Compreensão Dos Direitos Humanos Por Parte Dos Estudantes De Direito Da Universidade Óscar Ribas

Understanding human rights by law students of the Óscar Ribas University

Comprension de los derechos humanos por parte de los estudiantes de Derecho de la Universidad Óscar Ribas

Alfredo Gabriel Buza
Universidade Óscar Ribas Luanda, Angola, Angola

Compreensão Dos Direitos Humanos Por Parte Dos Estudantes De Direito Da Universidade Óscar Ribas

SAPIENTIAE: Revista de Ciencias Sociais, Humanas e Engenharias, vol. 2, núm. 1, pp. 4-20, 2016

Universidade Óscar Ribas

Resumo: Com o objectivo de avaliar o nível de compreensão, dos estudantes do curso de Direito da Universidade Óscar Ribas (UÓR), sobre os Direitos Humanos em Angola, analisou-se um caso de estudo. A abordagem foi qualitativa, com os métodos técnico-jurídicos, revisão bibliográfica, bem como uma avaliação do disposto na Constituição da República de Angola, relativamente ao tema em questão, definido como um paradigma normativo. Trinta estudantes responderam ao questionário. Concluiu-se que os estudantes têm informações a cerca dos Direitos Humanos e 36,6% ouviram falar sobre os mesmos, no ensino não universitário. Os indicadores sobre Direitos Humanos são: o direito à vida, à integridade, o princípio de igualdade e a liberdade de expressão. A Constituição é a norma essencial nesta matéria, tendo sido citados os direitos estabelecidos nos artigos 30.º, 59.º e 23.º. Os Direitos Humanos são salvaguardados, mas as violações isoladas e a falta de celeridade nos casos jurídicos mediáticos deixa subentendida a impunidade e o incumprimento, quando há perda de vidas. Surge, de facto, a necessidade de se regulamentar a Lei sobre a Liberdade de Reunião e de Manifestação.

Palavras-chave: Direitos humanos, Estudantes universitários, Percepção, Angola.

Abstract: The aim was to identify the understanding of human rights in Angola through case studies. With a qualitative approach, recourse to technical and legal method, literature review, and as a normative paradigm of the Constitution including the questionnaire of 30 students. In conclusion, students have a concept of human rights, of which 36.6% have heard of them in non-university education. The appointed human rights indicators are the right to life, integrity, the principle of equality and freedom of speech. There was unanimity that the Constitution is the essential rule on this matter and were cited in the Articles 30.º, 59.º and 23.º. Human rights are safeguarded, most isolated violations lack the lack of speed of the media legal cases, leaving the feeling of impunity and non-compliance with the law, especially when there is the loss of life. We urge regulation of the Law on Freedom of Assembly and Demonstration. 4

Keywords: Human Rights, Angola, Perception, university.

Resumen: El objetivo del artículo es la comprensión de los derechos humanos en Angola por parte de los estudiantes de derecho de la Universidad Óscar Ribas a través de un estudio de caso. El abordaje fue cualitativo, con métodos técnico-jurídicos, revisión bibliográfica y el uso de la constitución como paradigma normativo. Treinta (30) estudiantes respondieron el cuestionario. Se concluye que los estudiantes poseen un conocimiento sobre los derechos humanos y el 36,6% ha oído hablar de ellos en la Universidad. Los indicadores sobre derechos humanos son el derecho a la vida, a la integridad, el principio de igualdad y la libertad de expresión. La constitución es la norma esencial en esta materia, teniendo citados los derechos anteriormente señalados en los artículos 30.º, 59.º y 23.º. Los derechos humanos son salvaguardados, sin embargo, existen violaciones aisladas por falta de celeridad en los casos jurídicos mediáticos, dejando la sensación de impunidad e incumplimiento para el caso de la pérdida de vidas. Urge reglamentar la ley sobre la libertad de reunión y manifestación.

Palabras clave: Derechos humanos, Angola, Percepción, Universitarios.

Introdução

Direitos e deveres sempre foram duas palavras comuns em qualquer sociedade, comunidade, família ou organização. A sua compatibilização desperta, desde os primórdios, situações difíceis de conciliar. Desde que a humanidade existe, o homem sempre procurou manter algumas prerrogativas para si, no seu meio, o que se pode denominar de seus direitos. Numa comunidade humana, certamente, haverá alguns direitos universais à “espécie humana”.

Pensando deste modo, não é difícil determinar a existência de Direitos Humanos. Logo, existe a necessidade de defendê-los e salvaguardá-los, o que somente é possível quando os seus beneficiários possuem a consciência do direito. Nada mais motivador para uma instituição universitária, com uma formação voltada para o mesmo âmbito, promover este bem. Pergunta-se, como os estudantes da instituição que deve exercer um papel social na promoção dos Direitos Humanos entendem este assunto?

Diante do exposto, objectivou-se na presente investigação saber a compreensão dos estudantes do curso de Direito da Universidade Óscar Ribas sobre os Direitos Humanos.

A investigação foi do tipo qualitativa, com recurso aos métodos técnicojurídicos (LARENZ, 2014). A Constituição da República de Angola de 2010 - CRA (Assembleia Nacional, 2010) foi tida como texto e paradigma normativo. Recorreuse, ainda, à pesquisa bibliográfica, à análise histórica e contextual. Para obtenção de dados foi aplicado um questionário com perguntas de respostas abertas a 30 estudantes do 3º ano do curso de Direito, do período regular, do ano lectivo de 2016, sendo esta a delimitação do estudo. Considerando que não foi possível ter a presença de todos os estudantes, os 30 que participaram, constituíram-se na amostra simples aleatória, acima dos 50%, por isto, aceitável para a abordagem.

Sobre a amostra, 56,6% são mulheres, 30% homens e 13,4% não identificaram o sexo. Quanto às idades, variam entre 20 e 44 anos, destacando-se os com 21, 23 e 20 anos, 26,7%, 23,3% e 20%, respectivamente. Uma particularidade da amostra é que 46,7% dos participantes fará uso pela primeira vez, em 2017, do direito de voto. Isto representa uma amostra da realidade censitária angolana quanto à questão do género e de jovens.

Este artigo, para além da introdução, possui a parte do desenvolvimento, onde se apresenta a compreensão dos Direitos Humanos pelos estudantes, desde o conceito, o primeiro contacto com a expressão, a sua manifestação no cotidiano dos sujeitos, no ordenamento jurídico e na realidade angolana.

Compreensão dos direitos humanos

Fazendo um pouco de história, sabe-se que no dia 10 de Dezembro de 1948 a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) composta por 30 artigos. Na mesma ocasião solicitou que todos os países-membros tivessem uma acção enérgica para divulgar, publicar na íntegra o texto, sem qualquer distinção (ONU, 1948). Por isto, consta no seu preâmbulo o seguinte:

“como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição” (ONU, 1948).

Acto contínuo, segundo Pereira & Quadros (2011, p. 392), a necessidade de estender a protecção dos Direitos Humanos foi à escala regional. Primeiro com a assinatura da Convenção de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ocorrido em Roma, em 5 de Novembro de 1950, que ficou conhecida por Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH); depois, em 22 de Novembro de 1969, em São José da Costa Rica, com a assinatura da Convenção Americana dos Direitos do Homem que viria entrar em vigor, apenas em 18 Julho de 1978; Aponta ainda Pereira & Quadros (2011, p. 392), que no continente africano, somente em Junho de 1981, na cidade de Nairobi, foi assinada a Carta Africana de Direitos do Homem e dos Povos, também conhecida como Carta de Banjul.

Quanto à Carta Africana de Direitos do Homem e dos Povos, segundo Alexandrino (2011), duas hipóteses são levantadas: os direitos económicos, sociais culturais seriam direitos subjectivos por isto, passíveis de serem exigidos judicialmente ou deveres estatais, obrigações jurídicas, não passíveis de serem exigidos judicialmente. Para ele, os direitos sociais fazem parte da segunda opção e, por isto, são denominados de direitos débeis, desprovidos de aplicabilidade imediata. (Error 1: La referencia: Alexandrino (2011), está ligada a un elemento que ya no existe)

Esta noção encontra seu respaldo também na visão de Novais (2010, p. 34), quando diz que ao juiz e ao juiz constitucional raramente se coloca o problema do direito social como um todo, mais em casos concretos. Ou seja, não se coloca de forma abstracta a questão do direito à saúde. Todavia, isto ocorre, por exemplo, para o direito à vida, como se poderá ver ao longo do artigo.

Um conceito para Direitos Humanos na visão dos estudantes

Partindo do pressuposto de que não se pode abordar um assunto ou temática sem um conhecimento prévio, aos sujeitos de estudo foram solicitados que apresentassem o conceito de Direitos Humanos.

O princípio foi tomar o conceito, nos termos apresentados por Peres (2013, p. 63), como uma “concepção abstrata e geral na qual podemos unir diversos elementos particulares. Operação mental de elaboração e representação de uma ideia (…)”.

Os conceitos foram os mais variados. No entanto, com um critério de aproximação, estes podem ser distribuídos em dois grupos. Os mais citados, numa dimensão acima de 20%, e os menos citados, abaixo de 6%. Entre os conceitos mais citados surge aquele que os apresentam como “direitos inerentes à todos seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma ou qualquer outras condições” e o que os consideram como “aqueles que visam garantir os direitos do homem na sociedade”.

Considerando a contextualização do conceito segundo Peres (2013), os dois mais apresentados, por serem extraídos de fontes bibliográficas, entre elas a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), foram excluídos da análise, pois, no procedimento de preenchimento do questionário não se deveria fazer uso de qualquer suporte bibliográfico, apenas da informação que o estudante possuía de forma espontânea.

Assim, tendo este último elemento em consideração, uns apresentaram os direitos humanos como aqueles direitos sem os quais a comunidade não subsistiria de forma saudável; o conjunto de normas estabelecidas com vista a salvaguardar a vida, a dignidade da pessoa humana e o respeito entre os homens; direitos básicos de todos os seus humanos para garantirem os direitos dos cidadãos; direitos atribuídos aos homens para que possam ter uma vida digna e segura, sendo indivisíveis e inalienáveis; Para alguns os Direitos Humanos são a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Para outros, os Direitos Humanos são a garantia de que todo ser humano tem direitos e deveres iguais; direitos universais que contêm normas, princípios e regras de convivência humana; significa que todos os seres humanos merecem respeito; os direitos que garantem o bem vida, bem como todos outros direitos sem os quais a pessoa não poderá alcançar a plenitude das suas capacidades; conjunto de privilégios que os homens possuem; direitos originados com a Revolução Francesa e que esses Direitos vieram para defender a dignidade do homem.

Destas informações, algumas expressões saltam à vista: Direitos de todos; Direitos do homem em qualquer sociedade; Normas que salvaguardam o bem vida. Condição indispensável para a sã convivência. Com estas expressões entende-se que existe a necessidade de estabelecer no mesmo nível de análise o Direito e os valores, como destaca De Sousa & Galvão (2000).

Portanto, quando os estudantes falam de Direitos Humanos os mesmos tanto podem prender-se às normas ou às regras de conduta, Direito de Direito Objectivo, como também podem estar relacionando ao Direito ligada a outras realidades que não sejam regras de conduta.

Dir-se-ia que, citando De Sousa & Galvão (2000), que Direitos Humanos tanto podem ser regras de conduta, “como podem ser espaços de liberdades ou de poderes de actuar ou de exigir uma actuação alheia” (De Sousa & Galvão, 2000, p. 10), direito de expressar, direito à greve e direito de voto, como poderes de actuar e o direito à educação e direito à saúde, como poderes de exigir.

Primeiro contacto com a expressão “Direitos Humanos”

Tendo em consideração a faixa etária dos estudantes e ciente de que não existe a cadeira de Direitos Humanos no plano curricular do curso, tornou-se indispensável saber quando e em que circunstâncias os sujeitos de estudo tiveram contacto com a expressão.

À partida, percebeu-se uma desatenção dos estudantes, pois 40% deles afirmará ter havido uma cadeira específica que abordava sobre Direitos Humanos. Entende-se como desatenção, pois nenhum deles conseguiu precisar qual foi a cadeira. Cerca de 47% confirmaram que não houve uma cadeira específica e 3% não se pronunciaram.

Houve ainda quem não soubesse precisar onde e quando ouviu falar pela primeira vez sobre Direitos Humanos. Todavia, alguns ouviram falar de Direitos Humanos em 2001 e outros apenas em 2015. Infere-se que o termo não seja uma novidade para a maioria dos estudantes, conforme se pode constatar nos dados expostos no gráfico 1, apesar de 30% dos sujeitos afirmarem ter ouvido pela primeira vez falar sobre Direitos Humanos na Universidade Óscar Ribas em disciplinas como Direito Internacional Público, Metodologia Filosófica do Direito, também denominada por outros como Metodologia de Investigação Científica, assim como na cadeira de Língua Portuguesa o que espelha uma metodologia de ensino que valoriza uma abordagem multidisciplinar.

Um segundo segmento, cerca de 36,6% dos estudantes, informou que o contacto se deu ainda no ensino não universitário em palestras sobre Direitos Humanos, em sala de aulas em disciplinas como Educação Moral e Cívica, Desenvolvimento Económico e Social, Introdução ao Direito e, até mesmo, no envolvimento em trabalhos de fim de curso médio relacionados com os “Direitos Humanos em Angola”. Outros 23,4% não souberam precisar onde ouviram falar pela primeira vez sobre os Direitos Humanos.

Gráfico 1. Local e/ou meio de contacto com o termo “Direitos Humanos – 2016
Gráfico 1. Local e/ou meio de contacto com o termo “Direitos Humanos – 2016
Pesquisa de campo.

Um terceiro grupo demostrou o impacto da Comunicação Social em levar a formação informal, pois 10% tiveram este meio como fonte primária, com destaque para a televisão (TV).

Do exposto permite entender que a universidade poderá desempenhar um papel central na divulgação e promoção dos Direitos Humanos, envolvendo os estudantes e docentes em palestras em instituições não universitárias e intensificar acções multidisciplinares na instituição, assim como, em futuro próximo, incluir esta cadeira na grelha curricular.

Direitos Humanos no cotidiano dos sujeitos de investigação

Conceituar seria o lado abstracto da compreensão. Porém, a questão que se coloca é: como os sujeitos observam a existência da salvaguarda dos Direitos Humanos no cotidiano?

Apesar de ser uma pesquisa qualitativa, havendo a necessidade de mensurar-se a percepção, recorreu-se ao exercício percentual para se determinar a dimensão de alguns factores em estudo.

O Quadro 1, a baixo, apresenta uma ordem de destaque em função das citações feitas. Observa-se que, no agrupamento por aproximação, se pode estabelecer três grupos de manifestação Direitos Humanos no cotidiano. O primeiro, aqueles inerentes à Dignidade da pessoa humana, com 57% das citações, seriam os tais direitos que De Sousa & Galvão (2000) denominaram espaços de liberdades, área de livre actuação e, por isto, a partir dos quais se pode exigir uma actuação alheia.

Usufruir da vida e exigir que ninguém retire a vida de outrem, ser tratado com dignidade e exigir de outro que trate os demais com dignidade, fazem parte das manifestações do cotidiano perfazendo 23% das citações dos estudantes (Quadro 1).

Quadro 1.Manifestação dos Direitos Humanos no cotidiano segundo os estudantes - 2016
Manifestação identificadas pelos sujeitos no cotidiano%
Direito à vida, Dignidade da Pessoa Humana, Proibição da Pena de Morte23
Igualdade e integridade humana; Princípio de igualdade18
Liberdade de expressão16
Direito à Educação9
Direito ao Trabalho9
Direito à identidade, ao Nome, à Nacionalidade7
Direito à saúde7
Direito ao Ambiente, à Habitação, à Alimentação, ao Bem-estar social6
Outros direitos5
Pesquisa de campo.

No mesmo sentido, perfazendo 18% das citações, estão aqueles direitos que garantem a segurança, a integridade humana e salvaguarda a igualdade entre as pessoas. Ninguém gosta de ser preterido, sentir-se descriminado, prejudicado, principalmente por questões subjectivas.

Pode-se ainda incluir neste grupo o sentimento de liberdade de expressão, com 16% (Quadro – 1). Não sentir que alguém esteja a vigiar a sua fala, ter o sentimento de que não existem limitações para expressar livremente o seu sentimento é também atribuído à manifestação dos Direitos Humanos.

Interessante que, apesar de não ter sido citado directamente o direito de voto, tomando a exemplificação De Sousa & Galvão (2000) e, recorrendo ao perfil dos sujeitos em estudo, pode-se observar que 46,7% deles votarão pela primeira vez e assim usufruir de um dos direitos de expressão no verdadeiro sentido da palavra. É que, ao votar o cidadão expressa a sua preferência política, a sua preferência aos programas eleitorais, enquanto propostas de governação.

Então, entende-se que, em primeiro plano, os estudantes valorizam, enquanto Direitos Humanos, a existência do respeito pela pessoa humana, o seu tratamento com dignidade, confirmado pela existência de espaços em que possa usufruir e expressar sem restrições os seus sentimentos e desejos, com excepção daquelas restrições advindas dos direitos dos outros. É para se afirmar que os estudantes entendem, como se diz no senso comum, que “as liberdades e os direitos de alguém terminam onde começa as liberdades e os direitos de outra pessoa”. É preciso existir delimitações claras destes limites em função dos potenciais conflitos de interesses (De Sousa & Galvão, 2000) que marcam a convivência humana na sociedade.

O segundo grupo remete para “os poderes de exigir à Administração Pública actuações” que favorecem o atendimento de tais direitos (De Sousa & Galvão, 2000, p. 10). Dos dados obtidos, eles foram citados por 38% dos estudantes. Neste grupo inclui-se o Direito à educação, ao Trabalho, à Identidade, ao nome e à nacionalidade, o Direito à saúde, ao Ambiente, à habitação, à alimentação e ao bem-estar social.

Aqui se percebe que se trata de condições para o cidadão usufruir no concreto. Não se esta no âmbito do sentimento, de um espaço onde possui garantias, mas na satisfação concreta das necessidades mínimas do homem: educação, trabalho, identidade, saúde, ambiente, habitação, alimentação, bemestar. A própria sequência percentual sinaliza o grau de interesse e de preocupação. Sendo sujeitos jovens, estão preocupados não só com a educação, mas também, na mesma dimensão, com o trabalho. Formados podem ter o trabalho, tendo este podem estudar e suprir as demais necessidades.

Estão, do mesmo modo, preocupados com a saúde, com a identidade, com a questão do ambiente, saneamento básico, que retire a dignidade e que provoca doenças. Saneamento é possível em locais bem urbanizados, com habitações que conferem uma determinada dignidade. Cada família deseja uma casa, mas ela só poderá ser adquirida se houver trabalho. A alimentação é outra preocupação dos jovens. Ora, não se deseja que ninguém ofereça de graça a alimentação. Mas havendo condições para o trabalho e para o estudo, a alimentação chegará.

E, finalmente, o último grupo que remete para outros direitos citados, com 5%. Inclui-se neste grupo o ter e a proteção do que se tem, como o Direito à propriedade, à actividade económica, à liberdade cultural e o Direito do consumidor. Diria, os direitos de possuir bens, dispor-se deles e a garantia em caso de defraudação por parte de terceiros.

Visto nesta perspectiva, o item seguinte apresenta o enquadramento jurídico existente para as situações em que os sujeitos de estudo tiveram como manifestação cotidiana de salvaguarda e respeito pelos Direitos Humanos.

Direitos Humanos no ordenamento jurídico angolano

No que concerne à identificação de aspectos de Direitos Humanos no ordenamento jurídico angolano, todos foram unanimes em apontar a Constituição. Tendo a mesma como paradigma normativo, também aqui será usada para determinar os artigos que mais se destacaram nas respostas dos estudantes. Importa destacar que houve respostas que apenas apontaram a Constituição, sem, no entanto, determinarem o aspecto tipificado.

O primeiro destaque vai para o Direito à vida estabelecido no artigo 30.º e a Proibição da pena de morte no artigo 59.º da CRA. Segundo Araújo e Nunes (2014), foi na Lei Constitucional de 1992 que se introduziu a proibição da pena de morte e o respeito e protecção da vida humana, destacando que a proibição da pena de morte é norma consagrada no artigo 3.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 4.º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.

O segundo destaque aponta para o Princípio da igualdade ou de isonomia estabelecido no artigo 23.º da CRA. É a igualdade formal, jurídica e igualdade material.

Este princípio, presente desde a Lei Constitucional de 1975 segundo Araújo & Nunes (2014), citando a própria Constituição da República de Angola, impõe “que ninguém pode ser prejudicado ou privilegiado em razão da sua ascendência, sexo, raça, etnia, cor, deficiência, língua, local de nascimento, religião, convicções políticas, ideológicas ou filosóficas, grau de instrução, condição económica ou social ou profissão” (Assembleia Nacional, 2010). Outros artigos no texto constitucional podem ser citados como o 35.º/2,3; 36.º; 37.º; 38.º; 39.º; 40.º; 46.º; 52.º e 53.º.

De um modo mais específico, o princípio de igualdade remete para acontecimentos históricos que levaram no passado, em vários contextos, a acções de revoltas e por isto, presente na Declaração dos Direitos da Virgínia (EUA) de 1776 e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França, em 1789. O terceiro destaque foi para o artigo 36.º da CRA, Direito à liberdade física e à segurança pessoal. Introduzido na Lei Constitucional de 1992, porquanto no passado recente em Angola a própria liberdade de locomoção era limitada, este direito consta no artigo 13.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 “Toda a pessoa tem direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado; Toda a pessoa tem direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país”.O direito à liberdade possui uma estrita relação com a mobilidade do sujeito. A possibilidade de ir e vir sem qualquer restrição, pois, de acordo com Araújo e Nunes (2014, p. 297), “o direito à liberdade corresponde à liberdade física, à liberdade de movimentos, o direito de não ser detido ou preso, ou de ficar confinado a um determinado espaço e de ser impedido de se movimentar”.

O quarto destaque recaiu sobre o estabelecido no artigo 32.º, o Direito à identidade, à privacidade e à intimidade. Originário do actual texto constitucional, faz parte dos direitos de personalidade. Araújo e Nunes (2014, p. 283) remetem a origem destes direitos à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aprovada pela Assembleia Nacional Francesa em 1789, conforme constou no artigo 2.º e fazem menção do artigo 6.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Por isto, para o contexto angolano, de forma concreta, possuir o bilhete de identidade é um direito do cidadão angolano.

Quanto ao direito à nacionalidade que também foi citado, encontra-se regulado pelo artigo 9.º da CRA. Outrossim, o artigo 15.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que “1.Todo o individuo tem direito a ter uma nacionalidade. 2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade”.

O quinto destaque foi para o estabelecido no artigo 40.º da CRA, Liberdade de expressão e de informação. De um modo geral, não existem limites para a liberdade de expressão e de informação. Ou seja, ninguém deve ser impedido de expressar-se, de informar ou de informar-se. Todavia, os limites existentes são aqueles consagrados na norma constitucional. O mesmo é confirmado por Araújo e Nunes (2014, p. 316) quando afirmam que “a Constituição define como limites a violação de outros direitos fundamentais constitucionalmente consagrados”. No que toca à Liberdade de imprensa, estabelecida no artigo 44.º da CRA, uma lei estabelece as formas de exercício da mesma.

Quanto à sua universalidade, para além do artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e dos Povos, está presente também nos artigos

XVIII e XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 9.º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos “1. Toda a pessoa tem direito à informação. 2. Toda a pessoa tem direito de exprimir e de difundir as suas opiniões no quadro das leis e dos regulamentos”.

O sexto destaque vai para o Direito à integridade pessoal, estabelecido no artigo 31.º da CRA que faz parte dos direitos fundamentais, dos direitos de personalidade, sendo essenciais para a dignidade humana. Segundo Araújo & Nunes (2014, p. 281) “a violação à integridade pessoal pode verificar-se de várias formas: violência doméstica, maus tratos a crianças e a idosos, abusos sexuais, maus tratos por autoridades policiais etc”.

O sétimo destaque recaiu para o Princípio da universalidade, estabelecido no artigo 22.º. Foram ainda citados e mencionados outros direitos, encontrados os respectivos artigos na CRA: o Direito de propriedade, requisição e expropriação (artigo 37.º), Direito à livre iniciativa económica (artigo 38.º), Direito ao ambiente

(artigo 39.º), alguns chamados direitos sociais, como o Direito ao trabalho (artigo 76.º), a salvaguarda dos direitos dos Cidadãos com deficiência (artigo 83.º) entre outros.

Em suma, os seis primeiros destaques remetem para aspectos que contemplam os Direitos Humanos, a saber, o direito à vida, o Princípio da igualdade, o direito à liberdade física e à segurança pessoal, o direito à identidade, à privacidade e à intimidade combinado com o direito à nacionalidade, o direito à Liberdade de expressão e de informação e o direito à integridade pessoal.

Angola e os Direitos Humanos na visão dos sujeitos de investigação

Relativamente à percepção real do sentimento dos sujeitos sobre os Direitos de Humanos em Angola, 74,1% deles informaram que não ocorre o respeito pelos Direitos Humanos em Angola, contra 25,9% que afirmaram o contrário.

Um olhar nos exemplos e situações concretas conduzem a uma necessária análise para se desconectar alguns casos isolados ou situações de incumprimento por parte do cidadão, que ao ser dado o tratamento merecido à acção do Estado, aponta como sendo o desrespeito dos Direitos Humanos.

Entretanto, foram citados como exemplos os seguintes: a morte do adolescente Rufino, a não aplicação da legislação em casos de violação dos direitos plasmados nas normas, os maus-tratos de que os presos são vítimas, o desrespeito pelas pessoas, a má governação de alguns titulares de cargos públicos que mais preocupam-se com seus rendimentos, as demolições que ocorreram no Zango de forma específica, o despejo de algumas pessoas, a falta de liberdade, falta de liberdade de manifestação e a violência doméstica e sexual. No que diz respeito à morte do adolescente Rufino, não existem contestações ao facto de ter sido retirada a vida de alguém, de uma pessoa inofensiva, um adolescente, sendo o autor alguém que possui a responsabilidade de proteger a vida. Não há como não apontar a infracção ao artigo 30.º, Direto à vida, segundo o qual “O Estado respeita e protege a vida da pessoa humana, que é inviolável”, combinado com o artigo 59.º, Proibição da pena de morte, que refere que “É proibida a pena de morte”.

Por isso, tanto se espera que o(s) suposto(s) autore(s) do acto que retirou a vida seja presente a Tribunal, como se espera que, à luz dos artigos 185.º e 186.º da CRA, o Ministério Público promova o respectivo processo. Caso tal não aconteça, estar-se-á diante de uma evidência, por parte dos sujeitos da pesquisa, de que as normas são boas, mas não são cumpridas ou não são levadas adiante, dependendo de quem é o suposto autor e fazendo sobressair que o Princípio da igualdade não tem sido realidade.

Quanto aos maus-tratos aos presos, entende-se que poderá ser uma prática isolada de um agente prisional ou de alguns agentes. Mas isto não remete para a falta de salvaguarda dos Direitos Humanos em Angola. Em primeiro lugar, por existirem factos evidentes de responsáveis de instituições prisionais afastados por práticas desta natureza. Nestes casos de violações, será necessário que os lesados apresentem queixa aos órgãos competentes. Em segundo lugar, porque a própria aprovação da Lei de Amnistia é um indicativo de que o Estado procura condições de dignidade para os mesmos. Os artigos da CRA, a saber, 60.º, 62.º, 63.º, que estabelece os Direitos dos detidos e presos, 64.º, 65.º, 66.º, 67.º e o 68.º que regula o instituto do Habeas corpus, asseguram aos lesados condições de exigirem ou evitarem actos que ferem a sua dignidade, mesmo na condição de detidos.

Neste mesmo sentido, pode-se incluir os casos de tratamento indigno, as demolições e os aspectos de despejo. É o lesado que deverá procurar os órgãos competentes para o impulso processual, à luz dos artigos 29.º, Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, e 37.º, Direito de propriedade, requisição e expropriação.

A questão de má governação de alguns titulares de cargos públicos que mais se preocupam com seus rendimentos, caso não sejam responsabilizados, a solução reside na penalização política e não é restrição aos Direitos Humanos. Cada cidadão tem o seu direito de voto, conforme estabelecido no artigo 54.º, Direito de sufrágio. Quanto à falta de Liberdade de reunião e de manifestação, cada cidadão poderá fazer uso do estabelecido no artigo 47.º, mas, “nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei”. Outras liberdades também são salvaguardadas na Constituição.

No que diz respeito à violência doméstica e sexual, estas passam por serem denunciadas pelos lesados, assim como pelas pessoas que possuem conhecimento, porquanto a violência doméstica se tornou um crime público.

Desta forma, dos exemplos citados, apesar de algumas particularidades, entende-se então que a grande situação recai para o casodo adolescente Rufino. Sobre este caso existe a certeza de que o processo corre com os seus trâmites normais, até informação ao contrário. Logo, reforça-se a tese, a princípio limitada à 25%, que em Angola existe a salvaguarda dos Direitos Humanos, apesar de ser um exercício recente, pois é preciso observar que alguns aspectos em questão foram introduzidos somente na Lei Constitucional de 1991 ou 1992, ou seja, há 25 anos.

Considerações finais

Os estudantes do curso de Direito possuem um conceito sobre os Direitos Humanos e remetem-no especificamente para os Direitos dos Homens, independentemente da origem, raça, convicções políticas ou religiosos, entre outras. Todos já tinham ouvido falar dos Direitos Humanos, sendo que 36,6% ainda no ensino não universitário e 30% na própria universidade.

Relativamente aos indicadores de Direitos Humanos, os sujeitos apontaram o direito à vida, à integridade, o princípio de igualdade e a liberdade de expressão, ou seja, direitos imediatos que não podem ser restringidos e que o estado deve salvaguardar.

Na Constituição, como paradigma normativo foram destacados os direitos que remetem para os artigos 30.º, combinado com o 59.º e o artigo 23.º, nomeadamente, o direito à vida, a proibição da pena de morte e o princípio de igualdade. Esta percepção vai definir a leitura dos sujeitos sobre Angola no quesito Direitos Humanos. Existem sim, mas precisam ser melhorados. E essa melhora passa por dar resposta clara e célere aos casos como da morte do adolescente Rufino, pois é profundo o sentimento e desejo de ver que a justiça foi feita, principalmente quando se esta diante do bem vida, assim como é urgente regulamentar a lei sobre a Liberdade de reunião e de manifestação à luz da Constituição em vigor.

Referências bibliográficas

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Notas

[1] Professor e Coordenador do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Óscar Ribas Luanda, Angola. Correio electrónico: buzaalfredo@yahoo.com.br
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