INICIATIVAS DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO COMPARATIVO DAS INICIATIVAS DO PODER PÚBLICO BRASILEIRO E DA UNIÃO EUROPEIA
INICIATIVAS QUE PROMUEVEN EL DESARROLLO LOCAL SOSTENIBLE: UN ESTUDIO COMPARATIVO DE LAS INICIATIVAS DEL GOBIERNO BRASILEÑO Y LA UNIÓN EUROPEA
INITIATIVES PROMOTING SUSTAINABLE LOCAL DEVELOPMENT: A COMPARATIVE STUDY OF THE INITIATIVES OF THE BRAZILIAN GOVERNMENT AND THE EUROPEAN UNION
INICIATIVAS DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO COMPARATIVO DAS INICIATIVAS DO PODER PÚBLICO BRASILEIRO E DA UNIÃO EUROPEIA
Revista grifos, vol. 29, núm. 50, pp. 7-29, 2020
Universidade Comunitária da Região de Chapecó

Recepción: 25 Noviembre 2019
Aprobación: 17 Diciembre 2019
Resumo: A partir das noções de desenvolvimento local e desenvolvimento sustentável buscou-se analisar neste artigo duas iniciativas de desenvolvimento local sustentável: a DLBC – Desenvolvimento local de base comunitária aplicada no Brasil pelo Governo Federal em comunidades brasileiras pelo projeto de cooperação técnica INCRA/IICA, e iniciativa denominada Leader – Liaison Entre Actions pour le Développement de l’Economie Rurale desenvolvida pela União Europeia. Nelas foram identificadas três variáveis: organização democrática participativa, planejamento estratégico participativo e governança local, utilizando-se do método de Estudo Comparado, que relaciona a identificação das similitudes entre os fenômenos, com o objetivo de ressaltar que, apesar do desenvolvimento local não ser uma receita universal para aplicações gerais para qualquer cenário, estas características comuns, quando adotadas, podem vir a representar uma singular transformação nas bases econômicas e na organização social em nível local, além de replicadas como alternativa praticável em diferentes contextos nacionais. Revelou-se com a realização dessa análise comparativa que uma estrutura de governança pautada na mobilização das energias da sociedade, nas suas capacidades e potencialidades bem como na atuação do Estado é pedra angular das mudanças sociais e econômicas pretendidas nos processos de desenvolvimento local sustentável e do fortalecimento das instituições locais com a conscientização dos envolvidos.
Palavras-chave: Iniciativas de desenvolvimento local sustentável, Participação cidadã, Governança do Estado.
Abstract: Based on notions of local development and sustainable development this paper analyzes two initiatives of sustainable local development: the DLBC - Community-Based Local Development applied in Brazil by the Federal Government in Brazilian Communities through the INCRA / IICA Technical Cooperation Project, and initiative called LEADER - Liaison Entre Actions pour le Développement de l'Economie Rurale developed by the European Union. Three variables were identified in these initiatives: participatory democratic organization, participatory strategic planning and local governance, while using the Comparative Study method, which relates the identification of similarities between the phenomena, with the purpose of emphasizing that although local development is not a universal recipe for general applications for any scenario these common characteristics, when adopted, may represent an unique transformation in economic bases and social organizations at the local level, which can be replicated as a feasible alternative in different national contexts. This comparative analysis revealed that a governance structure based on the mobilization of society's energies, their capacities and potentialities, as well as on the State's performance, is the cornerstone of social and economic changes intended for sustainable local development processes, strengthening local institutions with stakeholder’s awareness.
Keywords: Sustainable local development initiatives, Citizen Participation, State Governance.
Resumen: Basado en las nociones de desarrollo local y desarrollo sostenible, este artículo busca analizar dos iniciativas de desarrollo local sostenible: DLBC - Desarrollo local basado en la comunidad aplicado en Brasil por el Gobierno Federal en las comunidades brasileñas a través del proyecto de cooperación técnica INCRA / IICA, y Iniciativa denominada Líder - Enlace entre acciones para el desarrollo de la economía rural desarrollada por la Unión Europea. En ellos, se identificaron tres variables: organización democrática participativa, planificación estratégica participativa y gobernanza local, utilizando el método de Estudio Comparativo, que se relaciona con la identificación de similitudes entre fenómenos, con el objetivo de enfatizar que, a pesar de que el desarrollo local no es un receta universal para aplicaciones generales para cualquier escenario, estas características comunes, cuando se adoptan, pueden representar una transformación singular en las bases económicas y la organización social a nivel local, además de ser replicadas como una alternativa practicable en diferentes contextos nacionales. Con este análisis comparativo se reveló que una estructura de gobernanza basada en la movilización de las energías de la sociedad, sus capacidades y potencial, así como el desempeño del Estado, es la piedra angular de los cambios sociales y económicos previstos en los procesos de desarrollo local sostenible y fortalecimiento de las instituciones locales con la conciencia de los involucrados.
Palabras clave: Iniciativas de Desarrollo Local Sostenible, Participación Ciudadana, Gobernanza Estatal.
INTRODUÇÃO
As dificuldades pelas quais passa a sociedade nos levam a pensar em alternativas para promover o pleno emprego, o aumento da renda e a inclusão social de forma sustentável e com a participação direta dos grupos envolvidos. Neste sentido, métodos e iniciativas de desenvolvimento local sustentável são importantes ferramentas para a organização social, na medida em que o interesse local favorece a organização da cidadania, a descentralização e o empoderamento do cidadão, viabilizando sua participação no elenco das prioridades e das políticas públicas e seu controle posterior.
A promoção de um desenvolvimento local sustentável, com a melhoria da qualidade de vida da população, o aumento de oportunidades sociais e a viabilidade e competitividade da economia, leva ao aumento da renda e das formas de riqueza, assegurando, ao mesmo tempo, a conservação dos recursos naturais. Representa ainda uma singular transformação nas bases econômicas e na organização social em nível local, e deve resultar da mobilização das energias da sociedade, explorando as suas capacidades e potencialidades específicas e o efetivo controle social sobre a gestão pública através do fortalecimento de grupos sociais antes marginalizados nas esferas de tomada de decisão.
O Estado, em conjunto com grupos e instituições, deve legitimar ações destinadas a criar, alterar ou reconstruir as potencialidades de desenvolvimento de uma região, orientando as comunidades locais a adotar uma gestão sustentável dos recursos e potencialidades específicas, desempenhando um papel na promoção de estratégias para que a cidadania e a democracia participativa possam ser o caminho de mudanças sociais positivas e a promoção uma abordagem mais sustentável do desenvolvimento.
Partindo da premissa que a utilização de raciocínio comparativo nos permite descobrir padronizações, perceber deslocamentos e transformações, construir modelos e tipologias, identificar continuidades e descontinuidades, semelhanças e diferenças, explicitando as determinações mais gerais que regem os fenômenos sociais e compreendendo que “(…) aplicar o método comparativo no quadro das ciências humanas consiste (...) em buscar, para explicá-las, as semelhanças e as diferenças que apresentam duas séries de natureza análoga, tomadas de meios sociais distintos” (SCHNEIDER;SCHIMITT, 1998; Apud, CARDOSO; BRIGNOLI, 1975), optou-se neste estudo por este método, com a utilização do momento analógico a ele inerente, ao relacionar a identificação das similitudes entre os fenômenos.
A partir das noções de desenvolvimento local e desenvolvimento sustentável buscouse estudar duas iniciativas de desenvolvimento local sustentável, a partir dais quais foram identificadas três variáveis que permitirão traçar o quadro teórico que servirão como objeto de comparação, quais sejam: organização democrática participativa (implementando uma mudança na cultura política local na forma de uma democracia participativa); planejamento estratégico participativo (onde se busca construir uma sequência de prioridades a serem alcançadas à médio e longo prazos, em ordem a construir um novo estilo de desenvolvimento); e governança local (com atuação do governo como articulador desta nova sociedade).
O objetivo pretendido com a realização desta análise comparativa foi o de ressaltar que apesar do desenvolvimento local não partir de uma receita universal para aplicações gerais em qualquer cenário estas características comuns, quando adotadas, podem vir a representar uma singular transformação nas bases econômicas e na organização social em nível local, podendo ser replicadas como alternativa praticável em diferentes contextos nacionais, criando, alterando ou reconstruindo as potencialidades de desenvolvimento de uma região, orientando as comunidades locais em adotar uma gestão sustentável dos recursos e incentivar potencialidades específicas e suas capacidades locais, produzindo, de acordo com Buarque (1994, p. 67), uma “(...) mudança social e elevação das oportunidades da sociedade, compatibilizando, no tempo e no espaço, o crescimento e a eficiência econômicos, a conservação ambiental, a qualidade de vida e a equidade social”, sempre com um “(...) compromisso com o futuro e a solidariedade entre gerações”.
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A categoria de desenvolvimento refletida pelas ciências econômicas, com posição marcada por um viés eurocêntrico, supostamente quantificável mediante a utilização de índices agregados (VIEIRA, 2006), não permitia uma verdadeira percepção dos problemas socioambientais do planeta, especialmente nos países em desenvolvimento, nos quais o crescimento observado não se traduziu necessariamente em qualidade de vida das populações. A tomada de consciência dos custos socioambientais das dinâmicas de crescimento econômico levou os representantes de outros campos da ciência, até certo ponto, a preencher as lacunas existentes e especificar o âmbito da categoria de desenvolvimento. Segundo Sen (2010), para se atingir o desenvolvimento é necessário remover as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência de Estados repressivos.
A partir desta perspectiva o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento lançou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em 1990, critério que pôs fim à associação necessária de desenvolvimento com o crescimento econômico. Crescimento/expansão é a transformação quantitativa, já o desenvolvimento é a transformação qualitativa de uma nação (VEIGA, 2010).
Reorientar a análise econômica de modo a refletir as implicações sociais e ambientais dos objetivos desenvolvimentistas é uma necessidade premente dos líderes governamentais que os defendem, sendo fundamental salientar, segundo Sekiguchi e Pires (2009)
[...] a importância do fator humano ou comunitário para que a economia se volte aos problemas concretos das populações e sociedades humanas e para a construção de uma nova teoria econômica a partir da concretude das atitudes e comportamentos dos agentes não apenas econômicos, mas também sociais e políticos (p. 219).
Assim, construiu-se um novo conceito de desenvolvimento que parte da premissa que os recursos naturais não são inesgotáveis e que não é possível continuar com o crescimento econômico sem considerar as variáveis meio ambiente e sociedade, defendendo a preservação de recursos ambientais e culturais, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. Para tanto, o conceito de desenvolvimento passa a absorver uma grande quantidade e variedade de concepções e valores, inserindo novos referenciais de direitos individuais, coletivos e de cidadania, para equilibrar as relações entre o homem e a natureza. Assim surge o conceito de desenvolvimento sustentável, que foi influenciado por vários marcos históricos, dentre os quais são destacados, na Figura 1, os principais.



DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL
O termo desenvolvimento local se tornou conhecido em meados da década de 1980 e foi uma resposta às conjecturas econômicas da época, que podem ser resumidas na crise das indústrias tradicionais, na taxa de desemprego persistente, na descentralização e na integração europeia (KISMAN; VERTEL, 2015). De acordo com Moreira e Crespo (2012), é parte da herança do desenvolvimento comunitário da década de 1960 e foi proposto e refletido por muitas organizações internacionais como as Nações Unidas ao destacar os seus três importantes pilares: (i) compreensão das necessidades das populações; (ii) mobilização das capacidades locais como ponto de partida para as respostas; (iii) visão integrada dos problemas e soluções.
O desenvolvimento local foi historicamente dominado por preocupações econômicas, equiparando-se a um enfoque relativamente estreito sobre o desenvolvimento econômico local, posto que a prosperidade e o bem-estar locais possuem fortes relações com os aumentos sustentados da renda, da produtividade e do emprego, colocando como ponto central os interesses humanos coletivos, com foco na melhoria na qualidade de vida das pessoas e dos lugares onde elas vivem (JEKABSONE; SLOKA, 2015; ALONSO, 2013;MOREIRA FILHO; NASCIMENTO; SEGRE, 2010).
Como resultado surgem abordagens diversas, e às vezes alternativas, ao desenvolvimento local, o que leva ao reconhecimento do papel de liderança do Estado em formas mais holísticas, programáticas e sistêmicas de política local, visto que a sustentabilidade requer uma perspectiva intergeracional e holística de longo prazo, levando em conta os benefícios e custos totais para a sociedade e o ambiente (JEKABSONE; SLOKA, 2015).
Para Alonso (2013) a localização geográfica é importante no desenvolvimento da população de um território, mas outros fatores devem ser ainda considerados: processos históricos, a disponibilidade de recursos naturais, a concentração de poder e a capacidade de adaptação a diferentes situações. Além disso, o desenvolvimento local não pode abdicar das capacidades das comunidades, como aquelas relacionadas aos “diferentes conhecimentos que cada ator social possui do seu ambiente, a sua habilidade de fornecer critérios essenciais na tomada de decisões e a capacidade de aprender e intervir em processos socioeconômicos locais” (GARCÉS; HURTADO, 2015, p. 221, tradução dos autores).
Gestão democrático-participativa no desenvolvimento local sustentável
A estratégia de desenvolvimento local, na maioria dos casos, é um processo de longo prazo e uma projeção futura da comunidade. Esta visão da comunidade sobre o seu desenvolvimento futuro deve ser partilhada com todos os stakeholders relevantes e traduzida num conjunto de objetivos específicos e num plano de ação claro (BERCU, 2015). Com relação aos modelos de desenvolvimento local para o desenvolvimento sustentável, Piontek e Piontek (2014) afirmam que este “(...) é centrado principalmente na utilização do potencial local e da procura local para estimular os processos de crescimento e desenvolvimento dos sistemas locais e não exclui a participação de terceiros” (p. 60, tradução dos autores). Seguindo a mesma linha, Schmitt e Moretto Neto (2011) afirmam que a formação de parcerias e associações entre atores e a participação destes na condução dos processos são condições essenciais para a sustentabilidade territorial. Essa parceria deve preservar a pluralidade de comportamentos que são as bases das dinâmicas sociais, integrando os diversos segmentos até então não inseridos.
O desmantelamento progressivo do setor público e a redução mais ou menos drástica dos investimentos sociais nos países do hemisfério Sul passaram a coexistir com o registro de experiências originais de auto-organização socioeconômica, sociocultural e sociopolítica no nível local, implicando em processos de recriação de identidades territoriais. Em inúmeros contextos regionais, sejam urbanos ou rurais, suas populações passaram a assumir com autonomia crescente a busca de soluções originais no que diz respeito às opções de dinamização socioeconômica, à organização do trabalho produtivo e à gestão local dos recursos naturais (PRUDENCIO; VIEIRA; FONSECA, 2014).
Para Sîrodoev et al. (2015) o desenvolvimento local tem capacidade de discriminar entre as zonas rurais e urbanas, porque estes dois ambientes de vida enfrentam desafios diferentes na tentativa de especificar e atingir os objetivos de sustentabilidade. Apesar da diferença entre meio urbano e rural, o importante a destacar no desenvolvimento local é que este proporciona uma mobilidade social, econômica e ambiental fora dos programas de desenvolvimento nacionais ou multinacionais, que são impulsionados por atores locais sem apoio externo significativo de capital, tecnologias e conhecimento científico (POKORNY; JONG, 2015).
Desta forma, propiciar aos cidadãos a participação direta nas decisões que influenciam suas vidas – seja por intermédio dos movimentos sociais, da ampliação do político ou da transformação de práticas dominantes – pode trazer como resultado imediato uma nova relação entre cidadania e política, fortalecendo a sociedade civil no exercício de seu papel.
Para Tonković e Zlatar (2014) e Peredo e Chrisman (2006), o envolvimento de toda a comunidade facilita alcançar os objetivos do desenvolvimento sustentável, entretanto, só esta ação local não é suficiente, sendo necessárias uma comunicação e uma coordenação eficiente entre os governos locais para o desenvolvimento dos objetivos traçados, mostrando a importância da sociedade funcionando como uma comunidade.
A participação no desenvolvimento local é um processo constituído por debates e decisões, em que os indivíduos e as comunidades devem estar envolvidos em todas as etapas, para se obter uma maior autonomia e estabilidade quando da implementação de projetos. A participação cidadã deve ser o ponto central da chamada “gestão por proximidade”, na qual a relação com o território é construída entre os indivíduos, associações e mecanismos de governança, mas a qualidade da participação cidadã depende do nível de qualidade da democracia assumida pelos governos (MIGUEL, 2010).
Tal participação ativa proporciona, além da consecução e concretização dos objetivos propostos na ação sustentável, o exercício do bom governo, o desenvolvimento humano e a democratização, permitindo assim o verdadeiro empoderamento dos cidadãos envolvidos no processo (RAMOS RODRIGUEZ; OJEDA SUAREZ, 2014). Para que ocorra uma participação social efetiva das comunidades locais, Molinet et al. (2014) afirmam que
[...] devem ser estabelecidos procedimentos formais de informação, consulta, interação e feedback entre os tomadores de decisão e as comunidades a nível municipal, incluindo um processo formal, transparente e periódico de revisão e atualização dos processos de desenvolvimento (p. 27, tradução dos autores).
Baseado nisso, para Ramos Rodriguez e Ojeda Suarez (2014) e Bachmann, Delgado e Marín (2007), os elementos substantivos para a participação comunitária em projetos de desenvolvimento local são: querer que os habitantes tomem consciência de seus problemas e dos aspectos que os explicam; saber reconhecer-se com capacidades e comprometer-se para transformar a realidade; e poder criar contextos favorecedores da criatividade e inovação, através do acesso à tomada de decisões. Os processos participativos habilitam e põe em ação as pessoas como atores e supervisores de seu próprio desenvolvimento e dão oportunidade para aprendizagem social e inovação em sua capacidade administrativa, autogestão, confiança, transparência e acesso aos recursos, o que favorece o compromisso com as mudanças sociais, com o fortalecimento das instituições locais e com a conscientização dos envolvidos.
Segundo Villela, Costa e Cançado (2014), o Estado tem o dever de descentralizar suas decisões, sem perder de vista o seu papel como condutor do processo democrático, proporcionando eficiência e aprimoramento da democracia, além de potencializar a criação de competências para que exista uma efetiva participação do cidadão. A participação de outros atores sociais no processo, além do Estado, é um desafio que se apresenta diante do esgotamento deste modelo de administração pública convencional e demanda um novo modelo de serviço público que promova a valorização das pessoas, da cidadania, da comunidade e sociedade civil, conforme defendem Frederickson, Denhardt, Bellone, Ramos e Hart dentre outros.
Neste sentido, Bier et al. (2016) destacam que o atual modelo de Estado e sua administração burocratizada e ineficaz tem resultado
[...] em dificuldade no enfrentamento dos principais problemas que afetam a nossa sociedade. Isso leva à necessidade de redefinição de estratégias de articulação das políticas públicas, à instauração de diversos programas reformistas e ao surgimento de novos modelos de administração pública, em que há prioridade do fortalecimento de uma cidadania ativa, na qual o cidadão, portador de direitos e deveres, é essencialmente criador de direitos para abrir novos espaços de participação política (p. 761).
A implementação de políticas emancipatórias supõe uma nova matriz de ordenamento e governança, que procura apreender as novas formas de organização e interseção do tecido social nas suas relações diversificadas com a gestão da democracia e fortalecimento da cidadania.
METODOLOGIAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL
Desenvolvimento local de base comunitária – INCRA/IICA
Desenvolvida no âmbito do projeto de cooperação técnica INCRA/IICA e aplicada no Brasil pelo Governo Federal, esta metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável, segundo Buarque (2008), tem por escopo a orientação técnica e o treinamento de multiplicadores e técnicos em planejamento local, tendo como objetivo construir o destino de forma a moldar a liberdade da sociedade conforme as circunstâncias impostas, com o intuito de implementar mudanças, visando uma realidade futura desejável.
Buarque (2008) destaca três pontos para que ocorra um planejamento estratégico participativo: Processo Técnico e Político (tomada de decisões pela sociedade em relação ao futuro, com escolhas das alternativas e a definição de quais serão os objetivos coletivos que irão orientar as ações); Planejamento Local (deve-se ter como base ações que visem à promoção do desenvolvimento sustentável em pequenas unidades político-administrativas com relativa homogeneidade socioeconômica e ambiental, contribuindo na construção de uma sociedade local em direção ao futuro almejado; Planejamento Participativo e Aprendizagem Social (ao longo do processo, os atores sociais constroem uma visão coletiva de seu contexto e realidade local de forma a poderem definir um futuro desejável comum a todos, além de formas de alcançar este futuro, ampliando a capacidade de reagir e se adaptar as mudanças).
Segundo Buarque (2008, p.95), deve-se compatibilizar os objetivos de desenvolvimento sustentável definidos e a concepção de planejamento, cuja “(...) metodologia deve contemplar a participação social e a negociação política, e utilizar um tratamento multidisciplinar com base numa abordagem sistêmica”, com uma visão estratégica e foco não na resolução de emergências e urgências de curto prazo, mas sim na construção de uma sequência de prioridades a serem alcançadas à médio e longo prazos, criando uma clara diferença entre fatores urgentes e relevantes (Figura 2). Desta forma, Buarque (2008) destaca as seguintes situações:
Quadrante I: são problemas com alto grau de relevância, mas pouco grau de urgência que podem ser trabalhados com tranquilidade, de forma a se estruturar o futuro almejado, evitando que problemas urgentes surjam com o tempo;
Quadrante II: problemas com alto grau de relevância e de urgência, o que demonstra falta de ações no passado e devem ser tratados de forma prioritária, evitando-se o estrangulamento a curto prazo e os desdobramentos a médio prazo e longo prazos;
Quadrante III: problemas com baixa relevância e urgência, sendo assim supérfluos e não merecedores de priorização no plano de ações;
Quadrante IV: problemas de baixa relevância, mas de alta urgência, representando desconforto na perspectiva da sociedade local, mas não afetam de forma estrutural no planejamento futuro da realidade. Entretanto, demandam ações imediatas, de forma compensatória e transitória, até que as ações específicas realizadas nos problemas dos quadrantes I e II comecem a surtir efeito e refletir na realidade.
O processo de planejamento deve estar estruturado em quatro características combinadas e interligadas:
Processo Técnico e Negociação Política – Combinando o tratamento técnico com a negociação política dos atores, incluindo mecanismos de participação da sociedade na construção de seus interesses comuns através de uma compreensão lógica e racional da realidade;
Processo e Produto – O Processo de Planejamento é permanente e contínuo, composto de formulação, decisão, execução e avaliação, buscando sempre a mobilização das potencialidades sociais. O produto reflete este processo, através do conhecimento acumulado e das decisões tomadas com o intuito de buscar o desenvolvimento local, além da convergência das ações em direção ao futuro planejado;
Processo Descendente e Ascendente – O Processo de Planejamento deve combinar análises do geral para o particular (descendente) como também do particular para o geral (ascendente) com o intuito de se estabelecer o planejamento de desenvolvimento local;
Endógeno e Exógeno – Significa admitir que a metodologia
(...) deve sempre combinar uma análise da realidade interna da localidade, identificando os componentes endógenos (positivos e negativos) que condicionam seu futuro – potencialidades e problemas – com uma reflexão e interpretação dos movimentos externos (exógenos) naqueles aspectos (positivos ou negativos) que podem influenciar também o desenvolvimento local – oportunidades e ameaças (BUARQUE, 2008, p.102).
Para Buarque (2008), o Processo de Planejamento é dividido em quatro etapas, que são sequenciais, interligadas e contínuas: o conhecimento da realidade, a tomada de decisão, a execução do plano e, finalmente, o acompanhamento, o controle e a avaliação das ações. O Conhecimento da realidade é a primeira etapa, que passa por diferentes níveis de profundidade, rigor técnico e procedimentos sequenciais e complementares: Delimitação do objetivo (deve-se delimitar a comunidade ou localidade onde se deseja planejar, com seus limites físico-geográficos e institucionais, identificando as relações estruturais das variáveis determinante e a relação desta delimitação com seu contexto socioeconômico, ambiental e político-institucional); Diagnóstico (fase de compreensão da realidade local e dos fatores internos, que através da delimitação do objetivo, poderão facilitar ou dificultar o desenvolvimento local, hierarquizando aqueles que tem maior relevância); Prognósticos (tenta cruzar os condicionantes endógenos e exógenos, com diferentes panoramas futuros, de forma a traçar diferentes caminhos que a localidade poderá percorrer, para que se possa dimensionar as ações que visam atender aos desejos da comunidade e consequentemente ao desenvolvimento local).
A Tomada de Decisões define quais serão as escolhas da sociedade que serão efetivadas e quais ações serão necessárias para alcançar o futuro escolhido e farão parte do plano de desenvolvimento (BUARQUE, 2008).
Antecipando o planejamento, uma fase preparatória se faz necessária com a definição da equipe técnica central, que deve passar por um processo de uniformização dos conceitos, além de estruturar as diversas etapas do processo, identificando seu cronograma e a interdependência entre os diversos processos e ações (BUARQUE, 2008).
Liaison Entre Actions pour le Développement de l’Economie Rurale
A iniciativa Leader (Liaisons Entre Activités de Developement de L’Economie Rural) é um componente importante da Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia (UE), fomentando o desenvolvimento sustentável das zonas rurais europeias, ao abordar problemas econômicos, sociais e ambientais, através da melhoria da qualidade de vida nas zonas rurais e do incentivo à diversificação da atividade econômica, estabelecendo uma estratégia local de desenvolvimento integrada (CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA, 2005). Essa iniciativa trabalha para oferecer aos núcleos rurais da UE um método para envolver parceiros locais na gestão do desenvolvimento futuro das suas áreas, sustentado com recursos provenientes de fundos comunitários da UE (Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural – Feader), e visa apoiar projetos-piloto em comunidades rurais, com princípios, objetivos, estratégias e metodologias voltados a integração de políticas, atores, ações numa abordagem de desenvolvimento rural liderado pela comunidade, de baixo para cima. A publicação da Comissão Europeia (2006) destaca as sete características fundamentais da abordagem Leader:
Estratégias de desenvolvimento em zonas locais, onde a aplicação das políticas é circunscrita para um território pequeno, homogêneo e socialmente unido, caracterizado por tradições comuns, identidade local, sensação de pertencimento ou necessidades e expectativas comuns, facilitando o reconhecimento no nível local de pontos fortes e fracos, ameaças e oportunidades, o potencial endógeno e os conhecimentos dos principais obstáculos ao desenvolvimento sustentável;
Desenvolvimento e aplicação de estratégias ascendente, no qual, as partes interessadas participam da tomada de decisões sobre a estratégia e seleção de prioridades, definindo como as políticas devem ser projetadas e implementadas, para que se adaptem melhor às necessidades das populações para as quais são destinadas;
Associações públicas e privadas locais, que estabelecem uma associação local, chamado Grupo de Ação Local (GAL), responsável por elaborar e implementar uma Estratégia de Desenvolvimento Local (EDL), tomar decisões sobre a alocação de seus recursos financeiros e gerenciálos;
Ações integradas e multissetorais, pois a EDL deve ter uma base multissetorial que integra diversos setores de atividades, com adoção de estratégias que promovam a integração e desenvolva os vínculos entre os diferentes agentes e setores econômicos, participantes sociais, culturais e ambientais;
Envolver a transferência e adaptar inovações concebidas em outras áreas, modernizando formas tradicionais de conhecimento técnico ou procurando novas soluções para problemas rurais persistentes que outras intervenções políticas não foram capazes de resolver de forma satisfatória e sustentável;
Além da troca de experiências dos grupos locais, devem promover um trabalho em rede que promova a cooperação interterritorial, ou entre diferentes zonas rurais e cooperação transnacional;
Conexão em rede que inclui a troca de realizações, experiências e conhecimentos entre grupos Leaders, áreas rurais, administrações e organizações de desenvolvimento rural na UE.
A implementação desses princípios implica a concepção de estratégias e atividades locais e participação em atividades por pessoas reais. Assim, é importante destacar algumas medidas básicas do processo de aplicação da abordagem Leader, o que na prática significaria a adoção das seguintes medidas (COMISSÃO EUROPEIA, 2006):
Criar meios, de modo que a abordagem inovadora funcione bem, os agentes locais adquiram os meios necessários e recursos humanos para dedicar-lhes as atividades específicas e, claro, a dotação financeira para administrar essas atividades;
Reunir agentes locais, organizando reuniões ou seminários na área local para agrupar os principais interessados, de forma a auxiliar no surgimento de ideias e permitir que os agentes locais ponderem razoavelmente as necessidades da sua área;
Analisar os aspectos positivos da área é uma questão fundamental, não em forma de inventário, mas de enumeração das características particulares que podem ser melhoradas, revelando possíveis estratégias específicas de desenvolvimento local na área rural em questão, sempre na busca de um alto grau de consenso;
Determinar as atividades e iniciativas existentes que estão sendo aplicadas ou que se espera que sejam aplicadas na área, sendo fundamental para a decisão de usá-las ou substituí-las e, com isso, reduzir os riscos de duplicação;
Criar o GAL, que é a associação que efetivamente implementa a abordagem do desenvolvimento rural acordada pelo núcleo da população, através de um enfoque ascendente que requer participação de vários grupos de interesse;
Preparar a EDL com determinação de objetivos, definição de prioridades estratégicas e classificação das ações que devem ser realizadas.
Enquanto iniciativa de desenvolvimento local de base comunitária, a Leader é um processo concebido para envolver e capacitar as comunidades locais para desenvolvimento local próprio. O envolvimento na preparação da EDL é fundamental, uma vez que a participação local é uma das pedras angulares de toda a abordagem. Ao envolver as pessoas na gestão do seu próprio desenvolvimento reforça-se o objetivo central da abordagem Leader, contribuindo para a prioridades horizontais de “melhorar a governança” e “mobilizar o potencial endógeno das zonas rurais”. Cada EDL precisa ser projetada por meio de um processo bottom-up que deve envolver ativamente uma seção transversal representativa da comunidade local, a fim de levar em consideração as necessidades locais e o seu potencial. Um processo participativo eficaz e bem planejado de preparação da EDL pode contribuir consideravelmente no desenvolvimento de um GAL representativo, bem informado e credível, capaz de gerenciar e entregar a EDL (COMISSÃO EUROPEIA, 2006).
Com base no conhecimento e conscientização local e no engajamento das pessoas, empresas e organizações diretamente no trabalho do GAL, assegura-se a relevância local da EDL. Visão e objetivos comuns podem ser desenvolvidos através de um entendimento compartilhado dos principais problemas e suas causas, de bens, necessidades e oportunidades apresentados. As principais etapas desse processo são: Começando (começar cedo; preparar; tempo e habilidades; fontes de informação); Abordagens à consulta (abordagem participativa comprovada iniciando o processo de consulta, identificando e envolvendo um grupo relativamente pequeno de interessados ou informantes chave locais ou organizacionais para iniciar a construção da EDL); Desenvolvimento de prioridades e objetivos (envolvendo um GAL e/ou outros atores locais na realização de uma análise da situação no seu território, comumente baseado em um SWOT - Pontos Fortes, Pontos Fracos, Oportunidades e Ameaças); Concluindo o processo (reunir os elementos e criar consenso através de um processo de reuniões e negociações para acordar os principais princípios, objetivos e prioridades da EDL, juntamente com as propostas de dotação orçamental e a composição final do GAL).
Além disso, uma EDL deve apresentar as seguintes informações: Área e população abrangidas pela estratégia; Necessidades de desenvolvimento e potencial da área; Objetivos e metas; O processo de envolvimento da comunidade; Plano de Ação; Gestão, acompanhamento e avaliação; e Plano financeiro.
Por todo o exposto, pode-se firmar que a iniciativa Leader é uma ferramenta potencialmente eficaz para a implementação de estratégias de desenvolvimento local sustentável, com um viés essencialmente participativo em todas as suas etapas. Neste sentido, David, Abreu e Pinheiro (2013) afirmam que a abordagem Leader envolve a definição de uma política de desenvolvimento baseada na situação específica de cada área, tentando destacar os pontos fortes e minimizar as fraquezas, intervindo diretamente e especificamente, envolvendo de forma direta todos os atores do desenvolvimento, incluindo autoridades locais, empresas, associações e a população em geral. E conforme Albu e Chitu (2014), pode ser considerada uma medida para o desenvolvimento rural sustentável – uma ajuda real para a maioria das comunidades rurais que, através dessa abordagem, são capazes de implementar projetos viáveis adaptados às necessidades locais, condições sociais, características geográficas, etc., podendo assim garantir as premissas para um desenvolvimento sustentável dentro da área rural, em consistência com suas três dimensões: econômica, social e ambiental.
Análise dos dados e resultados da pesquisa
A partir da análise realizada a respeito dos principais elementos que se fazem presente nas duas iniciativas de desenvolvimento local sustentável abordadas, identificamos três variáveis consideradas como pilares para orientar as atividades de planejamento municipal e local: organização democrática participativa, planejamento estratégico participativo e governança local.
Com relação à organização democrática participativa, sua implementação permite uma mudança na cultura política local na forma de uma democracia participativa. A participação local é uma das pedras angulares de ambas abordagens no sentido de mobilizar e incentivar o desenvolvimento nas comunidades rurais locais e suas capacidades locais. Tanto na DLBC, metodologia desenvolvida para o INCRA, como na iniciativa Leader na EU, as boas práticas na implementação de uma abordagem ascendente ficam evidente, enfatizando-se nas diversas ações o quão importante é não apenas envolver a comunidade, mas demonstrar como e quão efetivamente isso foi feito.
Fica evidenciado que a participação dos atores locais, numa demonstração de complementaridade e sinergia da sociedade civil em organizar-se para desempenhar um papel ativo no desenvolvimento local, pode dar-se na forma de parcerias de organismos públicos ou privados, com a reunião de vários atores econômicos e sociais ou na reunião em torno de uma idéia ou de um interesse mais específico, numa abordagem de construção de redes sociais flexíveis. Esta participação social, que inclui diversos atores sociais com suas múltiplas visões, é o que implementará na prática uma mudança na cultura política local e na forma de uma democracia participativa.
Em se tratando do planejamento estratégico participativo, sua importância está refletida em documentos que inserem uma base técnica, conceitual e metodológica para o passo a passo do processo a ser implementado em ambas iniciativas. O apoio e a assistência técnica vão desde a determinação de objetivos, definição de prioridades estratégias e classificação das ações que devem ser realizadas, até a organização racional e lógica das diversas ações e atividades que serão implementadas ao longo do tempo.
Apesar das especificidades de cada iniciativa, em ambas se destaca o planejamento local como um processo social, que deve ser construído com a mais ampla participação dos atores locais inseridos no processo, com seu conhecimento coletivo da realidade de modo a contribuir na construção de uma sociedade local, mobilizada de forma que as ações planejadas possam ser implementadas com o intuito de transformar sua base econômica e social na sua realidade em nível local.
Finalmente, quanto à governança local, a atuação do governo como articulador desta nova sociedade, mobilizando adequadamente os diversos atores, tanto organizações da sociedade como das instâncias públicas, é vital para a integração e sinergia entre os esforços institucionais para mobilizar e incentivar o desenvolvimento nas comunidades locais, estimulando suas capacidades e coordenando seus esforços, e enfim propiciando condições políticas, técnicas e operacionais para a viabilização das ações de desenvolvimento local sustentável relevantes.
É fundamental entender que o desenvolvimento local não é uma receita universal de aplicações gerais para qualquer cenário. Ele deve considerar a relação entre participação privada e pública e participação cidadã. Neste diapasão é que se faz necessário abordar a participação cidadã no desenvolvimento local e também os modos de entender e executar as políticas públicas referentes à gestão integrada e sustentável do território, pois são pilares no contexto do problema a ser enfrentado, especialmente quando consideramos metodologias cujo pressuposto fundamental é a atuação de diversos atores, como instituições formais e informais, empresas e cidadãos na busca de soluções, atuando em conjunto com a administração pública.
Ao compararmos os principais elementos das metodologias analisadas, ambas salientam a necessidade de implementação de políticas públicas emancipatórias – aquelas nas quais os atores desempenham um papel central na definição, execução e controle dos processos de desenvolvimento local sustentável. Esse processo impõe desafios institucionais, como a articulação e envolvimento dos stakeholders e uma mudança de paradigma quanto ao suporte público oferecido.
Além disso, ressaltamos das metodologias a necessidade de estimular o conhecimento e a aprendizagem sobre a dinâmica do sistema produtivo e das instituições, uma vez que são elementos essenciais para firmar iniciativas, executar ações de desenvolvimento local sustentável, conceituar estratégias, objetivos e mecanismos de funcionamento e de gestão. Necessário também destacar que os projetos de desenvolvimento local sustentável, assim como qualquer projeto de governo, terão chances de sucesso somente se inseridos em uma política pública mais ampla.
Nesse sentido não se pode subestimar a questão orçamentária, uma vez que os projetos adotados, além de tecnicamente viáveis, necessitam de apoio social e político e ainda demandam financiamento. A ausência de recursos pode levar ao fracasso das ações propostas e/ou a resultados pífios. Portanto, para garantir um projeto de desenvolvimento local sustentável é preciso voltar a atenção ao planejamento orçamentário dos governos, que, por sua vez, viabiliza as políticas públicas. Assim, por melhor que seja um projeto de desenvolvimento local sustentável, este não irá subsistir caso a formulação de políticas públicas não esteja vinculada à compreensão da gestão orçamentária e da eficiência e eficácia de utilização dos recursos alocados.
Finalmente destaca-se que um plano de desenvolvimento local sustentável deve ser pensado de forma a estruturar-se como uma política pública de governo, prevista não apenas nos planejamentos orçamentários como nos esforços de planejamento de toda a Administração Pública.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda que os objetivos de um desenvolvimento sustentável apresentem uma dimensão global, a implementação de suas ações depende da maneira como as comunidades locais atribuem para si determinadas competências e seus níveis de prioridade. O interesse local favorece a promoção da cidadania e o empoderamento do cidadão através da descentralização do processo de tomada de decisão, facilitando a sua participação na implementação das políticas públicas e no seu controle. Por isso, iniciativas de promoção de desenvolvimento sustentável local se mostram imprescindíveis na busca por justiça social, econômica e ambiental, frente aos desafios impostos às sociedades atuais.
No entanto, o grande desafio para a adoção de critérios voltados para o desenvolvimento local sustentável está na capacidade de conciliar aspectos ambientais, econômicos e sociais, e ao mesmo tempo satisfazer os interesses dos entes públicos e privados. A partir desta perspectiva este estudo teve como finalidade apresentar contribuições teóricas que permitam ultrapassar estas barreiras no sentido da promoção do desenvolvimento local sustentável, delineado a partir de um estudo de duas iniciativas.
O objetivo da pesquisa foi atingido a partir de um estudo comparativo entre as duas iniciativas de desenvolvimento local sustentável: a DLBC, aplicada no Brasil pelo Governo Federal em comunidades brasileiras pelo Projeto de cooperação técnica INCRA/IICA; e a Leader, iniciativa desenvolvida pela União Europeia. Com base na análise das duas iniciativas, as variáveis consideradas como pilares para orientar as atividades de planejamento local foram: organização democrática participativa, planejamento estratégico participativo e governança local.
A partir da identificação destas variáveis, ficou evidente a necessidade de uma abordagem holística de desenvolvimento local sustentável, que se traduza em prioridades e compromissos ambientais, econômicos e sociais. É fundamental estimular as comunidades, assim como o Poder Público a desenvolver múltiplas iniciativas para incorporar o desenvolvimento sustentável nas tomadas de decisões locais, incentivando as premissas de justiça social e ambiental, gerando transformações em larga escala.
Sugerimos para fins de trabalhos futuros, um estudo de caso com a implementação das variáveis-chave aqui identificadas em um município do Brasil, para que seja possível verificar na prática os possíveis desafios oriundos da teoría.
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