclica. Ademais, Vegh (2015), corrobora esta questão ao apontar que, na maioria dos países emergentes, entre eles, o Brasil, os gastos do governo apresentaram uma tendência procíclica.

Contudo, na economia simulada, em que o governo gasta 3% acima do permitido pela regra para um , o sinal da dívida do governo se inverte, apontando uma resposta procíclica, o que pode ser justificado pela não responsabilidade fiscal captada nas simulações. Ao contrário, o movimento de cumprimento da regra para um , torna a tendência do nível de endividamento do governo contracíclico, sugerindo que a dívida cresceu menos em proporção ao produto da economia. Quando se olha as variáveis fiscais, sobretudo a dívida do governo, esta apresentou um padrão de volatilidade aproximado ao observado na economia real.

Destaca-se a similaridade da volatilidade para a dívida pública quando se comparam os dados reais e a economia artificial, no cenário em que o governo não cumpriu a regra fiscal, com os valores dos desvios de, respectivamente, 2.34 e 2.96. Mesmo assim, ao proceder a uma comparação entre as simulações onde o governo não cumpre o teto e a que explicita o cumprimento do teto, observam-se alterações significativas sobre a volatilidade. Neste contexto, a dívida do governo tornou-se menos volátil quando a autoridade fiscal cumpriu a regra do teto dos gastos.

Tabela 3.
Momentos da Economia Real e Artificial com Choque de Produtividade sem o Cumprimento da Regra do Teto dos Gastos

Fonte: Elaboração própria, 2020 Ainda em relação à Tabela 3, o desvio padrão expressa a volatilidade das variáveis. Como se pode perceber, o produto, o consumo, o estoque de moeda e os gastos do governo foram mais voláteis na economia real em comparação à economia modelada. No entanto, as volatilidades do produto e do consumo na economia artificial foram aproximadas às observadas nos dados reais. Especificamente, a volatilidade do investimento nos dados reais de 1.04 foi similar à identificada na economia artificial com o governo gastando 3% acima do determinado pela regra do teto. Isto significa que a economia simulada reproduz de forma consistente o comportamento cíclico da economia brasileira no período analisado.

II.3. Análise das funções de resposta ao impulso ao choque de produtividade e choques fiscais

Nesta seção, os resultados serão discutidos a partir das funções de resposta ao impulso aos choques de produtividade e sobre os tributos distorcivos, avaliando diferentes cenários com a regra do teto dos gastos públicos, em um horizonte temporal de quarenta trimestres. Todos os cenários se referem tanto à postura da autoridade fiscal quanto à regra do teto parametrizada pelo valor de O objetivo, aqui, foi realizar uma avaliação da trajetória dinâmica do resultado primário e da dívida bruta do governo, sobre uma possível flexibilização do teto dos gastos em reposta aos choques exógenos.

II.4. Cenários com o governo não cumprindo a regra do teto dos gastos públicos para e com o governo cumprindo a regra para

A literatura que trata de regras fiscais no Brasil com modelos DSGE ainda é bastante restrita, sobretudo no que se refere ao estudo dos efeitos da PEC 55/241 sobre a dinâmica e o ciclo da economia brasileira. Contudo, alguns trabalhos como os de Saraiva et al (2017) e Jesus et al (2020), têm se preocupado, principalmente, em avaliar os efeitos da nova regra fiscal sobre o nível de bem-estar. Neste sentido, este trabalho buscou investigar, sob diferentes cenários, os efeitos do teto dos gastos públicos sobre um conjunto de variáveis macroeconômicas, entre elas, a trajetória do resultado primário e da dívida pública a partir dos choques exógenos de produtividade e tributos distorcivos sobre o consumo, renda do capital e renda do trabalho.

Nos cenários construídos para a análise, assumiu-se que o governo não cumpre o teto dos gastos, ao gastar 3% a.a. além do previsto pela regra, para um valor de ao trimestre. Ao contrário, parametrizando o , o governo mais que cumpriu o teto e, neste caso, economizou 3% em relação à meta. As Figuras 4, 5, 6 e 7 expressam as respostas das variáveis ao impulso, relacionadas ao choque de produtividade e aos choques fiscais nos tributos.

De acordo com De Resende e Rebei (2008), os efeitos gerais dos choques exógenos incorporados ao modelo podem ser interpretados como uma combinação do efeito direto de cada choque específico mais o efeito indireto endógeno da expansão do estoque monetário e dos gastos do governo, o que reforça a resposta dinâmica das variáveis. Portanto, como observado nas equações do modelo não linear, o estoque de moeda e os gastos do governo exercem efeitos indiretos sobre as demais variáveis que compõem o sistema. Neste sentido, em todos os cenários devem-se considerar os impactos simultâneos do próprio choque exógeno, mais um impulso endógeno indireto provocado pelo estoque nominal de moeda e os gastos públicos.

A figura 4 apresenta os dois cenários associados a um choque de produtividade. Como padrão, a literatura aponta que um choque exógeno de produtividade exerce efeitos positivos sobre o produto, consumo e investimento. Além do mais, gera rebatimentos positivos sobre as variáveis fiscais melhorando as contas públicas em função, principalmente, da expansão da arrecadação dos impostos. As funções de resposta ao impulso corroboram a literatura, visto que as reações do PIB da economia, do consumo e do nível de investimento privado são positivas ao choque agregado de produtividade.

Por sua vez, para todos os choques e em todos os cenários simulados, a resposta endógena da taxa de juro foi positiva ao aumento da inflação que se estabilizou a partir do quinto período, refletindo a reação da autoridade monetária ao aumento do nível geral de preços da economia, no contexto em que há o cumprimento de uma meta de inflação explícita no modelo. Neste caso, de acordo com De Resende e Rebei (2008), o que se observa é que o efeito indireto endógeno da expansão do estoque de moeda domina o efeito direto do choque exógeno de produtividade, o que resulta em um aumento líquido da taxa inflação.

Não obstante, é interessante notar que, em todos os cenários e em resposta aos choques, os gastos nominais do governo crescem corrigidos pela inflação do período anterior, sem comprometer o teto dos gastos públicos. Percebe-se, que estes aumentam em maior magnitude nos períodos de maior expansão do produto, corroborando o seu comportamento procíclico observado na análise de aderência do modelo, exposto na tabela 3.

Particularmente, para o choque de produtividade e comparando ambos os cenários, observa-se uma maior expansão do produto e dos gastos quando o governo cumpre a regra do teto.

Neste caso, como a expansão da arrecadação de tributos superou o aumento dos gastos públicos no período, esta dinâmica explica o comportamento positivo do resultado primário e da queda da dívida pública. Portanto, no cenário em que a autoridade fiscal manteve a responsabilidade fiscal e cumpriu a regra do teto, o resultado primário apontou um superávit, com crescimento nos cinco primeiros trimestres após o choque. Por outro lado, a dívida pública apresentou significativa retração e manteve a sua trajetória abaixo do estado estacionário em todo o período analisado, confirmando o quão é importante o governo cumprir o teto dos gastos.


Figura 4.
Funções de resposta ao impulso do Choque de Produtividade para λt = 0.0075 e E2: λt = 0.0075
Fonte: Elaboração própria, 2020

Ainda em relação à figura 4, admitindo uma política fiscal onde não haja o cumprimento da regra do teto, as variáveis que expressam a política fiscal, como o resultado primário e a dívida pública, apresentaram comportamentos irregulares. Percebe-se que o déficit primário sofre expressiva expansão e se estabiliza em torno do estado estacionário no décimo quinto período após o choque, enquanto que a dívida do governo cresce e só volta a cair a partir do mesmo período da estabilização do resultado primário.

As figuras 5, 6 e 7 expressam os impactos dos choques fiscais, respectivamente, nos tributos incidentes sobre o consumo, renda do capital e renda do trabalho. Como se observa em todos os cenários, as respostas do resultado primário e da dívida pública estão condicionadas à postura do governo em relação à regra fiscal e à dinâmica dos choques exógenos. Geralmente, um choque sobre os tributos impacta positivamente o equilíbrio fiscal no curto prazo, dada a expansão das receitas tributárias. Contudo, é interessante notar que mesmo na presença dos choques positivos, estes não foram capazes de corrigir o desequilíbrio fiscal no cenário em que o governo não cumpriu o teto dos gastos, onde as variáveis fiscais responderam de forma contrária ao esperado. Tal fato pode ser explicado a partir do impulso endógeno da expansão dos gastos do governo, que dominou o efeito dos choques sobre os impostos, provocando o déficit primário e, consequentemente, a expansão da dívida pública de forma persistente. Este resultado sugere que em um contexto onde a política fiscal utiliza como instrumento um teto para os gastos públicos, o governo deve manter o esforço a fim de cumpri-la sob pena de provocar um desequilíbrio fiscal.

Destarte, quando se analisa especificamente o choque do tributo sobre o consumo na figura 5, o produto não é afetado de forma significativa no cenário em que a regra do teto não é respeitada, mas apresenta relativa volatilidade e se estabiliza depois do décimo período acima do equilíbrio de estado estacionário. No entanto, no cenário onde o governo cumpre a regra fiscal, observa-se a expansão do produto que pode ser explicado, sobretudo, pela combinação das políticas monetária e fiscal expansionistas a partir do efeito indireto do crescimento endógeno do estoque de moeda e dos gastos do governo, que dominaram o efeito do choque do tributo sobre o consumo, afetando positivamente a demanda agregada. Este mesmo efeito resulta em um aumento líquido da inflação, fazendo a autoridade monetária reagir elevando a taxa de juro. Ademais, como esperado, observa-se que o choque afetou negativamente o nível de consumo em ambos cenários, permanecendo abaixo do estado estacionário no cenário em que o governo não respeitou a regra fiscal.

Assim como para o choque de produtividade, os gastos do governo crescem de forma procíclica indexada à taxa de inflação do período anterior sem comprometer a regra fiscal, especialmente no cenário em que há o cumprimento do teto dos gastos, quando o produto da economia cresceu mais fortemente. No entanto, como os gastos públicos crescem a uma menor magnitude em relação à arrecadação dos tributos, a resposta do resultado primário e da dívida pública ao choque do tributo sobre consumo ocorre de acordo com a postura fiscal do governo.

Portanto, quando a autoridade fiscal respeitou a regra do teto, o choque do tributo sobre o consumo dominou o impulso endógeno indireto dos gastos do governo, observando-se uma resposta positiva do superávit fiscal que se dissipa por volta do quinto período. Em direção oposta, a dívida pública cai e retorna ao estado estacionário no trigésimo trimestre.

Ao se avaliar o choque do tributo incidente sobre a renda do capital na figura 6, a dinâmica das variáveis se altera, principalmente, quando o governo não cumpriu a regra fiscal. Neste cenário, o efeito do choque direto do tributo dominou o efeito endógeno do crescimento do estoque de moeda e dos gastos do governo com impactos negativos sobre a demanda agregada. A brusca queda do investimento é acompanhada pelo produto da economia, que se justifica pela retração da produtividade e rentabilidade do capital.


Figura 5.
Funções de Resposta ao Impulso do Choque do Tributo sobre o Consumo E1: λt = 0.0075 e E2: λt = 0.0075
Fonte: Elaboração própria, 2020

Nota-se que o consumo também é afetado fortemente devido à queda na renda disponível e ao efeito riqueza negativo, permanecendo abaixo do estado estacionário além do período analisado. Contudo, em relação às variáveis fiscais, o resultado primário apresentou déficit e a dívida pública se expandiu até o final do período considerado. Neste caso, a conjunção do não cumprimento da regra fiscal, associada à expansão dos gastos do governo, superou o efeito direto do choque sobre o tributo, contribuindo à deterioração fiscal.

Por outro lado, no cenário em que a regra fiscal foi obedecida, o produto, investimento e consumo crescem, mas se estabilizam após o quinto trimestre. Neste aspecto, como o efeito total do choque é uma combinação do efeito direto do choque do tributo com o efeito indireto endógeno da expansão monetária e dos gastos do governo, estas variáveis foram afetadas positivamente em função do efeito indireto se sobrepor ao efeito direto. Como efeito, tem-se um aumento líquido da taxa de inflação e, consequentemente, a resposta endógena de expansão da taxa de juros, que rapidamente retornam ao estado estacionário por volta do quarto período.


Figura 6.
Funções de Resposta ao Impulso do Choque do Tributo sobre a Renda do Capital com λt = 0.0075 e E2: λt = 0.0075
Fonte: Elaboração própria, 2020

Comparando as figuras 5 e 6 e avaliando o comportamento dinâmico das variáveis fiscais, fica claro que para ambos os choques se tem a deterioração do quadro fiscal, no cenário em que o governo não cumpriu o teto dos gastos primários. Nesta dinâmica, é importante ressaltar que quando a regra não foi cumprida, o efeito do impulso endógeno nos gastos do governo dominou o impacto dos choques diretos sobre os tributos. Como se pode ver, o superávit e dívida andam em direções opostas. Enquanto o primeiro se retrai de forma considerável, a dívida do governo toma uma trajetória de expansão e permanece acima do estado estacionário durante todo o período.

A figura 7 mostra a trajetória das variáveis em resposta ao choque do tributo sobre a renda do trabalho. O efeito do choque exógeno do tributo se sobrepõe ao efeito endógeno da expansão monetária e dos gastos do governo, provocando uma rápida retração da demanda agregada no cenário em que não há o cumprimento do teto dos gastos, expressa na queda do produto, investimento e consumo agregado. Nota-se que as duas primeiras variáveis se estabilizam após o décimo semestre, enquanto que a persistência do choque sobre o consumo faz com que este permaneça abaixo do estado estacionário. A dinâmica da queda do consumo decorre, sobretudo, em função do efeito riqueza negativo e da retração da renda disponível do trabalho. Os gastos do governo seguem a mesma dinâmica explicitada nos exercícios anteriores, com expansão corrigida pela inflação, sem comprometer a regra do teto.


Figura 7.
Funções de Resposta ao Impulso do Choque do Tributo sobre a Renda do Trabalho λt = 0.0075 e E2: λt = 0.0075
Fonte: Elaboração própria, 2020

Quando se olha para o comportamento do resultado primário e da dívida pública nos dois cenários, frente ao choque do tributo incidente sobre a renda do trabalho, percebe-se uma maior intensidade da resposta do superávit primário em comparação aos cenários anteriores. Assim, no cenário onde o governo flexibilizou a regra do teto, a tendência de crescimento da dívida pública foi similar aos demais, com um choque de um desvio padrão elevando o nível de endividamento do governo até o quinto período. Nesta situação específica, o choque exógeno no tributo não foi capaz de corrigir o desequilíbrio fiscal, dado que o impulso endógeno dos gastos públicos apresentou maior intensidade. Por outro lado, no cenário de cumprimento da regra fiscal, observa-se que o choque gera efeitos de uma expansão do superávit primário em maior intensidade em comparação aos cenários anteriores. Tal comportamento sugere que este tipo de tributo exerce impacto considerável sobre o resultado primário, quando o governo impõe uma regra fiscal de controle dos gastos.

Em suma, o que se observou a partir dos resultados expostos nas funções de reposta ao impulso foi que os choques de produtividade e dos tributos exercem efeitos distintos sobre o ciclo econômico e, sobretudo, nas variáveis que compõem a demanda agregada. Destaca-se que nem todos os choques nos tributos afetaram negativamente o produto, o investimento e o consumo. Entre estes, destacam-se os choques nos tributos sobre a renda do capital e a renda do trabalho, que impactaram a dinâmica da economia em magnitudes diferentes. Ademais, o conjunto dos choques por si não foi suficiente para garantir o equilíbrio das contas públicas sem que houvesse o cumprimento do teto dos gastos primários com base na PEC 55/241. Isto sugere que, em todos os cenários analisados, um ajuste das contas do governo por meio de uma regra fiscal via controle dos gastos seria um mecanismo relevante à estabilidade e sustentabilidade da dívida pública ao longo do tempo. Ademais, a dinâmica da resposta da economia a estes choques é muito aproximada, alterando, apenas, a sensibilidade da reação de algumas variáveis. Por exemplo, considerando o comportamento do produto da economia para todos os choques sobre os tributos, a resposta do crescimento econômico ocorreu mais fortemente no cenário em que o governo cumpriu a regra do teto dos gastos. Ao contrário, no cenário em que não houve o cumprimento da regra fiscal, o efeito dos choques sobre o crescimento do produto foi pouco perceptível ou insignificante. Quando se consideram todos os choques e cenários e seus impactos sobre o consumo, este foi impactado negativamente em função do choque exógeno sobre ele mesmo. Por outro lado, o nível de investimento privado apresentou maior sensibilidade ao se considerar o choque do tributo sobre a renda do capital, sobretudo no cenário em que o governo não cumpriu a regra do teto. Por fim, a reação da política monetária, elevando a taxa de juro em resposta ao aumento da inflação em todos os choques e cenários, expressa que a economia segue um regime de meta de inflação com base em uma regra de Taylor.

CONCLUSÃO

O presente artigo teve como objetivo central analisar a trajetória do nível de endividamento do governo em diferentes cenários fiscais, associando a regra do teto dos gastos públicos aos choques exógenos de produtividade e dos tributos incidentes sobre o consumo, renda do capital e renda do trabalho dentro da estrutura de um modelo DSGE. Além destes, o modelo incorpora, em sua dinâmica, choques endógenos indiretos da expansão monetária e dos gatos do governo que impactam o sistema de equações.

Na estrutura do modelo teórico, considerou-se a hipótese de rigidez nominal de preços, além de levar em consideração um conjunto de regras de políticas. Em relação a estas, foi utilizada uma regra de política fiscal de longo prazo com base em De Resende e Rebei (2008), assumindo que determinada parcela constante da dívida do governo deve ser suportada pelo valor presente do superávit primário. Além do mais, a outra parcela deste mesmo nível de endividamento deve ser suportada pelas receitas de senhoriagem.

Quanto à contribuição ao modelo teórico, este incorporou algumas inovações em relação ao modelo original, principalmente na parte que define as ações do governo. Neste aspecto, incluiu-se uma regra de política fiscal para o teto dos gastos públicos com base na PEC 55/241. Ao contrário do modelo do De Resende e Rebei (2008), os gastos do governo foram assumidos como endógenos a partir da definição do problema de otimização intertemporal, de modo que as decisões do governo, a partir de uma função utilidade, se restringem ao cumprimento da nova regra fiscal balizada pelo parâmetro .

Os resultados apresentados em todos os cenários, através das funções de resposta ao impulso para cada choque exógeno, apontaram às reações das variáveis fiscais frente às alterações na postura do governo medida pelo parâmetro . Para todos os choques estocásticos, o não cumprimento da regra do teto dos gastos refletiu de forma negativa sobre elas. Especificamente, para este cenário, as respostas ao impulso mostram uma queda expressiva do resultado primário e, consequentemente, o aumento consistente da dívida pública.

Portanto, conclui-se que, mesmo diante dos efeitos positivos gerados pelos choques de produtividade e dos tributos em relação ao equilíbrio fiscal, os resultados apontaram a necessidade de o governo cumprir o teto dos gastos públicos a fim de manter a estabilidade da dívida pública ao longo do tempo. Ademais, a utilização de uma regra via controle dos gastos apresentou efeitos consistentes sobre a estabilização do nível de endividamento do governo ao longo do tempo.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
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Notas
Notas
1 Pode-se elencar um conjunto de características da PEC (95/241). Entre as mais importantes, de acordo com Horta (2016, p.286), temos: (i) Algumas despesas são excluídas da proposta, como é o caso das transferências constitucionais a estados e municípios, complementação do FUNDEB, gastos com a justiça eleitoral e aqueles ligados à ampliação do capital de empresas estatais; (ii) Para as áreas da saúde e educação não há um teto, este é corrigido pela inflação do período anterior e (iii) O limite de gasto é individualizado por poder, e em caso da extrapolação destes limites, o poder fica impedido de realizar concurso público, conceder aumento salarial e contratar pessoal.
2 EC (95/241) trata-se da Emenda Constitucional que deu origem à PEC (95/241).
3 O custo de ajustamento do capital é uma função do volume de investimento em relação ao estoque de capital em t - 1. Isto significa que as firmas apresentam algum grau de rigidez, implicando que o ajuste do estoque de capital não ocorre de forma abrupta.
4 Como se assume uma estrutura de mercado de concorrência perfeita na produção dos bens finais, então, têm-se um bem agregado (Cesta de Bens), e as firmas deste setor são idênticas.
5 O valor presente da restrição orçamentária do governo se sustenta sob a hipótese de que não há desperdício de receitas.
6 Sigla que se refere ao Stochastic Analytical Model with Bayesian Approach, que é um dos modelos utilizados pelo BACEN para análises e tomada de decisão de política monetária.
7 O valor do parâmetro de desconto intertemporal menor que 1 indica que o agente, em certa medida, desconta o futuro.
8 O valor corresponde às estimativas pontuais médias para o coeficiente, onde a maioria dos estudos definem que ele estaria situado no seguinte intervalo, [0.60;0.98].
9 Significa o desvio padrão válido para as Tabelas 5 e 6.
10 Refere-se ao coeficiente de correlação entre cada variável e o produto, nas Tabelas 5 e 6.
° Ribeiro Leite, Á., Bessaria Nóbrega, C. da, Mota dos Santos, A. L., & Fernandes Neto, F. (2022). Regra do teto dos gastos públicos (PEC 55/241) e sustentabilidade da dívida pública no Brasil: análise de cenários a partir de um modelo DSGE, Estudios económicos, 39 (79), pp. 219-247. DOI. https://doi.org/10.52292/j.estudecon.2022.2767
Tabela 1.
Valores Calibrados dos Parâmetros

Fonte: Elaboração própria, 2020
Tabela 2.
Calibração e Proporção de Algumas Variáveis no Estado Estacionário

Fonte: Elaboração própria, 2020
Tabela 3.
Momentos da Economia Real e Artificial com Choque de Produtividade sem o Cumprimento da Regra do Teto dos Gastos

Fonte: Elaboração própria, 2020 Ainda em relação à Tabela 3, o desvio padrão expressa a volatilidade das variáveis. Como se pode perceber, o produto, o consumo, o estoque de moeda e os gastos do governo foram mais voláteis na economia real em comparação à economia modelada. No entanto, as volatilidades do produto e do consumo na economia artificial foram aproximadas às observadas nos dados reais. Especificamente, a volatilidade do investimento nos dados reais de 1.04 foi similar à identificada na economia artificial com o governo gastando 3% acima do determinado pela regra do teto. Isto significa que a economia simulada reproduz de forma consistente o comportamento cíclico da economia brasileira no período analisado.

Figura 4.
Funções de resposta ao impulso do Choque de Produtividade para λt = 0.0075 e E2: λt = 0.0075
Fonte: Elaboração própria, 2020

Figura 5.
Funções de Resposta ao Impulso do Choque do Tributo sobre o Consumo E1: λt = 0.0075 e E2: λt = 0.0075
Fonte: Elaboração própria, 2020

Figura 6.
Funções de Resposta ao Impulso do Choque do Tributo sobre a Renda do Capital com λt = 0.0075 e E2: λt = 0.0075
Fonte: Elaboração própria, 2020

Figura 7.
Funções de Resposta ao Impulso do Choque do Tributo sobre a Renda do Trabalho λt = 0.0075 e E2: λt = 0.0075
Fonte: Elaboração própria, 2020
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