Educação Multicultural: actualidade e pertinência

Multicultural Education: actuality and pertinence

Maria do Carmo Vieira da Silva

Educação Multicultural: actualidade e pertinência

SAPIENTIAE: Revista de Ciencias Sociais, Humanas e Engenharias, vol. 1, núm. 1, pp. 41-51, 2015

Universidade Óscar Ribas

Resumo: Neste artigo tem-se como objectivo reflectir sobre a actualidade e a importância da educação multicultural, sem entrar em abordagens relativas à diferenciação entre as expressões «educação multicultural» e «educação intercultural». Contextualiza-se temporal e socialmente o movimento da educação multicultural e dá-se enfoque ao pensamento de James A. Banks, procurando mostrar o quanto ainda há a desenvolver no que aos princípios e aos objectivos da educação multicultural diz respeito. Com efeito, independentemente das alterações curriculares que Banks aconselha e das adaptações que propõe, valoriza-se o papel do professor como elemento que, por si só e independentemente da disciplina que leccione, exerce um papel fundamental na educação multicultural e na preparação dos seus alunos para a diversidade humana, para o respeito para com os outros e para a compreensão, a aceitação e o diálogo com aqueles que são diferentes. A procura de elementos comuns, sejam costumes, maneiras de ser, de estar e de agir, concepções religiosas, valores e outros, constituem um objectivo fundamental tendo em vista o reforço da solidariedade e a construção de uma sociedade mais justa e humana. A educação multicultural não tem unicamente como destinatários os que são diferentes; pelo contrário, quanto mais monocultural se apresentar uma sociedade ou comunidade, maior a necessidade de dar a conhecer o diferente.

Palavras-chave: Educação multicultural, Níveis de desenvolvimento, Papel do professor.

Abstract: The purpose of this article is to reflect on today and the importance of multicultural education, without approaching the differences between the terms «multicultural education» and «intercultural education». This article will contextualize the multicultural education movement socially and in time and focus on James A. Banks thinking, in order to show how much the principles and objectives of multicultural education still need to be developed. In fact, independently of the curricular changes suggested and the adjustments proposed by Banks, the teacher´s role is valued as an element that, by itself and independently of the subject taught, exercises a fundamental part in multicultural education and in the preparation of his students to human diversity, respect for others and understanding, acceptance and dialogue with those who are different. The search for common elements, whether local habits, ways of being, living and acting, religious conceptions, values and others, constitute a fundamental objective with view to reinforce solidarity and the construction of a fairer and more human society. The recipients of multicultural education are not only those who are different; by the contrary, the more monocultural a society and community present themselves, the greater is the need to make the different known.

Keywords: Multicultural education, Levels of development, Teacher role.

Introdução

A primeira questão que este artigo pode colocar refere-se ao seu próprio título e, concretamente, à referência a educação multicultural e não à expressão que actualmente é mais difundida: a de educação intercultural.

O debate sobre estas duas designações parece ultrapassado com a generalização da nomenclatura intercultural, que é considerada mais rica na sua própria formação linguística, tendo o reforço do prefixo inter, e mais consensual e política e socialmente adequada a tempos em que a diversidade exige a interacção, a relação e o diálogo com o Outro. Esta abrangência refere-se não só àqueles que pertencem a culturas diferentes mas igualmente àqueles que dentro do mesmo contexto social e comunitário apresentam referências culturais distintas seja por nacionalidade, ascendência étnica, meio social, educação, religião, e outros.

A expressão educação intercultural colheu os seus primeiros interesses por parte do mundo francófono e do próprio Conselho da Europa, sempre atento e preocupado com as questões da diversidade, da interacção e da equidade entre grupos e indivíduos.

Contudo, no contexto anglo-saxónico, a expressão educação multicultural continuou a prevalecer com um sentido de abrangência senão igual pelo menos muito similar ao de educação intercultural.

Daí a pertinência e a actualidade do título deste artigo que tem como finalidade trazer à colação alguns objectivos da educação multicultural e demonstrar como a mesma se apresenta viva e rica em termos de propostas de desenvolvimento e de aplicação dos seus princípios.

1. De movimento social a movimento Educativo

A década de 1960 apresentou-se multifacetada em termos de movimentos reivindicativos e de alterações sociais quer na Europa quer nos Estados Unidos da América.

Com efeito, o período que se seguiu ao final da II Guerra Mundial trouxe à Humanidade todo um conjunto de novidades que se repercutem ainda nos dias de hoje. Ao flagelo que se viveu, à devastação, ao Holocausto, à deslocação de populações dos seus territórios de origem, sucedeu-se o aparecimento de um conjunto de situações e de documentos como sejam: Declaração Universal dos Direitos Humanos (10/12/1948), sob o patrocínio da Organização das Nações Unidas e onde Eleanor Roosevelt (mulher do presidente dos EUA) teve um papel relevante; Convenção sobre os Direitos da Criança (Nações Unidas, 20/11/1989); Constituição Europeia (18/07/2003), assinada a 29/10/2004 em Roma, resultado de um amplo trabalho de unidade europeia iniciado por Jean Monnet (1888-1979) e Robert Schuman (1886-1963); independência de colónias até então sob o domínio de países europeus, como é caso a título de exemplo, da Índia, Paquistão, Jamaica,… Este último movimento só se fará sentir em Portugal após a Revolução de 25 de Abril de 1974, iniciando-se as independências das antigas colónias a partir de 1975.

Do outro lado do Atlântico, e concretamente nos EUA, os movimentos sociais sucedem-se alegando melhores condições de vida entre brancos e negros e, sobretudo, pedindo o fim do apartheid e da discriminação racista nos empregos, lugares públicos, escolas, etc. Este movimento tem o seu início oficial com um acontecimento que, à partida, nada faria prever: Mrs. Parks, uma vendedora negra, cansada de um dia de trabalho e sentada num lugar do autocarro, reservado à população negra, recusa-se a levantar para dar o seu lugar a um homem branco que lho exigia, como era costume. Nomes como o do reverendo Martin Luther King encabeçam grandes manifestações que têm como consequência o boicote aos autocarros assim como a recusa em comprar em armazéns que praticassem a discriminação racial, ou de adquirir produtos fabricados por firmas segregacionistas. Estas acções traduzem-se em milhares de dólares de prejuízo e prolongam-se pelas décadas de 1960 e 1970 até ao reconhecimento, pelo menos oficialmente, do fim do apartheid.

Uma foto de 1957 (da Will Counts/Arkansas Democrat/Associated Press Photos of the Century) mostra uma activista negra – Elizabeth Eckford –, quando se dirigia para o liceu de Little Rock (EUA), onde pretendia furar a discriminação racial no ensino, tentando entrar no edifício e a ser insultada por alunos brancos e acabando por ser impedida de entrar por guardas.

É exactamente nesta passagem do movimento social para o movimento educativo, numa lógica normal de activismo contra a discriminação, que surge a denominada educação multicultural intimamente ligada a James A. Banks (1941 - ). Se num primeiro momento este movimento foi um «chapéu» para acolher todos os grupos que se sentiam diferentes, discriminados e marginalizados económica e socialmente (descapacitados, deficientes, homossexuais, lésbicas, classe social, género, excepcionalidade, raça, minorias étnicas, …), reivindicando direitos humanos e civis e lutando pela igualdade de oportunidades, pouco a pouco a focagem centrou-se na educação, à medida que os outros grupos se iam assumindo por si e encontrando o seu espaço autónomo de reivindicação.

2. A Educação multicultural

Ao assumir o movimento da educação multicultural, Banks define-a, em 1985, como «programas e práticas desenhados para ajudar a implementar o sucesso académico de populações étnicas e imigrantes e/ou para ensinar os estudantes de grupos maioritários sobre as culturas e experiências de grupos étnicos minoritários» (Silva, 2008, p. 29). Dez anos passados, ao pronunciar-se sobre a evolução sofrida pelo conceito, Banks frisa que os seus fins e objectivos se mantêm, ainda que o alcance e limites se apresentem pouco consensuais. Destaca como objectivo principal da educação multicultural «reformar a escola e outras instituições educativas para que os estudantes de diferente raça, etnia e classe social experienciem uma igualdade educativa» (Banks, 1995, p. 3).

É este princípio de igualdade de oportunidades educativas para todos os alunos, independentemente do género a que pertençam, da sua origem social, dos recursos económicos, das crenças religiosas e dos modos de vida, que passa a nortear a educação multicultural numa procura de meios e de estratégias que permitam a cada aluno alcançar o sucesso académico, prosseguir os seus estudos e realizar-se como pessoa e como cidadão.

De entre as várias propostas enunciadas, assumem-se como mais relevantes: a) a definição de objectivos; b) as alterações a nível do currículo escolar; c) a produção de novos materiais de ensino, adequados aos objectivos definidos e às alterações curriculares; d) as novas propostas de ensinar e de aprender em função das características dos alunos, dos seus pré-requisitos, dos seus meios de origem, da sua cultura familiar, do seu ambiente de vida; e) os professores com formas de entendimento diferente destes alunos, conhecedores do seu ambiente familiar e comunitário, das suas vivências e das suas expectativas, preparados para trabalhar com eles e para implementar a confiança nas suas capacidades. Realça-se sobretudo este último ponto – papel do professor na educação multicultural – porque continuamos a acreditar que é o professor, independentemente das imposições curriculares estabelecidas, das orientações formuladas, dos próprios materiais de trabalho apresentados e seleccionados, quem continua a deter o «papel principal» na alteração do status quo. Ou seja, por mais inovadoras que as propostas se apresentem, se o professor não acreditar na educação multicultural, não compreender o seu sentido, não estiver disposto a mudar, não souber valorizar os seus alunos e levá-los a acreditar que são capazes de conseguir, pouco ou nada se modificará.

Contudo, a educação multicultural não surge do nada mas antes resulta de toda uma série de contributos de outras disciplinas, como sejam: a Antropologia, que chamou a atenção para o conceito de cultura e para o conjunto de significados que se aplicam às atitudes, valores, representações e condutas de um grupo cultural; a Psicologia, que desenvolveu estudos no campo da psicologia da inteligência, da psicologia cognitiva e em outras áreas, tendo como alvo indivíduos com origens culturais diferentes; a Sociologia da Educação, que se focou na desigualdade na escolarização e no conflito entre grupos; a História, com a valorização dos estudos étnicos; a Linguística, que valorizou a língua não só como meio de comunicação interpessoal, mas também como expressão de valores, de significados, de uma identidade cultural diferenciada; a Filosofia e os ideais de igualdade, mutualidade e justiça humana; a Ciência Política, que defende que pessoas com experiências culturais diferentes podem viver conjuntamente em paz e harmonia, com benefício de todas as afiliações culturais.

A definição do conceito de educação multicultural tornou-se, assim, demasiado ampla, sem limites bem estabelecidos, recolhendo contributos muito heterogéneos e aplicações práticas igualmente diversificadas. Contudo, apresentou-se como oposição a um modelo de educação monocultural, até aí vigente e que era a expressão, no discurso educativo, das ideias assimilacionistas dos anos 60 do séc. XX. O objectivo desta educação monocultural consistia em encorajar «os outros» a serem como «nós»; isto é, «a escola serviu como a instituição principal para a aculturação dos filhos dos imigrantes e abertamente ensinou-os a depreciarem as suas culturas» (Banks, 1981, in Silva, 2008, p. 28), ao suprimir as diferenças étnicas, linguísticas e culturais, implementando o ensino do inglês, como segunda língua, a crianças e jovens que tinham outra língua-mãe. É na contradição desta situação que Banks (1997, p.107) enuncia o objectivo da educação multicultural: «ajudar os estudantes a tornarem-se pensadores críticos possuindo o conhecimento, as atitudes, as destrezas e os compromissos necessários para participarem na acção democrática ajudando as sociedades a ultrapassarem a lacuna existente entre os seus ideais e as suas realidades.»

Face a estas realidades, os objectivos da educação multicultural incidiram sobre a necessidade de:

1) Promover a diversidade étnica, cultural, religiosa, …, como um elemento positivo e enriquecedor para todos os cidadãos, maioritários e minoritários.

2) Possibilitar a reflexão sobre a própria cultura e os seus valores a partir de outros pontos de referência.

3) Apresentar as diferentes culturas tão válidas como a própria.

4) Erradicar os preconceitos e os estereótipos a partir do conhecimento de outras culturas.

5) Desenvolver competências interculturais.

Contudo, estes elementos não se mantêm estáticos, o que leva Banks (1995) a alterar e a aperfeiçoar determinados parâmetros, salientando cinco dimensões da educação multicultural: o conteúdo de integração; o processo de construção do conhecimento; a redução do preconceito; a pedagogia para a equidade; o fortalecimento da cultura escolar e da estrutura social.

Parece-nos pertinente proceder a uma reflexão sobre estes cinco níveis de desenvolvimento propostos por Banks (1995) que, em nossa opinião, se continuam a constituir como pilares base de todo o processo de desenvolvimento educativo multicultural a desenvolver pelos professores.

1. O conteúdo de integração. Está relacionado com o uso que os professores fazem da informação proveniente de diferentes culturas e grupos e que vem completar, alargar e enriquecer os conteúdos básicos e formais do currículo. A um nível mais elementar, pode falar-se de elementos culturais discretos, de contributos, como lhes chama Banks (1995, p. 12). Estes contributos incluem a referência, por exemplo, a determinadas personagens, heróis, heroínas da história de uma dada comunidade. Contudo, quando os professores introduzem conteúdos étnicos, temas e perspectivas, sem alteração da estrutura básica do currículo, diz Banks que estão a utilizar o caminho aditivo. No entanto, «se esta atitude parece ser de fundamental importância, ela não deve constituir o fim único da educação multicultural e, por outro lado, pode levar os professores de determinadas disciplinas (como, por exemplo, das áreas das ciências ditas exactas) a considerarem o conteúdo de integração como algo que lhes é alheio, na medida em que lhes parece surgir como muito mais adequado às disciplinas pertencentes às ciências sociais e humanas» (Silva, 2008, p.32).

2. O processo de construção do conhecimento. Neste nível de desenvolvimento, os professores estão a ajudar os alunos a compreenderem não só o modo como o conhecimento é criado mas também como é influenciado pelas posições raciais, étnicas e de classe social dos indivíduos e dos grupos. Neste processo de construção do conhecimento, o professor transforma, o que implica uma alteração da estrutura do currículo para permitir que os alunos conheçam conceitos, resultados, acontecimentos e temas através da perspectiva de vários grupos étnicos e culturais. «Este percurso pode levar a uma outra extensão do caminho da transformação – o da acção social – onde os alunos tomam decisões sobre determinados problemas sociais e, inclusive, exercem determinadas actuações com vista à sua resolução» (Silva, 2008, p. 33). Assim, Banks (1997, p.108) entende por conhecimento «o modo como cada pessoa explica ou interpreta a realidade» e identifica cinco tipos de conhecimento: pessoal/ cultural, popular, académico, académico transformativo, escolar.

O conhecimento pessoal/cultural é constituído por conceitos, explanações e interpretações provenientes da experiência de cada indivíduo na família e nas comunidades culturais de pertença e de vizinhança. Com frequência, colide com o conhecimento, as normas e as expectativas escolares, provocando nos alunos dificuldades académicas tanto mais acentuadas quanto mais esses conhecimentos individuais se afastarem da norma. O conhecimento popular tem origem nos factos, nas interpretações e nas crenças institucionalizadas pelos mass media, assim como por outras instituições que fazem parte da cultura popular, e que reforçam e perpetuam atitudes sociais dominantes. O conhecimento académico consiste nos conceitos, nos paradigmas, nas teorias e nas explicações «que constituem o conhecimento tradicional estabelecido pelas ciências comportamentais e sociais e que, embora dinâmico, complexo e mutável, nem sempre tem facilidade em se afastar de determinados cânones e paradigmas dominantes, influenciados por interesses e valores» (Silva, 2008, p.33). O conhecimento académico transformativo é constituído por conceitos, paradigmas, temas e explicações que desafiam o conhecimento académico e questionam cânones, paradigmas, teorias, explicações e métodos de investigação, podendo provocar mudanças no conhecimento académico e contribuindo, ainda, para uma transformação social e, inclusive, uma revolução científica. O conhecimento escolar é constituído por factos, conceitos, generalizações e interpretações, apresentados em manuais escolares, sebentas, guiões, meios audiovisuais, plataformas digitais e outros da responsabilidade dos professores.

Importa salientar que, embora o processo de construção do conhecimento pareça não se poder fazer sem ter previamente existido um conteúdo de integração, na prática tal nem sempre acontece. Com efeito, os professores podem inserir no currículo conteúdos sobre um determinado grupo étnico sem ajudar os alunos a compreender a perspectiva desse mesmo grupo e sem desenvolver qualquer estratégia nesse sentido.

3. A redução do preconceito, relativamente a outros indivíduos e/ou grupos, assume um papel relevante na educação multicultural, uma vez que é frequentemente defendido que só através do conhecimento das características das atitudes racistas dos alunos e das estratégias que podem ser desenvolvidas se poderá ajudar os alunos e os estudantes a desenvolverem atitudes e valores mais democráticos, relativamente aos colegas e à sociedade no seu todo.

4. A pedagogia para a equidade. Este nível de desenvolvimento implica a implementação nas aulas pelos professores de técnicas e de métodos que promovam o rendimento escolar positivo dos alunos pertencentes a diferentes grupos raciais, étnicos e de classe social diversa e, como consequência, contribuam para o sucesso académico de todos os alunos.

5. O fortalecimento da cultura escolar e da estrutura social aponta para a necessidade de se proceder a uma restruturação quer da cultura escolar, quer da organização da escola, quer da formação dos professores e dos agentes de ensino formal e informal. Com efeito, não basta «decretar reformas, proceder a alterações no currículo formal e informal, integrar novos materiais de ensino, implementar programas de aconselhamento e novas estratégias de ensino. Há que ter em atenção outras variáveis escolares como os papéis, as normas e o próprio clima humano da escola, para que a mudança aconteça» (Silva, 2008, p. 34).

Estes cinco níveis de desenvolvimento constituem, assim, etapas articuladas e consecutivas que pressupõem a implicação do professor e a sua própria experimentação nestes níveis. Na verdade, se o professor por si não tiver experienciado o conteúdo de integração, nem o processo de construção do conhecimento, nem tão pouco a redução do preconceito, nem fomentado a pedagogia para a equidade, nem se tiver preocupado com o fortalecimento da cultura escolar e da estrutura social, dificilmente estes níveis de desenvolvimento poderiam ser considerados como tais.

Importa também assinalar os resultados educativos positivos alcançados por escolas com uma clara opção pedagógica multicultural

3. A Educação multicultural no séc. xxi

Independentemente de optarmos pela expressão multicultural ou intercultural, parece-nos claro que os princípios / níveis acabados de enunciar constituem etapas que qualquer professor e profissional da educação deve conhecer e saber desenvolver para exercer com proficiência e eficácia a educação multicultural.

Esta não se desenvolve numa disciplina única, sob a responsabilidade única de um professor, ou de um outro qualquer agente de ensino, como que anexa a um qualquer currículo formal ou informal a que o professor a quem foi atribuído o mesmo tem, «sem remédio», de abordar.

A educação multicultural é transversal ao currículo e obrigação de qualquer docente que se intitula profissional da educação, independentemente da disciplina que leciona. Também o é de todos os agentes que trabalham na escola através do seu exemplo e da sua educação informal. A multiculturalidade faz parte integrante da diversidade social pelo que os professores têm de estar abertos ao conhecimento, despertos para os acontecimentos mundiais, para as realidades vividas pelos outros. O Mundo não é «o meu mundinho», limitado a um círculo familiar e de amigos, de opiniões e de comportamentos uniformizados e padronizados, pautados por valores inquestionáveis.

Como refere Banks et al. (2005), mais do que multicultural, trata-se, hoje, de abordar a cidadania global, pelo que se deveria ter em atenção os seguintes aspectos:

1) Os estudantes deveriam aprender a complexidade das relações entre unidade e diversidade nas suas comunidades locais, no seu país e no mundo (idem, p.11).

2) Os estudantes deveriam igualmente aprender como na sua comunidade, na sua nação e na sua região estão constantemente interdependentes de outros em todo o mundo e como se relacionam e estabelecem trocas económicas, políticas, culturais, ambientais e tecnológicas em todo o planeta (ibidem).

3) O ensino dos direitos humanos deveria sustentar os cursos e os programas de educação para a cidadania nas nações-estados multiculturais (idem, p.12).

4) Os estudantes deveriam ser ensinados sobre democracia e instituições democráticas e terem oportunidade de praticar a democracia (idem, p.13).

Se os estudantes «deveriam aprender», os professores têm de ser os pri- meiros a aprender para poderem ensinar. A cidadania aprende-se vendo, imitando, fazendo. Todos – alunos e professores – aprendemos uns com os outros, com a diversidade de cada um. Com essa diversidade tornamo-nos mais conscientes, fortes e enriquecidos como pessoas e como cidadãos.

Como Banks et al. (2005, p. 27) afirmam, «a igualdade cívica é uma característica essencial de uma nação-estado democrática (Gutmann, 2004). Os cidadãos de diversos grupos raciais, étnicos, culturais, linguísticos e religiosos deveriam estar estruturalmente incluídos no seio da nação-estado e verem as suas experiências, esperanças e sonhos reflectidos na cultura nacional com a finalidade de desenvolverem e clarificarem, em profundidade, compromissos para com a nação-estado e, de um modo abrangente, com o seu ethos. A democracia cultural é um componente essencial de uma democracia política.»

Banks (2004) insiste, ainda, que uma das principais finalidades da educação para a cidadania multicultural deve ser ajudar os estudantes a adquirir um delicado equilíbrio entre as suas identificações culturais, nacionais e globais.

Assim todos nós, docentes, o queiramos!

Referências bibliográficas

Banks, J. A. et al. (2005). Democracy and diversity: principles and concepts for educating citizens in a global age. Seattle: Center for Multicultural Education, College of Education, University of Washington, Seattle.

Banks, J. A. (2004). Teaching for social justice, diversity and citizenship in a global world. The Educational Forum, 68(4), 296-305.

Banks, J. A. (1997). Transformative Knowledge: Implications for multicultural education and curriculum reform. Colóquio/Educação e Sociedade, 1, 107-125.

Banks, J. A. (1985). Multicultural Education. In The international encyclopedia of education. Oxford: Pergamon Press (vol. 6), 3440-3442.

Silva, M.C.V. (2008). Diversidade cultural na escola: encontros e desencontros. Lisboa: Colibri.

UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization). (2002). Enhancing global sustainability. Johannesburg, South Africa: World Summit on Sustainable Development. Retrieved May 15, 2004, from www.unesco.org.

HTML generado a partir de XML-JATS4R por