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POLÍTICAS PÚBLICAS E A CONSTRUÇÃO DE MERCADOS AGROALIMENTARES TERRITORIALIZADOS NO SUL DO BRASIL
Public policies and the construction of territorialized agro-food markets in the South of Br
Políticas públicas y la construcción de mercados agroalimentarios territorializados en el sur de Br
Revista grifos, vol. 27, núm. 45, pp. 78-96, 2018
Universidade Comunitária da Região de Chapecó

Artigos



Recepção: 08/06/2018

Aprovação: 05/11/2018

Resumo: O artigo visa analisar as potencialidades e os limites da construção de mercados agroalimentares territorializados, impulsionados por políticas públicas de compra de alimentos e desenvolvimento territorial no Litoral Norte do Rio Grande do Sul – Brasil. Baseando-se em pesquisa documental, participação observante e entrevistas semiestruturadas, desenvolvidas entre agosto de 2013 e abril de 2016, a análise evidencia que essa construção irradia consequências para além da expansão da produção orgânica de alimentos no território. Entretanto, a apropriação de discursos e práticas por apenas alguns grupos sociais faz com que, em especial, agricultores familiares mais vulneráveis socioeconomicamente sejam inviabilizados de participar dessas estratégias.

Palavras-chave: Participação social, Políticas públicas, Reconfigurações socioeconômicas.

Abstract: The article aims to analyze the potentialities and limitations of construction of territorialized agrifood markets, driven by public policies of food purchases and territorial development on the North Coast of Rio Grande do Sul – Brazil. Basing on documentary research, observation participant and semi-structured interviews, developed between August 2013 and April 2016, the analysis highlight that this construction radiates consequences beyond the expansion of ecological production in the territory. However, the appropriation of discourses and practices by a few social groups makes other groups, especially the most socioeconomically vulnerable farmers, unfeasible to participate in these strategies.

Keywords: Social participation, Public policies, Socioeconomic reconfigurations.

Resumen: El artículo busca analizar las potencialidades y límites de la construcción de mercados agroalimentarios territorializados, impulsados por políticas públicas de compra de alimentos y desarrollo territorial en el Litoral Norte de Rio Grande do Sul - Brasil. Sobre la base de la investigación documental, participación observante y entrevistas semiestructuradas, desarrolladas entre agosto de 2013 y abril de 2016, el análisis evidencia que esta construcción irradia consecuencias más allá de la expansión de la producción orgánica de alimentos en el territorio. Sin embargo, la apropiación de discursos y prácticas por apenas algunos grupos sociales hace que, en especial, los agricultores familiares más vulnerables socioeconómicamente sean inviabilizados de participar en esas estrategias.

Palabras clave: Participación social, Políticas públicas, Reconfiguraciones socioeconómicas.

POLÍTICAS PÚBLICAS E A CONSTRUÇÃO DE MERCADOS AGROALIMENTARES TERRITORIALIZADOS NO SUL DO BRASIL

Resumo

O artigo visa analisar as potencialidades e os limites da construção de mercados agroalimentares territorializados, impulsionados por políticas públicas de compra de alimentos e desenvolvimento territorial no Litoral Norte do Rio Grande do Sul – Brasil. Baseando-se em pesquisa documental, participação observante e entrevistas semiestruturadas, desenvolvidas entre agosto de 2013 e abril de 2016, a análise evidencia que essa construção irradia consequências para além da expansão da produção orgânica de alimentos no território. Entretanto, a apropriação de discursos e práticas por apenas alguns grupos sociais faz com que, em especial, agricultores familiares mais vulneráveis socioeconomicamente sejam inviabilizados de participar dessas estratégias.

Palavras-chave: Participação social. Políticas públicas. Reconfigurações socioeconômicas.

Public policies and the construction of territorialized agro-food markets in the South of Brazil

Abstract

The article aims to analyze the potentialities and limitations of construction of territorialized agrifood markets, driven by public policies of food purchases and territorial development on the North Coast of Rio Grande do Sul – Brazil. Basing on documentary research, observation participant and semi-structured interviews, developed between August 2013 and April 2016, the analysis highlight that this construction radiates consequences beyond the expansion of ecological production in the territory. However, the appropriation of discourses and practices by a few social groups makes other groups, especially the most socioeconomically vulnerable farmers, unfeasible to participate in these strategies.

Keywords: Social participation. Public policies. Socioeconomic reconfigurations.

Políticas públicas y la construcción de mercados agroalimentarios territorializados en el sur de Brasil

Resumen

El artículo busca analizar las potencialidades y límites de la construcción de mercados agroalimentarios territorializados, impulsados por políticas públicas de compra de alimentos y desarrollo territorial en el Litoral Norte de Rio Grande do Sul - Brasil. Sobre la base de la investigación documental, participación observante y entrevistas semiestructuradas, desarrolladas entre agosto de 2013 y abril de 2016, el análisis evidencia que esta construcción irradia consecuencias más allá de la expansión de la producción orgánica de alimentos en el territorio. Sin embargo, la apropiación de discursos y prácticas por apenas algunos grupos sociales hace que, en especial, los agricultores familiares más vulnerables socioeconómicamente sean inviabilizados de participar en esas estrategias.

Palabras clave: Participación social. Políticas públicas. Reconfiguraciones socioeconómicas.

Introdução

A crise econômica que abala atualmente a sociedade brasileira coloca em evidência as limitações da ideia de modernização imbricada ao projeto de crescimento econômico, que beneficia uma pequena parcela da população. No meio rural, a “Revolução Verde”, que consistiu em um conjunto de novas tecnologias difundidas mundialmente a partir do final da década de 1950 e início da década de 1960, é a expressão simbólica desse projeto. Associadas ao discurso de eliminar a fome no mundo, essas novas alternativas tecnológicas buscavam o aumento da produção e da produtividade agrícola e, consequentemente, a inserção de uma parcela de agricultores a mercados de commodities (Graziano da Silva, 1982).

A desconexão da agricultura como prática sociocultural, embora predomine em algumas cadeias produtivas, não contemplou a totalidade dos agricultores. Aqueles que não se integraram completamente ao marco tecnológico herdado da “Revolução Verde” resistem de distintas maneiras a esse processo. Uma parcela deles logrou se articular a pesquisadores, técnicos e consumidores, gerando um ambiente capaz de reavaliar e reinventar não somente o modo de produção agrícola como também as formas de organização social.

Opondo-se à padronização modernizante, que visa difundir uma única lógica socioeconômica, essa parcela de atores sociais vem construindo iniciativas inovadoras que destacam a importância da desconstrução desses padrões, tendo em vista as especificidades de cada território (Pecqueur, 2000). Apesar das fragilidades que ainda enfrentam diante das pressões do modelo hegemônico, as iniciativas empreendidas vêm alterando a conformação do sistema alimentar contemporâneo (Nierdele, 2014).

Nesse sentido, para Ploeg (2016), está em curso a conformação de “mercados aninhados”, cujos produtos e serviços, embora integrem os grandes mercados, são distintos pela forma como são distribuídos. Tais mercados se caracterizam por possuir uma elevada permeabilidade em relação ao número de produtores, volume de produção e de consumidores. Ainda segundo esse autor, essa característica distingue os mercados aninhados dos nichos de mercado, os quais são menos permeáveis. “Além disso, um nicho de mercado está, muitas vezes, associado à rigidez, ao passo que os mercados aninhados apresentam considerável maleabilidade e capacidade inovadora” (Ploeg, 2016, p. 31).

Essa capacidade de inovação dos atores em traçar caminhos para a superação das inúmeras adversidades no campo ainda carece de análise (Di Méo, 2014). A partir dessa perspectiva, este artigo objetiva discutir as potencialidades e limitações da construção coletiva de mercados agroalimentares impulsionados por políticas públicas de compra de alimentos e de promoção do desenvolvimento territorial.

Para tanto, adota como recorte empírico a região Litoral Norte do estado do Rio Grande do Sul (Brasil), na qual, entre agosto de 2013 e abril de 2016, foram desenvolvidos métodos qualitativos para a construção de dados[5]. Dentre esses, destacam-se a pesquisa documental, a participação observante (Soulé, 2007) e a realização de 64 entrevistas semiestruturadas (Fraser; Gondin, 2004) direcionadas a mediadores sociais, a exemplo de extensionistas rurais, diretores de cooperativas de agricultores, pesquisadores e agricultores familiares. A escolha do Litoral Norte Gaúcho[6] como lócus da análise fundamenta-se na emergência de intercooperações inovadoras, que envolvem organizações de agricultores familiares, instituições de ensino e de extensão rural e Organizações Não Governamentais (ONGs) atuantes na construção de mercados alimentares não convencionais.

Com a finalidade de atender ao objetivo proposto, para além desta introdução, o artigo está organizado em cinco partes. A primeira parte apresenta as principais noções vinculadas ao propósito de promover territórios rurais de desenvolvimento com apoio de políticas públicas. A segunda evidencia as particularidades do Litoral Norte do Rio Grande do Sul no que se refere à emergência das articulações territoriais entre os atores sociais e sua importância na edificação de mercados agroalimentares voltados às peculiaridades locais. A terceira enfatiza as correlações diretas entre tais articulações, a oficialização de um Território Rural de Identidade e os avanços no que se refere à consolidação dos mercados construídos territorialmente. A quarta identifica as limitações dessas inovações territoriais, ressaltando as disputas de poder e dominação que as permeiam e as dificuldades de envolvimento de determinados segmentos da agricultura familiar. E, por sua vez, a quinta e última parte se refere às considerações finais do trabalho que sintetizam as compreensões acerca das potencialidades dessas inovações, bem como as fronteiras limitantes de sua expansão.

Políticas públicas e a configuração de territórios rurais de desenvolvimento

Para além de um espaço delimitado por características ou atividades produtivas semelhantes, com fronteiras geográficas estabelecidas, o território é o resultado das ações de atores sociais em busca da resolução de problemas compartilhados (Pecqueur, 2005; Bonnal; Cazella; Delgado, 2011). Refere-se a um construto sociocultural, um sistema de valores que assegura a regulação e a integração dos comportamentos individuais, que se mantém e se renova ao longo da história. Dessa forma, compreende uma dinâmica de acumulação coletiva de conhecimento e de saber-fazer (Courlet; Pecqueur, 1996; Pecqueur, 2000).

As relações socioespaciais e identitárias podem ser construídas e mobilizadas em um território como estratégias contra os desafios resultantes da integração em um espaço geográfico global. Nesse sentido, seu delineamento se efetiva tanto pelo modo como os atores ali se organizam quanto pela significação que lhe atribuem (Pecqueur, 2005).

A perspectiva de formação de territórios rurais atrelada à promoção de estratégias de desenvolvimento por meio de políticas públicas iniciou no Brasil em meados dos anos 1990. Após a Constituição de 1988, diversas iniciativas foram tomadas no sentido de os municípios representarem a unidade básica de planejamento do desenvolvimento rural. As limitações dessa perspectiva não tardaram a se tornar evidentes, devido à baixa densidade de recursos humanos nos pequenos municípios rurais minimamente capacitados para pensar estrategicamente o desenvolvimento rural (Veiga, 2000, 2001).

Uma importante inflexão se deu com a criação do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT), em 2003, no âmbito da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)[7]. O PRONAT tem como objetivo principal alavancar o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania em territórios com predominância do público considerado prioritário pelo MDA. Esse Programa repassa recursos financeiros não reembolsáveis para projetos produtivos de caráter intermunicipal, através da Ação de Apoio a Projetos de Infraestrutura e Serviços em Territórios Rurais (PROINF)[8].

Em paralelo à criação desse aparato público para promover o desenvolvimento territorial em zonas rurais, outras políticas foram gestadas de forma articulada aos preceitos desse estilo de desenvolvimento. Esse é o caso dos mecanismos de compra institucional de alimentos, instituídos no quadro das estratégias de alívio da pobreza e de apoio à agricultura familiar. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), conhecido como “merenda escolar”, foi inspirado em ideias concebidas no início da década de 1940.

Naquela época, o Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil, atual Instituto de Nutrição Josué de Castro[9] da Universidade Federal do Rio de Janeiro, defendia a proposta do Governo Federal oferecer alimentação aos estudantes das escolas públicas. Inicialmente, a execução desse programa se deu de forma centralizada, visto que o órgão gerenciador planejava cardápios padronizados, adquiria os gêneros por processo licitatório, contratava laboratórios especializados para efetuar o controle de qualidade e ainda se responsabilizava pela distribuição dos alimentos aos estudantes de escolas públicas de todo o território nacional, segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) (brasil, 2015).

Esse modelo de gestão apresentava pontos negativos, como o alto custo de transporte para distribuição dos alimentos em todo o país, cardápios não condizentes com os diferentes hábitos alimentares das distintas regiões e a grande quantidade de alimentos processados em função da necessidade de prazos de validade mais extensos, com consecutivo monopólio de mercado. Em face dessas dificuldades, em 1994, foi instituída a descentralização do PNAE. A transferência de recursos passou a ser feita diretamente pelo Governo Federal aos estados federados e municípios, sem a necessidade de celebração de convênios ou quaisquer outros instrumentos similares, o que permitiu maior agilidade ao processo. Em 2009, ocorreram avanços na concepção do Programa, em especial, com a adoção do enfoque de desenvolvimento territorial proposto pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA, 2016)[10]. Essa mudança garantiu que, no mínimo, 30% dos repasses do FNDE fossem investidos na aquisição de produtos oriundos de agricultores da região que atendessem os critérios de enquadramento da Lei da Agricultura Familiar[11] (TRICHES, 2015).

De forma complementar ao PNAE, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi instituído em 2003 e regulamentado em 2008, com a finalidade de proporcionar acesso à alimentação, em quantidade, qualidade e regularidade necessárias para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, por meio da compra de alimentos produzidos por agricultores familiares (Grisa; Porto, 2015). Os produtos são adquiridos pelo Governo Federal e distribuídos aos programas sociais ou destinados a bancos de alimentos. Com isso, pretende-se que circuitos de comercialização de alimentos locais e territoriais sejam fortalecidos (Brasil, 2011).

Ao considerar as peculiaridades de cada território, essas políticas públicas objetivam implementar procedimentos de melhorias de problemas sociais arraigados localmente e incentivar a inter-relação de atores provenientes de diferentes instituições e universos sociais (Maillard; Roché, 2005; Jaillet, 2009). Almeja-se, assim, suscitar uma reestruturação institucional, a qual diz respeito, principalmente, à concertação entre gestores públicos e atores da sociedade civil em prol de ações focalizadas em um mesmo espaço geográfico (Hassenteufel, 1998; Douillet, 2005).

Quando grupos sociais se apropriam de um território, a territorialização se apoia em um projeto político, no qual os atores determinam as formas de instrumentalização e as estratégias do território (Le Berre, 1992; Elissalde, 2002). Para Hassenteufel (1998), no processo de territorialização se faz necessária a participação dos atores que são relevantes para a política pública, bem como a construção de novos modelos de ação pública, a exemplo de contratos ou parcerias que propiciem uma nova relação entre os atores da ação pública territorial.

A configuração de estratégias organizacionais no Litoral Norte Gaúcho

O Litoral Norte do estado do Rio Grande do Sul é composto por 21 municípios, os quais totalizam uma área de 7.115,8 km² e população de 323.112 habitantes. Da população total, 83% residem nos espaços considerados urbanos e 17% nas zonas rurais. A região é culturalmente diversa, incluindo grupos da sociodiversidade brasileira, como povos indígenas e comunidades quilombolas[12] (IBGE, 2006; FEE, 2016).

As produções agropecuárias mais expressivas variam entre o cultivo de arroz, de banana e de olerícolas até a pecuária e a pesca (COELHO-DE-SOUZA et al., 2015). Em relação à comercialização desses produtos, sobretudo frutas e hortaliças, as oportunidades de acesso a mercados se concentram nos municípios litorâneos que apresentam um expressivo fluxo de turistas no verão, em especial Torres e Capão da Canoa, e na região metropolitana de Porto Alegre, capital do estado, onde está situada a Central de Abastecimento do Rio Grande do Sul (CEASA/RS).

Nos municípios litorâneos, as entregas de produtos dos agricultores nos estabelecimentos comerciais localizados à beira das estradas que levam às praias e mesmo as vendas em domicílio são relevantes. Entretanto, a comercialização para a CEASA é a mais significativa, devido à alta quantidade de produtos demandados em fluxo contínuo. Para a maioria dos agricultores familiares, a comercialização na CEASA depende de agentes atravessadores que transportam a produção até os pontos de comercialização. Já o comércio nos municípios litorâneos fica restrito à época de veraneio, período em que os turistas aumentam o consumo local.

Frente a esse cenário, em setembro de 2006, um coletivo de 27 agricultores familiares de três municípios da região constituiu a Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas (COOMAFITT). Essa organização surgiu com o propósito de criar novos espaços de troca de informações, bem como para facilitar o acesso a diferentes mercados de comercialização de produtos das unidades agrícolas familiares. Com apoio de extensionistas rurais de escritórios municipais vinculados à empresa pública denominada Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural/Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (EMATER/ASCAR – RS), cooperativa que vem se fortalecendo e se expandindo.

A troca de informações técnico-administrativas e a construção de laços de confiança entre os agricultores e os mediadores sociais fizeram com que os representantes da COOMAFITT se conectassem a outras organizações da agricultura familiar. Desse modo, essa Cooperativa estabeleceu vínculos com a Cooperativa de Consumo e Comercialização dos Pequenos Produtores Rurais do Litoral Norte (COOPVIVA). Sediada em Osório, a COOPVIVA também é constituída por agricultores familiares e conta com a assessoria de extensionistas rurais da EMATER.

A articulação entre as duas cooperativas partiu do interesse em viabilizar aspectos logísticos, como a entrega compartilhada de alguns produtos por meio do PAA e do PNAE. Esses canais de comercialização, de forma mais significativa o PNAE, se constituíram nos mercados mais importantes da produção das famílias cooperadas. Por meio do PAA, os 208 agricultores cooperados à COOMAFITT, atualmente, vêm conseguindo atender à demanda de um grupo hospitalar de Porto Alegre, do restaurante universitário da Universidade Federal de Santa Maria e de mais três prefeituras municipais do Litoral Norte. Por meio do PNAE, esses agricultores entregam alimentos para 15 municípios.

Algo semelhante ocorreu com a COOPVIVA que, composta atualmente por 53 associados, vem fornecendo produtos via PAA aos municípios de São Leopoldo e Porto Alegre, e para a alimentação escolar de nove municípios por meio do PNAE. Segundo levantamentos realizados pelos setores administrativos de ambas as Cooperativas, suas ações beneficiam na atualidade mais de 65 mil pessoas pelo PAA e em torno de 350 mil pelo PNAE.

O vínculo constituído entre as cooperativas facilitou a realização de reuniões e visitas técnicas conjuntas. Ademais, as consequências positivas dessas experiências coletivas incentivaram ambas as organizações a estabeleceram parcerias com as ONGs Associação Nascente Maquiné (ANAMA)[13] e Centro Ecológico[14], bem como com o Organismo Participativo de Avaliação de Conformidade (OPAC) Litoral Norte, constituído por agricultores, consumidores e técnicos, cujo intuito é a certificação dos alimentos orgânicos[15] produzidos pelos agricultores componentes do coletivo. Essas novas articulações, além de ampliarem a rede de cooperação emergente no Litoral Norte do estado (Figura 1), vêm estimulando os atores sociais envolvidos a gestarem novos projetos de desenvolvimento.


Figura 1
Localização da região do Litoral Norte do Rio Grande do Sul com destaque para os municípios de origem dos agricultores familiares atuantes nas intercooperações
Fonte: Adaptada de Secretaria do Planejamento, Governança e Gestão (2014).

As ações de comercialização empreendidas pelas duas cooperativas estão diretamente atreladas aos incentivos direcionados à agricultura familiar por meio de políticas públicas, como as vinculadas às compras públicas de alimentos. A atuação no mercado institucional, para além de abrir novos espaços de comercialização, vem aproximando os agricultores a consumidores e, no caso específico do PNAE, a nutricionistas e diretores de escolas municipais que recebem os alimentos, bem como de gestores públicos das administrações municipais.

Essas aproximações favoreceram a construção de novos mercados de cadeias curtas, como as feiras livres. Atualmente, os agricultores envolvidos nessas redes cooperativas participam de uma feira realizada no município de Capão da Canoa, a qual é composta por cerca de 60 feirantes, e de uma feira específica para comercialização de alimentos orgânicos, localizada no município de Porto Alegre, que abrange de forma direta 46 famílias de agricultores.

Essa construção social de distintas alternativas de comercialização de produtos, inclusive de orgânicos, se assenta não somente em aspectos econômicos mas também nas dimensões sociais, políticas e institucionais nas quais os atores sociais ocupam papel de destaque. Todas essas dinâmicas e relações têm possibilitado aos agricultores executarem projetos territorializados de desenvolvimento rural. Segundo Di Méo (2014), o que faz com que esses atores se espacializem, ou construam tais projetos, são os privilégios que podem obter em relação à apropriação ou à qualificação, que os detém em seus espaços de ação, transformando-o em território. No Litoral Norte do Rio Grande do Sul, as análises apontam justamente para a conformação desses arranjos e transformações.

Da intercooperação à oficialização de um Território Rural de Identidade

A estrutura e modelo dos Territórios Rurais de Identidade constituídos pela ação da SDT/MDA baseiam-se na formação de uma instância local de mobilização denominada Colegiado de Desenvolvimento Territorial (CODETER). Nessa instância, o Estado e a sociedade devem planejar e monitorar, conjuntamente, as políticas públicas, bem como coordenar a construção de ações destinadas, em especial, aos agricultores familiares (COELHO-DE-SOUZA et al., 2015). Atualmente, o Brasil possui 239 Territórios Rurais de Identidade, sendo 74 incorporados na política em 2013 e, dentre eles, o Litoral Norte do Rio Grande do Sul, conforme dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF, 2013).

Entre os Territórios Rurais de Identidade existentes no estado do Rio Grande do Sul, o do Litoral Norte se distingue dos demais pela forma como se deu sua inserção na política do Governo Federal. Partindo do pressuposto de que um ator territorializado é aquele que participa de maneira intencional de um processo que possui implicações territoriais (Di Méo, 2014), no caso específico dos atores sociais deste Território, é possível afirmar que suas ações intercooperativas intencionais foram determinantes na inserção dos municípios na política territorial do MDA.

Após conhecer iniciativas de construção de outros territórios no país e acionar atores sociais e políticos específicos, gestores da COOMAFITT e assessores da prefeitura do município de Itati foram os principais promotores da criação do Território Rural de Identidade Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Dessa forma, o Território teve suas atividades oficialmente iniciadas em 2014. As reuniões do CODETER Litoral Norte tornaram-se espaços de discussão sobre distintos assuntos que embasaram a concepção das câmaras temáticas de gênero, saúde, política de desenvolvimento agrário, educação e juventude, meio ambiente, povos e comunidades tradicionais, comercialização e economia solidária e segurança alimentar e nutricional. Esses espaços de trocas de informação e planejamento, organizados em 2015, favoreceram o diagnóstico de fragilidades específicas no Território, como o desalinhamento entre a realidade dos jovens rurais e as oportunidades existentes de acesso à educação.

A interação com outros atores sociais, possibilitada por meio de reuniões estaduais de territórios, foi um dos fatores que conduziu ao surgimento, paralelamente ao Território Rural de Identidade delineado pelo MDA, de um “território de agroecologia”, o qual se refere a um território descontínuo, do ponto de vista geográfico, que abrange municípios localizados fora do Litoral Norte Gaúcho, como explica o coordenador do Colegiado:

O território que a gente delimitou não ficou igual ao território do MDA. Nem tudo o que nos separa é para nos separar. Nosso território de agroecologia pega uma parte de cima da Serra também. [...] Nos conecta porque temos frutas nativas, pinhão, uma série de coisas em comum. Nesse nosso território, têm municípios que estão no território do MDA que não fazem parte dele, tem município, por exemplo, que só a metade dele faz parte desse território. (Coordenador do núcleo diretivo do CODETER, Itati/RS, mar. 2016).

A definição desse território pelos próprios atores locais coloca em evidência um sistema de produção distinto do modelo de agricultura convencional, o qual é, reconhecidamente, dependente de recursos naturais não renováveis, portanto, incapaz de perdurar através do tempo. Ainda segundo o entrevistado, o delineamento desse novo recorte territorial foi o que impulsionou a ideia de construção de um espaço físico exclusivo para o recebimento, armazenamento e preparo dos produtos orgânicos. Contando com o apoio financeiro do PROINF, os representantes do CODETER decidiram pela aprovação do projeto, que tem por objetivo principal beneficiar a comercialização desses alimentos diferenciados e, com isso, fortalecer sua produção ou coleta na região.

Apesar dos espaços de discussão do CODETER propiciarem reflexões e planejamento de ações coletivas, é preciso ter clareza que se referem a arenas sociais, ou seja, espaços nos quais os atores mobilizam relações sociais e confrontam-se com a finalidade de alcançar objetivos específicos (Long, 2001; Pecqueur, 2000). Enquanto as apropriações de discursos e práticas por apenas alguns grupos de atores sociais se mostram importantes ao fortalecimento de um projeto de desenvolvimento territorializado que destoa do convencional, outros sujeitos são inviabilizados de participar desse processo em que pese seu caráter inovador. As disputas que se fazem presentes nesses processos ficam evidentes na fala de um dos membros do CODETER, a qual se refere às reuniões de tomada de decisão do projeto a ser financiado por meio do PROINF:

Ali também tinham representantes de quilombolas e arrozeiros. E os arrozeiros já tinham um projeto pronto, algo relacionado ao uso da água para o arroz. Os quilombolas diziam que, se os arrozeiros já tinham o projeto pronto para beneficio deles, fosse deixado para eles o projeto a ser executado [...]. No final, quem acabou ganhando a proposta foi o projeto da COOMAFITT, uma ideia de entreposto que ficaria em Itati. (Pesquisadora vinculada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Florianópolis/SC, abr. 2016).

Ainda que o CODETER conte com a participação de representações de públicos diversos, como quilombolas, indígenas, arrozeiros, mulheres, jovens, agricultores ecologistas, dentre outros, a passagem citada da pesquisadora do CODETER evidencia que a defesa de interesses nesses espaços de disputas está diretamente associada à apropriação de recursos específicos, a exemplo do discurso técnico-político.

Embora o projeto dos produtores de arroz em sistema convencional não tenha sido elegido para ser beneficiado pelo PROINF, os interesses dos quilombolas – público distante das ações coletivas que envolvem as cooperativas da região – também não foram contemplados nessa definição de prioridade de ações do CODETER. Essa situação ilustra o fato de que a participação social é uma construção complexa, que exige agência social, ou seja, certa capacidade de ação reflexiva na interpretação, no controle de habilidades relevantes e no acesso a recursos materiais ou não materiais (Long, 2001).

O fato de esses representantes se fazerem presentes nas reuniões do CODETER não lhes confere, automaticamente, agência para a formação de opiniões e legitimação de seu ponto de vista. A agência e o poder a ela atrelado dependem crucialmente da criação e manipulação de uma rede de relações sociais e da concentração de itens específicos – como bens, artefatos e informação –, em pontos fundamentais de intersecção entre diferentes e, muitas vezes, conflituosas perspectivas de vida e repertórios culturais (Long, 2001).

Deve-se mencionar, ainda, que o fato de os quilombolas nem se colocarem como possíveis proponentes de um projeto que atendesse às exigências das normas da política pública de desenvolvimento territorial reflete uma problemática de raízes profundas. Além de suas concepções de desenvolvimento serem significativamente distintas das que ali estavam em disputa, sua capacidade de agência na constituição dessas arenas sociais se mostra fragilizada. Entretanto, nessas situações sociais, os produtores de arroz, embora se sentissem fortalecidos como grupo social, também não obtiveram sucesso na defesa de seus interesses frente ao poder construído pela cooperativa de agricultores familiares da região.

O discurso que contemplou a busca por metas de produção e comercialização, aliada à preocupação, sobretudo, das questões ambientais se mostrou o mais influente em um cenário politicamente construído, tanto na esfera municipal quanto na estadual. A coerência da proposta elaborada pelos representantes da cooperativa, que se consolida como organização dotada de agência, em relação aos planos de desenvolvimento da prefeitura municipal e do governo estadual vem influenciando significativamente na operacionalização do entreposto específico para produtos orgânicos.

Quem tem agência nas arenas sociais do projeto territorial em curso?

De acordo com Cazella (2006), ainda que algumas políticas públicas de desenvolvimento rural sejam formuladas em contraposição ao modelo produtivista de agricultura, em sua maioria, beneficiam agricultores já consolidados economicamente. As ações concernentes a tais políticas concentram-se em torno do que esse autor denominou de “três agros” – agroecologia, agroturismo e agroindústria familiar – e orientam as principais ações não só de organizações governamentais mas também de ONGs, movimentos sociais e sindicatos rurais. Apesar de este autor não contestar a relevância social dessas estratégias, ressalta que não contemplam os estratos rurais pobres. Com o propósito de caracterizar a condição de vida desse segmento social do rural brasileiro, Graziano da Silva (1982) utiliza a expressão “sem-sem”: sem-terra, sem emprego, sem moradia fixa, sem educação, sem saúde e, principalmente, sem organização social e visibilidade política.

O atendimento das necessidades de segmentos de agricultores familiares, até então, à margem das políticas públicas voltadas ao rural, está previsto na formulação do PRONAT por meio da ampliação das atividades econômicas e do estímulo à sua participação nas ações territoriais (Bonnal, 2013). O PAA e o PNAE também se inscrevem nesse esforço de ampliar o acesso a políticas públicas da parte de agricultores familiares, até então, excluídos das principais ações do Estado. Embora o delineamento das políticas conside como públicos prioritários de suas ações os indígenas e os quilombolas, as pesquisas realizadas no Território Litoral Norte do Rio Grande do Sul evidenciam que esses sujeitos são os que menos se beneficiam dessas políticas. Os agricultores vinculados às cooperativas presentes no Território são os que mais acessam os mercados diferenciados e recebem apoio da assistência técnica local.

Essas organizações não integram os distintos tipos de agricultores familiares do Litoral Norte. A inserção nessas cooperativas torna-se inacessível a muitos agricultores familiares devido a uma série de fatores, dentre eles a impossibilidade de investir na unidade produtiva para ampliar a produção e a comercialização de excedentes. Tão importante quanto este obstáculo é o fato de que o público excluído possui peculiaridades culturais que dificilmente são consideradas na concepção de projetos de desenvolvimento territorial.

Nem sempre o discurso proferido pelos operadores de desenvolvimento é facilmente compreendido pela totalidade do público-alvo, que não domina a linguagem técnica utilizada nos espaços de disputas constituídos (Olivier de Sardan, 1995; Bonnal; Delgado; Cazella, 2012). Se, por um lado, a participação na disputa por interesses na confecção de projetos de desenvolvimento se mostra mais efetiva para atores vinculados a um código sociocultural específico, por outro, o envolvimento nesses projetos de sujeitos distantes desses códigos é irrisório. O comentário de uma assessora técnica do Território acerca da declaração de um representante indígena da etnia Mbyá-Guarani em uma reunião do CODETER ilustra tal reflexão:

O mais interessante é que em uma reunião em que os Guaranis estavam presentes, um deles disse: “olha eu sou professor, mas tá difícil de entender o que vocês estão falando aqui. Mas se vocês estão falando que essa política tem como público beneficiário os Guaranis, e eu estou dizendo que pouco entendo, se vocês não forem discutir isso dentro das aldeias, não tem sentido nenhum o que vocês estão falando. A gente é público beneficiário, mas quem se beneficia não somos nós”. (Agricultor indígena, Maquiné/RS, mar. 2016).

Situações semelhantes foram constatadas no Território Meio Oeste Contestado no estado vizinho de Santa Catarina. De acordo com Tecchio (2012, 2017) e Oliveira (2014), as ações do PRONAT vêm beneficiando agricultores familiares organizados em grupos e/ou integrantes de movimentos sociais, sindicatos e pequenas cooperativas de produção, os quais possuem maior capacidade de agência no Colegiado desse Território. No Meio Oeste Contestado, além dos agricultores pobres terem dificuldades de se integrarem a organizações sociais, iniciativas de visibilidade de demandas sociotécnicas desses segmentos da sociedade por parte de instituições representantes do Estado ainda são incipientes. Assim, os recursos liberados por meio do PRONAT ou mesmo da compra pública de alimentos acabam por favorecer, sobretudo, agricultores consolidados do ponto de vista socioeconômico.

Vale mencionar que as famílias rurais pobres deixaram de ser invisíveis às ações do Estado a partir dos significativos avanços relacionados às políticas públicas destinadas aos agricultores familiares iniciados na década de 1990 e intensificados a partir de 2003. Nesse contexto, destaca-se a inclusão de segmentos, até então, excluídos ou pouco contemplados, como assentados pela reforma agrária, indígenas, quilombolas, pescadores, mulheres e jovens, em programas governamentais. Todavia, ao analisar a atual dicotomia entre as políticas sociais e produtivas direcionadas aos agricultores familiares no âmbito nacional, o estudo de Cazella et al. (2015) demonstra que essas iniciativas não são suficientes para universalizar as demandas socioeconômicas e integrar a maior parte das famílias de agricultores aos mercados.

À guisa de conclusões

O processo de “modernização do campo” da “Revolução Verde” difundiu pacotes tecnológicos pautados na produtividade e no lucro e desencadeou nos espaços rurais benefícios econômicos para uma parcela diminuta de agricultores. Além dos impactos negativos sobre o ambiente, esse processo gerou dificuldades severas para a reprodução socioeconômica da maior parte dos agricultores familiares. Apesar desses resultados negativos, essa modernização influenciou uma série de transformações sociais e técnicas que surgiram como contraposição ao modelo dominante de desenvolvimento.

No Litoral Norte do Rio Grande do Sul, as transformações que estão sendo promovidas por distintos atores sociais possuem como objetivo central a busca de melhorias da condição de vida no campo, por meio de estratégias organizacionais inovadoras. Essas estratégias articulam distintos atores sociais na geração de rearranjos em relações sociais e de trabalho que valorizam os conhecimentos locais e a diversidade socioambiental, ao mesmo tempo em que fundamentam a construção de mercados agroalimentares voltados às peculiaridades deste Território em construção. As consequências frutíferas desses processos de intercooperação estão na origem da oficialização de um Território Rural de Identidade, o qual tem possibilitado o acesso a recursos financeiros para projetos coletivos.

Os apoios governamentais provenientes tanto de políticas públicas de compra de alimentos quanto de políticas de desenvolvimento territorial irradiam consequências para além da ampliação e diversificação da produção ecológica no Território. Essas conexões influenciam diretamente na incorporação de novas famílias de agricultores nas construções de mercados agroalimentares. Entretanto, no que se refere aos pontos de fragilidade do planejamento e operacionalização, pode-se afirmar que o acesso a tais apoios ainda apresenta obstáculos para uma parcela de agricultores familiares. Ainda que a construção desses mercados aninhados se caracterize por uma elevada permeabilidade em relação ao número de produtores, volume de produção e de consumidores, essa maleabilidade favorece principalmente os agricultores já organizados, que consolidam sua agência social à medida que se articulam a outros atores sociais.

A pesquisa realizada no Território Litoral Norte do Rio Grande do Sul evidencia que esses sujeitos desprovidos de agência, mormente, provenientes de populações rurais mais empobrecidas, são os que menos se beneficiam de tais políticas. As razões que levam a isso estão vinculadas desde a dificuldade de sua real participação nos espaços de disputa – muitas vezes resultante de sua não compreensão da linguagem utilizada nos formatos de reuniões de planejamento e tomada de decisão para ações territoriais –, até o fato de as ações vinculadas aos públicos mais empobrecidos serem, em sua essência, delineadas em um formato assistencialista sem vínculo com a dimensão produtiva.

O que se percebe nesse recorte empírico é uma clara dicotomia entre as políticas de caráter produtivo e aquelas destinadas à assistência social. As primeiras têm beneficiado prioritariamente unidades familiares que já dispõem de acesso a tecnologias e práticas destinadas a maximizar a produtividade, sem estabelecer contrapartidas concernentes aos impactos socioambientais. Ao inverso, as políticas que focalizam a assistência social dos estabelecimentos mais frágeis não têm interfaces com as iniciativas de inclusão produtiva.

Dessa forma, ainda que se reconheça que tais construções organizacionais coletivas vêm desencadeando significativos processos de aprendizado mútuo, com o estabelecimento de relações de reciprocidade, construção de conexões que levam ao reordenamento no uso de recursos naturais e sociais e transposições de fronteiras das unidades produtivas, reitera-se a necessidade de análise dos entraves a tais construções territoriais. Se, de um lado, as disputas de interesses locais e o favorecimento de determinados atores pelas políticas públicas existentes se constroem como desafios a serem superados, de outro lado, as barreiras distintas começam a ser erguidas em face de um cenário político de incertezas no país. Em meio a mudanças bruscas de Governo, políticas públicas voltadas à promoção da agricultura familiar e do desenvolvimento rural sofrem mudanças e contenções, o que vem exigindo maior criatividade de inúmeras famílias de agricultores para dar continuidade aos seus projetos coletivos.

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Notas

[1] Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas (PPGA) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora na Faculdade de Agronomia do Campus Universitário do Tocantins/Cametá – Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: mmedeiros@ymail.com.
[2] Doutor em Ordenamento Territorial pelo Centre d’Etudes Supérieures d’Aménagement – Tours/França. Professor do Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas (PPGA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: ademir.cazella@ufsc.com.
[3] Doutora pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ). Bolsista de Extensão Universitária do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na Universidade do Centro-Oeste (Unicentro). E-mail: deiatecchio@yahoo.com.br.
[4] Doutora em Geografia pela Universidade Toulouse-Jean Jaurès. Professora na Unidade Mista de Pesquisa Atores, Recursos e Territórios no Desenvolvimento (UMR ART-Dev), Universidade de Montpellier 3, França. E-mail: genevieve.cortes@univ-montp3.fr.
[5] Vale ressaltar que esse artigo foi fundamentado nas pesquisas realizadas no âmbito da tese de doutorado da primeira autora. A referida tese foi realizada entre os anos de 2013 e 2018, no Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina.
[6] O termo “gaúcho” se refere à população originária do estado do Rio Grande do Sul, a qual apresenta em sua cultura uma estreita relação entre trabalho e espaço rural.
[7] O MDA foi criado em 1999, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), e extinto por meio da Medida Provisória nº 726, pelo Vice-Presidente da República Michel Temer, o qual se encontrava na condição de Presidente Interino, devido à abertura do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff (2011-2016). Essa mesma Medida Provisória atribui determinadas funções do MDA à Casa Civil da Presidência da República e outras ao novo Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário, estabelecido no lugar do até então Ministério do Desenvolvimento Social.
[8] Para organizar conjuntos de municípios em territórios rurais denominados de identidade em torno de uma estratégia comum, a SDT adotou dois critérios. O primeiro concerne à ruralidade, na qual os municípios deveriam ter densidade populacional menor que 80 habitantes/km² e população de até 50 mil habitantes. O segundo contempla a presença do público prioritário do MDA: agricultores familiares, famílias assentadas pela reforma agrária, agricultores beneficiários do reordenamento agrário, indígenas e descendentes de escravos (BRASIL, 2005).
[9] Nascido em 1908 no estado de Pernambuco, Josué de Castro, autor de inúmeras obras que apresentam ideias revolucionárias para sua época, fez da luta contra a fome o seu principal tema de trabalho (Alves, 2007).
[10] Esse Conselho tem caráter consultivo e presta assessoria à Presidência da República na formulação de políticas e na definição de orientações para a garantia do direito humano à alimentação adequada e saudável (BRASIL, 2016).
[11] Para os efeitos da Lei de nº 11.326, instituída em 24 de julho de 2006, é considerado agricultor familiar aquele que pratica atividades no meio rural, possui área de até quatro módulos fiscais, mão de obra da própria família, renda familiar vinculada ao próprio estabelecimento e gerenciamento do estabelecimento ou empreendimento pela própria família (Brasil, 2006).
[12] Até cerca de um século depois da assinatura da Lei Áurea que libertou os escravos no Brasil em 1888, os quilombos eram considerados locais com grandes concentrações de negros, que fugiram das consequências penosas do regime colonial. Com a Constituição Federal de 1988, o termo “quilombo” teve seu conceito ampliado, de modo que, atualmente, se refere à toda área ocupada por comunidades remanescentes dos antigos quilombos, cujos membros se autodefinem a partir das relações específicas com a terra, parentesco, território, ancestralidade e tradições (Palmares, 2016).
[13] Fundada em 1997 por ambientalistas e pesquisadores atuantes no Litoral Norte Gaúcho, a ANAMA concentra seus trabalhos de pesquisa e de extensão rural no município de Maquiné e seu entorno. A ONG tem como linha condutora a questão ambiental aliada à valorização da diversidade cultural. Para tanto, conta com a parceria de diferentes grupos e instituições locais e com o financiamento, principalmente, do Governo Federal (Anama, 2015).
[14] Criada em 1985, no município de Ipê, região Serrana do Rio Grande do Sul, a ONG surge da iniciativa de ambientalistas no desenvolvimento da agricultura ecológica por meio de projetos e assistência técnica junto às famílias de agricultores. Atualmente, desenvolve projetos financiados pelo Governo Federal e por instituições internacionais, como o Kreditanstalt für Wiederaufbau, banco alemão de desenvolvimento, em duas regiões distintas do Rio Grande do Sul: a Serra e o Litoral Norte (Centro Ecológico, 2010).
[15] Alimentos de origem vegetal ou animal produzidos sem a utilização de fertilizantes sintéticos solúveis, agrotóxicos e transgênicos. As práticas culturais que baseiam a produção desses alimentos são voltadas ao estabelecimento do equilíbrio ecológico do sistema agrícola.


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