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Inovação e inclusão produtiva na agricultura familiar do Tocantins
Diego Neves de Sousa; Paulo Andre Niederle; Flávia Charão-Marques;
Diego Neves de Sousa; Paulo Andre Niederle; Flávia Charão-Marques; Alexandre Aires Freitas
Inovação e inclusão produtiva na agricultura familiar do Tocantins
INNOVATION AND PRODUCTIVE INCLUSION IN FAMILY FARMING IN TOCANTINS
INNOVACIÓN Y INCLUSIÓN PRODUCTIVA EN LA AGRICULTURA FAMILIAR DEL TOCANTINS
Revista grifos, vol. 27, núm. 45, pp. 204-224, 2018
Universidade Comunitária da Região de Chapecó
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Resumo: Este artigo analisa a construção de um referencial sobre inclusão produtiva a partir das oficinas temáticas do Programa Nacional de Inovação e Sustentabilidade na Agricultura Familiar no Estado do Tocantins. O objetivo é compreender qual concepção de inclusão produtiva tem sido produzida nesses espaços públicos de ação da política. A metodologia envolveu análise documental e observação participante entre 2014 e 2015. Os resultados apontam que as oficinas criaram um ambiente de integração e compartilhamento de expectativas, o que pode corroborar com a formação de nichos de inovação e espaços de concertação para promover a inclusão produtiva dos agricultores familiares. Ao mesmo tempo, demonstra que as principais demandas em termos de inclusão apontam para uma concepção direcionada pelos princípios atinentes à modernização da agricultura.

Palavras-chave:Produção de novidadesProdução de novidades,ConcertaçãoConcertação,Extensão ruralExtensão rural,Agricultores familiaresAgricultores familiares,Políticas públicasPolíticas públicas.

Abstract: This article analyzes the construction of a reference for productive inclusion from the thematic workshops held by the National Program of Innovation and Sustainability in Family Farming in the State of Tocantins (Brazil). The objective is to understand which conception of productive inclusion has been produced in these public spaces of political action. The methodology involved documentary analysis and participant observation between 2014 and 2015. The results indicate that the workshops created an environment of integration and expectations sharing, which can corroborate with the formation of innovation niches and spaces of concertation for the promotion of the productive inclusion of the family farmers. At the same time, it shows that the main demands in terms of inclusion indicate to a conception directed by principles related to the modernization of the agriculture.

Keywords: Novelty production, Concertation, Rural extension, Family farmers, Public policies.

Resumen: Este artículo analiza la construcción de un referencial sobre inclusión productiva a partir de los talleres temáticos del Programa Nacional de Innovación y Sostenibilidad en la Agricultura Familiar en el Estado de Tocantins. El objetivo es comprender qué concepción de inclusión productiva ha sido producida en estos espacios públicos de acción de la política. La metodología involucró análisis documental y observación participante entre 2014 y 2015. Los resultados apuntan que los talleres crearon un ambiente de integración y compartición de expectativas, lo que puede corroborar con la formación de nichos de innovación y espacios de concertación para la promoción de la inclusión productiva de los agricultores familiares. Al mismo tiempo, demuestra que las principales demandas en términos de inclusión apunta a una concepción dirigida por los principios relativos a la modernización de la agricultura.

Palabras clave: Producción de novedades, Concertación, Extensión rural, Agricultores familiares, Políticas públicas.

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Artigos

Inovação e inclusão produtiva na agricultura familiar do Tocantins

INNOVATION AND PRODUCTIVE INCLUSION IN FAMILY FARMING IN TOCANTINS

INNOVACIÓN Y INCLUSIÓN PRODUCTIVA EN LA AGRICULTURA FAMILIAR DEL TOCANTINS

Diego Neves de Sousa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil
Paulo Andre Niederle
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil
Flávia Charão-Marques
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil
Alexandre Aires Freitas
Embrapa Pesca e Aquicultura/Palmas/Tocantins, Brasil
Revista grifos, vol. 27, núm. 45, pp. 204-224, 2018
Universidade Comunitária da Região de Chapecó

Recepção: 13/04/2018

Aprovação: 20/11/2018

INOVAÇÃO E INCLUSÃO PRODUTIVA NA AGRICULTURA FAMILIAR DO TOCANTINS
Introdução

A temática da inclusão produtiva tem ocupado lugar de destaque na agenda das políticas públicas. O termo se tornou palavra de ordem para a ação do Estado e da própria sociedade civil organizada; no entanto, assume significados distintos, fruto justamente dos desacordos sobre o espaço de manobra e as alternativas que existem para aqueles que “precisam” ser incluídos, os “pobres rurais”. Há quem aposte na reedição da modernização agrícola, afirmando “[...] que a única saída para ainda garantir a persistência de uma proporção de pequenos produtores é o acesso à ciência e à tecnologia operada pela agricultura moderna” (NAVARRO; PEDROSO, 2014, p. 14). Por outro lado, há quem aponte para o potencial das formas camponesas de agricultura, capazes de articular estratégias mais autônomas baseadas na produção de novidades (novelties) técnicas e organizacionais que a ciência moderna desconhece (PLOEG, 2008; WANDERLEY, 2014).

As políticas públicas incorporaram a noção de inclusão produtiva e as contradições que ela suscita. Como sugere a literatura, a política de desenvolvimento territorial (Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais e Programa Territórios da Cidadania) provavelmente tenha sido aquela que mais fortemente destacou a inclusão produtiva como estratégia voltada para os agricultores pobres. No entanto, ao mesmo tempo, ela também demonstrou que o termo comporta uma pluralidade de significados, que respondem a distintos referenciais de desenvolvimento (CAVALCANTI; WANDERLEY; NIEDERLE, 2014). Enquanto alguns associam a uma lógica modernizante centrada na capacidade de os agricultores oferecerem respostas produtivas convencionais (apostando na melhoria da capacidade tecnológica e empreendedora de um agricultor profissionalizado), outros sustentam experiências alternativas que sugerem a emergência de um novo rural multifuncional e pós-produtivista (PLOEG et al., 2004).

O Programa Nacional de Inovação e Sustentabilidade na Agricultura Familiar foi criado no ano de 2014, por meio de uma cooperação entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com o propósito de integrar ações de extensão rural, pesquisa e ensino, tendo como finalidade central promover a inovação de forma sustentável por meio de uma rede de atores que atuam junto à agricultura familiar. Para isso, o Programa traçou alguns objetivos específicos, a saber: (a) promover a construção e compartilhamento de conhecimentos e tecnologias apropriadas na diversidade da agricultura familiar; (b) ampliar a oferta e o acesso a tecnologias apropriadas pela agricultura familiar; (c) ampliar os espaços de integração entre extensão rural, pesquisa, ensino; e (d) ampliar e fortalecer redes de gestão da inovação na agricultura familiar.

De forma a envolver todas as regiões do país, as ações foram sendo estruturadas junto às unidades descentralizadas da Embrapa. Neste âmbito, no estado do Tocantins, a Embrapa Pesca e Aquicultura passou a executar o Programa, seguindo a orientação de buscar respostas para as demandas dos agricultores familiares e de superar desafios na construção de conhecimentos a partir de saberes empíricos e técnico-científicos. Este processo envolveu a ampliação de diálogo entre os vários atores sociais envolvidos e transformações em relações interinstitucionais, dando visibilidade para uma série de temas relevantes localmente, onde, dentre eles, emergiriam desafios ligados à inclusão produtiva. Em outras palavras, embora a noção de inclusão produtiva não tivesse sido explicitamente incorporada aos objetivos do Programa, ela logo se revelou uma categoria estruturante do conjunto das ações.

A partir de observação participante e análise documental, este artigo analisa como foi a construção de um referencial de inclusão produtiva a partir das oficinas temáticas deste Programa no Tocantins. Os resultados apontam que as oficinas possibilitaram a construção de uma agenda de trabalho com a articulação de esforços e competências entre diferentes atores, criando um ambiente de integração e compartilhamento de expectativas, o que pode corroborar com a formação de nichos de inovação e espaços de concertação para a promoção da inclusão produtiva dos agricultores familiares. Ao mesmo tempo, o conteúdo central (referencial) de inclusão que prevaleceu nestes espaços de concertação foi o modernizante.

O artigo está estruturado em quatro seções, além desta introdução. A segunda seção discorre sobre o contexto da inovação produtiva na agricultura familiar e a diferenciação analítica entre “inovação” e produção de “novidades”. Na terceira seção, é apresentada a dinâmica do Programa Nacional de Inovação e Sustentabilidade na Agricultura familiar e seus primeiros passos no Tocantins. Na seção seguinte, discutem-se os resultados do Programa voltados à temática inclusão produtiva e seus desafios no estado. Por último, são apresentadas as considerações finais do trabalho.

Inovação produtiva na agricultura familiar

Com o reconhecimento da agricultura familiar enquanto categoria social, produtiva e política, principalmente, a partir da implantação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) em 1995, diversas políticas públicas foram formuladas com o intuito de garantir sua reprodução social e, sobretudo, consolidar seu papel de produtora de alimentos (ESQUERDO; BERGAMASCO, 2014). Contudo, esse reconhecimento não deve ser entendido como mera formalidade, mas motivador de novos cenários, como sugere Picolotto (2014): (a) de aumento da importância política do agricultor familiar e dos atores que se constituíram como seus representantes; (b) de reconhecimento institucional propiciado pela definição de espaços no Estado, criação de políticas públicas e da Lei da Agricultura Familiar; e (c) de reversão das valorações negativas que eram atribuídas a esta agricultura (atrasada, ineficiente e inadequada) para o entendimento como uma agricultura que busca ser moderna, eficiente, sustentável, diversificada, solidária e produtora de alimentos.

São várias as explicações para esse processo de reconhecimento, destacando-se as políticas de governo e de Estado que visam a sanar problemas ligados à invisibilização de características específicas e a consequente limitação de acesso a recursos diversos (SOUSA, 2014; GRISA; SCHNEIDER, 2014). Nesse sentido, cabe mencionar a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), a qual estabeleceu como público prioritário as diferentes categorias da agricultura familiar, tais como: produtores familiares tradicionais, assentados dos programas de reforma agrária, extrativistas, ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, aquicultores, povos da floresta e seringueiros. De certa forma, esse é um marco importante, representando a inserção de atores sociais que historicamente estiveram à margem de políticas públicas.

No entanto, há uma diversidade de posicionamentos e opiniões no que tange à importância ou à forma de participação da agricultura familiar nos processos do desenvolvimento rural. Kageyama, Bergamasco e Oliveira (2013, p. 15) afirmam que a agricultura familiar “[...] é largamente predominante em termos de número de estabelecimentos e de pessoal ocupado, mas com participação proporcionalmente menor no valor da produção e nas receitas do estabelecimento, devido à menor produtividade”. Por sua vez, Alves (2001) aponta que as propriedades cultiváveis da agricultura familiar são pequenas não tendo como remunerar melhor a família sem que haja o aumento da produtividade, pois “[...] é crucial que a tecnologia seja capaz de aumentar o excedente, de preferência com a redução simultânea de custos. Ou seja, deve fazer cada hectare produzir mais e com menor custo” (ALVES, 2001, p. 15).

Em que pesem as múltiplas variáveis que produzem diferenciações no setor agrícola brasileiro, e mesmo dentro da ampla categoria “agricultura familiar”, é relevante registrar que a “tecnologia” parece cumprir um papel proeminente nesse processo na opinião de diferentes estudiosos. Merece referência, também, a influência que o chamado progresso técnico ainda exerce quando se fala em aumentar a produtividade na agricultura familiar; na medida em que o problema da renda ou ineficiência produtiva aparece como relacionado à questão da “falta de tecnologia”. “É justamente o progresso técnico a principal arma dos capitalistas menos favorecidos para sobreviverem num mercado em que alguns possuem vantagens redutoras de custos” (SILVA, 2003, p. 40, grifo do autor). No mesmo sentido, a substituição de bens caros e escassos por outros abundantes e baratos, ideia básica à Teoria da Inovação Induzida (HAYAMI; RUTTAN, 1988), de modo a ganhar escala de produção, surge como uma noção ainda presente para pensar a inovação, embora remonte aos primórdios da modernização agrícola.

Em suma, o que se verificou em um primeiro momento foi que a tecnologia em si foi vista como resposta para o progresso da agricultura, trazendo o incremento de produtividade, que também é almejado pela agricultura familiar. De certa forma, o progresso técnico direcionou a ideia de que melhorias e mudanças sociais seriam naturalmente decorrentes dos avanços tecnológicos. Contudo, pouco foi questionado sobre o próprio conceito de “tecnologia”, e a padronização de um conjunto de protocolos técnicos reproduzíveis em diferentes contextos passou a ser entendido tacitamente como tecnologia na agricultura, ainda que a obtenção de produtividades crescentes dependesse do uso de grandes quantidades de energia, insumos externos e capital. Em virtude disso,

Trigueiro (2008, p. 135) afirma que

[...] compreender a complexidade da tecnologia e tratá-la em sua devida singularidade é importante para se formular uma crítica consequente do fenômeno tecnológico recente, evitando-se quaisquer posições ufanistas – como se a tecnologia, sozinha, viesse a resolver todos os problemas da humanidade (a atitude de tratar a tecnologia como uma panacéia [sic]) –, bem como toda e qualquer visão essencialmente negativa da tecnologia – como um mal que precisa ser evitado, posto que leva ao aniquilamento da liberdade humana, segundo muitas dessas interpretações.

Dagnino e Thomas (2001) também corroboram tal perspectiva ao explanar que a exclusiva presença de operações atinentes à transferência de tecnologia não é condição suficiente para dar espaço aos processos de inovação. Assim, os fenômenos de difusão somente devem “[...] ser considerados parte constitutiva da dinâmica de inovação se dão lugar a intervenções – inovações stricto sensu – do receptor sobre a tecnologia recebida; o que, como se sabe, não é a regra” (DAGNINO; THOMAS, 2001, p. 222). Ou seja, a transferência de tecnologia se efetiva ao envolver os agricultores no processo de construção de um conhecimento, factível em sua realidade, abrindo possibilidade de conduzir a inovação de outras maneiras, ou mesmo, questionando o que vem a ser “inovar”.

Medeiros, Wilkinson e Lima (2002), já no início dos anos 2000, apontavam que os agricultores familiares se apresentam à sociedade como importante vetor para criação em escala local de oportunidades de inclusão produtiva e socioeconômica, ao distinguir um conjunto de qualidades peculiares, muitas vezes, inerentes a seus produtos. Outra constatação pertinente dos autores é que os níveis insuficientes de conhecimento costumam retirar das populações tradicionais a possibilidade e a capacidade de agenciar as decisões políticas e comerciais, no que se refere aos seus interesses e demandas, o que também gera marginalização nos aspectos econômico e produtivo. Inovar na agricultura familiar, então, pode tomar outros rumos. Guivant (1997, p. 413), ao refletir sobre o conhecimento para uma agricultura sustentável, aponta que:

[...] trata-se de repensar o papel de agricultores e profissionais agrícolas, tanto na pesquisa quanto na extensão rural, especialmente no sentido de revalorizar as capacidades e as prioridades dos agricultores, envolvendo-os como participantes ativos em todas as fases do desenvolvimento e colocando os conhecimentos locais como elementos-chave na formulação de alternativas produtivas sustentáveis.

Essa concepção se coloca em sentido oposto ao padrão estabelecido pelo regime tecnológico prevalente, de modo que as mudanças necessárias não recaem mais em soluções tecnológicas genéricas. Ao contrário, dependem cada vez mais de conhecimentos enraizados localmente; em que a “localização” não se trata de isolamento e que a inovação, neste caso, não se refere unicamente ao campo da técnica, mas deve articular mudanças na organização social, nos mercados, nos hábitos de consumo etc.

É assim que, a partir da necessidade de particularizar ou evidenciar fenômenos “inovadores na agricultura”, se pode lançar mão do termo-chave “produção de novidade” (novelty production), proposto para entender mudanças que, muitas vezes, estão “escondidas” (SWAGEMAKERS, 2003; PLOEG et al., 2004). A abordagem do desenvolvimento das novidades na agricultura e no rural, inicialmente compilada pelos trabalhos do Grupo de Sociologia Rural da Universidade de Wageningen, localizada na Holanda, ainda que a partir das discussões contemporâneas da chamada Perspectiva Multinível dos estudos sociotécnicos (GEELS, 2005), oferece outro enfoque teórico e metodológico para pensar, compreender e investigar os processos inovativos nos ambientes rurais (GAZOLL; PELEGRINI; CADONÁ, 2010). Nessa perspectiva, uma novidade pode significar uma modificação dentro de uma prática existente ou pode consistir em uma nova prática. Pode, ainda, ser um novo modo de fazer ou pensar, presumivelmente com potencial para promover melhorias nas rotinas existentes (PLOEG et al., 2004).

Charão-Marques (2011) explica que “inovação” e “novidade” têm trajetórias distintas, sendo frequentemente bem diferentes em termos substantivos, embora, por vezes, seja impossível distinguir uma da outra. Por sua vez, Oostindie e Broekhuizen (2008) apontam que a diferença entre inovação e novidade está ligada aos processos de aprendizagem. Inovação deriva de mundos que são externos a esfera da produção, na lógica da padronização e globalização. Enquanto, a novidade, está enraizada em mundos e processos de produção e trabalho, pautada pela contextualização, territorialização e socialização do conhecimento. Desse modo, a produção de novidades enfraquece a trajetória do regime dominante, pela possibilidade de algum tipo de antagonismo ao regime.

Segundo Oliveira, Gazolla e Schneider (2011), os agricultores familiares, ao romperem com as regras e os padrões dominantes e optarem por outros tipos de produção, acabam por abrir mão da busca de inovações nos mercados ou em instituições de pesquisa e/ou extensão. Assim, os autores explicam que a solução encontrada para minimizar os gargalos vivenciados no cotidiano tem sido criar, resgatar e/ou reconstruir um conjunto de novos procedimentos para produzir, comercializar e processar alimentos.

Contudo e apesar da importância que o conhecimento dos agricultores assume na produção de novidades, foi possível observar que estes não operam de forma isolada, mas em diálogo com outros atores sociais, instituições e tipos de conhecimentos, tais como os conhecimentos dos técnicos que se relacionavam com os agricultores em busca de novas alternativas nas iniciativas. (OLIVEIRA, GAZOLLA; SCHNEIDER, 2011, p. 45).

Com base nessa afirmação, cabe sublinhar que a gênese da novidade está fundamentalmente ligada à contextualização do conhecimento[5], envolvendo múltiplos processos de aprendizagens e pressupondo a participação e o envolvimento individual, coletivo e institucional.

Nessa perspectiva, pode-se pensar a necessidade de readequação das políticas sociais e agrícolas para responder aos desafios de inclusão dos estabelecimentos familiares. A inclusão produtiva torna-se associada a uma mudança no referencial de desenvolvimento que orienta a ação pública, abrindo espaço para estratégias de inclusão baseadas no reconhecimento e na legitimação de um novo conjunto de práticas, conhecimentos e valores sociais os quais, em grande medida, se constituem externamente aos regimes dominantes (NIEDERLE, 2017).

O Programa Nacional de Inovação e Sustentabilidade na Agricultura Familiar no Tocantins

O Tocantins conta com aproximadamente 43 mil agricultores familiares, que contribuem com 40% do valor bruto da produção agropecuária e ocupam 50% das áreas destinadas à agricultura, o que representa 76% dos estabelecimentos, cujo tamanho médio é 18 ha (SEAGRO, 2017). Nos estabelecimentos da agricultura familiar, em média, há 2,7 pessoas ocupadas que possuem algum laço de parentesco com o produtor, e 84,6% residem no próprio estabelecimento e 61% sabem ler e escrever. Deste público, apenas 4% recebia salário e 2,3% trabalhavam somente com atividades não ligadas à agropecuária (IBGE, 2006). Com efeito, a significativa presença da agricultura familiar no estado não difere do contexto mais geral vivenciado no Brasil desde a década de 1990, ainda que a imagem do estado permaneça bastante relacionada às grandes produções de commodities, em especial, a soja.

Assim, é neste contexto que a proposta do Programa Nacional de Inovação e Sustentabilidade na Agricultura Familiar passa a ser debatida, sendo estabelecida uma agenda de ações. Para entender como esse processo iniciou, é necessário resgatar que a justificativa para o lançamento desta política foi pautada por diversos elementos, tendo nas instituições de extensão rural o principal elo com os públicos da agricultura familiar. As principais explicações para a construção deste programa são atinentes à demanda dos agricultores por conhecimentos e tecnologias para os extensionistas que atuam nos contratos de ATER, os quais são estabelecidos pelas chamadas públicas no âmbito da PNATER[6].

Outra definição que o programa estabeleceu é de que os públicos prioritários do programa seriam os agentes de ATER e os agricultores familiares atendidos nas chamadas públicas em andamento. Metodologicamente, o primeiro passo consistiu na realização da “Oficina de Concertação”, ou seja, em reuniões organizadas pela coordenação nacional do Programa em diferentes estados da federação com a participação da Delegacia Federal do MDA (DFDA/TO) e por uma unidade descentralizada da Embrapa. Dentro dessa lógica, o ponto de partida no Tocantins foi a realização de uma oficina, coordenada pela Embrapa Pesca e Aquicultura e DFDA/TO. A partir daí, as duas entidades, representadas por pesquisadores/analistas e consultores técnicos, respectivamente, estabeleceram articulações institucionais com a finalidade de buscar parcerias junto à sociedade civil e a organizações estatais, que atuam com os diferentes segmentos da agricultura familiar.

No Tocantins, foi realizada uma Oficina de Concertação reunindo diversos agentes ligados ao cenário da agricultura familiar em dezembro de 2014. A finalidade foi identificar as capacidades de cada ator envolvido para, a partir disso, definir uma agenda de atividades relacionadas a áreas específicas, além de planejar uma metodologia para operar um grupo gestor, o qual passaria a ser responsável pela organização das etapas seguintes e mais específicas do Programa. Para tanto, foram convidados representantes dos diversos segmentos de agricultores familiares e de instituições que poderiam contribuir com o debate sobre inovação para a agricultura familiar: base da agricultura familiar (federação dos trabalhadores, federação e colônia de pescadores, coordenadores dos territórios da cidadania, associações, cooperativas); entidades públicas e privadas de ATER; instituições públicas que atuam direta ou indiretamente no fomento à atividade produtiva; instituições de ensino e pesquisa, tais como: universidades, escolas de família agrícola, institutos de ensino, entre outros. No Quadro 1, estão elencadas as 54 instituições participantes, que levaram 130 colaboradores para participar deste primeiro evento.

Quadro 1
Instituições participantes da Oficina de Concertação no estado do Tocantins em dezembro de 2014

Fonte: Adaptado de Embrapa (2015).

A Oficina de Concertação iniciou com a explanação de um moderador sobre os objetivos do evento e uma apresentação sobre o Programa Nacional de Inovação e Sustentabilidade da Agricultura Familiar. Em seguida, ocorreu uma contextualização com quatro palestras sobre a agricultura familiar e a inovação tecnológica no Tocantins. Na condução da Oficina de Concertação, foi utilizada a metodologia “Café do Mundo”, que é um método que propicia a criação de uma rede de diálogo colaborativo com rodadas de conversas em grupos em torno de temas relevantes, sistematização e apresentação dos resultados do debate para a plenária (KAMIMURA; PAES; OLIVEIRA, 2012).

A oficina buscou levantar problemas e prospectar soluções para a elaboração de uma agenda de ações focada na integração entre ensino, pesquisa e extensão rural no âmbito da agricultura familiar, a fim de viabilizar o planejamento e a execução deste Programa no Tocantins. Os participantes foram divididos em quatro grupos com representantes de todos os segmentos; cada um deles contou com um moderador e um relator, que tiveram a incumbência de sistematizar a discussão, apresentando, em seguida, os desafios e uma proposta de solução para cada problema enunciado. Para cada grupo, foi proposto um tema central: sistemas produtivos sustentáveis; organização social e produtiva; agrobiodiversidade; acesso às políticas públicas.

Os grupos tiveram 40 minutos para discutir o tema proposto em diferentes salas. Ao final de cada rodada, era emitido um sinal que indicava que o grupo deveria concluir sua atividade e se dirigir a outra sala de nova temática. Todos os grupos passaram por todas as salas. Houve, ainda, uma quinta rodada, quando os grupos voltaram para a plenária final a fim de consolidarem uma apresentação referente a todas as contribuições concernentes ao tema principal: inovação na agricultura familiar.

Como resultado da oficina de concertação foi delimitado um calendário de atividades para o ano de 2015, no qual foi incluída a realização de seis “oficinas temáticas”. Os temas foram definidos em função da necessidade de aprofundamento das discussões identificada pelos partícipes. Neste caso, os temas priorizados foram: Agroecologia, Avicultura, Bovinocultura de leite, Mandiocultura, Piscicultura e Pesca artesanal. Por sua vez, o número de oficinas temáticas foi definido de acordo com o recurso financeiro que viria a ser disponibilizado pelo MDA com a finalidade de cobrir o custo de organização de um evento com a capacidade de acolher a participação de, no mínimo, 50 pessoas. Como a proposta do Programa foi abranger boa parte das regiões do Estado, as seis oficinas foram realizadas no ano de 2015 e em quatro regiões do Tocantins.

Uma estratégia de inclusão produtiva

Decididas as temáticas, o processo de discussão e organização teve continuidade. A próxima etapa contou com os eventos nos focos específicos. Seguindo a lógica anterior, os encontros reuniram pesquisadores, agentes de ATER, acadêmicos, técnicos e agricultores. Em especial, foram mobilizados os chamados agricultores experimentadores, que são aqueles identificados como disseminadores de saberes e/ou envolvidos em ações conjuntas de inovação nas localidades. O objetivo das oficinas temáticas foi identificar, sistematizar e compartilhar conhecimentos e tecnologias para a agricultura familiar, a partir de demandas das unidades familiares, mas também por parte dos técnicos de ATER. Fundamentalmente, a ideia foi articular “ações em rede”. Note-se que a proposta buscou potencializar ações e processos em andamento. De alguma maneira, é justamente aí que podemos sublinhar a potencialidade de um programa de inovação que não tem por base apenas a lógica da transferência de tecnologia, como fins em si. A constituição de redes favoreceu a visibilização de promissoras “novidades”, descortinando conhecimentos, práticas e discursos de inúmeros atores locais.

O formato metodológico das oficinas temáticas compreendeu três momentos. O primeiro foi o de identificar os conhecimentos, a partir de palestras sobre a temática do evento, com apresentações de casos de sucesso mediados por pesquisadores, extensionistas e agricultores experimentadores. O segundo momento foi o de levantar as necessidades e os interesses por meio de discussão sobre a realidade local. E o terceiro momento foi o de compartilhar os conhecimentos (local e técnico) com o propósito de criar uma agenda de trabalho e a definição do papel de cada ator na construção e execução das atividades propostas.

Ao observar o desdobramento das ações debatidas e propostas nas oficinas, é possível perceber que o conjunto dos atores persegue algumas metas no sentido de minimizar os problemas diagnosticados, bem como articular processos inovativos e construção de novidades. É interessante notar que, no contexto dos estudos sobre inovação, normalmente o foco está colocado sobre as novas tecnologias; porém, ao identificar e valorizar a criação de espaços relevantes para as mudanças tecnológicas torna-se possível, também, evidenciar “velhas” tecnologias que podem estar ali hospedadas, ainda que não estejam estabilizadas no ambiente externo (MARKARD; TRUFFER, 2008). Tais espaços podem ser identificados como “nichos de inovação”, nos quais os atores envolvidos têm oportunidade de testar novas tecnologias ou novos arranjos organizacionais que redescubram tecnologias (ou modos de fazer) já existentes, mas que podem ter permanecido descontextualizadas localmente.

A tentativa de descentralização territorial no desenvolvimento das atividades também é um marcador interessante do esforço do Programa em estabelecer um processo diferenciado de facilitação da participação de diferentes atores. Desse modo, transforma o modo como geralmente a inovação é produzida, em um ambiente institucional, muitas vezes, distante dos contextos de aplicação do conhecimento ou tecnologia gerados. Seguindo uma lógica de facilitação de “novidades”, foi fundamental partir do contexto localizado, uma vez que é daí que elas têm mais chances de resultar em mudanças reais. A contribuição da produção de novidades na agricultura, em processos de transição sociotécnica, pode estar justamente no seu caráter radical, em outras palavras, referindo-se a inovações que frequentemente distanciam, desviam e confrontam as regras e trajetórias dominantes (PLOEG et al., 2004). Nesse sentido, “[...] uma novidade interessante que emerge em um lugar (e em um tempo particular), provavelmente, não surgirá em outro ou, se surgir, poderá causar efeitos adversos ou não ser promissora” (CHARÃO-MARQUES, 2011, p. 149).

O número de instituições que participaram das oficinas variou de acordo com a temática com a qual estavam mais envolvidas. No Quadro 2, é possível verificar tais informações de forma quantitativa. O que se percebeu é que a instituição que teve mais representatividade foi o Ruraltins, empresa de ATER pública do Tocantins, pelo maior número de pessoas que participaram. Enquanto isso, as outras empresas de ATER privada participaram das oficinas cujo tema tinha maior relação com os serviços que executavam no momento.

Neste intento, os desafios diagnosticados foram decorrentes do esforço de uma rede de atores onde, no centro, apareceram frequentemente os extensionistas rurais. Estes têm a capacidade de transferir tecnologias e conhecimentos em uma abrangência maior do que aqueles que estão inseridos em instituição de pesquisa ou de ensino, porque as instituições públicas de ATER têm uma capilaridade considerável nos municípios em relação às demais. Também, destaca-se a presença dos “agricultores experimentadores” nas oficinas, porque estes atores, ao elencarem limitações e potencialidades da agricultura na localidade onde estão presentes, acabaram por contribuir para uma melhor aproximação às situações localizadas. Nesse sentido, percebe-se que este tipo de ator social é estratégico para disseminar novidades no meio rural, tendo sido envolvido nas ações de promoção de inovações pelas instituições partícipes do Programa. Assim, ficou evidente que a participação deste público na agenda de trabalhos é de fundamental importância para uma adequada circulação de conhecimentos e, potencialmente, para a produção de novidades, até para reduzir responsabilidades dos extensionistas, desmistificando a ideia de que são eles os portadores de soluções para todos os problemas na agricultura. De certa forma, a orientação metodológica do Programa foi ao encontro de algumas estratégias da metodologia “campesino a campesino”, retratada por Holt Giménez (2008). Tal método, não só reconhece que os agricultores familiares podem ser produtores de soluções como também confia, em parte, a eles o papel de “passar adiante” os avanços obtidos. Em outras palavras, trata-se de uma forma de buscar alternativas aos esquemas tradicionais de transferência de tecnologia, uma vez que são os próprios agricultores que assumem algumas ações de transferência de conhecimentos e tecnologias, em sua maioria produzidos na localidade em que estão inseridos.

Ao final da oficina os participantes eram demandados a discutir os problemas da realidade local e propor soluções que seriam formalizadas em uma agenda estadual de ações. Houve, em média, a identificação de cinco desafios e a proposta de 20 ações por oficina realizada, visto que estes passaram à composição final das agendas de cada evento, seguindo um princípio de aprovação por maioria (Tabela 1). Aquelas que, por algum motivo, não foram aceitas, foram agrupadas em blocos para discussão e amadurecimento posterior, como viria a ser o caso de reuniões periódicas que passariam a ser realizadas pelo grupo gestor.

Tabela 1
Número de instituições participantes, desafios e ações propostas nas oficinas temáticas

Fonte: Adaptado de Embrapa (2015).

Nessa etapa do Programa, foram construídas agendas com base nas demandas e oportunidades levantadas, voltadas à inovação das cadeias produtivas da agricultura familiar no Tocantins a partir do diálogo horizontal entre os diversos atores. O que se verificou foi o protagonismo dos agricultores familiares em indicar para as instituições de pesquisa, ensino e de extensão suas demandas, o que promoveu ações que atuam diretamente nas reais necessidades deste público. Percebeu-se que, a partir de novas estruturas tecnológicas, variedades mais produtivas, de capacitação continuada, além do engajamento em organização coletiva, os agricultores passaram a ter melhores rendimentos na sua unidade familiar produtiva.

Entre os diversos desafios elencados nas seis oficinas temáticas realizadas no ano de 2015, no Quadro 2, são apresentados os principais elementos que ilustram os desafios que as cadeias produtivas enfrentam em relação à inclusão produtiva dos agricultores familiares. Esses dados foram extraídos do relatório final do Programa. Considerou-se como um desafio ligado à inclusão produtiva toda a ação que menciona a ideia de propor solução a problemas ou gargalos que os agricultores enfrentam diretamente com a produção agrícola em diferentes perspectivas.

Quadro 2
Os desafios ligados à inclusão produtiva

Fonte: Adaptado de Embrapa (2015).

Como é possível observar, as oficinas indicaram que os principais desafios que limitam a inclusão produtiva dos agricultores familiares são a dificuldade no acesso ao serviço de ATER e a falta de agentes extensionistas capacitados para a orientação técnica e produtiva em determinada cadeia produtiva/temática, principalmente no que tange à produção agroecológica. Assim, a avaliação é de que, mesmo a Ruraltins e a Coopter estando em processo de contratação de serviços de ATER com o MDA, ainda são poucos os técnicos que têm o conhecimento e a experiência de lidar com este tipo de processo produtivo.

O controle e a inspeção sanitária na maioria dos municípios do Tocantins são inexistentes, o que cria limites para acessar mercados formais, mas permite que os produtos in natura da agricultura familiar sejam comercializados sem inspeção sanitária, o que aumenta a comercialização em feiras e diretamente ao consumidor. De todo modo, a questão passa a ser: “como criar sistemas de garantia da qualidade adequados a cada contexto?”. Complica esse processo o fato de que, assim como há falta de inspeção sanitária, o Estado é carente de estruturas de processamento coletivo. Raros são os empreendimentos comunitários que têm a regularização da inspeção ou vigilância sanitária municipal. Isto justifica porque no Tocantins são pouquíssimas as cooperativas ou associações que participam das políticas públicas de apoio à comercialização de produtos da agricultura familiar, como é o caso do mercado institucional (SOUSA et al., 2016).

Outro entrave verificado que reflete nos gargalos supracitados é a dificuldade de organização social e produtiva dos agricultores familiares. Sem uma associação ou cooperativa que os represente e que articule ações de valorização da cultura local e dos seus produtos territorializados, nota-se certa perda de autonomia frente ao mercado dominante. McMichael (2013) explica que o regime dominante expropria os agricultores como condição para consolidar a agricultura modernizante. Por isso, a importância de se reconhecer as novidades e o conhecimento local que emergem da base dos agricultores familiares e inserir essas práticas transformadoras em produtos e serviços nos novos circuitos de comercialização. A partir disso, as ações do Programa poderão estar em maior consonância com o que é sugerido por Niederle (2017), para quem o processo de inclusão produtiva deve ser pautado por uma (re)adequação das ações públicas de acordo com as condições socioculturais e ambientais das múltiplas agriculturas familiares, cujo foco é o reconhecimento dos valores sociais expressos em formas diferenciadas no manejo de recursos territoriais.

Além disso, a própria discussão sobre inovação e a caracterização dos desafios enfrentados pelos agricultores no campo da inclusão produtiva estiveram fortemente marcadas por uma visão mais instrumental sobre transferência de tecnologia (a centralidade dos extensionistas como portadores de conhecimentos e transmissores de técnicas) do que propriamente a noção de novidade e a contextualização do conhecimento. Assim, apesar de ter sido enfatizada a necessidade de compartilhar conhecimentos e do crescente reconhecimento do saber popular, ainda há barreiras a superar para envolver mútua e reciprocamente técnicos e agricultores. Ademais, é preciso ampliar redes de ATER que possam integrar fluxos de aprendizagem coletiva, catalisar processos, ao invés de cumprir o velho papel de fazer uma “ponte” entre pesquisa e o agricultor.

Indo a esse encontro, outro gargalo verificado é o próprio fato de que as oficinas temáticas foram pensadas com um enfoque de cadeia produtiva, mostrando o peso da racionalidade técnica e da lógica tradicional do estado. Contribuiu para esta escolha a limitação de recursos do MDA, o que levou os participantes da Oficina de Concertação a elencarem as cadeias prioritárias no estado. Isso também implicou deixar em segundo plano a articulação de diferentes cadeias em uma lógica territorial. Outra limitante da metodologia das oficinas é que, apesar de ela ter buscado ser participativa, a “consciência” dos envolvidos ainda está marcada pelo modelo difusionista. Prova disso é que os principais desafios ligados à inclusão produtiva elencados pelos participantes do Programa no Tocantins estão relacionados aos princípios orientadores da modernização da agricultura. Desse modo, o referencial de inclusão produtiva que prevaleceu nesses espaços de concertação foi o modernizante. Por outro lado, esse fato chama a atenção para as dificuldades de romper com o viés modernizante, tendo provavelmente como justificativas o desconhecimento ou valores e significados que os artefatos e as promessas da modernização ainda produzem junto aos agricultores familiares e técnicos extensionistas.

Finalmente, cabe notar que, a partir da extinção do MDA, em 2016, as ações relativas ao Programa não tiveram continuidade, paralisando atividades que necessitavam de recursos financeiros. Ainda assim, algumas ações estão em andamento devido aos acordos de cooperação técnica formalizados entre as instituições. Dessa forma, na medida em que o Programa não pode mais prosperar como uma política pública propriamente dita, as ações passam a depender cada vez mais das articulações locais para o que foi proposto na agenda de trabalho seja colocado em prática. Essa situação abre um novo contexto para pensar estratégias de inclusão “de baixo para cima”, sem o suporte, mas também sem os constrangimentos e direcionamentos que o referencial da política pública impõe. Não se trata de “abrir mão” das políticas públicas. A adequação das políticas às realidades dos agricultores seria uma via mais promissora. Trata-se, contudo, de chamar a atenção, assim como Soldera e Nierderle (2016), para uma nova realidade: os desafios de articular mecanismos de inclusão no âmbito de redes territorializadas em face do que se projeta como a emergência de um novo referencial para as políticas públicas de desenvolvimento rural.

Considerações finais

A reflexão proposta neste artigo mostra que, a partir do Programa Nacional de Inovação e Sustentabilidade na Agricultura Familiar no Tocantins, foi possível problematizar e resgatar a discussão sobre a inovação e inclusão produtiva no estado. Um dos primeiros elementos que se desprende da experiência é que havia um distanciamento entre os múltiplos atores ligados à agricultura familiar e, em especial, relacionados à produção de conhecimentos e inovação. Pode-se destacar, ainda, que a proposta e a escolha metodológica no âmbito do Programa favoreceram o protagonismo dos agricultores familiares, ultrapassando a noção de que eles são receptores de tecnologias e de políticas públicas, e apontando que, como atores sociais significantes, eles podem ser partícipes na definição de estratégias e na busca de soluções em conjunto com técnicos e pesquisadores, bem como suas respectivas instituições.

As oficinas possibilitaram a construção de uma agenda de trabalho com a articulação de esforços e competências, criando um ambiente de integração e compartilhamento de expectativas, o que pode corroborar com a formação de nichos de inovação e espaços de concertação para promover a inclusão produtiva dos agricultores familiares. Esse potencial parece ter surgido do diferencial metodológico das oficinas, na medida em que a agenda de discussão e, posteriormente, de ações foram pautadas pelo encontro do conhecimento local e do técnico-científico.

Os desafios diagnosticados no Programa ligados à inclusão produtiva estão diretamente relacionados à questão da dificuldade de acesso a ATER, falta de inspeção sanitária, baixa participação em políticas públicas de comercialização e dificuldade de organização social e produtiva dos agricultores familiares. Nesse sentido, tais elementos, se não forem resolvidos ou minimizados, podem influenciar negativamente na consolidação da agenda de inovação proposta para o estado do Tocantins de modo a promover a inclusão produtiva para os públicos da agricultura familiar.

Ademais, verificou-se que, a partir da ampliação de redes de atores no estado, houve maior contribuição para o estabelecimento de nichos inovadores e espaços sociais e institucionais protegidos na região. Todavia, permanecem os desafios de ampliar a compreensão sobre as diferentes formas de inovação. Destaca-se, ainda, que, apesar da vitalidade das redes emergentes, das parcerias e dos compromissos estabelecidos entre atores e instituições atuantes localmente, a descontinuidade do Programa ameaça avanços considerados fundamentais para a transição em direção à sustentabilidade da agricultura na região.

No entanto, entende-se que, dentre os principais limites desse processo, está a marcada influência do modelo difusionista sobre a ação e as ideias dos partícipes do Programa. A análise aqui apresentada revela, nesse sentido, que o referencial de inclusão produtiva que prevaleceu nos espaços de concertação foi o modernizante, e os seus principais desafios, conforme indicaram os atores envolvidos, estão atrelados à falta de modernização da agricultura. Ou seja, prevalece uma visão mais instrumental sobre transferência de tecnologia do que propriamente uma noção de novidade, territorialização da inovação ou a contextualização do conhecimento.

Material suplementar
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Notas
Notas
[1] Doutorando em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Analista da Embrapa Pesca e Aquicultura/Palmas/Tocantins. E-mail: diego.sousa@embrapa.br
[2] Doutor em Ciências Sociais (CPDA/UFRRJ). Professor do Departamento de Sociologia e dos Programas de Pós-Graduação em Sociologia e em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: pauloniederle@gmail.com
[3] Doutora em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Professora da Faculdade de Agronomia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: flavia.marques@ufrgs.br
[4] Mestre em Agronomia (UFC). Chefe Geral da Embrapa Pesca e Aquicultura/Palmas/Tocantins. E-mail: alexandre.freitas@embrapa.br
[5] O conhecimento contextual pode ser entendido como resultado da produção social de um fluxo contínuo de acumulação de capacidades e competências tecnológicas (BELUSSI; PILLOTI, 2000).
[6] Para obter mais informações sobre as mudanças de direcionamento da PNATER em face do difusionismo ver Dias (2007) e Diesel e Dias (2016).
Quadro 1
Instituições participantes da Oficina de Concertação no estado do Tocantins em dezembro de 2014

Fonte: Adaptado de Embrapa (2015).
Tabela 1
Número de instituições participantes, desafios e ações propostas nas oficinas temáticas

Fonte: Adaptado de Embrapa (2015).
Quadro 2
Os desafios ligados à inclusão produtiva

Fonte: Adaptado de Embrapa (2015).
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