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SUBSÍDIOS AGRÍCOLAS E COMÉRCIO INTERNACIONAL: QUAIS SÃO AS IMPLICAÇÕES SOBRE AS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS E BRASILEIRAS?°

AGRICULTURAL SUBSIDIES AND INTERNATIONAL TRADE: WHAT IS THE IMPLICATION ON WORLD AND BRAZILIAN EXPORTS?

Michelle Márcia Viana Martins
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Universidade Federal de Viçosa, Brasil
Alícia Cechin
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasil
Scarlett Queen Almeida Bispo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasil
Fernanda de Araújo Pedrosa
Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Brasil
Marcelo José Braga Nonnenberg
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasil

SUBSÍDIOS AGRÍCOLAS E COMÉRCIO INTERNACIONAL: QUAIS SÃO AS IMPLICAÇÕES SOBRE AS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS E BRASILEIRAS?°

ESTUDIOS ECONÓMICOS, vol. XLI, núm. 82, pp. 155-187, 2024

Universidad Nacional del Sur

Recepción: 02 Agosto 2022

Aprobación: 14 Marzo 2023

Resumo: O objetivo do estudo é estimar os efeitos dos subsídios agrícolas de países terceiros sobre as exportações agrícolas mundiais e brasileiras. O modelo gravitacional é aplicado para fluxos agrícolas agregados e desagregados por produtos, nos anos 2004 a 2019. O suporte ao produtor (PSE) afeta negativamente as exportações brasileiras e mundiais sob uma perspectiva das exportações agregadas do agronegócio. Partindo para uma análise mais detalhada no âmbito setorial, o subsídio específico por produto (SCT) tem relação positiva com as exportações brasileiras de soja, milho, carne bovina e suína, e negativa com envios de açúcar pelo Brasil.

Palavras-chave: subsídios, apoio doméstico, distorções comerciais, competitividade.

Abstract: The aim of the study was to estimate the effects of agricultural subsidies from third countries on world and Brazilian agricultural exports. The gravitational model was applied to the agricultural flows aggregated and disaggregated by products, in the years 2004 to 2019. The results indicate that producer support negatively affects Brazilian and world exports from the perspective of aggregate agribusiness exports. Moreover, a more detailed analysis at the sectoral level revealed that the product-specific subsidy has a positive relationship with Brazilian exports of soy, corn, beef and pork, and a negative one with sugar shipments through Brazil.

Keywords: Subsidies, domestic support, agricultural exports, trade distortions, competitiveness.

INTRODUÇÃO

Os subsídios agrícolas são intervenções governamentais na atividade econômica, caracterizadas, principalmente, por transferências de recursos a produtores e consumidores de produtos primários. A finalidade é garantir ou suplementar renda ou, ainda, reduzir custos de produção. Esses repasses podem ocorrer diretamente, por meio da destinação de recursos orçamentários públicos, ou de forma indireta, quando o governo o realiza via entidades privadas (Meyer, 2011; Priyanka et al., 2022).

Um levantamento realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, 2019) mostra que, entre 2016 e 2018, 53 países – todos da OCDE e da União Europeia (UE), além das doze principais economias emergentes – forneceram uma média anual de US$ 528 bilhões em apoio direto aos agricultores. Esse dado reforça a dificuldade da Organização Mundial do Comércio (OMC) em reduzir as medidas de suporte à agricultura negociadas no âmbito das rodadas multilaterais. Os subsídios podem gerar uma competição desleal no comércio exterior, além de violar os compromissos do Acordo sobre Agricultura (AA) da OMC na promoção de um comércio livre e pautado na capacidade dos países comercializarem com base nas vantagens competitivas (Swinnen, Olper & Vandelve, 2021). Por essa razão, o Brasil e outros países que se veem prejudicados pelos subsídios concedidos em alguns mercados, iniciam disputas comerciais na OMC em busca de negociações para a redução do apoio governamental − a exemplo do que ocorreu em 2002, nas coalizões para a redução dos subsídios europeus para o açúcar (Costa & Burnquist, 2006) e do apoio governamental norte-americano para o algodão (Iglécias, 2007).

Essas negociações são morosas e muitas vezes não representam a realidade enfrentada pelos exportadores que não concedem os subsídios (Duesterberg, 2019). Isso ocorre porque os valores de suporte aos setores são autodeclarados pelos países à OMC, portanto, muitas economias resistem em informar com precisão os subsídios concedidos, já que os valores reais podem estar em desacordo com as normas fixadas no AA, o que daria margens a questionamentos. Outrossim, foram observados alguns problemas no levantamento dos valores subsidiados da OMC, quais sejam: nem todas as políticas de subsídios são notificadas; ocorrem atrasos sistemáticos nas notificações do suporte concedido pelos países; há grande dificuldade de interpretação dos dados fornecidos, porque ocorrem muitas divergências conceituais relacionadas às questões econômicas e legais; e não há um padrão nas notificações emitidas pelos membros à OMC - alguns não notificam seus subsídios há anos e, quando o fazem, não há uma padronização quanto ao conteúdo das notificações. Algumas informações são prolixas e outras, relativamente breves.

Não é a primeira vez que a precisão dos subsídios notificados à OMC é questionada. Orden et al. (2011) enfatizam que as informações disponíveis falham no fornecimento de dados significantes, pois os membros tendem a notificar várias medidas políticas de forma dispersa. Os revisores de políticas comerciais da OMC reforçam essa prerrogativa e reportam que, apesar de ser possível encontrar informações sobre políticas de subsídios a partir das notificações, essas informações são assimétricas (WTO, 2020). De tal modo, os registros de subsídios da OMC são incompletos e podem conter certo viés de omissão por parte dos mercados. Portanto, estimar os efeitos comerciais dos subsídios com os dados divulgados pela OMC pode comprometer as verdadeiras implicações de tais políticas sobre as exportações de países que cumprem as regras da OMC quanto aos volumes de subsídios permitidos.

Para contornar esse problema, a OCDE calcula indicadores de apoio à agricultura, estabelecendo uma base comum que permite a comparação entre os países. O conjunto de dados econômicos inclui o indicador de apoio total à agricultura (Total Support Estimate – TSE), que consiste na soma de três outros indicadores que competem diferentes tipos de políticas de apoio doméstico: o suporte ao produtor (Producer Support Estimate – PSE), que beneficia os produtores individualmente; o suporte ao consumidor (Consumer Support Estimate – CSE), que concede suporte aos consumidores individualmente (neste caso, os consumidores são agentes econômicos que adquirem produtos primários para o beneficiamento); e o suporte a serviços gerais1 (General Services Support Estimate – GSSE), que fornece apoio coletivo.

O PSE pode ser expresso como a soma de quatro indicadores, que recaem em mercadorias individuais (Single Commodity Transfers – SCT); grupos de commodities (Group Commodity Transfers – GCT); para todas as commodities (All Commodity Transfers – ACT) e as transferências sem obrigação por parte dos beneficiários de produzir qualquer mercadoria (Other Transfers to Producers – OTP). As categoriais são mutuamente exclusivas, por exemplo, transferências realizadas no grupo soja (grupo SCT) não são incluídas no grupo grãos (grupo GCT), evitando a dupla contagem (OECD, 2016). Essa desagregação é importante para estimar os efeitos do suporte agrícola para setores específicos, principalmente pelas informações disponíveis em nível de produto pelo indicador SCT. O indicador expressa o valor monetário anual das transferências para os produtores agrícolas diretamente ligadas à produção de uma única mercadoria, de modo que o produtor deve produzir a mercadoria designada para receber a transferência (um valor SCT negativo significa um imposto sobre os produtores). Um problema sobre os dados da OCDE é a disponibilidade limitada dos dados, que variam entre os países em termos dos bens abrangidos. Para o Brasil, por exemplo, há informações para apenas doze produtos. Apesar dessa limitação, o conjunto de dados fornecidos pela OCDE parece apropriado para estimações.

Nesse ínterim, o objetivo deste estudo é avaliar o efeito dos subsídios concedidos por terceiros países sobre o desempenho das exportações agrícolas mundiais e brasileiras, entre 2004 e 2019. As análises são desenvolvidas em três etapas. Na primeira, os subsídios são analisados de forma agregada, o que permite observar seus efeitos sobre o volume total das exportações agrícolas mundiais e brasileiras. Na segunda, a mesma estratégia é realizada para a exportação de produtos específicos. Na última são estimados os efeitos dos subsídios sobre um grupo de produtos selecionados – de acordo com a disponibilidade de dados –, buscando averiguar se os suportes públicos afetam as exportações dos produtos em que o Brasil é competitivo, como soja, açúcar e carnes.

O artigo possui cinco seções, contando esta introdução e as conclusões. Na seção 2, é apresentado o referencial que fornece as bases teóricas para o entendimento dos subsídios e contribuições empíricas definidas no âmbito do apoio ao produtor. Na seção 4, são expostas as estratégias metodológicas e empíricas sobre o modelo gravitacional. A seção 5 discute resultados econométricos e explora os principais efeitos dos subsídios para o Brasil.

I. EFEITOS DOS SUBSÍDIOS NO COMÉRCIO

A definição de subsídio e a forma de mensurar seus efeitos comerciais são plurais na literatura econômica. Apesar de envolver diferentes vertentes, já que o apoio governamental varia por finalidades específicas, há um consenso de que qualquer contribuição financeira realizada pelos órgãos públicos configura subsídio, especificamente, transferências diretas de fundos, renúncia de receitas, juros subsidiados e bens e serviços fornecidos pelo setor público (Priyanka et al., 2022).

Supondo que um governo queira beneficiar sua indústria doméstica, a escolha do instrumento político para atingir determinado objetivo pode variar entre impor uma tarifa sobre as importações ou subsidiar diretamente o setor produtivo em questão. No escopo das trocas comerciais, os efeitos das políticas de subsídios sobre os preços são exatamente o oposto dos ocasionados pelas tarifas. Para esta última política, o efeito esperado é aumento do preço do bem importado para que o setor protegido possa vender o seu produto ao mesmo nível de preços ou em um patamar inferior. Já o subsídio não altera o preço de importação, mas fornece condições artificiais de competição para que a indústria subsidiada possa concorrer com as importações a preços internacionais (WTO, 2006).

É importante distinguir dois tipos de suportes: o subsídio à exportação e os subsídios domésticos à produção (apoio interno). O subsídio à exportação afeta especialmente a produção a ser exportada e é declaradamente proibido pela OMC, já o apoio interno se aplica à produção, independentemente se o mercado de destino é o doméstico ou o internacional. A questão é que ambos ocasionam efeitos à produção doméstica e ao volume exportado (Orden et al., 2011; WTO, 2006).

As iniciativas de apoio doméstico ao setor agrícola afetam o comércio e têm capacidade de enfraquecer os termos de troca para os países especializados em agricultura. Isso se deve porque os subsídios, em particular as iniciativas de garantias de preço mínimo (como o PSE, que inclui o apoio dos preços acima dos níveis de mercado), têm potencial de reduzir o preço internacional das variedades produzidas no mercado interno. Segundo Jarosz-Angowska & Kąkol (2016), as medidas que sustentam os preços domesticamente podem induzir uma superprodução. O excedente vendido no mercado internacional expande a oferta mundial, a depender da relevância do país no mercado internacional, com consequente redução nos preços internacionais.

Apesar de ser um tema de relevância, é reduzido o número de estudos que abordam os efeitos dos subsídios no comércio exterior. Boa parte da literatura existente avalia as medidas de apoio ao produtor por meio de análise descritiva (Bielik et al., 2007; Brooks, 2014; Hopewell, 2019; Priyanka et al., 2022). Nesse caso, a avaliação dos subsídios ocorre principalmente por meio dos indicadores da OCDE, que permitem comparar a concessão de apoio interno para diferentes países ao longo dos anos.

Os estudos que envolvem análises metodológicas mais complexas variam desde avaliações por meio de modelos de equilíbrio geral computável (Boysen-Urban et al., 2020; Diao et al., 2001; Huang & Yang, 2017) até a aplicação do modelo gravitacional (Diakosavvas, 2003; Diarrassouba, 2013; Ton, Pham & Ulubasoglu, 2019; Yanikkaya & Koral, 2015) e outras metodologias econométricas menos convencionais: modelo de efeitos fixos, desenvolvido por Hoekman et al. (2004); modelo de Gardner, proposto por Costa e Burnquist (2006); regressão linear simples, utilizado por Siudek e Zawojska (2012); e o método generalizado dos momentos (Generalised Method of Moments – GMM), aplicado por Lopez et al. (2017).

A maior parte dos trabalhos são pautados nos dados de subsídios fornecidos pela OCDE, o que reforça a escolha e a confiabilidade dos dados escolhidos. Embora não exista um consenso metodológico na literatura, o modelo gravitacional é adequado para atender o objetivo do estudo, pois é qualificado como ferramenta apropriada para a avaliação de efeitos de política comercial (Anderson et al., 2020; Head & Mayer, 2014; Heid et al., 2017). A discussão dos principais resultados que empregaram o modelo gravitacional é sintetizada no quadro 1.

Quadro 1.
Revisão dos estudos que investigaram os subsídios no comércio agroalimentar
Revisão dos estudos que investigaram os subsídios no comércio agroalimentar
Fonte: elaboração dos autores.

II. METODOLOGIA

II.1. Modelo gravitacional: abordagem teórica e soluções empíricas

O modelo gravitacional é recorrentemente empregado para avaliar políticas comerciais. Introduzido por Tinbergen (1962), a intuição por trás do modelo advém da teoria da gravidade de Isaac Newton: a atração entre os corpos (diretamente proporcional às suas massas) é relativa à renda de dois países (“massa econômica”) e inversamente proporcional à distância geográfica de ambos.

A partir dessa ideia, Anderson (1979) desenvolveu um arcabouço teórico sólido para possibilitar o uso do modelo gravitacional para elaboração de políticas. A partir de uma função de utilidade que exibe elasticidade de substituição constante (constant elasticity of substitution – CES), foi desenvolvido o embasamento microeconômico para reforçar as discussões teóricas, em que os consumidores do país maximizavam sua utilidade sujeita a uma restrição orçamentária associada às condições mercadológicas. Partindo das considerações de Anderson (1979), Anderson & van Wincoop (2003) avançaram no desenvolvimento do modelo, possibilitando explicar o comportamento das exportações de bens do setor k praticadas entre dois países i e j, em um período de tempo t conforme segue na equação (1):

(1)

em que X i j t k são as exportações do país i para o país j no setor k no ano t Y i t k , Y j t k e Y t k representam as medidas de produção no país i, no país j e a produção agregada mundial no setor k no ano t respectivamente; τ i j t k refere-se aos custos comerciais incorridos pelos exportadores de k para enviar os produtos do país i para o país j no ano t; σ k representa a elasticidade de substituição entre grupos de produtos e é uma medida hipotética e não mensurada2. Finalmente, P j t k e i t k são os índices de preços, identificados como os índices de resistência multilateral ao comércio, i t k representa a resistência multilateral externa e controla o fato de que as exportações do país i para o país j, no ano t dependem dos custos de comércio em todos os possíveis mercados de exportação. Por outro lado, P j t k indica a resistência multilateral interna e assimila a dependência das importações do país j provenientes do país i sobre os custos comerciais de todos os possíveis fornecedores no ano t. A inserção dos índices de resistência multilateral é uma importante contribuição de Anderson e van Wincoop (2003).

Após a consolidação do modelo teórico, os esforços voltaram-se para a estrutura empírica do modelo. Com base no desenvolvimento dos índices de resistência multilateral, as abordagens sobre a especificação correta da equação de gravidade impuseram a consideração dos referidos índices – até então teoricamente fundamentados – nas estimativas, pois, a partir deles, tem-se a possibilidade de controlar o efeito de variáveis omitidas, não observadas diretamente, difíceis de mensurar ou que não foram bem especificadas no modelo (Shepherd, 2013). Baldwin e Taglioni (2007) reforçam que a omissão dessas variáveis seria um erro grave, e foram desenvolvidas alternativas para capturar o seu efeito.

Feenstra (2015) sugeriu o uso de efeitos fixos específicos para país, Olivero e Yotov (2012) e Head e Mayer (2014) avançaram sobre essa possiblidade ao incluir tendências temporais, resultando nos efeitos fixos do importador no tempo e do exportador no tempo. Para Anderson et al. (2020) esse instrumento foi importante para consolidar o modelo de gravidade estrutural, pois, além de controlar as resistências multilaterais, os efeitos fixos também absorvem a produção e os gastos nacionais. Esse argumento é retomado por Fally (2015), ao demonstrar que os efeitos fixos do exportador e do importador são consistentes com as restrições de equilíbrio impostas por abordagens mais estruturais, isto é, a produção do país exportador é equivalente à soma do comércio externo ( Y i = j Y ^ i j ), e os gastos do importador são iguais à soma do comércio interno ( E j = i X ^ i j ).

Ainda que essa estratégia metodológica seja adequada para resolver o problema da resistência multilateral, existem algumas limitações. O uso de efeitos fixos específicos para países acomodará todas as características individuais do país variantes no tempo, sendo elas unilaterais, como os subsídios à exportação, ou políticas comerciais não discriminatórias, como as tarifas da nação mais favorecida (Anderson et al., 2020; Olivero & Yotov, 2012; Piermartini & Yotov, 2016). A partir dessa consideração, e dado que este estudo é pautado na estimação dos efeitos dos subsídios agrícolas, é necessário adotar estratégias alternativas para resolver o problema da resistência multilateral. A primeira delas é utilizar o modelo de gravidade geral, e não o estrutural.

O uso do modelo geral é apropriado para a proposta do trabalho e acrescenta um benefício adicional: a partir dele é possível considerar os subsídios da UE nos dados amostrais, uma vez que eles são calculados para o bloco, e não para mercados europeus individualmente. O uso de efeitos fixos do exportador e do importador inviabiliza a consideração da UE como um único parceiro comercial, pois variáveis popularmente utilizadas no modelo estrutural, como distância, relação colonial, contiguidade, entre outras, não são factíveis de serem mensuradas para o bloco. Nesse caso, Baier e Bergstrand (2007) recomendam a introdução de efeitos fixos para pares de países, que absorvem todas as covariáveis de gravidade invariantes no tempo, além de quaisquer outros determinantes dos custos de comércio que não variam com o tempo, e que não são observadas pelo pesquisador.

Em princípio, as estimativas com os pares de países são permitidas, e os autores acrescentam como benefício complementar a possibilidade de controlar a possível endogeneidade das políticas comerciais. Os efeitos fixos para pares de países explicam as ligações não observáveis entre a covariável endógena e o termo de erro nas regressões comerciais (Baier & Bergstrand, 2007). Egger & Nigai (2015) corroboram a proposta de Baier e Bergstrand (2007) e mostram que os efeitos fixos de pares de países são mais eficientes para mensurar os custos comerciais bilaterais que o próprio conjunto padrão de variáveis gravitacionais.

Outro desafio inerente ao modelo gravitacional é o fato de as variáveis dependentes e independentes não se ajustarem perfeitamente dentro de um único ano. Segundo Olivero e Yotov (2012), isso gera um viés ocasionado pela não consideração da inconsistência do tempo da política comercial, uma vez que a decisão de uma política pode não ser refletida no comércio internacional imediatamente. Para resolver esse problema, Piermartini e Yotov (2016) e Anderson, Larch e Yotov (2020) recomendam estimações com intervalos de tempo em detrimento dos dados agrupados ao longo de anos consecutivos. Com isso, os fluxos de comércio são ajustados às políticas comerciais ou outras mudanças que interferem nos custos de comércio. De acordo com Olivero e Yotov (2012), intervalos de 3 e 5 anos geram estimativas melhor ajustadas.

Por fim, é importante mencionar que os fluxos de comércio bilateral contêm muitos dados faltantes – missings – ou iguais a zero, seja porque os países não transacionam entre si, seja pelo fato desse volume ser pequeno, ao ponto de ser contabilizado como zero, ou mesmo por problemas nas bases de dados internacionais. A aplicação do estimador de MQO na forma logarítmica descarta os fluxos zeros da amostra, admitindo a inexistência de comércio nulo, mesmo que estes contenham informações importantes. Descartar as observações nulas não parece ser apropriado, pois desconsidera informações relevantes sobre as razões pelas quais o comércio não ocorre ou ocorre em baixos níveis. Santos Silva e Tenreyro (2006) propõem um tratamento adequado para contornar o problema de viés de seleção, sugerindo estimar o modelo gravitacional na forma multiplicativa a partir do estimador linear de PPML, o que permite considerar as informações contidas nos fluxos de comércio zero. Outro benefício do PPML é o controle da heterocedasticidade presente nos fluxos comerciais. Estimar uma versão log-linearizada com MQO pode levar a estimativas de parâmetros inconsistentes (Piermartini & Yotov, 2016).

II.2. Estratégia empírica para os subsídios agrícolas

A investigação dos efeitos dos subsídios fornecidos por outros países sobre as exportações agrícolas brasileiras ocorre de duas formas. Primeiro é estimado o efeito para os fluxos comerciais agregados, sem especificar por produto. Nesse caso, são usados os valores dos subsídios PSE, GSSE, CSE e TSEseparadamente3. No segundo caso, os efeitos são analisados no âmbito de produto, com fluxos de exportação desagregados. Para os fluxos agregados, as equações gravitacionais são apresentadas nas equações (2) a (5)

(2)

(3)

(4)

(5)

em que X j t é o valor das exportações agrícolas do país i para o país j no ano t; PIBit e PIBjt representam o produto interno bruto do país exportador i e importador j no ano t, respectivamente; γ i j é o efeito fixo de par de países (ij) e ε i j t é o termo de erro. Os subsídios são representados pelos indicadores de suportes ao produtor: PSEjt, GSSEjt, CSEjt são, nesta ordem, o valor do subsídio fornecido pelo país importador j no ano t a seus produtores;4 ao setor, e aos consumidores de produtos primários. O TSEjt é valor total do subsídio fornecido pelo país importador j e representa o somatório dos indicadores PSEjt, GSSEjt, CSEjt. As estimativas são obtidas sob duas perspectivas, a primeira considera as exportações mundiais (Xjt são as exportações agrícolas de todos os países da amostra) e a segunda, apenas o Brasil (Xjt são as exportações agrícolas brasileiras).

À luz do entendimento de tais subsídios, é possível obter melhor compreensão sobre os efeitos comerciais. O PSE representa medidas de apoio concedidas aos produtores, são “as transferências brutas de consumidores e contribuintes para os produtores agrícolas, medidos no nível da porteira da fazenda” (OECD, 2016, p. 17, tradução nossa). Essas transferências ao produtor são “independentes de sua natureza, objetivos ou impactos na produção agrícola ou renda” (OECD, 2016, p. 17, tradução nossa). Isso significa que os efeitos sobre os preços e a produção não são únicos. Transferências ao produtor podem resultar em preços internos mais altos do que os preços internacionais. Isso ocorre, por exemplo, quando as transferências ao produtor garantem o pagamento de um preço mínimo para estimular a produção nacional. Com efeito, os preços domésticos podem ser mais elevados que os preços de referência externa; nesse caso, a concessão dos subsídios pode ter como consequência um aumento das importações (que se tornam relativamente mais baratas), e não uma redução, que seria o resultado intuitivo5.

A política de apoio aos produtores é uma transferência positiva dos consumidores aos produtores e pode ser pensada como um imposto aos consumidores. Analogamente, uma transferência negativa dos consumidores aos produtores é um imposto aos produtores e um subsídio aos consumidores. O CSE mede o valor das transferências para os consumidores e quase sempre é negativa, pois as transferências dos consumidores, devido às políticas de suporte de preços do mercado, superam quaisquer subsídios de consumo dos contribuintes que possam ser fornecidos aos consumidores.

O GSSE, por sua vez, inclui pagamentos a serviços públicos ou privados fornecidos para a agricultura em geral, incluindo políticas em que o setor agrícola é o principal beneficiário, como programas de P&D que beneficiam a produtividade agrícola. Ao contrário do PSE e do CSE, as transferências GSSE não são destinadas a produtores ou consumidores individuais, logo, não afetam diretamente as receitas agrícolas ou despesas de consumo, embora possam afetar a produção ou consumo agrícola no longo prazo.

Com a inserção dos efeitos fixos de par de países, variáveis invariantes no tempo comumente utilizadas no modelo gravitacional, como distância, idioma, fronteira e relações coloniais comuns, não precisam ser incluídas nas equações gravitacionais. Suas implicações comerciais são controladas pelos referidos efeitos fixos.

Para a estimação dos efeitos dos subsídios sobre produtos, é utilizado o apoio governamental representado pelo indicador SCT, que é o valor dos subsídios para o menor nível tarifário. Na primeira equação desagregada (6), o painel de dados é composto pelas relações comerciais bilaterais para uma série de produtos agrícolas; na segunda equação (7), o painel considera dados para apenas um tipo de produto. Nesse último caso, a equação gravitacional usa como exemplo as exportações de soja.

(6)

(7)

em que Xikjt é o valor das exportações agrícolas do produto k do país i para j no ano t , SCTkjt, é o valor do subsídio fornecido pelo país importador j ao produto k. Se k = soja, SCTsoja,j,té o valor do subsídio fornecido pelo país j importador aos produtores de soja. Na análise individual por bens, são investigados os setores em que o Brasil tem relevância nas exportações mundiais (soja, milho, carne de frango, carne bovina, suína e açúcar) e os segmentos em que o Brasil é dependente das importações para incremento da produção nacional (ovo, leite e trigo).

Para garantir o ajuste temporal das políticas comerciais, os fluxos de comércio são considerados de forma trienal a partir de 20046 (2004, 2007, 2010, 2013, 2016 e 2019). Uma limitação do estudo é a disponibilidade de dados, portanto, a escolha de produtos e países ocorre pelas informações disponibilizadas pela OCDE (quadro 2).

Quadro 2.
Países e produtos da amostra
Países e produtos da amostra
Fonte: elaboração dos autores.

São considerados 27 países, entre eles a União Europeia, avaliada em bloco pois os subsídios são dispostos para o conjunto de países. Os 27 países foram responsáveis por importar, aproximadamente, 52% das exportações mundiais de produtos agrícolas entre 2004 e 2019, e 76.7% das exportações de produtos agrícolas com origem no Brasil. Para garantir a correta especificação funcional do modelo, é realizado o teste de erro de especificação de Ramsey (Ramsey regression equation specification error test – Reset). A descrição dos dados, os sinais esperados e suas respectivas fontes são descritas no quadro 3.

Quadro 3.
Descrição e fonte de dados.
Descrição e fonte de dados.
Fonte: elaboração dos autores.

III. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A tabela 1 mostra os resultados das regressões para o modelo agregado, com considerações às exportações agrícolas mundiais (países da amostra) e brasileiras. Para as exportações mundiais, o PSE apresenta resultado negativo e significativo, ou seja, à medida que o apoio ao produtor cresce, menor tendem a ser as exportações agrícolas. O resultado sugere que, ao receber subsídios, a demanda nacional dos países é complementada pela produção nacional, com consequente redução no volume importado. O apoio ao setor (GSSE) não apresenta qualquer efeito estatístico sobre as exportações mundiais, enquanto o subsídio ao consumidor (CSE) demonstrou relação positiva com as exportações agrícolas globais.

Tabela 1.
Resultados das estimativas para o modelo agregado
Resultados das estimativas para o modelo agregado
Fonte: elaboração dos autores.1. Todos os países da amostra na parte superior e o Brasil na parte inferior2. Os valores entre parênteses referem-se aos erros-padrão robustos em cluster por par de países3. * p < 0.10; ** p < 0.05; e *** p < 0.01. 4. a EF para par de países.

Este último resultado pode ser explicado pelo fato de os subsídios concedidos ao consumidor primário, provavelmente um beneficiador do bem agrícola em seu estado mais bruto, reduzir o custo da matéria-prima. Por exemplo, o laticínio pode receber subsídios na compra de leite, portanto, há estímulo para o consumo do leite, seja ele produzido nacionalmente ou importado. Na ausência de uma tarifa compensatória, o subsídio deverá exercer pressão positiva sobre as importações. Para o TSE, o resultado também é não significativo. Os efeitos estimados para as exportações brasileiras não são muito diferentes, exceto para o CSE, que não apresentou relação estatisticamente significante com o valor exportado. O PSE afeta negativamente as remessas enviadas pelo Brasil e o GSSE e TSE não apresentam qualquer efeito estatístico.

Os próximos resultados são expressos a nível do produto (tabela 2). Os subsídios setoriais são expressos pelo SCT, um dos componentes do PSE. A princípio, é esperado que o resultado do SCT seja consistente, em termos de sinal e significância, com o do PSE do modelo agregado. Entretanto, é observado um padrão distinto ao obtido na tabela 1, o SCT afeta as exportações mundiais e brasileiras de forma positiva e significativa.

Tabela 2.
Resultados das estimativas para o modelo desagregado
Resultados das estimativas para o modelo desagregado
Fonte: elaboração dos autores.1. Todos os países na parte superior e Brasil na parte inferior.2. Os valores entre parênteses referem-se aos erros-padrão robustos em cluster por par de países.3. * p < 0.10; ** p < 0.05; e *** p < 0.01. 4. a EF para par de países.

Ao desagregar o painel em produtos, é notada grande divergência entre os itens subsidiados e os países que concedem o apoio. Além disso, o SCT é um subsídio que agrega, especificamente, o apoio ao produtor e que afeta os preços administrados7 no país importador, política nomeada de suporte ao preço de mercado8 (market price support - MPS). O apoio aos preços por meio dos preços administrados envolve transferência dos consumidores (que pagam a mais pelo produto) ou pagamentos diretos dos governos (compras públicas para produção de estoque, por exemplo). Desse modo, o SCT não contempla os repasses relacionados à compra de insumos e à área produzida, o que é uma limitação para a análise de subsídios para grupos de produtos.

Ao alterar os preços administrados nos países que impõem subsídios, o preço dos produtos agrícolas comercializados internamente pode ser superior ao observado no mercado internacional, com possibilidades de alterar as decisões de consumo entre bens domésticos e importados. Ou seja, a concessão de subsídios pode estar positivamente associada ao aumento das importações, quando não acompanhada por aumento compensatório das tarifas de importações, justificando a relação positiva entre o SCT e as exportações brasileiras e mundiais.

A última análise ocorre sobre produtos específicos e os efeitos recaem apenas sobre as exportações brasileiras. Como expresso anteriormente, os produtos apresentam disponibilidade de informações assimétrica entre os países, o que justifica painéis com dimensões distintas e a não consideração de alguns produtos agrícolas importantes nos fluxos comerciais9 do Brasil, como café, algodão, arroz e frutas. É adicionada à análise uma estratégia metodológica alternativa, além de avaliar o efeito do valor das transferências aos produtos individuais sobre as exportações (valor do SCT), é considerado o volume de subsídios concedidos por cada país. Para tanto, são criadas dummies para classes de valores monetários do SCT, separando os países em grupos (tercis) que fornecem dos menores montantes de subsídios até as maiores cifras. De posse dessas considerações, os resultados demonstram que a relação entre os subsídios e as exportações não é tão óbvia, com variações expressivas entre produtos (tabela 3, apêndice).

Nas exportações de soja em grãos, os subsídios fornecidos pelos países terceiros não apresentam efeitos sobre o comércio do Brasil, dada a não significância estatística da variável SCT. Esse resultado é interessante e pode ser analisado sob algumas vertentes. Primeiro, atualmente o Brasil é o maior exportador mundial da commodity, portanto, embora tenha que lidar com a concorrência da soja subsidiada de outros mercados, o produto brasileiro mantém competitividade. Segundo, o Brasil tem alta produtividade na produção dos grãos, com disponibilidade de terra, água e condições climáticas favoráveis, que possibilita grandes volumes de produção atrelado aos sistemas de plantio direto, o que reduz custos, promove um sistema de produção mais sustentável e beneficia outros setores, como o milho, algodão, feijão e sorgo. Terceiro, a qualidade da soja brasileira pode ser determinante nas exportações. O teor de proteína do grão produzido no Brasil é maior que dos grãos produzidos nos EUA10, principal concorrente brasileiro, o que pode representar um diferencial competitivo.

Na análise de tercis, grandes, médios e baixos volumes relativos de subsídios à produção de soja afetam de forma positiva e significa as exportações brasileiras, demonstrando que, independentemente dos valores dos subsídios concedidos, a política de apoio no exterior parece beneficiar as exportações brasileiras da soja. Isso pode ser explicado pelos preços administrativos que alteram as decisões de importação. Ao considerar que a soja é destinada principalmente à produção de ração, intensificando a importância do preço na tomada de decisão.

A mesma dinâmica é verificada no mercado de milho. O parâmetro atribuído ao SCT aponta para o mesmo efeito positivo e significativo dos subsídios sobre o volume exportado pelo Brasil. Ao complementar a análise com as estimativas das dummies, é observado sinal negativo no caso das economias que ofereceram subsídios relativamente menores − países considerados no primeiro tercil −, e efeito positivo sobre os maiores volumes de subsídios. Novamente, os preços administrados nos países que fornecem o apoio ao produtor podem explicar o sinal positivo que beneficia os envios brasileiros de milho.

Considerando a cadeia do milho, é possível expandir a interpretação dos resultados para além dos preços administrados. O milho é um produto sujeito a diversos níveis de processamento (similar à soja), e seus subprodutos comportam desde a produção de biocombustível até a produção de amido e farelo de milho e insumos empregados em outros setores, como a produção de ração para animais, com efeitos sobre o setor cárneo. De tal modo, o resultado positivo do subsídio ao milho pode sugerir que aumento das exportações brasileiras ocorre pelo fato de o grão fornecido pelo Brasil ser usado na base de produção de outros produtos agrícolas em países importadores, mesmo que os países recebam subsídios para o estímulo da produção doméstica.

Outro ponto importante é que os mercados de soja e milho são concentrados em poucos exportadores. Brasil e EUA são os principais fornecedores desses grãos. Ocorre que o maior concorrente brasileiro nesses mercados, os EUA, está entre os grupos de países que fornecem os maiores volumes de subsídios para ambas as commodities e, mesmo assim, o Brasil mantém-se competitivo no fornecimento de tais produtos. A capacidade de produção brasileira parece fornecer ao país vantagens competitivas mesmo diante de estímulos comerciais em outros países.

No setor de carnes, não houve um efeito similar entre os bens. Os subsídios não apresentaram significância estatística sobre as exportações de carne de frango, tanto na análise do SCT como para as dummies, diferentemente do que ocorreu para as carnes bovina e suína, que são afetadas positivamente pelos subsídios. Em ambos os casos, os resultados significativos do SCT são reforçados pela análise dos tercis, que também apresentaram significância para as classificações que contemplam os subsídios relativamente altos e médios. Nesse caso, os maiores fornecedores de subsídios são os principais importadores do Brasil, destacando a UE, a Rússia e a China no mercado de carne bovina; a China, a Ucrânia e a Rússia no segmento de suínos. Esses resultados sugerem que, apesar do alto incentivo à produção nos países que adquirem a carne brasileira, a demanda se mantém aquecida, preservando, ou mesmo elevando, as exportações brasileiras.

Além disso, outra possível justificativa está no aumento do consumo de carne bovina em outros países que antes não atribuíam alto peso à carne na cesta de consumo, contribuindo para o aumento da parcela das exportações brasileiras em nível mundial. Outrossim, importante sublinhar que as questões sanitárias são condicionantes no consumo mundial de carnes e é um aspecto que fornece competitividade nas exportações brasileiras. O Brasil detém um dos sistemas de defesa sanitária e rastreabilidade mais robustos do mundo, adequados para minimizar os riscos de propagação de doenças e manter a sanidade das carnes, o que favorece o país nos fluxos de comércio. Além disso, o país não registra casos graves de epidemias que afetam a pecuária em outros continentes, como a febre aftosa e a peste suína africana.

No caso do açúcar, os países amostrais que adotaram os maiores subsídios para o açúcar são também os maiores importadores mundiais e do Brasil. Neste caso, a concessão de subsídios tem apresentado efeitos negativos sobre os envios brasileiros, tanto pelo parâmetro do SCT quanto pelas dummies. O apoio governamental aos produtores de açúcar estimula o aumento da produção doméstica nos países que importam do Brasil, portanto, a produção nacional pode estar suprindo a demanda doméstica e refletir na redução das importações do açúcar brasileiro. É importante sublinhar o caso indiano. A Índia é uma grande importadora do açúcar proveniente do Brasil, entretanto, vem aumentando suas exportações desse produto, saindo da condição de comprador a concorrente brasileiro. Para essa commodity, especialmente, o Brasil e outros grandes mercados fornecedores mundiais de açúcar buscam soluções recorrentes na OMC para que a Organização intervenha junto ao governo indiano a respeito de medidas de apoio interno e supostos subsídios à exportação (Hopewell, 2019).

Para os derivados de produto animal, os subsídios não foram significativos para explicar as exportações de ovos, mas apresentaram significância no mercado de leite, sugerindo efeito positivo sobre as vendas brasileiras. Embora os resultados possam indicar um catalisador para as exportações do Brasil, são incomuns as exportações de leite cru. Geralmente, o fluxo comercial de leite ocorre por meio de derivados, como leite em pó, leite UHT e leite condensado ou derivados, como manteiga, queijos, soro de leite etc. Inclusive, o Brasil é importador líquido no setor lácteo, adquirindo grandes volumes de leite em pó. Para esse produto, especificamente, é necessária uma análise mais cautelosa a partir de um estudo aprofundado sobre o setor.

No setor do trigo, o Brasil também mantém a condição de importador líquido. Embora o Brasil exporte pouco trigo em relação ao que importa11, o trigo brasileiro é de qualidade não panificável12 e pode ser usado para fins diversos (e. g. produção de farinha de biscoito e ração). Os preços do trigo brasileiro são baixos, dadas as condições produtivas que conferem produtividade à qualidade do trigo enviado pelo país, o que explica o resultado positivo.

Em síntese, os resultados específicos por produtos demonstram que os subsídios, na maioria das vezes, não afetam as exportações brasileiras na forma esperada, reduzindo os envios do Brasil. O país é competitivo no mercado agrícola, apresentando ganhos recorrentes de produtividade que conferem ao Brasil posição de líder mundial no fornecimento de bens, como a soja e a carne bovina. O único produto afetado de forma negativa é o açúcar. Com efeito, muitos parceiros comerciais concedem subsídios com o objetivo de incrementar a produção nacional por meio de preços administrados, com consequente aumento nos preços praticados internamente, favorecendo as importações do Brasil.

CONCLUSÕES

O estudo avaliou se os efeitos dos subsídios agrícolas fornecidos pelos países sobre as exportações brasileiras são consistentes com os observados para os envios a nível mundial. Outra contribuição foi a comparação dos parâmetros estimados para o setor agrícola agregado e para um conjunto de produtos, evidenciando que os resultados podem ser diferentes a depender do nível de desagregação considerado.

O apoio direto ao produtor (PSE) afeta as exportações agregadas brasileiras e mundiais de forma negativa, sugerindo que a política comercial, de fato, tem efeito de distorção nos fluxos de comércio. Esse resultado substancia as discussões multilaterais no âmbito do AA da OMC, em que os países membros alegam que o apoio doméstico estimula a superprodução nacional e reduz as importações. Entretanto, quando a análise é feita com painel de produtos desagregados, os resultados são distintos. Nesse caso, os subsídios aos produtos específicos indicam relação positiva entre o apoio do governo direcionado a certos produtos e às exportações mundiais e brasileiras. Esse resultado é interessante e revela um aspecto importante sobre a política de subsídios ao produto, que é a política de suporte aos preços, que pode induzir um aumento nos preços nacionais, com objetivo de manter a renda ao produtor, ampliando a lacuna entre os preços nacionais e externos, com os preços internacionais inferiores. Se a política desse tipo de subsídio não for combinada com um aumento nas tarifas de importação, o efeito pode ser o aumento nas importações, o que beneficia as remessas brasileiras.

Por fim, a análise dos efeitos dos subsídios de países terceiros sobre as exportações brasileiras de soja, milho, carnes, açúcar, ovos, leite e trigo reforçou a capacidade competitiva do Brasil, frente ao apoio doméstico de países terceiros, em quase todos os setores, exceto açúcar e ovos. Isto é, a concessão de apoio doméstico por outros países não afeta os envios brasileiros de forma a reduzi-los, conforme esperado pela teoria econômica, pelo contrário, as exportações brasileiras são estimuladas, evidenciado as vantagens comparativas nas exportações agrícolas, seja pela disponibilidade de recursos naturais que confere preços competitivos aos produtos brasileiros ou pelo robusto sistema de defesa sanitário nacional, que garante qualidade às carnes enviadas pelo país.

Embora as questões relacionadas aos subsídios estejam de forma recorrente em debate pelos países membros da OMC, há relativamente poucos estudos que evidenciaram os efeitos comerciais a partir do apoio doméstico. Considerando a crescente integração dos mercados, os resultados fornecidos nesse estudo são uma contribuição importante para a literatura econômica e fornecem as bases para pesquisas futuras.

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APÊNDICE

Tabela 3.
Resultados das estimativas para o Brasil considerando o SCT ao nível de produto
Resultados das estimativas para o Brasil considerando o SCT ao nível de produto
Fonte: resultado das estimações.1. Os valores entre parênteses referem-se aos erros-padrão robustos em cluster por par de países.2. * p < 0.10; ** p < 0.05; e *** p < 0.01.3. a EF para par de países.

Notas

1 Essa categoria compreende os gastos em pesquisa e desenvolvimento ao setor, treinamento e educação agrícola (escolas agrícolas), controle de qualidade e inocuidade de alimentos, serviços de fiscalização ambiental, melhoramento das infraestruturas coletivas, estocagem pública e outros serviços gerais que beneficiam os produtores de um modo geral (OECD, 2016).
2 Anderson e van Wincoop (2003) concluíram, por meio de estimativas, que o valor desse parâmetro varia entre cinco e dez, e adotaram o valor oito em seu trabalho de referência.
3 Os subsídios foram estimados separadamente porque existia alta correlação entre as medidas.
4 Nas variáveis “subsídios”, é aplicada a transformação seno hiperbólica inversa. Esse tratamento nos dados permite manter as propriedades dos valores monetários, ou seja, números negativos permanecem negativos, bem como os zeros permanecem zeros. Essa transformação foi utilizada em outros estudos com aplicação do modelo gravitacional: Gibson, Datt, Murgai e Ravallion (2017) e Webb, Strutt, Gibson e Walmsley (2020). Bellemare e Wichmann (2020) apresentam condições e cuidados para sua utilização adequada em trabalhos empíricos.
5 Esse episódio ocorreu na China, de 2008 a 2010 e de 2011 a 2013. Com intuito de elevar a produção e a renda dos produtores, parte dos subsídios era concedida por meio de preços administrados, em que produtores determinavam valores superiores aos preços de referência externa. O próprio governo adquiria os produtos subsidiados, estimulando a demanda nacional (Zhihong, 2009).
6 A partir de 2004 mais países e produtos são contemplados pela base de dados da OCDE. Por essa razão, é utilizada a versão mais recente, anterior a 2004, do sistema harmonizado (SH) para seleção dos produtos agrícolas (SH 2002).
7 Programas de aquisição e liberação de estoques de gêneros alimentícios são usados para fins de segurança alimentar e controle dos preços administrados.
8 Existe uma base de cálculo que determina a quantidade produzida elegível para receber o preço administrado. Ver https://www.fao.org/fileadmin/templates/est/meetings/stocks/Konandreas-Mermigkas_16Feb2014.pdf. Acesso em 02 de março de 2022.
9 Importantes no fluxo de exportação e importação.
10 Ver https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/42730069/brasil-pode-ganhar-mais-com-a-soja-se-priorizar-a-qualidade-do-grao. Acesso em 02 de março de 2022.
11 O Brasil importa o trigo Classe Pão.
12 O padrão de qualidade envolve o teor de proteínas totais, glúten e outros parâmetros técnicos. Ver https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/1132977/1/Doc-189-o.pdf. Acesso em 02 de março e 2022.
° Viana Martins, M. M., Cechin, A., Almeida Bispo, S. Q., de Araujo Pedrosa, F. & Braga Nonnenberg, M. J. (2024). Subsídios agrícolas e comércio internacional: quais implicações sobre as exportações mundiais e brasileiras? Estudios econômicos, 41(82), pp. 155-187, DOI: 10.52292/j.estudecon.2024.3508
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