RESISTÊNCIAS AFRICANAS: NOVOS PROBLEMAS E DEBATES

Significados da escravidão para africanos muçulmanos: ideias jurídicas e religiosas islâmicas no Mundo Atlântico (séculos XVI e XVII)

Meanings of slavery to African muslims: legal and religious Islamic ideias in the Atlantic World (16th and 17th centuries)

Thiago Henrique Mota
Universidade Federal de Viçosa, Brasil

Significados da escravidão para africanos muçulmanos: ideias jurídicas e religiosas islâmicas no Mundo Atlântico (séculos XVI e XVII)

Anos 90, vol. 26, e2019202, 2019

Universidade Federal do Rio Grande Sul, Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Recepção: 01 Outubro 2018

Aprovação: 10 Janeiro 2019

RESUMO: Neste artigo, são apresentadas formas muçulmanas africanas de compreender e de se opor à escravização, escravidão e conversão ao cristianismo no Mundo Atlântico. As fontes analisadas procedem da Senegâmbia (África Ocidental), do Novo Reino de Granada (atual Colômbia) e de Portugal, entre os séculos XVI e XVII, sendo discutidas por meio de conexões existentes entre elas, na perspectiva da História Atlântica. Por meio da constatação da formação religiosa oferecida nas escolas corânicas, na Senegâmbia, e da circulação de ideias islâmicas ao longo do Mundo Atlântico, argumenta-se que o Islã foi um mecanismo de resistência à escravidão entre os muçulmanos africanos, seja em seu continente ou na diáspora através da bacia atlântica.

PALAVRAS-CHAVE: Islã, Escolas corânicas, Oralidade, Diáspora africana, Resistência.

ABSTRACT: In this paper, African Muslim forms to understand and oppose enslavement, slavery, and conversion to Christianity in the Atlantic world are presented. The sources analyzed come from Senegambia (West Africa), the New Kingdom of Granada (nowadays Colombia) and Portugal, between the sixteenth and seventeenth centuries, and are discussed in the perspective of Atlantic History, through the establishment of connections among them. Through the realization of the religious formation offered in the Koranic schools in Senegambia and the circulation of Islamic ideas throughout the Atlantic World, it is argued how Islam was a mechanism of resistance to slavery among African Muslims, whether on their continent or in the diaspora across the Atlantic basin.

KEYWORDS: Islam, Koran schools, Orality, African diaspora, Resistence.

Neste artigo, são discutidas relações entre o direito islâmico procedente de interpretações do Alcorão e de hadiths e os significados da escravidão para povos Wolof muçulmanos, na África, América e Europa. A pesquisa abrange os séculos XVI e XVII, através da análise de textos oriundos das missões jesuítas de Cartagena de las Indias (Novo Reino de Granada, atual Colômbia) e de Cabo Verde (referente ao arquipélago e à costa africana adjacente); de narrativas europeias sobre a Senegâmbia (desde a bacia do rio Senegal até a região norte da Serra Leoa); de processos da Inquisição de Lisboa, nos quais homens wolofes1 são acusados de prática islâmica, em Portugal; além dos tratados Mi’raj al-Su’ud, de Ahmad Baba, e Tarikh Es-Soudan, de Abderramane Es-Sadi, ambos acadêmicos e juristas de Timbuktu. Parte-se de oralidades africanas inscritas em textos europeus e americanos, associando-as à produção intelectual muçulmana africana, desenvolvida desde os grandes centros religiosos às pequenas escolas corânicas. Argumenta-se que a resistência dos muçulmanos wolofes à conversão ao catolicismo e à escravização, na África, e à escravidão, na América e na Europa, embasava-se em convicções religiosas e jurídicas procedentes da xaria. Nesta perspectiva, a escravidão é compreendida como atributo do infiel, a quem o paraíso é interdito. Para evidenciar as interpretações da xaria entre os Wolof, apresenta-se o forte desenvolvimento das escolas corânicas na África Ocidental.

Busca-se dialogar com pesquisas que vêm apontando o desenvolvimento da experiência islâmica na Senegâmbia associada ao ensino religioso, desde a década de 1960. Estes trabalhos buscam compreender a historicidade das jihads no Sahel ocidental (SMITH, 1961); a produção de lideranças muçulmanas a partir da educação religiosa (CURTIN, 1971); as raízes sociais e econômicas das revoluções islâmicas (KLEIN, 1972); o papel desempenhado por pregadores muçulmanos na expansão do Islã (SANNEH, 1979; KA, 2002; SANEH, 2016); a presença do Islã nos estados wolofes (BOULÈGUE; 2013); a aprendizagem islâmica e suas transformações (WARE III, 2014; KANE, 2016); o impacto do Islã africano no Mundo Atlântico e as experiências de muçulmanos africanos na diáspora (DIOUF, 2013; REIS, 2003; GOMEZ, 2005; LOVEJOY, 2016; MOTA, 2017a). Embora as perspectivas adotadas pelos autores tenham se transformado ao longo do tempo, todos reconhecem o papel da instrução religiosa como elemento formador da experiência islâmica. Assim, o presente artigo busca contribuir para o desenvolvimento deste debate, analisando as relações entre o processo de educação islâmica na África e a produção africana de sentidos atribuídos à escravização e escravidão.

Muçulmanos africanos no Mundo Atlântico: formação religiosa

A presença de muçulmanos africanos na América foi um fenômeno que, nos séculos XVI e XVII, demandou grande atenção da Coroa de Castela, diante das revoltas que protagonizaram. Em especial, destacam-se os Wolof muçulmanos, cujo tráfico nos portos americanos foi proibido através de várias cédulas reais, ao longo do século XVI, embora nunca interditado (MELLAFE, 1959; WINTERS, 1978; CABALLOS, 1995; DIOUF, 2013; GOMEZ, 2005). A documentação procedente da missão jesuíta iniciada em 1604, em Cartagena de las Indias, indica a grande presença destes muçulmanos e as dificuldades encontradas pelos missionários católicos na busca pela conversão deles. Dentre os documentos procedentes da missão, destacam-se o tratado Naturaleza, policia sagrada y profana, costumbres y ritos, disciplina y catecismo evangélico de todos etíopes, do padre Alonso de Sandoval (1627), mais conhecido como De instauranda Aethiopum Salute; as cartas ânuas produzidas pelos inacianos e enviadas à administração da ordem, na Europa (FAJARDO; GUTIÉRREZ, 2014); e o processo canônico estabelecido após o falecimento do missionário padre Pedro Claver (2002).

Entre as dificuldades encontradas pelos jesuítas na busca pela conversão dos africanos, evidencia-se a adesão destes ao Islã. Alonso de Sandoval constatou que, em Cartagena de las Indias, havia entendimento entre diferentes populações africanas porque elas tinham o Islã como linguagem comum. A religiosidade muçulmana era obstáculo à cristianização, uma vez que “[...] os Iolofos, Berbesies, Mandingas e Fulos podem de ordinário entender-se entre si, ainda que as línguas e castas sejam diversas, pela grande comunicação que têm à causa de haverem recebido comumente todas estas nações a maldita seita de Mafoma [...]”2 (SANDOVAL, 1627, p. 57). Os saberes islâmicos desafiavam os inacianos. Sandoval argumentava que a dificuldade encontrada no esforço para converter os muçulmanos exigia perícia dos padres ao lidar com eles, demandando os melhores intérpretes das línguas que falavam. Conforme o jesuíta, era preciso “[...] reflexão e advertência, pondo maior cuidado e diligência nas perguntas, em convencer suas respostas e as réplicas que fazem [...]” (SANDOVAL, 1627, p. 57).

Os problemas encontrados por Sandoval, na América, coadunam-se com aqueles destacados por vários missionários europeus na África, especialmente jesuítas e franciscanos (MOTA, 2017b). Em 1683, o frei franciscano espanhol António de Trujillo informava ao príncipe português que “[...] se Deus principalmente e depois V.A. com seu grande selo não o remediam, então os desta seita infernal infectarão até o Mar Vermelho, pois não é acreditável a ânsia com que solicitam sua dilatação[...]” (BRÁSIO, 1991, p. 484). Em memorial elaborado em 1689, após atuação na região do rio Senegal, o franciscano francês Jean-Baptiste Gaby expôs o conhecimento wolof sobre o Alcorão. Segundo o autor, os pregadores muçulmanos diziam que o Islã tinha avançado em relação aos cristãos, pois a revelação corânica é posterior à Bíblia. Portanto, afirmavam que “[...] se devia acreditar em Maomé, que foi um grande Profeta [...]” (GABY, 1689, p. 34). Estes pregadores eram chamados marabutos ou bexerins na documentação europeia, e equivalem aos marabouts e serïgnes que, atualmente, divulgam o Islã na região. Conhecedores da narrativa bíblico-corânica comum, a eles era incompreensível a recusa dos missionários católicos a crerem na palavra expressa por Maomé.

Elucidativa sobre suas dúvidas acerca da fé católica é a descrição de um debate entre Gaby e alguns marabutos, no baixo curso do rio Senegal. Gaby afirma: “[...] eles me perguntaram por que nós não reconhecemos a autoridade de Maomé, e por qual razão adoramos vários Deuses[...]” (GABY, 1689, p. 34). Ao explicar-lhes que os católicos acreditam em um único Deus, composto por uma trindade santíssima, recebeu o pedido: “[...] explique-nos como estas três Pessoas são apenas uma essência [...]” (GABY, 1689, p. 34). Diante dos questionamentos dos marabutos acerca dos motivos da descrença dos europeus no Islã, sobre a natureza do catolicismo, o dogma da Santíssima Trindade e os sacramentos, Jean-Baptiste Gaby buscou responder-lhes recorrendo frequentemente ao topos do Mistério divino e da incapacidade humana de entendimento da verdade celeste.

A dificuldade encontrada pelo franciscano, na África, é análoga ao esforço dos jesuítas em busca da catequização dos muçulmanos, na América. A necessidade de empregar os intérpretes mais conhecedores da doutrina cristã, indicada por Sandoval, aponta os confrontos travados diante do Islã. Já os conhecimentos sobre o Alcorão entre os africanos provinham do estudo nas escolas corânicas e da pregação pública realizada pelos bexerins. O jesuíta português padre Manuel Álvares, que integrou a missão de Cabo Verde e viveu na região entre a atual península de Dakar e a Serra Leoa, de 1607 a 1616, descreveu várias visitas e pregações destes religiosos às aldeias da Senegâmbia. O pregador muçulmano, ao chegar à povoação, “[...] o que primeiro faz é declarar o dia em que há de começar as práticas do Alcorão[...]”. Em seguida, “[...] concorre muita gente que se ajunta na praça da povoação [...]”. No local estabelecido, “[...] o Ministro sai com grande aparato. Manda logo estender algumas esteiras finas, tira de sua bolsa lavrada a lenda infernal [o Alcorão] em uns pergaminhos, desenrola-os sobre elas, faz seu cerimonial […]” (ÁLVARES, 1616, p. 11-12).

Associado à pregação pública, a Senegâmbia viu proliferarem as escolas corânicas, desenvolvendo as habilidades de ler e escrever em árabe, além de divulgar conhecimentos islâmicos referentes à prática devocional e à jurisprudência muçulmana (MOTA, 2016a). Na aldeia de Sutuco, Manuel Álvares descreveu a existência de mesquitas e escolas, onde se ensinavam leitura e escrita em árabe, através do estudo de textos da tradição islâmica. O jesuíta afirma que “[...] têm mesquitas e os mozes ou bexerins põem escolas de ler e escrever letras arábicas, de que usam nas suas nôminas [grisgris], sendo algumas regras dela a maldita Religião [...]”. Sobre o trabalho a ser desempenhado pelos bexerins, Álvares complementa: “[...] o ofício destes é criar meninos que venham depois a servir de Ministros; todos aprendem a nosso modo, escrevendo as matérias por seus traslados, de dia gozando da sua luz e de noite ao fogo [...]” (ÁLVARES, 1616, p. 11).

No final do século XVII, o francês Michel de La Courbe deparou-se com forte desenvolvimento da cultura escrita muçulmana no Estado do Niumi, à margem norte do rio Gâmbia. Lá, as escolas corânicas eram as instituições responsáveis pelo ensino da religião, onde os valores religiosos eram produzidos e reproduzidos. Ao tratar dos Mandinga, La Courbe apontou a utilização da aljamia, informando que a escrita do idioma mandinga se dava no alfabeto árabe, e evidenciou a recitação pública, através da leitura em voz alta ou do ato de cantar as lições aprendidas a partir do Alcorão. Trata-se de um elemento constitutivo da identidade islâmica: a busca pelo domínio memorizado da narrativa corânica, orações e hadiths (atos, pronunciamentos e silêncios atribuídos a Maomé, que têm importante papel na jurisprudência islâmica). Tal capacidade de memorização é alcançada através da dedicação ao estudo:

Seguem a lei maometana, da qual são mais conhecedores que os povos do Cabo Verde [península de Dakar], tendo escolas públicas, onde eles aprendem a ler em Árabe, que é a língua da religião deles e na qual o Alcorão está escrito. Eles enviam a esta escola suas crianças, durante a noite, e se lhes escuta ler cantando as lições do Alcorão, ou orações em Árabe, [...]; não há entre eles quem não saiba escrever e as letras arábicas servem a eles também para escrever sua língua natural [...] (LA COURBE, 1913, p. 191).

O comerciante inglês Richard Jobson também observou o desenvolvimento da educação islâmica ao longo do rio Gâmbia, entre 1621 e 1622, e afirmou que “[...] todas as crianças do sexo masculino que prosseguem a partir destes marabutos são ensinadas a escrever e a ler [...]” (JOBSON, 1999, p. 126). Quanto aos recursos didáticos utilizados, Jobson afirmou: “[...] eles, por seus livros, têm um pequeno quadro liso, próprio para segurarem em suas mãos, no qual as lições das crianças são escritas com uma espécie de tinta preta que eles fazem, e a pena é da forma de um lápis [...]” (JOBSON, 1999, p. 126). No final daquela centúria, La Courbe também notou que as lições ou orações ensinadas às crianças eram “[...] escritas sobre pequenas placas de madeira [...]” (LA COURBE, 1913, p. 191). Trata-se dos aluás, objeto à forma de uma prancheta, nos quais se escreve com tinta lavável, tendo em vista a reutilização do recurso, aplicado na educação islâmica e na literacia árabe.

Além do uso dos aluás, havia intensa circulação de livros e comércio de papel ao longo da região (WALZ, 2011; MOTA, 2016b; 2017c). A presença do Alcorão é marcante na documentação, utilizado na aprendizagem da escrita e na difusão da religião islâmica. Por isso, a descrição das escolas demonstra a centralidade dos livros no processo educativo: em 1592-1594, André Álvares de Almada apontava a existência de “[...] uns negros tidos por religiosos, chamados bexerins, os quais escrevem em papel e em livros encadernados de quarto e meia folha [...]” (ALMADA, 1964, p. 203). Já Richard Jobson afirmara, em 1623, que estes religiosos “[...] têm grandes livros, todos manuscritos da Religião deles, os quais temos visto quando companhias de marabutos viajam conosco, alguns deles carregados consigo pelas pessoas, muitos deles sendo muito grandes, de grande volume, e viajam com eles [...]” (JOBSON, 1999, p. 131). Estes dados indicam uma vida intelectual dinâmica na Senegâmbia, marcada pela busca por conhecimentos islâmicos e circulação de textos, destacadamente na produção constante de cópias do Alcorão, desde o século XVI.

Na busca por informações que possibilitem compreender os impactos da educação muçulmana, destacam-se os textos dos missionários jesuítas, em Cartagena de las Indias, e os processos inquisitoriais de Lisboa. Vários homens Wolof foram processados pelo Tribunal do Santo Ofício lisboeta por prática islâmica, em meados do século XVI. Preso no cárcere do tribunal, um sujeito chamado Francisco Jalofo afirmou que seus pais eram “[...] ambos da seita de Mafamede e que ele era também da dita seita de Mafamede e que era talhado3 e foi ensinado por seu pai e sua mãe e parentes na dita seita assim nas orações como nas mais cerimônias da dita seita de Mafamede [...]”4. A instrução islâmica também caracterizou a formação de Antônio Fernandes, muçulmano wolof processado em Lisboa sob acusação de blasfemar contra objetos sacros católicos, em 1553. Ao ser confrontado com um crucifixo, disse que “[...] aquele crucifixo não era Deus porque lhe parecia a ele que o olho do homem não podia ver Deus e porque Deus fizera a carne e o homem e o mundo e que [...] Deus não é feito como as coisas que ele fez e que isto lhe ensinaram em sua terra [...]”5. E mais:

Perguntado [sobre] antes de ser vendido para Portugal como se chamava e em que seita vivia e se é retalhado [i.e. circuncidado] e que orações sabia, disse que em sua terra se chamava Amaçambat e que era da seita de Mafamede e que Mafamede na sua terra se chama Hamat e que era retalhado de pequeno e que bem lhe lembra quando o retalharam e que sabia muitas orações de sua seita que lhe ensinaram em pequeno como que fazem aos meninos.6

Tais depoimentos apontam o papel da educação islâmica. Antes de tornar-se Antônio Fernandes, Amaçambat havia sido instruído nesta religião através da narrativa corânica, uma vez que o nome Hamat, conforme transcrito pelo inquisidor, expõe uma corruptela de Ahmad, o profeta Maomé anunciado por Jesus, no Alcorão: “E quando Jesus, o filho de Maria, disse: ‘Ó filhos de Israel, sou o Mensageiro que Deus vos enviou. Corroboro tudo quanto está na Torá e anuncio a chegada de um Mensageiro que virá depois de mim, chamado Ahmad [...]” (61, 6). No caso da resistência diante do crucifixo, a postura de Antônio Fernandes também é corroborada pelo Alcorão, que lhe foi ensinado na Senegâmbia, no qual se lê: “Dize: ‘Ele é o Deus único/Deus, o eterno refúgio./Não gerou nem foi gerado7./Ninguém é igual a Ele’” (112, 1-4). Noutra passagem corânica, Abraão clama a Deus, demandando: “Senhor meu, estende a segurança sobre esta terra e preserva-me e a meus filhos da adoração dos ídolos” (14, 35). Estes dados fortalecem a evidência da religiosidade islâmica wolof em vigência na África Ocidental e a circulação do Alcorão, seja por via escrita ou oral.

A constatação do conhecimento do Alcorão aponta os resultados concretos alcançados através da instrução nas escolas corânicas, espalhadas pela África Ocidental. Também indica o impacto da literacia na Senegâmbia. Bastiam, outro Wolof muçulmano processado em Lisboa, depôs perante o Tribunal do Santo Ofício, em 1553, e, ao ser “[...] perguntado se sabia ler o Alcorão dos mouros e se sabia escrever disse que sabe ler o Alcorão e assim sabia escrever [...]”8. Um século mais tarde, o comerciante cabo-verdiano Francisco de Lemos Coelho, após anos viajando pela Senegâmbia, notou grande quantidade de “letrados da lei”, formados nestas escolas. Sobre estes, disse que “[...] todos leem e escrevem a língua arábica [...]” (COELHO, 1990, p. 25), procedimento que lhes habilitava a realizarem pregações públicas sobre o Alcorão e as doutrinas jurídicas islâmicas. Foi esta prática que levou Bastiam a ser interrogado pela inquisição, em Lisboa. Portanto, a formação religiosa e a literacia alcançadas nas escolas corânicas, na África, possibilitavam a emergência de pregações públicas e de interpretações locais da religiosidade e jurisprudência muçulmana, que se espalhavam pelo Mundo Atlântico.

Tais conhecimentos subsidiavam as questões remetidas pelos muçulmanos wolofes aos missionários católicos, na África e na América. Alonso de Sandoval indica que, na primeira metade do século XVII, era significativa a presença islâmica em Cartagena de las Indias, motivando-o a dedicar grande atenção ao tema. Mais que isto, os depoentes no processo criado em favor da canonização do padre Pedro Claver também destacam a presença islâmica no Caribe espanhol. Claver foi um jesuíta que atuou no colégio inaciano de Cartagena de las Indias, dedicando-se à pregação do evangelho junto aos africanos recém-ingressos naquela cidade como escravos. Após sua morte, foi iniciado um processo canônico que buscou santificá-lo. A partir de 1657, dezenas de depoimentos foram coletados junto à população que havia convivido com ele. Uma das testemunhas ouvidas foi um homem escravizado chamado Diego Folupe. Ele descreveu a presença de muçulmanos africanos à sombra do colégio jesuíta, onde Pedro Claver “[...] os exortava com grande fervor a fazerem-se cristãos e deixar a falsa seita de Mafoma.” (PROCESO, 2002, p. 329). Outro intérprete, Ignácio, “de nação Angola”, declarou que padre Claver, “[...] com seu exemplo, admoestações e exortações, reduziu a três daqueles negros à nossa santa fé, provando-lhes com razões manifestas e claras a falsidade da seita de Mafoma que seguiam [...]” (PROCESO, 2002, p. 322).

Apesar dos esforços jesuítas pela conversão dos muçulmanos, nem todos os adeptos do Islã viventes naquela cidade procederam a tal proselitismo. É o que atesta o caso de um “negro velho chamado Amete”, conhecido na comunidade por ser “tão obstinado em sua seita de Mafoma” (PROCESO, 2002, p. 489). A ele soma-se Francisco de Jésus Yolofo, muçulmano conhecido e de fé reconhecida por Claver e demais jesuítas, a quem o batismo nunca foi formalmente imposto. No processo canônico, consta que o padre conviveu com o muçulmano “[...] por mais de trinta anos nesta cidade; e em todos eles sempre tratou de persuadi-lo com sua vida e palavras que deixasse a seita de Mafoma e seguisse nossa santa fé católica [...]” (PROCESO, 2002, p. 309). A resistência destes homens à conversão levou os jesuítas a buscarem compreender o Islã, rumo à efetividade da evangelização dos indivíduos escravizados. Já no continente africano, a expansão da escravização, a partir do século XVI, levou ao desenvolvimento de novas doutrinas jurídicas que dessem conta do fenômeno.

Conversão e escravidão: circulação de ideias jurídicas muçulmanas

A escravização dos muçulmanos negros foi um problema teórico, jurídico e social que ocupou a faixa saheliana entre os séculos XVI e XIX. Esta questão foi debatida por juristas africanos que evidenciaram os problemas causados pela ampliação da escravização que submetia as sociedades sul-saarianas. No início do século XVI, período em que se produziram as várias legislações espanholas proibindo a entrada de escravizados wolofes na América, a questão já preocupava os juristas muçulmanos. Makhlufal-Balbali, que nasceu no oásis de Tabalbala, no Saara setentrional, estudou em Walata e em Fez, no Marrocos, e ensinou jurisprudência islâmica em Kano, Katsina, Timbuktu e Marraquexe, emitindo fatwas (pareceres jurídicos) sobre o tema. Em sua interpretação, a lei islâmica, xaria, proibia a escravização de pessoas procedentes de terras muçulmanas. E asseverou: “[...] isto [escravização de muçulmanos livres] é uma grande catástrofe cujo infortúnio tem tido imenso efeito ao longo destas terras, neste tempo [...]” (BABA, 2000, p. 12).

Outro jurista de grande renome na África Ocidental foi Ahmad Baba al-Timbukti, que viveu entre 1556-1627. Nascido numa família tuaregue em Arawan, um oásis a 270 km ao norte de Timbuktu, era falante do idioma árabe, num momento em que o árabe se tornara uma língua franca na África islâmica. Em Timbuktu, Baba realizou seus estudos e seguiu os passos de seu pai. Procedente da linhagem Aqit, que ocupara posições de destaque nos círculos intelectuais e jurídicos daquela cidade, o autor teve refinada educação árabe islâmica e, em seguida, tornou-se professor, acadêmico e jurista. Em 1593, foi capturado pelo exército marroquino e enviado ao sultão Ahmed al-Mansur Saadi, após a conquista do Songhai pelo Marrocos. Levado a Marraquexe, permaneceu como cativo até 1607, quando lhe foi permitido que retornasse a Timbuktu. O tratado sobre a escravidão, Mi’raj al-Su’ud, foi finalizado em 1616, após Baba vivenciar o cativeiro por anos a fio (GRATIEN, 2013, p. 456-464). O texto teve grande longevidade na história intelectual do Sahel, mantendo-se como importante tópico de discussão ao longo dos séculos seguintes (HUNWICK, 1999; GARCÍA NOVO, 2011; HALL, 2011; GRATIEN, 2013; KANE, 2016; LOVEJOY, 2016).

O tratado foi elaborado em resposta a uma correspondência enviada por Sa’id b. Ibrahim al-Jirari, residente no oásis de Tuwat, atualmente na Argélia (HALL, 2011, p. 81). Al-Jirari mostrava-se preocupado com a licitude da escravização de negros diante das relações mantidas por eles com o Islã. A primeira questão que endereçou a Ahmad Baba foi “[...] o que você tem a dizer a respeito de escravos trazidos de terras cujos povos têm sido estabelecido serem muçulmanos, como as terras de Bornu, Afnu, Kano, Gao, Katsina e outras cuja aderência ao Islã é largamente reconhecida entre nós?” O centro do problema era: “[...] é lícito possuí-los, comprá-los e vendê-los conforme nossa vontade, ou não?” (BABA, 2000, p. 13) Todos estes elementos articulam-se em torno de uma questão: de acordo com a prescrição presente na xaria e evidenciada na resposta elaborada por Ahmad Baba, a escravidão compreende a marca do infiel.

A correspondência ente Al-Jirari e Baba gira em torno de como interpretar a xaria (BABA, 2000, p. 17). Uma vez que a escravidão é condição atribuída àqueles que não professam o Islã, esta marca deve ser compreendida como questão individual ou de foro coletivo, aplicada a uma sociedade? Quais as relações entre conversão e liberdade? Uma vez que a conversão realizada sob coerção não garante a liberdade, a adesão dos africanos negros ao Islã teria acontecido através de conquista e imposição da fé ou de forma espontânea? No primeiro caso, todos os negros estariam ligados à escravidão em função de sua linhagem ter sido previamente conquista por árabes e berberes muçulmanos? Ou, no caso de conversão voluntária e ausência de submissão dos povos negros, como distinguir fiéis e infiéis? Diante de dúvidas, a quem caberia o ônus da prova: o cativo deve provar ser muçulmano ou o proprietário deve demonstrar a licitude da posse? Por fim, Al-Jirari aborda o mito de Cam e o relaciona com o prescrito na xaria: como compatibilizar estas interpretações com o direito islâmico?

Tais questões remetem ao desenvolvimento de um debate teórico em torno de argumentos raciais mobilizados na organização social e intelectual saheliana, conforme demonstram os estudos de Bruce Hall (2011). O pesquisador aponta a existência de uma longa tradição intelectual no Sahel ligada à distinção entre grupos humanos a partir da ideia de raça, presente no uso local de conceitos como linhagem e descendência, utilizados para legitimar construções sociais, como a escravidão. Destaca-se que a noção de raça ou linhagem adquire consistência política e cultural à medida que o Islã avança e as populações africanas iniciam um processo de reconfiguração genealógica, buscando antepassados que as liguem diretamente à gênese da religião, entre os árabes. A condição de branco, árabe ou berbere, ainda que nem sempre ligada à cor, mas à herança genealógica e cultural, implica proximidade com Maomé e seus primeiros companheiros: índices de legitimidade na condução do Islã. Ser negro, neste contexto, indica o contrário e passa a ser interpretado como sugestão para submissão.

O debate entre Ahmad Baba e al-Jirari fornece elementos para abordar as relações entre questões sociais e discussões intelectuais concernentes à escravidão e seus impactos, na África e na América. Na análise do texto de Baba, John Hunwick (1999, p. 44) sugere que se note a distância entre o ideal da tratadística muçulmana e a prática social. Contudo, conforme argumenta Hall (2011, p. 24), o foco nos letrados e seus debates possibilita acessar o ambiente intelectual islâmico mais amplo. Ainda que estes intelectuais vissem a si mesmos como um estrato social à parte, suas opiniões foram produzidas a partir da sociedade em que viveram e sugerem algo sobre como a população muçulmana envolvente pensava a si própria. Além disso, as questões colocadas indicam a possibilidade de tratar-se de temas que circulassem pela região, além da esfera jurídica. Exemplo desse processo é o debate acerca do mito de Cam, que circulou pela África Ocidental tanto entre os juristas muçulmanos, como visto, quanto na oralidade cotidiana.

Este mito refere-se à narrativa comum ao corpus bíblico e corânico, na qual se descreve um dilúvio enviado por Deus para purgar os pecados da humanidade, reiniciando-a a partir da descendência de Noé. No Antigo Testamento bíblico, um dos filhos do patriarca, Cam, tem sua geração amaldiçoada por seu pai devido a uma atitude considerada desrespeitosa: Cam teria zombado da nudez de Noé, ao encontrá-lo embriagado (BÍBLIA, 2008). Em resposta, Noé teria amaldiçoado os filhos de Cam, condenando-os a serem escravos dos filhos de seus irmão: Sem e Jafet. Na tradição cristão (embora não no texto bíblico), a marca carregada pela descendência camita seria a cor negra da pele. No Alcorão, a maldição não aparece. Noé é mencionado na surata 71, que lhe leva o nome, e em outros momentos (passagens breves nas suratas 07:59-64, 11:25-49, 17:3 e 57:26). No Alcorão, Noé perde um filho descrente no dilúvio, ao contrário do descrito no Gênesis. O mito de Cam circulou entre os muçulmanos a partir da Torá judaica. Mas, Ahmad Baba observa: “[...] a maldição de Noé está na Torá, mas não há menção sobre negritude. Ele meramente o amaldiçoou [Cam, rogando que] seus filhos fossem escravos dos filhos seus irmãos, nada mais [...]” (BABA, 2000, p. 33).

O pesquisador beninense François de Medeiros argumenta que a atribuição da condição de negro a Cam decorreu de uma tradução da Bíblia cristã do hebraico para o grego, que associou Coush, herdeiro de Cam, a Aethiopia, palavra utilizada para identificar povos negros e, em sentido específico, atribuída ao reino de Coush, ao sul do Egito. Esta seria a origem da interpretação de Cam como negro e a cor da pele como marca da maldição enviada por Noé a seus netos, no cânone cristão (MEDEIROS, 1985, p. 44-51). Ahmad Baba, ao ser inquirido por al-Jirari acerca do mito camita, no século XVII, refutou-o através de numerosas observações e citações de outros intelectuais islâmicos. O jurista de Timbuktu recorreu a cânones clássicos da tradição intelectual muçulmana, como os trabalhos do acadêmico e viajante nascido na atual Túnis, em 1332, Ibn Khaldun. Este autor havia refutado o mito camita presente nas fontes cristãs e judaicas a partir da teoria dos climas, de origem grega pré-islâmica. Citando-o, Baba adverte al-Jirari: a cor negra da pele advém do calor excessivo presente na região, não de qualquer maldição (BABA, 2000, p. 33-34).

A conclusão de Ahmad Baba sobre a questão é taxativa: “[...] na verdade, qualquer infiel entre os filhos de Cam ou de qualquer outro pode ser possuído [como escravo] se permanecer vinculado à sua incredulidade original. Não há diferença entre uma raça e outra [...]” (BABA, 2000, p. 34-35). A narrativa corânica e a jurisprudência islâmica são interpretadas pelo autor através de um conjunto de referenciais acadêmicos islâmicos associados às experiências políticas oeste-africanas. Assim, para responder a al-Jirari sobre como proceder diante da dúvida acerca da legitimidade da escravidão, Baba sugere que se investigue a origem das pessoas escravizadas, analisando se procedem de terras reconhecidamente governadas por muçulmanos ou não. A resposta oferecida, através de uma listagem de povos caracterizados como muçulmanos ou infiéis, baseava-se na jurisprudência e numa etnografia regional, indicando povos que poderiam ser escravizados e outros que eram reconhecidamente professantes do Islã.

Aos objetivos deste artigo, interessa analisar como as informações presentes no debate circulavam pela África Ocidental. Como sugeriu Hunwick (1999, p. 44), a única forma de sabermos se a lei islâmica era seguida ou se a opinião pública era baseada em princípios teóricos é a investigação histórica de situações concretas. Para tanto, a interlocução entre a documentação procedente da África, América e Europa é indispensável. O debate sobre a xaria, presente no texto de Baba, é melhor compreendido quando associado às oralidades africanas inscritas nas fontes europeias e americanas. No tratado escrito em Cartagena de las Indias, Alonso de Sandoval apresentou um suposto diálogo ocorrido na Senegâmbia entre um muçulmano da Berberia e um bexerim local, informado por uma fonte oral. Este diálogo foi primeiro descrito pelo jesuíta português padre Baltazar Barreira, geral da missão de Cabo Verde, na carta ânua que, em 01 de janeiro de 1610, enviara ao provincial jesuíta de Portugal.

Estando na aldeia de Porto d’Ale, (atualmente Saly Portudal, próxima de Dakar), Barreira afirma que o homem berbere havia ido à região para vender couros e tratar uma questão com o bexerim: “[...] por que os Brancos eram livres, e os pretos eram seus escravos e os serviam [...]” (BRÁSIO, 1968, p. 383-384). A oralidade inscrita na documentação potencializa a busca por memórias e sentidos da escravidão, num esforço metodológico para acessar narrativas sobre o passado e a experiência escravista africana, além do prisma colonial (KLEIN, 1989; RODET, 2010). Assim, a resposta dada pelo bexerim, conforme transcrito por Barreira, lança luzes sobre entendimentos locais sobre a prática escravista: “[...] a razão é, disse o Bexerim: porque Deus criou primeiro os Brancos e depois os Pretos, os quais por serem derradeiros, mandou que servissem seus irmãos maiores [...]” (BRÁSIO, 1968, p. 383-384).

Esta evidência aponta o uso local de teorias jurídicas que circulavam pelo Saara e Sahel. Trata-se de uma interpretação da xaria capturada por Baltazar Barreira e reproduzida por Alonso de Sandoval que se coaduna com a variação de um hadith atribuído a Maomé e muitas vezes utilizado pela justificar a escravidão dos negros. Al-Jirari cita-o a Baba, referindo-se a um dito de Maomé:

Na mesma linha, está o conhecido hadith: “Seus irmãos são seus escravos. Deus os colocou sob a sua autoridade”, etc. Este e outros hadiths semelhantes devem ser interpretados como se referindo àquele que foi escravizado como um infiel? Em relação ao que é dito sobre o significado de suas palavras - que Deus o abençoe e lhe conceda paz: “Cuide dos negros [sudan]” e “Deus os coloca sob a sua autoridade”, isso diz respeito [apenas] àquele a quem a escravidão foi concomitante com sua descrença ou isso não é especificado? Em caso afirmativo, então, qual é o significado? Alguma indicação de tal significado é oferecida pelo Profeta - que Deus o abençoe e lhe conceda paz - ou não? (BABA, 2000, p. 17-18)

A oralidade capturada por Barreira coaduna-se com a transcrição do hadith enviado a Ahmad Baba ao apontar laços fraternais entre os escravos e seus mestres. Não obstante, na citação produzida por Al-Jirari, destaca-se a inversão dos termos que compõem o hadith, tal qual apresentado na Suna do profeta. Acima, lê-se “seus irmãos são seus escravos”. Porém, a referida passagem encontra-se na suna Sahih al-Bukhari, compilada por Muhammad Ibn Ismail al-Bukhari, onde se lê: “seus escravos são seus irmãos e Deus os colocou sob seu comando”. O texto continua, afirmando: “[...] aquele que tem um irmão sob seu comando deve alimentá-lo com aquilo que come e vesti-lo com o que veste. Não peça a eles (escravos) para fazerem algo além da capacidade deles (força) e, caso os peça, então os ajude [...]” 9. A inversão dos termos e a limitação da citação (que não traz o texto subsequente) implica uma transformação no sentido, que passa da ideia de igualdade e solidariedade entre mestre e escravo, no hadith, para a ideia de submissão entre membros de uma mesma linhagem, expressa por al-Jirari, ao referir-se a Cam e seus irmãos, filhos de Noé. Tal transformação torna possível associar o hadith ao mito camita, ao passo que a passagem presente na Suna, de fato, exclui essa possibilidade, ao suprimir a relação de parentesco como premissa da escravidão.

A abordagem do problema, portanto, excede a compreensão estrita da xaria. Ainda que o contexto jurídico islâmico seja reivindicado, é preciso, conforme defende Chouki el-Hamel (2013, p. 9), buscar os contextos sociais nos quais estas ideias de raça e escravidão se articularam com textos canônicos e interpretações específicas do Islã. Ao realizar este procedimento, nota-se que a ideia de que os negros descendem de Cam e, logo, compõem uma linhagem amaldiçoada e determinada à escravidão foi articulada por al-Jirari entrelaçando narrativas religiosas e uma variação específica de um hadith. A inversão na ordem dos termos “irmãos” e “escravos” transforma completamente o sentido da fala atribuída a Maomé: a complacência diante dos escravos dá lugar à submissão de um irmão. Apesar disto, a oralidade captada pelo padre Baltazar Barreira evidencia que esta inversão caracterizou uma forma de circulação do hadith ao longo da Senegâmbia, incorporando uma hierarquia entre velhos e jovens, expressa na figura dos dois irmãos inominados, que surgem na fala atribuída ao bexerim.

A função do irmão mais velho seria cuidar do mais novo, colocando-o sob sua autoridade. Portanto, a oralidade procedente do debate entre o berbere e o bexerim (possivelmente wolof, em decorrência da região onde se deu o contato) está de acordo com o hadith citado por al-Jirari: “cuidar dos negros” seria a incumbência do irmão mais velho, o branco, pois “Deus os colocou sob sua autoridade”. Assim, justifica-se a escravidão a partir de uma interpretação da xaria: “seus irmãos são seus escravos”. Nota-se, pois, uma atualização e simplificação do pensamento jurídico islâmico. Cabe observar que este movimento de ideias rompe os supostos limites entre uma cultura erudita e letrada de viés jurídico e outra popular, alheia àquela. Estes excertos expõem o trânsito de parte do debate teórico no qual Ahmad Baba tomou posição, em espaços e segmentos sociais bastante distintos dos círculos acadêmicos de Timbuktu. Tal circulação de ideias indica a constituição de um ambiente jurídico baseado na produção de interpretações da xaria, na Senegâmbia, já no início do século XVII.

Ahmad Baba, continuando sua abordagem sobre a ilicitude da escravização de muçulmanos negros, respondia a outro questionário, esse enviado pelo marroquino Yusuf b. Ibrahim al-Isi, da aldeia de Sus, sobre os mesmos temas. Neste documento, destacou uma série de patronímicos mandingas reconhecidamente muçulmanos e reconheceu a presença de juristas muçulmanos entre os Wolof na Senegâmbia, afirmando que “[...] sobre os Wolof, eles são, de acordo com o que temos ouvido e, na verdade, têm sido confirmados, muçulmanos, entre os quais há acadêmicos, juristas e pessoas que memorizaram o Alcorão [...]” (BABA, 2000, p. 46). A definição de povos Wolof como muçulmanos legítimos tem apenas uma interpretação possível no contexto do Mi’raj al-Su’ud: é proibido escravizá-los, de acordo com a interpretação da xaria mobilizada por Baba. Ademais, o autor evidencia a participação Wolof no cenário intelectual islâmico oeste-africano, ao apontar juristas, acadêmicos e memorizadores do Alcorão nesta população. Tais títulos somente poderiam ser obtidos através da educação islâmica superior, realizada nas madrassas ou universidades muçulmanas.

Na Senegâmbia, precisamente no Estado do Caior, há notícias de que uma importante madrassa fora estabelecida na aldeia de Pir (atual Tivaouane, no Senegal). No entanto, os estudos mais aprofundados do tema sugerem que ela apenas tenha começado a funcionar na segunda metade do século XVII (KA, 2002). Portanto, posteriormente à produção do tratado de Baba. Esta cronologia suscita a questão: onde os juristas wolofes teriam se formado e como Baba tomou notícias de sua prática religiosa e jurídica, exercida na bacia dos rios Senegal e Gâmbia?

A opinião de Baba sobre os Wolof baseava-se em conhecimento direto, uma vez que Timbuktu e sua principal universidade, ou madrassa, eram frequentadas por estes homens. Abderramane Es-Sadi, autor do Tarikh es-Soudan, concluído em c. 1653-1656, afirma que, no século XVI, “[...] a cidade [de Timbuktu] estava cheia de estudantes sudaneses [sudan, ou seja, negros], pessoas do oeste cheias de ardor pela ciência e pela virtude [...]” (ES-SA’DI, 1900, p. 78). Timbuktu tornava-se um centro regional difusor de conhecimentos islâmicos. Seu incremento intelectual atraía estudantes oriundos do Magrebe, Sahel e da Senegâmbia, a oeste desta cidade, interessados em estudos da doutrina islâmica. Es-Sadi, após tratar da presença de estudantes negros, complementa: “[...] os povos do Jolof [o maior dos Estados Wolof até o século XVI] são sudaneses [portanto, negros] [...]” e “[...] Deus, por graça especial, dotou-os com um temperamento generoso, inspirou-lhes belas ações e uma conduta digna de elogios [...]” (ES-SA’DI, 1900, p. 127-129). Portanto, as informações procedentes de Abderramane Es-Sadi indicam que intelectuais Wolof estavam presentes nos grandes circuitos letrados muçulmanos da África Ocidental. Esta informação, por sua vez, subsidia o entendimento da afirmação de Ahmad Baba sobre o exercício da justiça islâmica na Senegâmbia.

Não obstante, as respostas dadas à questão sobre a licitude da escravidão negra por Baba e pelo bexerim divergiram: ao passo que Baba recusou a interpretação que legitimava a escravização aplicada aos negros, o bexerim wolof a teria aceitado e divulgado, em acordo com a sustentação jurídica apresentada por al-Jirari. O que se evidencia, portanto, é um amplo espaço de produção e circulação de ideias por meio de redes sociais, que conectavam a elite acadêmica saheliana às pequenas comunidades muçulmanas da Senegâmbia. Uma vez que, ao finalizar seus estudos nos centros difusores dos saberes islâmicos, muitos estudantes retornavam às suas aldeias e iniciavam suas próprias escolas corânicas (SANNEH, 1979, p. 18-21; LAPIDUS, 2002, p. 413; GOMEZ, 1992, p. 28), a dispersão da cultura intelectual e jurídica associava-se, também, à mobilidade destes estudantes. Assim, instituíam-se níveis de circularidade entre a cultura jurídica e a prática corrente. Cabe lembrar que, na Senegâmbia, a presença das escolas é largamente descrita nas crônicas europeias do século XVII, conforme demonstrado acima, ampliando a difusão e os debates em torno da xaria, do Alcorão e da constituição do Islã. Portanto, diferentes interpretações jurídicas estiveram presentes entre os muçulmanos africanos, apontando os conhecimentos locais sobre o Alcorão e os hadiths. Estes, por sua vez, passariam ao Mundo Atlântico junto com seus portadores, como os indivíduos Wolof escravizados na América e na Europa.

Resistências ao catolicismo e à escravidão: um princípio corânico

O principal meio de difusão dos saberes islâmicos entre populações que não dominavam as habilidades de leitura e escrita, como dito, foi a pregação pública. O jesuíta padre Manuel Álvares descreveu a visita de um bexerim mandinga a uma aldeia próxima ao cabo Verde, atual Dakar. Segundo o inaciano, o bexerim iniciava a pregação com a leitura do Alcorão, diante de uma grande comunidade de ouvintes, que “[...] faz grandes gestos de reverência para ele”. Durante todo o procedimento, o público é descrito como altamente atencioso e interessado no ato. O jesuíta descreveu a performance do pregador muçulmano:

Pondo-se em pé, levanta as mãos e olhos aos Céus e, depois de estar desta maneira um pedaço, como se estivera em contemplação, prostra-se por terra diante das Bulas infernais [o Alcorão]. Logo, lhe faz grandes reverências. Acabadas elas, se levanta e diz em voz alta que deem todos graças a Deus e a seu grande Profeta pelo mandar convidar com o perdão de seus grandes pecados e outras várias arengas em louvor do demônio. Depois, engrandece a doutrina dos Pergaminhos, pedindo atenção, o que eles cumprem tão bem que, gastando o Ministro mais de duas horas em ler e declarar parte da Escritura, não há quem fale nem durma nem bulha consigo, não tirando nunca os olhos dele o grande auditório. Estes Mozes e Sequazes da Seita tão afeiçoados os traz o diabo ao falso Profeta que nem por estar a Casa [de Meca] longe, deixa de ser visitada, lá vão peregrinando por terras estrangeiras, feitos uns pregadores do inferno (ÁLVARES, 1616, p. 11-12).

A passagem registrada por Manuel Álvares, na Senegâmbia, é repleta de proselitismo católico, embora permita entrever o desenvolvimento da cultura islâmica, na África. Através do texto do jesuíta, evidencia-se que a cultura letrada muçulmana tinha circulação mais ampla que o acesso imediatamente disponível àqueles que dominavam a leitura. Hall (2011, p. 21) utiliza o conceito de “literacy awareness” para indicar que o número de pessoas integradas em sentido amplo aos debates intelectuais era maior que a parcela da população que, efetivamente, lia e escrevia. Acrescenta-se que a leitura pública, como exposto acima, e as conversas informais, como a oralidade captada por Baltazar Barreira, foram importantes aspectos dessa questão, influenciando no desenvolvimento de uma cultura letrada que também teve transmissão oral (DIAS, 2005, p. 134-135). Em fluxo contrário, o aspecto dialético da relação possibilitou que questões concernentes às necessidades, interesses e dúvidas da população ordinária alcançassem os setores letrados e mobilizassem agendas e debates teóricos e jurídicos.

O elo entre a comunidade local e a intelligentsia islâmica estabelecida nos grandes centros devocionais e educacionais, como Timbuktu, era os estudantes que, após se formarem, tornar-se-iam pregadores e referências religiosas em suas comunidades. Uma vez instituídos bexerins, passavam a ser reconhecidos como portadores e divulgadores do Alcorão (WARE III, 2014), como o fora Bastiam, visto no início deste artigo: o homem wolof que conhecia o livro sagrado, sabia ler e escrever em árabe, processado pela inquisição de Lisboa. Eram estes sujeitos que potencializavam a expansão geográfica e social do Islã, bem como das instruções normativas da vida social e pessoal associadas às determinações estabelecidas nas interpretações da xaria. A prática itinerante dos bexerins e as reconhecidas peregrinações a Meca, procedentes da Senegâmbia, permitiam que a porção atlântica da África Ocidental estivesse a par do que se discutia no mundo islâmico (MOTA, 2016a, p. 308-314).

O conhecimento religioso derivado da pregação pública e da capacidade de leitura excedeu a Senegâmbia e pode ser encontrado nas trajetórias de vida dos muçulmanos Wolof ao redor do Mundo Atlântico. Diante de sua condição religiosa e das evidências da circulação do Alcorão e da cultura jurídica muçulmana na África Ocidental, de forma escrita e oral, uma possibilidade interpretativa acerca das resistências destes indivíduos à escravidão e à conversão ao catolicismo, apresentadas no início deste artigo, é a consideração de que, na América e na Europa, interessava-lhes zelar por sua alma, a partir das orientações islâmicas. Essa hipótese é afim à narrativa do franciscano francês Alexis de Saint-Lô, que atuou na Senegâmbia na década de 1630. O missionário deparou-se com forte crença na unidade e onipotência divina, ao afirmar que “todos, sem exceção, creem em um só Deus, o qual fez todas as coisas”. Em seguida, argumenta que “[...] eles creem que há um fogo dentro da terra para os maldosos, e que aqueles que fazem o bem vão ver Deus depois de sua morte. Mas aqueles que matam, roubam e cometem adultério vão com Cameté, que quer dizer com o Diabo [...]” (SAINT-LÔ, 1637, p. 29-30), evidenciando a compreensão local da narrativa corânica sobre o inferno.

A crença na unidade divina, expressa na profissão de fé islâmica na qual se diz “há somente um Deus” é apreendida pelo franciscano. Sobre a constituição do Inferno e sobre aqueles que lhe são enviados, o Alcorão é esclarecedor em diversas passagens. Numa delas, lê-se: “Por certo, aqueles que renegam a Fé e são injustos, não é admissível que Deus os perdoe nem os guie a caminho algum. Exceto ao caminho do Inferno, onde morarão eternamente [...]” (ALCORÃO, 1978, p. 168-169). E mais: “Por certo, Deus amaldiçoou os que renegam a Fé, e preparou-lhes um Fogo ardente, onde morarão eternamente [...]”10 (ALCORÃO, 1978, p. 64). Portanto, a morada de fogo descrita pelos Wolof muçulmanos a Saint-Lô também se aplicaria àqueles que renegassem a religião e se convertessem ao catolicismo. O conhecimento da narrativa corânica sobre o inferno por parte dos muçulmanos da Senegâmbia auxilia na compreensão da resistência deles ao projeto catequizador cristão, na América e na Europa. Munidos com o conhecimento do Alcorão, muitos muçulmanos ter-se-iam recusado à conversão. Em Lisboa, Francisco Jalofo declarava, diante do Tribunal da Inquisição, “[...] que não há senão um só deus nos céus e que a lei de Mafamede é boa [...] para salvar sua alma nela [...]”11. A identidade religiosa aponta a continuidade da fé muçulmana na diáspora africana.

Dessa forma, a resistência à escravidão, que motivou as várias cédulas reais publicadas por Castela, proibindo a entrada de indivíduos Wolof no Novo Mundo, associa-se à manutenção da identidade muçulmana no Mundo Atlântico. Tal resistência pode ser compreendida através da mobilização da teoria jurídica islâmica, ao reconhecer a escravização como um atributo do infiel. De forma análoga ao estudo de Jennifer Lofkrantz e Olatunji Ojo (2012), não se trata de apontar uma oposição africana ao regime escravista. Antes, evidenciam-se construções locais que reconhecem a legalidade e reivindicam a ilegalidade (ou a imoralidade) da escravização de pessoas ou grupos de pessoas que, na perspectiva jurídica local, estariam imunes a esta condição. A ilegitimidade atribuída a este estatuto e a desqualificação imposta pela condição de cativo aplicada a um muçulmano são indícios de que a observação proferida por Baba pode ter circulado entre os povos Wolof. Conforme o jurista, “[...] a causa da escravidão é a incredulidade. Qualquer escravo que é possuído por outra pessoa é uma prova de ter sido feito cativo, ou ele ou seus antepassados [...]” (BABA, 2000, p. 38).

Uma vez que a escravidão seria interpretada como prova da incredulidade, os muçulmanos escravizados estariam privados do convívio entre os crentes e tinham sua própria condição enquanto fiel invalidada. Tornavam-se, pois, sujeitos ao prescrito na narrativa corânica: “Deus prometeu aos hipócritas e às hipócritas e aos descrentes e às descrentes o fogo de Geena onde permanecerão para todo o sempre. Deus os amaldiçoou e seu castigo não terá fim [...]” (ALCORÃO, 1978, p. 68). De acordo com esta interpretação, a escravidão atlântica não seria vista pelos muçulmanos, como defendia o jesuíta padre Alonso de Sandoval, como um percurso para a salvação da alma. Ao contrário, era o selo que os endereçava à danação eterna. Isto lança luzes sobre a resistência do “negro velho chamado Hamet”12, o obstinado muçulmano Wolof que viveu em Cartagena de las Indias, em meados do século XVII. O jesuíta padre Hernando Cabero, na carta ânua escrita em 20 de fevereiro de 1660, conta que um conhecido de Hamet, passando por ele na rua, ter-lhe-ia perguntado: “[...] vem cá, Hamet, por que você não quer ser cristão? Por que não quer se batizar?” Como resposta, recebeu de Hamet: “para que me batizar! Ande, deixe-me...”13.

Considerações finais

Os significados da escravidão para os muçulmanos Wolof, no século XVII, estiveram diretamente ligados à interpretação da xaria. Baba argumentava que ser escravo era um atributo dos infiéis, independentemente de sua procedência. O bexerim wolof apresentado por Barreira aceitava uma variação do hadith que estabelecia hierarquias entre brancos e negros, amparadas em descrições do cânone islâmico e de leituras do mito camita que circulavam pela região. Tais interpretações, ainda que conflitantes, resultaram de um animado ambiente intelectual muçulmano na Senegâmbia, marcado pelas escolas corânicas. Estas foram locus privilegiado da produção e do movimento de ideias islâmicas, potencializando a formação religiosa de muitos sujeitos que, uma vez escravizados, dispersaram e aplicaram estes conhecimentos ao longo do Mundo Atlântico. Na América e na Europa, estes homens vieram a se tornar índices de resistência ao regime escravista e à conversão ao catolicismo, como demonstrado. Enfrentaram jesuítas e inquisidores e defenderam a validade do Islã e dos princípios corânicos, que lhes permitiriam acessar a salvação de suas almas. Todas essas posições resultaram da formação anterior que viveram no continente africano. Nota-se, portanto, que o Islã estava altamente desenvolvido na Senegâmbia, já nos séculos XVI e XVII.

Referências

AL-BUKHARI, Muhammad Ibn Ismail. Sahih al-Bukhari. [S.l]: [s.n]. Disponível em: https://sunnah.com/bukhari/2/23. Acesso em: 18 abr. 2019.

ALMADA, André Álvares de. Tratado Breve dos rios da Guiné do Cabo Verde dês do Rio de Sanagá até os baixos de Santa Ana de todas as nações de negros que há na dita costa e de seus costumes, armas, trajos, juramentos, guerras. Feito pelo capitão André Álvares d’Almada natural da Ilha de Santiago de Cabo Verde prático e versado nas ditas partes. Ano 1594. In: BRÁSIO, Antônio (org.). Monumenta Missionaria Africana. África Ocidental (1570-1599). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1964. v. 3.

ÁLVARES, Manuel. Etiópia Menor e Descrição Geográfica da Província da Serra Leoa composta pelo Padre Manuel Álvares da Companhia de Jesus estando assistente na mesma província da Serra Leoa que não concluiu nem pôs a limpo por causa do seu falecimento no ano de 1616. Copiada do próprio original que se conserva no Real Convento de São Francisco da Cidade de Lisboa. S.d. Manuscrito disponível na Sociedade de Geografia de Lisboa, Res.3 E-7

ARQUIVO Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa, processos 4031, 10832 e 12047.

BABA, Ahmad. Mi’raj al-Su’ud: Ahmad Baba’s Replies on Slavery. Tradução Fatima Harrak, John Hunwick. Rabat: Institute of African Studies, 2000.

BÍBLIA Sagrada. Gênesis. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2008.

BOULÈGUE, Jean. Les Royaumes Wolof dans l’espace Sénégambien (XIIIe-XVIIIesiècle). Paris: Éditions Karthala, 2013.

BRÁSIO, Padre Antônio (org.). Monumenta Missionaria Africana, África Ocidental (1600-1622). Lisboa: Agência Geral do Ultramar , 1968. v. 4.

BRÁSIO, Padre Antônio (org.). Monumenta Missionaria Africana, África Ocidental (1651-1684). Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1991. v. 6.

CABALLOS, Esteban Mira. Los prohibidos en la emigración a América (1492-1550). Estudios de historia social y económica de América, Madri, ano 10, n. 12, p. 37-53, 1995.

CIRCUNCIDAR. In: SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da lingua portugueza - recompilado dos vocabularios impressos ate agora, e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescentado. Lisboa: TypographiaLacerdina, 1789. p. 399.

COELHO, Francisco Lemos. Descrição da Costa da Guiné desde o Cabo Verde athe Serra LeoacomTodas Ilhas e Rios que os Brancos Navegam. Feito por Francisco de Lemos Coelho no anno de 1669. In: PÉRES, Damião (org.). Duas descrições seiscentistas da Guiné. Lisboa: Academia Portuguesa da História , 1990.

CURTIN, Philip. Jihad in West Africa: Early phases and Inter-Relations in Mauritania and Senegal. The Journal of African History, New York, v. 12, n. 1, p. 11-24, 1971.

DIAS, Eduardo Costa. Da escola corânica tradicional à escola Arabi: um simples aumento de qualificação do ensino muçulmano na Senegâmbia? Cadernos de Estudos Africanos, Lisboa, ano 6, n. 7/8, p. 125-155, 2005.

DIOUF, Sylviane. Servants of Allah: African Muslims Enslaved in the Americas. New York: New York University Press, 2013.

EL-HAMEL, Chouki. Black Morocco: A History of Slavery, Race and Islam. New York: Cambridge University Press, 2013.

ES-SA’DI, Abderrahmane Ben Abdallah Ben ‘Imran Ben’ Amir. Tarikh es-Soudan. Tradução de O. Houdas. Paris: Ernest Leroux Éditeur, 1900.

FAJARDO, José del Rey; GUTIÉRREZ, Alberto. Cartas anuas de la provincia del Nuevo Reino de Granada: años 1638 a 1660. Bogotá: Editorial Pontificia Universidad Javeriana, 2014.

GABY, Jean-Baptiste. Relation de la Nigritie: contenant une exacte description de sés royaumes et de leurs gouvernements, la religion, les moeurs, coustumes et raretez de ce païs, avec la découverte de la rivière du Senega, dont on a fait une carte particulière. Paris: Chez Édme Couterois, 1689.

GARCÍA NOVO, Marta. Islamic law and slavery in pre-modern West Africa. Journal of World History, Barcelona, ano 1, n. 2, 2011.

GOMEZ, Michael. Pragmatism in the Age of Jihad: the pre-colonial state of Bundu. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.

GOMEZ, Michael. Black crescent: the experience and legacy of African Muslims in the Americas. New York: Cambridge University Press, 2005.

GRATIEN, Chris. Race, slavery and Islamic law in the early modern Atlantic: Ahmad Baba al-Tinbukti’s treatise on enslavement. The Journal of North African Studies, Tucson, v. 3, n. 18, p. 454-468, 2013.

HALL, Bruce. A History of Race in Muslim West Africa, 1600-1960. New York: Cambridge University Press, 2011.

HUNWICK, John. Islamic Law and Polemics over Race and Slavery in North and West Africa (16th-19th Century). In: MARMON, Shaun (ed.). Slavery in the Islamic Middle East. Princeton: Markus Wiener Publishers, 1999. p. 43-68.

JOBSON, Richard. The Golden Trade: or, A Discovery of the River Gambia. In: GAMBLE, David (org.); HAIR, Paul Edward Hedley (org.). The Discovery of River Gambia by Richard Jobson. Londres: The Hakluyt Society, 1999.

KA, Thierno. École de Pir Saniokhor: Histoire, Enseignement et Culture arabo-islamique au Sénégal du XVIIIe au XXe siècle. Dakar: Publié avec le concours de la Fondation Cadi Amar Fall à Pir, 2002.

KANE, Ousmane Oumar. Beyond Timbuktu: An Intellectual History of Muslim West Africa. Cambridge: Harvard University Press, 2016.

KLEIN, Martin. Social and economic factors in the Muslim Revolution in Senegambia. The Journal of African History, New York, v. 13, n. 3, p. 419-441, 1972.

KLEIN, Martin. Studying the History of Those Who Would Rather Forget: Oral History and the Experience of Slavery. History in Africa, New York, v. 16, p. 209-217, 1989.

LA COURBE, Michel. Premier Voyage du Sieur de La Courbe fait à la costa d’Afrique en 1685. Paris: Société de l’Historie des Colonies Françaises, 1913.

LAPIDUS, Ira. Islam in Sudanic Savannah and Forest West Africa. In: LAPIDUS, Ira. A History of Islamic Societies. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. p. 588-606.

LOFKRANTZ, Jennifer; OJO, Olatunji. Slavery, Freedom, and Failed Ransom Negotiations in West Africa, 1730-1900. The Journal of African History, New York, v. 53, n. 1, p. 25-44, 2012.

LOVEJOY, Paul. Jihad in West Africa during the Age of Revolutions. Athens: Ohio University Press, 2016.

MEDEIROS, François de. L’Occident et l’Afrique (XIIIeet XVesiècle): images et representations. Paris: Editions Karthala, 1985.

MELLAFE, Rolando. La introduccion de la esclavitud negra en Chile: trafico y rutas. Santiago: Universidad de Chile, 1959.

MOTA, Thiago Henrique. Portugueses e Muçulmanos na Senegâmbia: história e representações do Islã na África (c.1570-1625). Curitiba: Editora Prismas, 2016a.

MOTA, Thiago Henrique. “Sobre o Alcorão e por Maomé”: Islã, produção intelectual e capital cultural na Senegâmbia (séculos XVI e XVII). In: REIS, Raissa Bréscia dos; RESENDE, Taciana Almeida Garrido de; MOTA, Thiago Henrique. Estudos sobre África Ocidental: dinâmicas culturais, diálogos atlânticos. Curitiba: Editora Prismas, 2016b. p. 35-69.

MOTA, Thiago Henrique. Instrução islâmica na Senegâmbia e práticas de muçulmanos africanos em Portugal: uma abordagem atlântica (séculos XVI e XVII). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 30, n. 60, p. 35-54, 2017a.

MOTA, Thiago Henrique. Os pregadores do Alcorão de Mafoma e as missões europeias na Senegâmbia: desafios islâmicos ao proselitismo católico, século XVII. Revista África(s), Alagoinhas, v. 4, n. 8, p. 11-31, 2017b.

MOTA, Thiago Henrique. Múltiplos de papel e marfim: Islã, cultura escrita e comércio atlântico na Senegâmbia (séculos XVI e XVII). In: SANTOS, Vanicléia Silva; PAIVA, Eduardo França; GOMES, René Lommez. O comércio de marfim no Mundo Atlântico: circulação e produção (séculos XV a XIX). Belo Horizonte: Clio Gestão Cultural e Editora, 2017c. p. 68-95.

O ALCORÃO. Tradução de Mansour Challita. Rio de Janeiro: Associação Cultural Internacional Gibran, 1978.

PROCESO de beatificación y canonización de san Pedro Claver. Tradução Anna María Splendiani, Túlio Aristizábal. Bogotá: Centro Editorial Javeriano, 2002.

REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil: A História do Levante dos Malês em 1835. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

RODET, Marie. Mémoires de l’esclavage dans la région de Kayes, histoire d’une disparition. Cahiers d’Études africaines, Paris, ano 50, n. 197, p. 263-291, 2010.

SAINT-LÔ, Alexis de. Relation du Voyage du Cap-Vert par le R. P. Alexis de S. Lô, Capucin. Paris: [s.n], 1637.

SANDOVAL, Alonso de. De Instauranda Aethiopum Salute - Natvraleza, Policia Sagrada i Profana, Costvmbres i Ritos, Disciplina I Catechismo Evangelico de todos Etiopes, Por el Pe. Alonso de Sandoval natvral de Toledo, de la Compañia de Jesvs, Rector del Collegio de Cartagena de las Indias. Sevilha: Francisco de Lira Impressor, 1627.

SANNEH, Lamin. The Jakhanke: The History of an Islamic Clerical People of the Senegambia. London: International African Institute, 1979.

SANNEH, Lamin. Beyond Jihad: The Pacifist Tradition in West African Islam. New York: Oxford University Press, 2016.

SMITH, H. F. C. A neglected theme of West African History: the Islamic Revolutions of the 19th Century. Journal of the Historical Society of Nigeria, Ibadan, v. 02, n. 02, p. 169-185, 1961.

WALZ, Terence. The Paper Trade of Egypt and the Sudan in the Eighteenth and Nineteenth Centuries and its Re-export to the Bilād as-Sūdān. In: KRATLI, Graziano; LYDON, Ghislaine. The Trans-Saharan Book Trade: manuscript culture, Arabic literacy and intellectual history in Muslim Africa. Boston: Brill, 2011. p. 73-107.

WARE III, Rudolph. The Walking Qur’an: Islamic Education, Embodied Knowledge, and History in West Africa. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014.

WINTERS, Clyde-Ahmad. Afro-American Muslims - from slavery to freedom. Islamic Studies, Paquistão, v. 17, n. 4, p. 187-205, 1978.

Notas

1 Os termos que, hoje, indicam nomes étnicos, como Wolof e Mandinga, são grafados com iniciais maiúsculas quando têm a função de substantivo ou adjetivo pátrio. Nestes casos, não sofrem flexão de número ou gênero. Quando têm função adjetiva, são flexionados conforme regras da língua portuguesa.
2 Os termos Mafoma, Mafamede e Maomé são latinismos presentes nos idiomas português e espanhol, utilizados para exprimir o nome árabe Mohammed. O texto referenciado encontra-se em espanhol e todas as citações diretas presentes neste artigo são traduções do autor. O mesmo procedimento aplica-se à documentação em língua inglesa e francesa. Já os textos em árabe foram consultados em publicações traduzidas para o inglês e/ou francês que, por sua vez, também tiveram as citações selecionadas traduzidas para o português pelo autor.
3 “Circuncidar: v. at. talhar o prepúcio por motivo religioso ou outro [...]”; “Circuncidado: p. pass. de circuncidar. Fanado, que tem o prepúcio talhado [...]” (SILVA, 1789, p. 399).
5 ANTT, Inquisição de Lisboa, processo 10832, fl. 6.
6 ANTT, Inquisição de Lisboa, processo 10832, fl. 5.
7 Grifo meu.
8 ANTT, Inquisição de Lisboa, processo 12047, fl.3.
9 AL-BUKHARI, Muhammad Ibn Ismail. Sahih al-Bukhari, livro 2, hadith 23. Disponível em: <https://sunnah.com/bukhari/2/23>. Acesso em: 17 jun. 2018.
10 Grifo do autor.
11 ANTT, Inquisição de Lisboa, processo 4031, fl.06.
12 As grafias Amete e Hamet decorrem da forma distinta como o nome aparece no processo de canonização de Claver e na carta ânua. Apesar disso, referem-se à mesma pessoa.
13 CABERO, Hernando. Relación Annua de la província del Nuevo Reino de Granada desde el año de 1655 hasta el de 1660 (FAJARDO; GUTIÉRREZ, 2014, p. 355).

Autor notes

E-mail: thiago.mota@ymail.com

HMTL gerado a partir de XML JATS4R por