Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
AGRICULTURA FAMILIAR E ALIMENTAÇÃO ESCOLAR: ANÁLISE DA DINÂMICA DO PNAE NO TERRITÓRIO DO ALTO URUGUAI-RS
Eliane Tasca; Zenicleia Angelita Deggerone; Cleunir Augusto Paris
Eliane Tasca; Zenicleia Angelita Deggerone; Cleunir Augusto Paris
AGRICULTURA FAMILIAR E ALIMENTAÇÃO ESCOLAR: ANÁLISE DA DINÂMICA DO PNAE NO TERRITÓRIO DO ALTO URUGUAI-RS
FAMILY FARMING AND FEEDING AT SCHOOL: ANALYSIS OF THE PNAE DYNAMICS IN THE ALTO URUGUAI TERRITORY – RS
AGRICULTURA FAMILIAR Y ALIMENTACIÓN ESCOLAR: ANÁLISIS DE LA DINÁMICA DEL PNAE EN EL TERRITÓRIO DE ALTO URUGUAI-RS
Revista grifos, vol. 29, núm. 50, pp. 103-125, 2020
Universidade Comunitária da Região de Chapecó
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Este artigo analisa a dinâmica e a evolução da implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no Território do Alto Uruguai (RS) no período de 2011 a 2017. Para tanto, a pesquisa foi elaborada por meio de uma abordagem quantitativa, com análise descritiva de dados secundários, disponíveis nos sites do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul (SEDUC), referentes à execução do PNAE nos anos de 2011 a 2017 no Território do Alto Uruguai (RS). Verificou-se que todos os municípios do referido Território alcançaram o percentual mínimo de 30% para a compra de alimentos da agricultura familiar. Além disso, constatou-se que o PNAE proporcionou a inclusão produtiva e mercadológica de agricultores familiares, qualificou a alimentação dos estudantes e se legitimou enquanto uma política pública que tem proporcionado segurança alimentar e desenvolvimento rural.

Palavras-chave:Alimentação escolarAlimentação escolar,Desenvolvimento ruralDesenvolvimento rural,Mercado institucionalMercado institucional.

Abstract: This article analyses the dynamics and evolution of the National School Feeding Program implementation (PNAE) in the Alto Uruguai Territory (RS) in the period from 2011 to 2017. To achieve this goal, the research was carried out using a quantitative approach, with descriptive analysis of secondary data, available in the National Education Development Fund (FNDE) and Secretary of Education of Rio Grande do Sul State websites, referring to the execution of the PNAE in the years of 2011 to 2017, in the Alto Uruguai Territory (RS). It was found that all the municipalities in that Territory reached the minimum percentage of 30% for the purchase of food from family farming. In addition, it was found that the PNAE provided the productive and market inclusion of family farmers, qualified the students' food and legitimized itself as a public policy that has provided food security and rural development.

Keywords: Feeding at school, Rural development, Institutional market.

Resumen: Este artículo analiza la dinámica y la evolución de la implementación del Programa Nacional de Alimentación Escolar (PNAE) en el Territorio de Alto Uruguai (RS) en el período de 2011 a 2017. Para este propósito, la investigación fue elaborada a través de un enfoque cuantitativo, con análisis descriptivo de datos secundarios, disponible en los sitios del Fondo Nacional para el Desarrollo de la Educación (FNDE) y la Secretaría de Educación del Estado de Rio Grande do Sul (SEDUC), en referencia a la ejecución del PNAE en los años 2011 a 2017 en el Territorio de Alto Uruguai (RS). Ha sido posible verificar que todas las ciudades del dicho territorio habían alcanzado el porcentaje mínimo de 30% para la compra de alimentos de la agricultura familiar. Además, se descubrió que el PNAE ha proporcionado la inclusión productiva y de mercado de los agricultores familiares, ha calificado los alimentos de los estudiantes y se ha legitimado como una política pública que ha proporcionado seguridad alimentaria y desarrollo rural.

Palabras clave: Alimentación escolar, Desarrollo rural, Mercado institucional.

Carátula del artículo

AGRICULTURA FAMILIAR E ALIMENTAÇÃO ESCOLAR: ANÁLISE DA DINÂMICA DO PNAE NO TERRITÓRIO DO ALTO URUGUAI-RS

FAMILY FARMING AND FEEDING AT SCHOOL: ANALYSIS OF THE PNAE DYNAMICS IN THE ALTO URUGUAI TERRITORY – RS

AGRICULTURA FAMILIAR Y ALIMENTACIÓN ESCOLAR: ANÁLISIS DE LA DINÁMICA DEL PNAE EN EL TERRITÓRIO DE ALTO URUGUAI-RS

Eliane Tasca
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Brasil
Zenicleia Angelita Deggerone
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Brasil
Cleunir Augusto Paris
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Brasil
Revista grifos, vol. 29, núm. 50, pp. 103-125, 2020
Universidade Comunitária da Região de Chapecó

Recepción: 04 Diciembre 2019

Aprobación: 20 Abril 2020

INTRODUÇÃO

O crescimento da produção de alimentos nas duas últimas décadas contribuiu para reduzir a fome e a desnutrição da população em âmbito mundial. No entanto, isso não tem sido suficiente para garantir que a população tenha acesso aos alimentos com regularidade, de forma saudável, nutricional e sanitariamente adequada (OPAS, 2016).

O Brasil apresentou, nos Governos Federais dos ex-presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, políticas de incentivo à produção e ao consumo de alimentos, dentre os quais figura o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Esse importante programa teve por objetivo promover ações de educação alimentar e nutricional e fornecer refeições que garantissem um aporte de nutrientes adequado durante o período de permanência dos estudantes no ambiente escolar, possibilitando a formação de hábitos alimentares saudáveis e propiciando a melhoria da aprendizagem, do desempenho escolar e do desenvolvimento biopsicossocial dos estudantes atendidos (BRASIL, 2013).

Segundo Menezes, Porto e Grisa (2015), o PNAE existe desde 1955, mas foi em 2009 que uma revisão na legislação possibilitou que pelo menos 30% dos recursos transferidos pelo Governo Federal via Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) pudessem ser empregados para a compra de alimentação escolar, sendo utilizados para adquirir alimentos de agricultores familiares ou de suas organizações (cooperativas ou associações).

Desde 1990, o Território Alto Uruguai4 (RS) – região historicamente reconhecida pela articulação e mobilização dos atores sociais na organização sindical e produtiva (PIRAN, 2001; ZANELLA, 2004) – implementou um conjunto de políticas públicas que abrangeram o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Segundo Grisa e Schneider (2015), o PNAE integrou um conjunto de políticas públicas que buscaram construir novos mercados para os produtos e serviços oriundos da agricultura familiar, tendo como foco a sustentabilidade e a segurança alimentar. Além disso, diversos autores vêm direcionando seus estudos (SARAIVA et al., 2013; PEIXINHO, 2013; TRICHES, 2015; THIES; LOPES; AMARAL, 2017; TRICHES et al., 2017; LOPES, THIES;BASSO, 2019) no intuito de compreender como a agricultura familiar tem participado desse importante canal de comercialização. Nessa perspectiva, o presente estudo procura contribuir para o aprofundamento dessa temática e tem como objetivo analisar a dinâmica e a evolução da implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar no Território do Alto Uruguai (RS) no período de 2011 a 2017.

A questão que norteia este estudo está associada à verificação do efetivo cumprimento, no Território do Alto Uruguai, da utilização mínima de 30% dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar na aquisição de alimentos da agricultura familiar.

A intenção dessa proposta é apresentar dados que evidenciem a participação da agricultura familiar desse Território nesse importante mercado, além de trazer elementos que possibilitem analisar as políticas públicas enquanto promotoras do fortalecimento da agricultura familiar.

Dessa forma, este artigo é composto por mais quatro seções além desta introdução. Na sequência, apresenta-se o referencial teórico que apresenta a interface entre o desenvolvimento rural e os mercados institucionais de alimentos no que se refere ao Programa Nacional de Alimentação Escolar. Em seguida, é apresentada a metodologia utilizada, para, após, explicitar como a agricultura familiar do Território do Alto Uruguai-RS tem participado do PNAE, seção que é seguida pelas considerações finais.

INTERFACES ENTRE DESENVOLVIMENTO RURAL E MERCADOS INSTITUCIONAIS DE ALIMENTOS

Os processos de desenvolvimento rural são compreendidos, neste artigo, como aqueles provenientes das discussões que surgiram no âmbito da sociedade civil e acadêmica no final da década de 1980 e início dos anos 1990. Nesse período, pesquisadores, organizações e movimentos sociais passaram a discutir e repensar o modelo de modernização da agricultura, especialmente pelos seus impactos ao meio ambiente e em razão do aumento das desigualdades sociais no campo e na cidade.

Segundo Schneider (2010), o debate sobre o desenvolvimento rural recuperou o seu espaço por meio de discussões teóricas e analíticas, com efeitos normativos e institucionais. A análise de algumas pesquisas e autores referenciais nesse debate recente evidenciou a preocupação dos pesquisadores com quatro elementos-chave, a partir dos quais se preconizou a retomada da reflexão acerca do desenvolvimento rural: a erradicação da pobreza rural; a questão do protagonismo dos atores sociais e sua participação política; o Território como unidade de referência; e a preocupação central com a sustentabilidade ambiental (SCHNEIDER, 2003).

Nesse sentido, este artigo parte da perspectiva apresentada por Schneider de que as organizações da agricultura familiar (cooperativas, associações e sindicatos, dentre outras instituições), representando os agricultores familiares, buscam construir meios de participação social, através de articulação política e institucional (SCHNEIDER, 2010), a fim de promover ações que contribuam com o desenvolvimento rural em seus Territórios.

Dessa forma, infere-se que o desenvolvimento acontece quando os atores sociais (LONG; PLOEG, 2011) e suas instituições influenciam a formulação e a implementação de políticas e projetos de desenvolvimento. Segundo Schmitt (2011), embora muitas mudanças estruturais sejam, de fato, resultado de forças externas ou das instituições (como o Estado, o mercado ou as políticas internacionais pró-desenvolvimento), as formas de intervenção só afetam as oportunidades sociais e a conduta dos indivíduos à medida que se introduzem em seus modos de vida, tomando forma, direta ou indiretamente, nas experiências do cotidiano.

Por esse motivo, considera-se que as políticas públicas implementadas ao longo dos últimos anos tiveram êxito em seus Territórios e que isso se deve à ação articulada e organizada entre atores sociais e as instituições. Segundo Schneider e Gazolla (2011), os atores sociais podem ser agricultores que atuam individualmente ou por intermédio de associações ou cooperativas, as quais, por meio de relações e interações sociais, constroem suas capacidades de agência, o que permite mobilizar recursos e capacidades e formular estratégias que possibilitam o desenvolvimento de ações diferenciadas em meio a situações contingenciais e estruturais. Nesse sentido, Schneider (2003) considera que as políticas públicas para a agricultura familiar nascem a partir das demandas colocadas pelos movimentos sociais, os quais pontuaram, ao longo de décadas, a necessidade de o Estado investir em políticas diferenciadas, tais como políticas de apoio produtivo, construção de mercados, entre outras ações mais propositivas.

Desde o seu surgimento, na década de 1990, as iniciativas públicas de desenvolvimento rural sofreram importantes transformações, e, ao longo dos anos, podem ser categorizadas em três diferentes gerações de políticas públicas (GRISA, SCHNEIDER, 2015). Essas políticas públicas buscaram criar referenciais e voltaram-se ao momento denominado como “agrícola e agrário”, o que possibilitou a criação de políticas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o Seguro da Agricultura Familiar (SEAF), o Programa de Garantia de Preços para Agricultura Familiar (PGPAF), a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e os Assentamentos de Reforma Agrária.

A segunda geração de políticas públicas, por sua vez, buscou a criação e a expansão de políticas de assistência social e possibilitou a implementação de políticas como o PRONAF Infraestrutura, o Garantia Safra, o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR) e o Bolsa Família. Já a terceira geração esteve associada à construção de novos mercados para os produtos e serviços oriundos da agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) (GRISA; SCHNEIDER, 2015).

Nesse cenário, a partir da demanda dos atores sociais e suas instituições, o Estado, ao criar mecanismos institucionais para a compra de alimentos da agricultura familiar, possibilitou o fortalecimento da agricultura familiar brasileira, especialmente envolvendo agricultores com pequena produção e que se localizam à margem dos mercados alimentares (ELIAS et al., 2019).

Conforme Maciel (2008), esse tipo de mercado adquire alimentos em processos contínuos ou esporádicos, realizados de forma centralizada ou descentralizada, em âmbito municipal, estadual e federal. O poder público, através de seus gestores, se constitui como o agente comprador e visa atender a demandas por alimentos nos diversos entes públicos.

Schneider (2016) também esclarece que esse tipo de mercado foi criado para atender a demandas concernentes a alimentação escolar ou a compras de produtos para cestas básicas, ou ainda para atender a hospitais, universidades, agências penitenciárias e outras instituições públicas. Além disso, o autor esclarece que os mercados públicos se mostram atraentes para os produtos e mercadorias dos agricultores familiares, uma vez que os preços pagos pela demanda dirigida tendem a ser superiores daqueles pagos pelos mercados convencionais.

Dessa forma, concordando com Silva et al. (2014), enfatiza-se que os mercados institucionais surgem como uma forma de o Estado proteger as populações excluídas, tanto as que não têm acesso aos alimentos necessários quanto as que têm dificuldades em colocar seus produtos alimentícios no mercado. Nessa perspectiva, os mercados institucionais passam a ter um duplo propósito: por um lado, suprir com alimentos as populações vulneráveis, e, por outro, auxiliar no escoamento de determinados produtos agrícolas.

Nesse sentido, o PNAE se constitui como um canal de comercialização que interliga o agricultor familiar com os consumidores (estudantes da rede pública de ensino). Além disso, contribui para a inclusão produtiva, para a geração de emprego no meio rural e para o estímulo ao cooperativismo e ao associativismo.

O Brasil, desde 1955, atua na segurança alimentar dos estudantes por meio do fornecimento de alimentos para crianças e adolescentes regularmente matriculados na rede pública de educação. Essa política pública caracteriza-se como a ação pública de maior longevidade do país na área de segurança alimentar e nutricional. Entre 1955 até 1993, toda demanda de alimentos era adquirida diretamente pelo Ministério da Educação, de várias empresas nacionais fornecedoras de alimentos, que eram distribuídas em todo Brasil. Nessa situação, o órgão gerenciador planejava os cardápios, adquiria os gêneros alimentícios por meio de licitações, contratava laboratórios especializados para efetuar o controle de qualidade e ainda realizava a distribuição dos alimentos em todo o território nacional (FNDE, 2017).

Em 1994, houve a descentralização dos recursos, transferindo o poder de compra para Estados e Municípios (RODRIGUES et al., 2017). Segundo Peixinho (2013), a promulgação da Lei nº 8.913 de 1994 possibilitou a administração da alimentação escolar de forma descentralizada, permitiu racionalizar a logística e os custos de distribuição dos produtos e viabilizou o oferecimento de uma alimentação condizente com o hábito alimentar da população nas diferentes localidades do Brasil. Para a autora, as compras institucionais descentralizadas abriram a possibilidade de inserção da pequena empresa, do comércio local e da agricultura familiar nesse mercado institucional.

Contudo, foi somente em 2003, com o início do Governo Lula, que se instituiu no Brasil o enfrentamento das questões relativas à fome por meio da integração de vários programas e políticas públicas. Nesse ano, foi instituído o Programa Fome Zero, que teve por objetivo a erradicação da fome e a implementação da política de segurança alimentar e nutricional no país (VASCONCELOS, 2005). Dentre as ações implementadas, destacam-se aquelas relacionados à assistência social, à transferência de renda, à geração de emprego e renda e à reforma agrária, e, em 2009, destaca-se a reorganização do PNAE.

Dentre os principais avanços que a reorganização do PNAE propôs figura a publicação da Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, determinando que, no mínimo, 30% do valor repassado a Estados, Municípios e Distrito Federal pelo FNDE para o PNAE deveria ser utilizado na compra de alimentos diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e as comunidades quilombolas (BRASIL, 2009).

Peixinho (2013), ao avaliar a Lei nº 11.947/2009, verificou que esse dispositivo possibilitou ao gestor público dispensar o processo licitatório e implantar a chamada pública5 para a aquisição de alimentos da agricultura familiar. Ao implementar essa lei, o Governo brasileiro inovou no que tange a priorizar a alimentação escolar por meio de uma política pública voltada para o desenvolvimento de agricultores locais, com a garantia de um percentual mínimo de compra de seus produtos em relação ao percentual adquirido para a alimentação escolar (FNDE, 2016).

Estudos recentes desenvolvidos por Real e Schneider (2011) e Triches (2015) destacam a contribuição do PNAE para o escoamento da produção agroalimentar dos agricultores familiares, contribuindo no fortalecimento da agricultura familiar. Dentre os principais resultados gerados pelo programa, destacam-se: o incentivo ao cooperativismo e à constituição de organizações formais de agricultores, o que contribui para um maior poder de barganha na compra de insumos, no processamento e na aquisição de embalagem dos alimentos de alta perecibilidade e redução nos custos de transporte (TRICHES, 2015); a construção de mercados e políticas de abastecimento alimentar, o que tem favorecido o desenvolvimento rural (REAL; SCHNEIDER, 2011) e tem contribuído, em Municípios de médio e pequeno porte, para a ampliação do potencial de fomento à produção da agricultura familiar local.

Dentre os limites que impedem a consolidação dessa política pública como um espaço de comercialização para a participação dos agricultores familiares, existem diversos fatores, alguns deles apontados por Sambuichi et al. (2014) e Triches e Grisa (2015). Os principais problemas ainda estão associados à falta de organização dos agricultores familiares para fornecer alimentos ao PNAE na escala, à regularidade e à qualidade exigidas pelas escolas (SAMBUICHI et al., 2014), além de outras questões associadas, por exemplo, à dificuldade de entrega nas escolas (justificada por diferentes conflitos de horários), às quantidades e até mesmo à falta de equipamento que auxilie na distribuição dos alimentos. Outros impeditivos ainda são os baixos preços pagos para alguns produtos, os elevados custos de transportes, a burocratização dos mecanismos de acesso ao programa e a falta de articulação entre produtores e gestores do programa (TRICHES; SCHNEIDER, 2012; TRICHES; GRISA, 2015).

Embora os fatores que limitam a maior participação dos agricultores familiares nesse canal de comercialização seja uma realidade muito presente, percebe-se que as potencialidades alcançadas por esse importante programa são ainda maiores. Nesse sentido, este estudo, ao analisar a implementação do PNAE no Território do Alto Uruguai-RS, busca verificar se os agricultores familiares têm participado desse mercado e se isso tem fortalecido a economia do Território. A importância desse olhar se justifica em razão de que, ao apoiar a aquisição de alimentos dos circuitos locais e regionais, promove-se ações que contribuem com o desenvolvimento rural, a partir da geração de trabalho e renda para os agricultores familiares e a valorização dos produtos territoriais.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICOS

A presente pesquisa foi de abordagem quantitativa, com análise descritiva de dados secundários, uma vez que o principal objetivo é quantificar a participação da agricultura familiar no Programa Nacional de Alimentação Escolar no Território do Alto Uruguai – RS. Esse Território está localizado na porção norte do Estado do Rio Grande do Sul, formada por 32 municípios eminentemente agrícolas e com forte presença da agricultura familiar. A Figura 01 apresenta a localização do Território do Alto Uruguai (RS).


Figura 01
Localização da Região Alto Uruguai
Deggerone (2019).

Os dados secundários foram quantificados a partir de informações disponíveis na base de dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)6. Essas informações foram reunidas e compiladas, formando um banco de dados com os valores financeiros repassados para as escolas municipais vinculadas ao Território Alto Uruguai-RS em um recorte temporal entre 2011 e 2017. Além disso, foi realizado um levantamento de dados do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) junto à Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul (SEDUC) para apurar os dados relativos à transferência de recursos do FNDE para as escolas estaduais e o número de alunos matriculados no âmbito desse território.

A partir do levantamento das informações, os dados foram tabulados no programa Microsoft Excel® 2013, sendo organizadas as informações relativas a cada ano analisado; aos municípios envolvidos; aos valores transferidos para a rede estadual e para a rede municipal de educação; aos valores das aquisições da agricultura familiar da rede estadual e da rede municipal de educação para cada município pertencente ao Território do Alto Uruguai. Essas informações são apresentadas neste estudo em forma de tabelas e gráficos.

A PARTICIPAÇÃO DOS AGRICULTORES FAMILIARES NO PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NO TERRITÓRIO ALTO URUGUAI- RS

A participação dos agricultores familiares neste importante canal de comercialização de alimentos no Território Alto Uruguai tem registros desde 2009, entretanto, neste estudo, foi analisado o período de 2011 a 2017, por apresentar disponibilidade de dados no FNDE e na SEDUC referentes aos repasses financeiros e aquisições da agricultura familiar no âmbito do PNAE.

Dessa forma, conforme os dados da pesquisa, apresentados na Tabela 1, é possível visualizar os recursos financeiros disponibilizados pelo FNDE e os valores aplicados pela rede municipal e estadual para a compra de alimentos da agricultura familiar nos 32 Municípios do Território do Alto Uruguai.

Conforme dados da pesquisa (Tabela 01), identificou-se que, no âmbito do PNAE, a rede municipal de educação, no período analisado, recebeu do FNDE o total de R$ 12.870.781,60, sendo que, desse valor, R$ 9.368.064,35 (72,79%) foram destinados à aquisição de alimentos dos agricultores familiares. Em relação à rede estadual, os repasses do FNDE no referido período totalizaram R$ 12.634.957,60, e, desse valor, o montante de R$ 4.721.965,52 – equivalente a 37,37% – foi aplicado na compra de alimentos da agricultura familiar.

Tabela 1
Repasses financeiros do FNDE para a rede municipal e a rede estadual de educação e valores investidos na aquisição de alimentos da agricultura familiar no Território do Alto Uruguai-RS no âmbito do PNAE no período de 2011 a 2017.

Elaboração dos autores com base nos dados do FNDE (2019a); SEDUC/RS (2019).

Verifica-se, portanto, que, no período analisado, no Território Alto Uruguai-RS, a rede municipal de educação recebeu do FNDE, no âmbito do PNAE, um montante aproximado ao total do valor repassado pelo FNDE para rede estadual de educação, porém, a rede municipal investiu aproximadamente 100% a mais do que a rede estadual na aquisição de alimentos da agricultura familiar no âmbito do PNAE.

De acordo com a pesquisa, os notórios investimentos (maiores percentuais) praticados pela rede municipal na compra de alimentos da agricultura familiar em relação à rede estadual são decorrentes de decisões políticas e da forma de gestão, que conferem vantagem operacional à rede municipal na execução do PNAE. Ainda nesse sentido, identificou-se que nos Municípios a gestão do PNAE é centralizada, ou seja, o Município é a Entidade Executora, aspecto que permite executar uma única compra para toda a rede municipal de educação, conferindo agilidade ao processo. Já nas escolas estaduais o processo é escolarizado, ou seja, a escola é a Unidade Executora do PNAE. Assim, cada escola realiza um processo individual de compra, mas não autônomo, pois se submete à Coordenadoria Regional de Educação (CRE) e à Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), que é a Entidade Executora. Portanto, identificou-se que esse arranjo organizacional, com diversas instâncias de tomada de decisão e de operacionalização, contribui para o aumento da burocracia e confere morosidade ao processo de execução do PNAE na rede estadual.

Nesse sentido, os estudos de Triches et al. (2019) corroboram com os resultados da presente pesquisa, apontando que a burocracia é uma das barreiras que limita uma maior amplitude na execução do PNAE. Ainda corroborando com a pesquisa, Ribas (2018), em sua pesquisa sobre o PNAE nas escolas estaduais do Município de Erechim/RS, aponta a burocracia como principal dificuldade dos gestores no procedimento de operacionalização do programa.

O auxílio da Extensão Rural, a organização em cooperativas e o diálogo entre os agentes sociais (agricultores, cooperativas, nutricionistas, extensão rural, conselhos, entre outros), no entendimento do propósito e na construção conjunta de ações operacionais, são fatores condicionantes para maior efetividade e legitimidade na execução, bem como para melhor aproveitamento dos recursos que o PNAE oferece (TRICHES et al. 2019). Nesse contexto, a partir dos dados da pesquisa, corroborados pelos autores Ribas (2018) e Triches et al. (2019), depreende-se que o desempenho das Entidades e Unidades Executoras na operacionalização do PNAE em grande medida é decorrente da estratégia adotada na gestão e no envolvimento dos atores locais.

A partir das diferentes estratégias adotadas pela rede municipal e pela rede estadual de ensino na operacionalização do PNAE, a pesquisa identificou a evolução da aquisição de alimentos da agricultura familiar (Figura 2). A pesquisa demostrou que, no Território Alto Uruguai-RS, a rede municipal efetuou os maiores investimentos na aquisição de alimentos de agricultores familiares, evoluindo de R$ 793.440,68 no ano de 2011 para mais de R$ 1.800.000,00 em 2017. Já as aquisições realizadas pela rede estadual não chegaram a alcançar o valor de R$ 1.000.000,00, sendo que os maiores volumes de compra ocorreram nos anos de 2014 e 2017, no montante de R$ 788.615,83 e R$ 893.058,13, respectivamente.


Figura 2
Evolução dos repasses financeiros do FNDE e das aquisições de alimentos da agricultura familiar no período de 2011 a 2017, no âmbito do PNAE, no Território Alto Uruguai-RS
Elaboração dos autores com base nos dados do FNDE (2019a); SEDUC/RS (2019).

Os dados dispostos na Figura 2 evidenciam que a rede municipal, no período de 2011 a 2017, sempre ultrapassou o percentual mínimo de 30% estabelecido pela Lei 11.947/2009 para a compra de alimentos da agricultura familiar. O menor percentual ocorreu no ano de 2011, apresentando 56,80%, entretanto, esse permaneceu acima da exigência legal. Destaca- se, ainda, o relevante avanço positivo no período analisado, especialmente no período de 2015 a 2017, quando a rede municipal do Território superou 80% dos recursos do PNAE aplicados nas aquisições de alimentos provenientes dos agricultores familiares e/ou de suas organizações (Tabela 2).

Em relação à rede estadual, no mesmo período, as aquisições de alimentos da agricultura familiar superaram o percentual mínimo anual exigido de 30% e registraram modestas oscilações e gradual crescimento nos percentuais adquiridos. Contudo, houve ainda um distanciamento de mais de 40 pontos percentuais em relação à rede municipal no período de 2015 a 2017, sendo que, no ano de 2017, as aquisições se deram no índice de 41,67% contra 85,23% dos recursos do PNAE aplicados na aquisição de alimentos da agricultura familiar pela rede municipal de educação (Tabela 2).

Tabela 2
Percentual anual de compra de alimentos da agricultura familiar, período de 2011 a 2017, no âmbito do PNAE, no Território do Alto Uruguai.

Elaboração dos autores com base nos dados do FNDE (2019a); SEDUC/RS (2019).

Conforme evidenciado na Tabela 2, é pertinente destacar que, mesmo observado o menor percentual das aquisições da agricultura familiar pela rede estadual em relação à rede municipal de educação, quando comparados os percentuais da rede estadual do Território estudado (41,67% em 2017) com a média das escolas estaduais do RS (21,99% em 2017) (FNDE, 2019b), a rede estadual do Território estudado apresenta quase o dobro dos percentuais em aquisições de alimentos da agricultura familiar em relação ao Estado (FNDE, 2019b).

A análise dos dados pesquisados permite identificar ainda que ocorre situação semelhante às escolas estaduais, quando comparados os percentuais investidos na aquisição de alimentos da agricultura familiar pela rede municipal de educação do Território Alto Uruguai (85,23% em 2017 – Tabela 2) com a média das redes municipais de educação (FNDE, 2019b) do Rio Grande do Sul (43,60% em 2017).

Por meio da análise dos dados, identifica-se que o desempenho do PNAE no Território Alto Uruguai-RS, no aspecto percentual de aquisição da agricultura familiar, está acima da média do Rio Grande do Sul e do Brasil.

Conforme a pesquisa, os avanços positivos na efetivação do PNAE no Território Alto Uruguai-RS são decorrentes da conjugação de vários elementos facilitadores, destacando-se: a) oferta qualificada de alimentos, apresentando diversidade e capacidade produtiva por parte dos agricultores familiares; b) existência e envolvimento de organizações sociais na articulação dos atores locais, principalmente: movimentos sociais, cooperativas, Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSEA), Conselho de Alimentação Escolar (CAE) e EMATER/RS-Ascar, por meio dos Escritórios Municipais e da Unidade de Cooperativismo, com atuação na articulação dos atores locais, no aprimoramento do processo produtivo e na gestão das cooperativas; c) o envolvimento das Entidades e das Unidades Executoras do PNAE (municípios e escolas estaduais), as quais têm atuação aglutinadora de forças e de profissionalização do processo operacional; d) organização da comercialização na estratégia de cooperativas.

Além disso, a pesquisa evidenciou que, em 2017, mais de 90% dos agricultores que acessaram o PNAE no Território Alto Uruguai viabilizaram a comercialização por meio de dez cooperativas locais (COPAAL7, COOPERBEM8, COCEL9, COOPAVI10, COPERFAMÍLIA11, NOSSA TERRA12, CECAFES13, COOPRAF14, COOPERVAL15 e COOPEAVE16). A pesquisa aponta que do valor de R$ 2.747.972,60 em alimentos comercializados pela agricultura familiar para o PNAE no Território Alto Uruguai, no ano de 2017, aproximadamente 90% foi operacionalizado por meio de cooperativas (EMATER- RS/ASCAR, 2019).

Esses elementos identificados como propulsores para a compra dos alimentos da agricultura familiar também são identificados por outras pesquisas realizados sobre a compra de alimentos da agricultura familiar. Nesse sentido, Basso, Lopes e Amaral (2019), ao estudarem a implementação do PNAE na rede pública municipal e estadual no município de Passo Fundo (RS), identificaram que a atuação dos agentes de Extensão Rural possibilitou a construção de estratégias para enfrentar as dificuldades existentes no âmbito local, atuando na articulação das cooperativas da agricultura familiar como fornecedoras de alimentos para as escolas municipais e estaduais.

Os dados de pesquisa permitem ainda analisar a evolução das aquisições de alimentos da agricultura no âmbito do PNAE por município (Tabela 3). Nesse contexto, enfatiza-se que os municípios de Barão de Cotegipe, Benjamin Constant do Sul, Cruzaltense, Erebango, Erechim, Erval Grande, Estação, Gaurama, Ipiranga do Sul e Severiano de Almeida foram os que investiram acima de 50% dos recursos financeiros dos repasses do FNDE referentes ao PNAE na aquisição de alimentos da agricultura familiar para a alimentação escolar.

Tabela 3
Desempenho dos municípios do Território Alto Uruguai-RS na execução do PNAE no período de 2011 a 2017

Elaboração dos autores com base nos dados do FNDE (2019a); SEDUC/RS (2019).

Dentre os Municípios elencados acima, Erechim se destaca, apresentando o maior percentual (65,95%) e o maior valor absoluto (R$ 7.539.058,77) de aquisição de alimentos da agricultura familiar no âmbito do PNAE, no período de 2011 a 2017. O Município é seguido por Benjamin Constant do Sul, com o índice de 65,11%.

Nesse sentido, a partir dos dados dispostos na Tabela 3, verifica-se que, observando- se a média das aquisições no período de 2011 a 2017, todos os municípios, considerando a rede estadual e municipal de educação, superaram o percentual mínimo de 30% de compra de alimentos da agricultura familiar no âmbito do PNAE, o que oportunizou que os agricultores familiares vendessem os produtos agroalimentares nesse canal de comercialização de alimentos. Dentre os principais produtos fornecidos pelos agricultores familiares destacam- se frutas, legumes, verduras, panificados, massas, lácteos, suco de frutas, mel e carne suína e bovina (EMATER/RS-ASCAR, 2019).

Esses dados apurados por esta pesquisa, em comparação com outros estudos realizados no âmbito do PNAE, identificaram que Schabarum e Triches (2019), ao estudarem o programa no âmbito do estado do Paraná, verificaram que mais da metade (51%) dos municípios pesquisados ainda não cumpria, em 2014, a obrigatoriedade de compra dos alimentos da agricultura familiar, conforme a Lei n° 11.947/2009.

Ferigollo et al. (2017), ao pesquisarem a aquisição de produtos da agricultura familiar pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar nos municípios do Estado do Rio Grande do Sul, identificaram que mais de 70% dos municípios gaúchos analisados estavam cumprindo o determinado pela Lei nº 11.947/2009. Corroborando com esses resultados, Thies et al. (2016) destacam que a região Sul sempre apresentou o maior percentual de aquisição da agricultura familiar em comparação às demais regiões do Brasil.

Os dados da pesquisa apontam o bom desempenho do PNAE no Território do Alto Uruguai e revelam que a execução dessa política pública na região, no período de 2011 a 2017, possibilitou um investimento de um montante de R$ 14.090.029,87 na aquisição de alimentos da agricultura familiar. Esses alimentos compuseram a alimentação escolar de aproximadamente 39 mil estudantes por ano (SEDUC, 2017).

Constatou-se que o PNAE proporcionou a inclusão produtiva e mercadológica dos agricultores familiares, impactando positivamente no aspecto socioeconômico das unidades familiares fornecedoras, na qualificação da alimentação dos estudantes e na legitimação da política pública do PNAE como proposta de desenvolvimento rural e de segurança e soberania alimentar, bem como no cumprimento das demais diretrizes do PNAE.

Ressalta-se também que o Estado brasileiro, ao implementar a Lei n° 11.947/2009, utilizou das compras públicas para beneficiar a participação dos agricultores familiares nesse importante canal de comercialização (TRICHES, 2015). Cabe ressaltar, segundo Lopes, Thies e Basso (2019), que ainda existem entraves operacionais, estruturais, políticos e econômicos que devem ser enfrentados na construção e no gerenciamento desse mercado, sendo que segundo Saraiva et al (2013) a gestão pública deve atuar no sentido de sanar os problemas existentes.

Entretanto, enfatiza-se, que o mercado institucional é algo relativamente recente para a conjuntura brasileira e que a participação da agricultura familiar nesse mercado deve ser ampliada ao longo dos anos. Isso será possível devido à articulação gerada entre atores sociais, escolas, prefeituras municipais, cooperativas, movimentos sociais e agricultores familiares, devido a experiências acumuladas, que permitirão um melhor planejamento da produção agroalimentar e da logística de entrega e possibilitarão a melhoria da infraestrutura de apoio ao processamento dos alimentos e a maior interação entre os consumidores (rede pública escolar) com as cooperativas e os agricultores familiares.

Nesse sentido, o PNAE a médio e longo prazo, tornar-se-á um programa universal, equânime, participativo, integrador, educacional, sustentável e saudável (PEIXINHO, 2013), na medida em que os gestores públicos e comunidade local, consigam implementar a compra da agricultura familiar como uma ação verdadeiramente transversal dentro de políticas setoriais elaboradas pelos Estados e Municípios (SARAIVA et al., 2013), assim contribuindo com o desenvolvimento rural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção deste artigo permitiu analisar as compras realizadas da agricultura familiar para Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) entre 2011 e 2017, no Território do Alto Uruguai (RS). Verificou-se que nesse Território os agricultores familiares participaram de forma individual ou organizada em cooperativas, comercializaram alimentos visando atender a escolas públicas municipais e estaduais de educação básica.

Identificou-se também que, considerando-se a média das aquisições no período de 2011 a 2017, todos os Municípios do referido Território alcançaram o percentual mínimo de 30% para a compra de alimentos da agricultura familiar, sendo que 10 municípios investiram acima de 50% na aquisição de alimentos para a alimentação escolar. Os dados também evidenciaram que a participação da agricultura familiar nas compras do PNAE nesse Território tem sido superior à média estadual e nacional, sendo crescente em ambos ao longo da série considerada.

Dessa forma, identifica-se que o PNAE representa, em âmbito nacional, uma importante política pública implementada conjuntamente com os Estados e Municípios no sentido de promover a segurança alimentar e oportunizar a manutenção de um novo canal de comercialização de alimentos aos agricultores familiares locais. A participação dos agricultores nesse espaço de comercialização promoveu a distribuição de renda, incentivou a produção agroalimentar familiar, a economia local, o escoamento da produção, a diversificação da produção e a organização social e coletiva dos agricultores familiares.

Identificou-se também que o pioneirismo e o sucesso da operacionalização do PNAE no Território Alto Uruguai-RS geraram qualificação da oferta de alimentos, organização em cooperativas, além do desenvolvimento de competências em logística e em gestão de mercados, o que qualificou a agricultura familiar local e suas organizações cooperativas para acessarem mercados em outras Regiões e no Brasil.

Considerando a função social e econômica da referida política pública no Brasil, em se tratando da aquisição de alimentos da agricultura familiar, considera-se que um dos limites do presente trabalho foi a utilização exclusiva de dados secundários. Assim, para estudos futuros, sugere-se a utilização de ferramentas metodológicas que incluam a obtenção de dados primários, buscando explicações em relação aos diferentes níveis de compras da agricultura familiar para a alimentação escolar em um mesmo Município ao longo do tempo e também entre os municípios do Território do Alto Uruguai-RS.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
BASSO, D.; LOPES, I. D.; AMARAL, V. R. Reflexões sobre a operacionalização do PNAE nas Escolas Estaduais de Passo Fundo (RS). Redes, Santa Cruz do Sul, v. 24, n. 1, p. 163- 186, jan. 2019. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/redes/article/view/11272. Acesso em: 09 abr. 2020.
BRANCHER, P.; ALMEIDA L. Plano territorial de desenvolvimento rural sustentável do Alto Uruguai-RS: planejamento participativo. Erechim: Grafoluz, 2006. p.64.
BRASIL. Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre a Merenda Escolar, Alimentação Escolar, Programa Dinheiro Direto na Escola. Diário Oficial da União. Brasília, 17 de jun. 2009.
_______Resolução CD/FNDE nº 26, de 17 de junho de 2013. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Diário Oficial da União, Brasília, 17 jun. 2013.
DEGGERONE, Z.A. Os mercados agroalimentares acessos pelos agricultores familiares em Aratiba-RS. 98 p. Projeto de Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2019.
ELIAS, L. P. et al. Impactos socioeconômicos do Programa Nacional de Alimentação Escolar na agricultura familiar de Santa Catarina. Rev. Econ. Sociol. Rural, Brasília, v. 57, n. 2, p. 215-233, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S01032003201900020021&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 08 abr. 2020.
EMATER/RS-ASCAR - Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural/RS- Associação Sulina de Crédito e Assistência. Relatório de atividades - 2019. Porto Alegre: EMATER/RS-Ascar, 2019.
FERIGOLLO, D. et al. Produtos adquiridos na agricultura familiar para alimentação escolar nas cidades do Rio Grande do Sul. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 51, 6, 2017.Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003489102017000100205&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 08 abr. 2020
FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Liberações Consultas Gerais. Disponível em: https://www.fnde.gov.br/sigefweb/index.php/liberacoes. Acesso em: 07 jun. 2019a.
____________Programa nacional de alimentação escolar: sobre o PNAE. Disponível em: https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/pnae/pnae-sobre-oprograma/pnae-sobre-o-pnae. Brasília. Acesso em: 15 set. 2019b.
____________O Programa Nacional de Alimentação Escolar completa 62 anos de conquistas. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/acessoainformacao/institucional/areadeimprensa/noticias/iem/10950refer%C3%AAnciamundial,oprogramanacionaldealimenta%C3%A7%C3A3o-escolar-completa-62-anos-de-conquistas. Brasília. Acesso em: 02 ago. 2017.
____________Programa nacional de alimentação escolar: histórico. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/pnae/pnae-sobre-o-programa/pnaehistorico Brasília. Acesso em: 17 nov. 2016.
GRISA, C.; SCHNEIDER, S. Três gerações de políticas públicas para a agricultura familiar e formas de interação entre sociedade e Estado do Brasil. In: GRISA, C.; SCHNEIDER, S. (Org.). Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil. Porto Alegre: UFRGS, 2015. p. 19-50.
LONG, N.; PLOEG, J. D. Heterogeneidade, ator e estrutura: para a reconstituição do conceito de estrutura. In: SCHNEIDER, S.; GAZOLLA, M. (Orgs.). Os atores do desenvolvimento rural: perspectivas teóricas e práticas. Porto Alegre: UFRGS, 2011. p. 21-48.
LOPES, I. D.; THIES, V. F.; BASSO, D. A participação da agricultura familiar nas compras da alimentação escolar: uma análise do Norte do Rio Grande do Sul, Brasil, no período de 2011 a 2016. Revista Perspectivas Contemporâneas, Campo Mourão, v. 14, n. 3, p. 64-85, 2019. Disponível em: http://revista2.grupointegrado.br/revista/index.php/perspectivascontemporaneas/article/view/2894. Acesso em: 05 abr. 2020.
MACIEL, L. R. Mercado institucional de alimentos: potencialidades e limites para a agricultura familiar. 2008. 115f. Dissertação (Mestrado em Agronegócios) - Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília, 2008. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/1460. Acesso em: 17 abr. 2020.
MENEZES, F.; PORTO, S.; GRISA, C. Abastecimento alimentar e compras públicas no Brasil: um resgate histórico. Série Políticas sociais e de Alimentação. Brasília: Centro de Excelência Contra a Fome, 2015. p. 51-61.
OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde. Alimentação e nutrição: folhas informativas. Publicado em Set. 2016. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5439:almentacao-enutricaofolhas-informativas&Itemid=820. Brasília. Acesso em: 10 set. 2019.
PEIXINHO, A. M. L. A trajetória do Programa Nacional de Alimentação Escolar no período de 2003-2010: relato do gestor nacional. Ciência, saúde coletiva. Rio de Janeiro, v. 18, n. 4, p. 10-15, 2013.
PIRAN, N. Agricultura familiar: lutas e perspectivas no Alto Uruguai. Erechim: Edifapes, 2001.
REAL, L. C. V.; SCHNEIDER, S. O uso de programas públicos de alimentação na reaproximação do pequeno produtor com o consumidor: o caso do programa de alimentação escolar. Artigo & Debate, Lajeado v. 18, n. 2, p. 57-79, 2011.
RIBAS, F. B. Programa Nacional de Alimentação Escolar - possibilidades e limitações: um estudo sob o olhar de gestores de escolas estaduais de Erechim. 2018. 74 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia) - Universidade Federal da Fronteira Sul, Erechim, 2018. Disponível em: https://rd.uffs.edu.br/handle/prefix/2600. Acesso em: 08 abr. 2020.
RODRIGUES, R.; SIQUEIRA, H. M.; BIANCARDI, C. C. S.; ANDRADE, M. A. N.; VALENTE, L. M.; PAULA, L. B. Aquisição de alimentos da agricultura familiar pelo PNAE no município de Alegre-ES. Demetra: Alimentação, Nutrição & Saúde. Alegre. v. 12, n. 1, p. 91-112, 2017.
SAMBUICHI, R. H. S. et al. Compras Públicas Sustentáveis e Agricultura Familiar: a experiência do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). In: SAMBUICHI, R. H. R. et al. (Org.). Políticas agroambientais e sustentabilidade: desafios, oportunidades e lições aprendidas. Brasília: IPEA. 2014. p. 75-104.
SARAIVA, E. B. et. al. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 4, abr. 2013.
SCHABARUM, J. C.; TRICHES, R. M. Aquisição de Produtos da Agricultura Familiar em Municípios Paranaenses: análise dos produtos comercializados e dos preços praticados. Rev. Econ. Sociol. Rural, Brasília, v. 57, n. 1, p. 49-62, jan. 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010320032019000100049&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 08 abr. 2020.
SCHMITT, C. J. R. Atores e desenvolvimento rural: perspectivas na construção de uma abordagem relacional. Sociologias. Porto Alegre, UFRGS, v. 13, n. 27, p. 82-112, 2011.
SCHNEIDER, S. Mercados e Agricultura Familiar. In: MARQUES, F. C.; CONTERATO, M. A.; SCHNEIDER, S. (Org.). Construção de mercados e agricultura familiar: desafios para o desenvolvimento rural. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016. p. 93-140.
__________A pluriatividade na agricultura familiar. Porto Alegre: UFRGS, 2003.
__________Situando o desenvolvimento rural no Brasil: o contexto e as questões em debate. Revista de Economia Política. Porto Alegre: UFRGS. v. 30, n. 3, p. 511-531, 2010.
__________GAZOLLA, M. Os atores entram em cena. In: SCHNEIDER, S.; GAZOLLA, M. (Org.). Os atores do desenvolvimento rural: perspectivas teóricas e práticas. Porto Alegre: UFRGS, 2011. p. 11-20.
SEDUC - Secretaria da Educação. Relatório do PNAE e dos alunos matriculados - 15ª Coordenadoria Regional de Educação. Erechim, 2019.
SILVA, W. H. da et al. Agricultura familiar e mercados institucionais: uma análise acerca da operacionalização do Programa Nacional de Alimentação Escolar no município de Unaí, MG. Unaí: INESC, 2014.
THIES, V. F. et al. Potencial das compras públicas como mercado para agricultura familiar - uma análise do PNAE entre 2011-2014. In: Congresso da sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 54, 2016, Maceió. Anais... Maceió: UFAL, 2016. Disponível em: http://icongresso.itarget.com.br/tra/arquivos-/ser.6/1/6992.pdf. Acesso em: 08 abr. 2020.
THIES, V. F.; LOPES, I. D.; AMARAL, V. R. As compras da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar no Estado do Rio Grande do Sul: uma análise comparativa por Coredes. In: Congresso da sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 55, 2017, Santa Maria. Anais... Santa Maria: UFSM, 2017. Disponível em: http://icongresso.itarget.com.br/tra/arquivos/ser.7/1/7770.pdf. Acesso em: 08 abr. 2020.
TRICHES, R. M. et al. Condicionantes e limitantes na aquisição de produtos da agricultura familiar pelo Programa de Alimentação Escolar no estado do Paraná. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 24, n. 1, p. 118-137, jan. 2019. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/redes/article/view/11713. Acesso em: 08 abr. 2020.
_________ Aquisição de produtos da agricultura familiar pela alimentação escolar: dificuldades e formas de superação mobilizadas pelos atores sociais. In: Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 55, 2017, Santa Maria. Anais eletrônicos... Santa Maria: UFSM, 2017. Disponível em: http://icongresso.itarget.com.br/tra/arquivos/ser.7/1/7320.pdf. Acesso em: 28 out. 2018.
_________ Repensando o mercado da alimentação escolar: novas institucionalidades para o desenvolvimento rural. In: GRISA, C.; SCHNEIDER, S. (Org.). Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2015. p. 181-200.
__________ GRISA, C. Entre mudanças e conservadorismos: uma análise dos programas de aquisição de alimentos (PAA e PNAE) a partir da retórica da intransigência. Revista NERA, Presidente Prudente-SP. v. 18, n. 26, p. 10-27, 2015.
__________ SCHNEIDER, S. Alimentação escolar e agricultura familiar: reconectando o consumo a produção. Saúde e Sociedade, São Paulo. v. 19, p. 933- 945, 2010.
__________ SCHNEIDER, S. Desestruturar para construir: interfaces para agricultura familiar acessar o Programa de Alimentação Escolar. Revista Estudos Sociedade e Agricultura (UFRJ), Rio de Janeiro, v. 1, p. 66-106, 2012.
VASCONCELOS, F.A.G. Combate à fome no Brasil: uma análise histórica de Vargas a Lula. Rev Nutr, n. 18, v. 4, p. 439-457, 2005.
ZANELLA, A. A trajetória do sindicalismo no Alto Uruguai gaúcho (1937-2003). Passo Fundo: UPF, 2004.
Notas
Notas
4 O Território do Alto Uruguai-RS é composto por 32 municípios: Aratiba, Áurea, Barão de Cotegipe, Barra do Rio Azul, Benjamin Constant do Sul, Campinas do Sul, Carlos Gomes, Centenário, Charrua, Cruzaltense, Entre Rios do Sul, Erebango, Erechim, Erval Grande, Estação, Faxinalzinho, Floriano Peixoto, Gaurama, Getúlio Vargas, Ipiranga do Sul, Itatiba do Sul, Jacutinga, Marcelino Ramos, Mariano Moro, Paulo Bento, Ponte Preta, Quatro Irmãos, São Valentim, Sertão, Severiano de Almeida, Três Arroios e Viadutos (BRANCHER; ALMEIDA, 2006).
5 Chamada Pública, conforme o § 1º do art. 20 da Resolução CD/FNDE nº 26/2013, é um procedimento específico que dispensa de procedimento licitatório. E essa é uma ferramenta que contribui para o cumprimento das diretrizes do PNAE no que se refere à priorização de produtos produzidos em âmbito local de forma a fortalecer os hábitos alimentares, a cultura local e a agricultura familiar, aspectos fundamentais na garantia da segurança alimentar e nutricional.
6 Os dados coletados foram relativos ao repasse de recursos para a aquisição da alimentação escolar e podem ser acessados neste endereço eletrônico: https://www.fnde.gov.br/sigefweb/index.php/liberacoes.
7 Cooperativa de Produção Agropecuária de Aratiba Ltda.
8 Cooperativa de Produção Agropecuária de Mariano Moro.
9 Cooperativa da Agricultura Familiar de Marcelino Ramos Ltda.
10 Cooperativa Agrícola Viadutos.
11 Cooperativa de Desenvolvimento Regional Ltda.
12 Cooperativa de Produção e Consumo Familiar Nossa Terra Ltda.
13 Cooperativa Central de Comercialização da Agricultura Familiar de Economia Solidária.
14 Cooperativa Regional da Agricultura Familiar de Getúlio Vargas.
15 Cooperativa de Pequenos Agropecuaristas de Erval Grande Ltda.
16 Cooperativa Micro Regional dos Agricultores Familiares de Benjamin Constant do Sul, São Valentim, Erval Grande e Faxinalzinho Ltda.

Figura 01
Localização da Região Alto Uruguai
Deggerone (2019).
Tabela 1
Repasses financeiros do FNDE para a rede municipal e a rede estadual de educação e valores investidos na aquisição de alimentos da agricultura familiar no Território do Alto Uruguai-RS no âmbito do PNAE no período de 2011 a 2017.

Elaboração dos autores com base nos dados do FNDE (2019a); SEDUC/RS (2019).

Figura 2
Evolução dos repasses financeiros do FNDE e das aquisições de alimentos da agricultura familiar no período de 2011 a 2017, no âmbito do PNAE, no Território Alto Uruguai-RS
Elaboração dos autores com base nos dados do FNDE (2019a); SEDUC/RS (2019).
Tabela 2
Percentual anual de compra de alimentos da agricultura familiar, período de 2011 a 2017, no âmbito do PNAE, no Território do Alto Uruguai.

Elaboração dos autores com base nos dados do FNDE (2019a); SEDUC/RS (2019).
Tabela 3
Desempenho dos municípios do Território Alto Uruguai-RS na execução do PNAE no período de 2011 a 2017

Elaboração dos autores com base nos dados do FNDE (2019a); SEDUC/RS (2019).
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por Redalyc