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Infanticídio e tentativa de “morte de si mesmo”: atos extremos no universo escravista
Roberto Radünz; Renata Siuda-Ambroziak
Roberto Radünz; Renata Siuda-Ambroziak
Infanticídio e tentativa de “morte de si mesmo”: atos extremos no universo escravista
Infanticide and attempt of “self-death”: extreme acts in the context of slavery
Anos 90, vol. 28, e2021014, 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em
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RESUMO: Este artigo propõe uma análise do discurso histórico-sociológico-cultural a respeito da escravidão no Brasil a partir de determinados processos-crimes que envolvem sujeitos escravizados negociando sua condição cativa. Esses processos estão acervados no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS) e apresentam o seguinte binômio: infanticídio e tentativa de suicídio. Eles tratam de mães escravas que em momentos diferentes mataram seus filhos e depois tentaram suicídio. Nesses processos, existem alegações de possessão demoníaca e outras argumentações semelhantes que foram usadas para tentar explicar esse ato-limite. Em todos esses casos, o fio condutor é a violência presente na cultura escravista que marcou o Brasil e que, de certa forma, não foi superada pela Abolição da Escravatura de 1888.

PALAVRAS-CHAVE: Escravidão, Infanticídio, Suicídio, Violência.

ABSTRACT: This article proposes a historic-sociologic-cultural discourse analysis regarding the slavery in Brazil through determined criminal judicial procedures that concern enslaved subjects negotiating their captive condition. These procedures are archived in the Public Archive of Rio Grande do Sul State (APERS) and they present the following binominal: infanticide and suicide attempt. They refer to slave mothers that in different moments killed their own children and then attempted suicide. In these procedures there are allegations of demonic possession and other similar argumentations that were used to try to explain this limit act. In all of these cases, the common thread is the violence present in the enslaving culture that marked Brazil and that, to a certain degree, was not overcome by the Abolition of Slavery in 1888.

KEYWORDS: Slavery, Infanticide, Suicide, Violence.

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ARTIGO

Infanticídio e tentativa de “morte de si mesmo”: atos extremos no universo escravista

Infanticide and attempt of “self-death”: extreme acts in the context of slavery

Roberto Radünz
Universidade de Caxias do Sul, Brasil
Renata Siuda-Ambroziak
Universidade de Varsóvia, Polônia
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Anos 90, vol. 28, e2021014, 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em

Received: 27 September 2020

Accepted: 30 May 2021

Considerações iniciais

Os estudos da escravidão encontram nos processos judiciais fontes riquíssimas de pesquisa, que permitem ao historiador produzir narrativas a respeito das relações escravistas. No Estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, esses processos estão acervados no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS) e podem ser consultados por pesquisadores, a partir de um agen- damento prévio. Através de publicações disponíveis no site da Instituição, é possível ter acesso a uma súmula dos processos, o que facilita muito a busca de documentos no acervo. Esse arranjo apresenta processos por comarcas, desde o final do período colonial até a abolição da escravidão. Com essa súmula, o pesquisador pode selecionar temáticas, regiões, tipologias de crime, ações judiciais e outros recortes de pesquisa.

Utilizando-se de processos do APERS, esse artigo busca analisar situações-limite envolvendo mães escravas e seus respectivos filhos. Em dois casos, com temporalidades distintas, mulheres escravas cometeram infanticídio e tentaram suicídio (“morte de si mesmo”). O primeiro caso em questão ocorreu em Porto Alegre, em 1819, onde Maria utilizou uma navalha para degolar seus dois filhos, Manoela, de dois anos e meio, e Manoel, de cinco anos. No segundo processo, que ocorreu em 1881, no Distrito do Couto, em Rio Pardo, importante cidade do Brasil meridional, Leopoldina atentou contra a vida de sua filha de nove meses.

Os processos foram selecionados para esse artigo levando em consideração alguns critérios: 1. A questão da temporalidade, ou seja, os processos estão situados cronologicamente no início e no fim do período imperial escravista, respectivamente em 1819 e 1881. O que se pretende com esse recorte temporal é analisar as permanências e as rupturas nessas ações-limite de crime. 2. Localização geográfica: os dois processos ocorrem no Brasil meridional, onde as relações de pro- dução são semelhantes, no que se refere à utilização dos escravos que atuam na lida de gado, na plantação de subsistência e nas atividades domésticas. 3. As razões alegadas para o infanticídio evocam argumentos relativos à loucura, à possessão demoníaca, ao desvio de conduta, etc. No entanto, nos dois casos, a violência do sistema escravista, silenciada nos processos-crime, brota nas entrelinhas do registro do escrivão, mesmo com todos os filtros que caracterizavam esse registro.

Vale lembrar que esse tipo de documentação não foi produzido com o objetivo de se tornar uma fonte histórica, por isso alguns cuidados devem ser tomados em termos de metodologia, pois “os processos judiciais são fundamentalmente fontes oficiais, produzidas pela justiça” (GRINBERG, 2009, p. 126). No mesmo sentido, é preciso alertar que “o objetivo primeiro da produção do documento não é a reconstrução do acontecimento - o que de resto jamais poderia ser - mas busca produzir uma verdade” (GRINBERG, 2009, p. 128), que o historiador faz ao lidar com esse material empírico.

A busca pela aproximação desses dois casos exige a explicitação do referencial metodológico e de análise. A base empírica deste artigo é composta por dois processos-crime, envolvendo Maria e Leopoldina. O primeiro processo1, de 1821, tem 81 páginas e o segundo2, de 1881, tem 91 páginas, que foram devidamente digitalizadas no acervo do APERS e posteriormente transcritas.

O pesquisador que trabalha com processos-crime deve ter consciência de que a fonte foi produzida a partir de depoimentos orais e que há notáveis diferenças entre a língua falada e a língua escrita. Na transposição do oral para o escrito, as palavras podem ter variado de forma e de conteúdo (RADÜNZ; VOGT, 2012). Assim, na passagem do oral para o escrito não se opera uma simples transcrição da realidade, já que há uma recriação dos discursos dos personagens envolvidos, aparentemente para “comunicar melhor o sentido e a intenção do que foi registrado” (MEIHY; HOLANDA, 2007, p. 136). Dessa forma, aquilo que foi registrado no processo deve ter sido filtrado e modificado quando da transcrição dos depoimentos, ou seja, desses registros carregados de subjetividade.

Ginzburg (2006, p. 18) problematiza essa questão, afirmando que essa fonte documental é duplamente indireta: por ser escrita “e, em geral, de autoria de indivíduos, uns mais outros menos, abertamente ligados à cultura dominante”. O autor ainda ressalta: “não é preciso exagerar quando se fala em filtros e intermediários deformadores. O fato de uma fonte não ser ‘objetiva’ (mas nem mesmo um inventário é ‘objetivo’) não significa que seja inutilizável” (GINZBURG, 2006, p. 21). Além disso, o historiador deve atentar para o fato que o documento com o qual tem contato

não reproduz o cenário, a atmosfera de tensão ou de constrangimentos em que os depoimentos efetivamente foram colhidos. Outro deles é que há coisas que são indizíveis e que, portanto, não aparecem na letra fria do papel compulsado. Dizem respeito à reação dos envolvidos que envolvem gestos, emoções e silêncios, ou seja, a gesticulação, a alteração do timbre de voz, o choro, o olhar aterrorizado de testemunhas, informantes, réus, acusadores e defensores não são registrados (RADÜNZ; VOGT, 2012, p. 211).

A seleção dos processos e a análise deles estão ancoradas na micro-história italiana, perspectiva que tem pautado boa parte dos estudos relativos à utilização de processos judiciais envolvendo escravos na condição de réu ou vítima. Nesse campo, um dos aspectos que se discute é a questão da redução da escala como paradigma epistemológico, que é o que se observa nesse texto. A respeito desse debate, Carneiro salienta:

Para que a redução da escala tenha uma função epistemológica, a micro-história opta por uma análise intensa e exaustiva de um universo circunscrito. Reduzindo a escala de observação, o foco será a localidade, o caso, o sujeito, a obra de arte, a fração de classe; através de uma análise densa e quase total dos documentos disponíveis, no intuito de revelar os diversos e múltiplos sentidos envolvidos nas ações, práticas, relações e processos relativos às pessoas e comunidades (CARNEIRO, 2018, p. 39).

Avançando no debate de como a micro-história se aproxima de uma análise social, o estudioso comenta que ocorre um distanciamento analítico “não mais para o elemento extraordinário, mas precisamente para os elementos ordinários do dia a dia, com o intuito de aprender a teia de relações socias e a interdependência que constroem as normas sociais que guiam as ações estratégicas do cotidiano” (CARNEIRO, 2018, p. 41).

Ainda a respeito da utilização da micro-história:

Seu trabalho tem sempre se centralizado na busca de uma descrição mais realista do compor- tamento humano, empregando um modelo de ação e conflito do comportamento do homem no mundo que reconhece sua - relativa - liberdade, além, mas não fora, das limitações dos sistemas normativos prescritivos e opressivos. Assim, toda a ação social é vista como o resul- tado de uma constante negociação, manipulação, escolhas e decisões do indivíduo, diante de uma realidade normativa que, embora difusa, não obstante oferece muitas possibilidades de interpretações e liberdades pessoais. A questão é, portanto, como definir as margens - por mais estreitas que possam ser - da liberdade, garantidas a um indivíduo pelas brechas e contradições dos sistemas normativos que o governam (LEVI, 1992, p. 135).

É na busca de uma descrição mais realista que estão todos os sujeitos sociais envolvidos na trama, dentre eles Maria e Leopoldina. Essas mulheres escravizadas “agiram de acordo com lógicas ou racionalidades próprias, e que seus movimentos estão firmemente vinculados a experiências e tradições particulares e originais - no sentido de que não são simples reflexo ou espelho e represen- tações de ‘outros’ sociais” (CHALHOUB, 2011, p. 49). Portanto, os atos extremos podem ser tanto uma energia coletiva, como uma ação individual que reflete determinadas lógicas ou racionalidades.

Em se tratando desse binômio infanticídio e suicídio, as lógicas e as racionalidades parecem se esvair. A morte é inerente à vida de todo ser, um conceito abstrato, sem nenhum correlativo no inconsciente (FREUD, 2006), rodeada de rituais e processos simbólicos que buscam proporcionar o seu sentido. Refletir sobre a morte é sempre abordar também a temática da vida, sua fragilidade e as circunstâncias em que ela acontece, inclusive aquelas que levam à morte. A morte é vista como desfecho da história de uma pessoa, que pode configurar vários traumas, especialmente nas situa- ções de homicídio (infanticídio) ou suicídio (incluindo a sua tentativa). Devido à situação fora da naturalidade, como explanam Fukumitsu e Kovács (2016), instala-se a necessidade da interpretação desse tipo de ato, no sentido de identificação de culpados, uma vez que a morte é entendida como desnecessária. Dessa forma, o fato de um sujeito ter escolhido a morte dos entes queridos e/ou sua própria morte pode se configurar numa denúncia social.

Para Fukumitsu e Kovács (2016), o suicídio, ou a sua tentativa, desafia a integridade e a potência das instituições sociais. Por isso, além das variáveis individuais, por exemplo, “as psicodinâmicas (como a personalidade), as questões culturais e sociais podem torná-lo mais complexo do que uma decisão desesperada de um indivíduo doente ou deprimido - toda morte traz à tona algo sobre a sociedade em que ela acontece” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 17). Isso significa que o comportamento infanticida ou suicida, enquanto manifestação humana, responde não só às complexidades de espectro individual (ou familiar), mas também às complexidades do espectro social, cultural e histórico de cada época/espaço.

Minois, autor considerado referência na história do suicídio, salienta a dificuldade em se trabalhar com o tema. Chama a atenção que as fontes usadas para o estudo do tema devem ser diferentes das usadas para estudar mortes de caráter natural. Nesse sentido, “arquivos judiciais, memórias, crônicas, jornais e literatura são também importantes fontes para pesquisa sobre o suicídio” (MINOIS, 2018, p. 7-8).

Antes de analisar os dois casos no seu conjunto, o artigo pretende ver o infanticídio e a tentativa de suicídio dentro dos seus contextos específicos, isto é, ao final do período colonial e às vésperas do fim da escravidão. Segue a narrativa dos dois processos que vão dar vida a este artigo.

Tentada pelo demônio: Maria - 1819

Na segunda década do século XIX, o Brasil ainda se encontrava ligado a Portugal. As invasões napoleônicas levaram a “corte portuguesa e os quadros administrativos a se transferirem para o Brasil em 1808” (ROLAND, 1995, p. 278). Nessa esteira de deslocamento, também foi reforçado no seio do Reino Unido de Portugal, do Brasil e de Algarves, o aparato jurídico assentado nas Ordenações Filipinas (RIBEIRO, 2005), reconhecido pelo Congresso de Viena em 1815, que serviu de base para o julgamento do crime cometido pela escrava Maria em Porto Alegre.3

No dia 15 de março de 1819, a senhora da escravizada Maria percebeu sua falta quando dela precisou, foi procurá-la e a encontrou em um quarto, ao lado da cozinha, tentando se degolar junto de seus dois filhos, que apresentavam ferimentos semelhantes. A crioulinha Manoela, de dois anos, morreu na hora, porém Manoel, de cinco anos, sobreviveu mais algumas horas, vindo a contar para sua senhora que quem tinha ferido a ele e a irmã daquela maneira com uma navalha tinha sido sua própria mãe.

O processo de formação da culpa começou logo após o infanticídio, com Maria ainda ferida pela tentativa de suicídio e recolhida à prisão de Porto Alegre. O processo descreve com detalhes o exame de corpo de delito feito na “criolinha Mannoela da idade de dois annos e meio” e no “criolinho Manuel de cinco anos”4. Eles foram mortos com uma navalha de barba pertencente ao Capitão José Bittencourt Cidade que, segundo o processo, foi tomada pela escrava dos aposentos do seu senhor.

Ainda na formação da culpa, em três dias, foram tomados depoimentos de 30 testemunhas a respeito do acontecido. A primeira testemunha, Francisca Maria, de 40 anos, mulher branca, moradora próxima da casa do Capitão Bittencourt Cidade, é quem apresentou com mais detalhes uma narrativa a respeito do crime. Disse que ao ouvir os gritos do crioulinho Manoel, entrou no quarto onde a sua irmã já se encontrava morta e a sua mãe estava agonizante. Todo ensanguentado pelo ferimento, ainda teve forças para dizer que “fora sua may que o degolara, mostrava os dedos das mãoz cortados, dizendo-lhe que ele mesmo se ferira na navalha, digo, se ferira nos dedos na navalha em que sua may o degolara para se defender”.

As duas testemunhas seguintes usaram uma expressão que é recorrente no processo: “sabiam por ouvir dizer” (a expressão aparece nove vezes ao longo do processo). Nas respostas das 30 tes- temunhas, duas expressões mais objetivas se repetem além da exposta acima: “nada disse” (sete recorrências) e “ficou sabendo pela leitura” do processo (quatro recorrências). A maioria das tes- temunhas era composta por proprietários que “viviam de suas lavouras”, brancos, na faixa dos 40 anos, que pouco contribuíram para elucidar o infanticídio.

Lia Oliveira, a quinta testemunha, apresenta uma descrição mais detalhada e, em sua fala, aparece pela primeira vez a possibilidade de “possessão demoníaca”. Ela era casada com Lourenço Rodrigues, os dois “estavam por algum tempo na fazenda do capitão Bittencourt Cidade”, sem explicitar as razões. Disso se depreende que estivessem no complexo da casa, tendo ouvido o choro de Manoelino e participado do arrombamento da porta do local onde se encontravam os escravos.

Segundo seu depoimento,

quando chegou ao lugar do quarto, vio dentro dele a crioula Maria degolada viva, hum filho de nome Mannoel degolado e também vivo e huma crioulinha de nome Mannoela degolada [...] perguntando-lhe quem tinha feito, apontava para sua may, perguntando-se a esta para que havia degolado os dois filhos disse que o diabo a havia tentado.

A tese da possessão demoníaca acabou recebendo um destaque maior na sequência do processo, sem que a ré tenha se referido a isso. O argumento dessa incorporação maligna tinha um papel importante no campo da religiosidade católica5 para explicar atos-limite, como o praticado contra Manuel e Manuelina. O processo não dá nenhuma pista de como Maria lidava com as questões sobrenaturais ligadas a algum tipo de incorporação. Os indícios apontam que a argumentação usada para explicar o infanticídio e a tentativa de suicídio associada ao fato de que “o diabo a havia tentado” é branca e católica.

No processo, depois de ouvidas as testemunhas na formação da culpa, a ré crioula Maria foi ouvida pelo Ministro que estava encarregado dessa etapa. Chamada pelo Ministro e “posta em sua natural liberdade”, contando com a presença do advogado Antônio de Almeida, o inquiridor fez as perguntas protocolares sobre Maria e, posteriormente, passou a perguntar sobre o crime em si. Perguntou “a quanto tempo estava presa e se sabia o motivo da sua prisão e a ordem de quem havia sido”. Respondeu que sabia que era por ter matado seus filhos. Nessa fase do processo, ela não alega nenhum motivo para o infanticídio. Questionada sobre a forma como era tratada pelos seus senhores, diz “que era bem tratada, ela e seus filhos”. Contudo, menciona que “tudo o que suas parceiras faziam, tudo lhe imputavam a ela”. Nessa parte do depoimento, é possível observar que havia problemas entre as escravas domésticas e que, segundo o depoimento, a culpa de tudo o que acontecia de errado recaía sobre Maria. Disso se depreende que provavelmente os deslizes no ambiente da casa grande eram castigados na pessoa de Maria crioula.

Nesse depoimento, no calor dos acontecimentos, transparece o desejo de Maria de retornar ao círculo domiciliar do Capitão Bittencourt. Provavelmente é por essa razão que ela adota um discurso não acusativo em relação aos seus senhores. Alega apenas que existiam alguns problemas relativos às parceiras de cativeiro e que as culpas recaíam injustamente sobre ela, levando seus amos a castigá-la. Não aparece no depoimento o grau de castigo, nem a relação com o infanticídio nesse momento.

Em processos criminais, os depoimentos envolvendo escravos implicavam na intermediação de outras pessoas; o mais recorrente eram as testemunhas. Os escravos normalmente não tinham voz nos processos, a não ser, eventualmente, como informantes. Segundo Wehling e Wehling (2004), o Direito português, ecoando no Direito comum, admitia, na área processual, que os escravos teste- munhassem em apenas três situações: se era tido geralmente por livre; se não havia outro modo de provar a verdade e como informante. O depoimento de Maria se enquadra na tentativa de provar a verdade diante de um ato inexplicável dentro de qualquer racionalidade.

Depois desse primeiro movimento de formação da culpa, Maria foi “recolhida à prisão que se acha em Porto Alegre”. O processo estancou no período da volta da família real a Portugal, em razão da Revolução do Porto até meados da Independência do Brasil, em 1822. Portanto, por quase dois anos, Maria permaneceu em cativeiro.

O processo foi retomado em março do ano da Independência, com o “auto de perguntas feitas a preta Maria crioula, escrava do capitão José de Bittencourt Cidade”. O teor do processo indica que a justiça retomou o debate acolhendo a tese de homicídio que aparece posteriormente na argumentação do advogado. Foi feito o auto de hábito e tonsura, que consistia em descrever o réu, para se certificar de que de fato era a pessoa envolvida no crime. Conforme o relato, ela “estava vestida com uma camisa de cor riscada com huma saia branca com babados e hum tamanco nos pés a qual he de estatura ordinária cor fula e corpo grosso rosto redondo e cabelos engranhados no casco sobrancelhas delgadas olhos pretos nariz chato e lábios grossos”. As condições de vestimenta da ré e o fato de ela estar calçando tamancos, o que não era comum entre os escravos, chamam atenção na descrição transcrita anteriormente. Chalhoub problematiza a questão de andar calçado ou descalço no espaço público das cidades e a relação entre a condição de livre ou cativo: “o sinal da escravidão são os pés descalços” (CHALHOUB, 2011, p. 267). A descrição das vestimentas sugere uma vida no circuito da casa grande, mesmo tendo ficado reclusa por quase dois anos na cadeia.

O processo foi enviado à justiça, amparado na Carta Régia de 19 de julho de 1816, que criou a Junta de Justiça na Capitania do Rio Grande de Sul, para julgar todos os crimes.

nessa capitania se commettem muitos atrozes delictos com danno dos meus fieis vassallos, pertubações e offensa da publica tranquillidade e da segurança pessoal, e de que devem gozar todos debaixo da proteção das lei; e que o motivo desta frequencia, multiplicidade, e atrocidade de crimes é, além da ferocidade e falta de civilisação de muitos dos habitantes desse vasto, e ainda pouco povoado territorio, a impunidade dos delictos que, ou ficam de todo por punir, ou se lhes impõe as penas de muito tempo depois, e muito longe do logar em que aconteceram, por se remetterem ás Cadeias da Casa da Supplicação alguns réos.6

Antes desse hiato entre a formação da culpa e o julgamento, Maria mudou seu depoimento em relação ao tratamento que recebia de seus senhores na continuidade do processo. No primeiro depoimento, ela tinha a expectativa de voltar ao domínio senhorial, por isso apresentou um argu- mento favorável aos seus amos, ou seja, “tinha respondido que seos senhores a tratavam bem foi na suposição de que voltando outra vez para casa e contando que ella respondeu tinha dito que seos senhores a maltratavão, estes a castigassem [...] que ela desesperada pelo mao trato que lhe dava sua senhora e que teve a tentação de se matar e matar a seus filhos”.7

Outra mudança de depoimento está relacionada à arma do crime: a navalha de seu senhor. No primeiro depoimento, afirmou que ela tinha buscado o instrumento no momento do crime, depois ela mudou, dizendo que já estava de posse da navalha anteriormente, o que parece bastante plausível. Como o crime ocorreu no amanhecer do dia, seria difícil entrar nos aposentos de seu senhor para pagar a navalha. A segunda versão abre brecha para a premeditação do crime, que foi outro elemento levado à justiça.

Nesse período em que vigoravam as Ordenações Filipinas, ainda não havia o tribunal do júri. Ele veio a ser estabelecido somente em 1832.

Como a partir da vigência do Código de Processo Criminal de 1832, os julgamentos passaram a ser feitos com júri popular, os debates entre acusação e defesa tornaram-se orais e não mais escritos, como no caso dos escravos Rodolpho e Leopoldo, em 1828. Nessa modalidade de procedimento, dependendo do escrivão, boa parte do conteúdo exposto verbalmente pode não ter sido devidamente registrada. (RADÜNZ; VOGT, 2012, p. 222).

O processo em questão também é muito rico no que se refere à argumentação levantada pelo advogado de forma escrita, sem passar pelo filtro do escrivão. O advogado em questão se chamava Henrique da Silva Loureiro e, depois de “jurar pelos santos evangelhos [...], se tornou curador e defensor da Ré Maria”. Em 7 de janeiro de 1822, o próprio advogado entregou no cartório “os autos com as razões que adiante se seguem”. O advogado começa dessa forma sua arguição, que foi distribuída em sete páginas escritas pelo próprio punho:

Aparece no prezente processo a triste notícia perpetrando o homicídio de dois filhos e conspi- rada contra si própria quanto he doloso este acto, tanto maior atenção merece para se conhe- cer o motivo que o produziu, para que nenhum mal he capaz de intentar huma tao horrível barbaridade senão estando furiosa ou para a loucura, ou para a desesperação se considerar depois a R. no estado de doida, nenhuma culpa lhe pode resultar, e se desesperada por um cruel cativeiro merece toda acommiseração.

A parte inicial da argumentação já indica a tese a ser defendida pelo advogado, ou seja, “nenhuma culpa lhe pode resultar, e se desesperada por um cruel cativeiro”. Na sequência, o curador faz uma longa retrospectiva histórica, afirmando que “desde os tempos remotos, introduzida a escravidão na naçoens, e crescendo a tirania dos senhores pelo abastado domínio contra os servos, logo se fez indispensável a Lei para coibir a barbaridade”.


Figura 1 -
Primeira página da arguição do advogado Henrique da Silva Loureiro
Fonte: APERS: 1821 - Junta Criminal. N. 117, M. 04, E. 33.

O advogado continua a defesa, alegando que em outros momentos do passado senhores cruéis também foram condenados. Sugere que os escravos não sejam “molestados com ferros a arbítrio de seus senhores”. Recorda que no Reino de Algarve, em 1773, se conferiu liberdade aos escravos em razão da

falta de humanidade, Religião, com q’ se processava a perpetuada escravidão, com tudo não havendo lei expressa e penal contra os senhores crueis, e insuportáveis, existindo esses impunidos se encontram muitos infelizes agrilhiados no duro peso da escravidão sem limites.

Na esteira dessa argumentação, o advogado passa a falar dos “efeitos do cruelissimo animo de sua Sra, como e notório, despido de toda humanidade, e repleto de soberba, e orgulho, seria capaz de arrastar ao terrível atentado a sua total desesperação a ponto de perder todo o acordo”.

O advogado também procura desqualificar o argumento da maioria das testemunhas que alegaram que a “ré não tivera cauza alguma para cometer o delito, e que além de serem suspeitos por compadres, agregados dos Srs. da Ré, a Sra. da mesma donde nasceu a voz publica em que se firmam os juramentos das mais testemunhas, são seus ditos inverosimeis”.

Além do mais,

Certamente o braço materno da R., não podia ser armado para degolar a inocente filha na tenra idade, q’ formava as suas dilicias e atrahia todo o seo cuidado, zello, e amor, voltar-se contra o filho, e implorando esse o socorro, fosse surda aos mais sensíveis brados da natureza e clamores do mesmo, e com horror da humanidade empregasse o golpe mortal, e revoltarsse contra si, se não houvesse a mais urgente e forçosa causa, q’ alienando-a de toda o acordo da razão, a constituindo no estado de loucura formal; e consultando-se o coração humano, salta aos olhos q’ somente um abismo de males podia chamar outro abismo de fatalidades.

O advogado continua argumentando com termos fortes que punham em questão toda a formação da culpa e o auto de perguntas feitas a Maria, em que ela afirmou que “seus senhores a tratavam bem, na consideração de q’ tornaria ao domínio dos mesmos e sofreria as costumadas civicias, quando alias era atrozmente maltratada”. O termo civicias, usado no linguajar do português do século XIX, tem paralelo na língua atual, trata-se de “sevícias”, ou seja, atos de crueldade, de desumanidade, podendo significar até mesmo o tratamento dado aos animais, com vistas a domes- ticá-los. Posto isso, o advogado discorre toda a sua erudição, citando Sêneca a respeito da ira: est primas motus nom voluntarius, ou seja, “o primeiro movimento não é voluntário”. O defensor da ré sugere que em seu primeiro depoimento, ela se encontrava “possuída de temor”. Na sequência, questiona o depoimento das testemunhas que disseram que o crioulinho degolado antes de morrer, com “seus dedos das mãos cortados”, teria dito que a sua mãe o havia ferido. No auto de corpo de delito não se encontrou nenhum ferimento nas mãos do menino, segundo o processo.

O advogado termina sua arguição fazendo referência ao Livro V das Ordenações Filipinas, parágrafo 36, § 1º, “da qual deduzindo-se a insinuação para que a pena seja minorada no menor tão bem foi incluso o escravo, a mulher pela debilidade do sexo”. Por fim, faz alusão ao “filantró- pico Decreto de 12 de Dezembro de 1801 para a minoração do delito e comutação da pena”. Em outras palavras, sugere que tal decreto “não fez aplicar a pena de morte senão para crimes os mais atrozes” (TINÔCO, 2003, p. 16).

Em síntese, o advogado defende a tese de que a ré havia praticado tal crime devido a um desvio da razão, a monomania, que possui o seguinte significado: “Alienação mental em que uma única ideia parece absorver todas as faculdades mentais do indivíduo.”8.

O Acordão da Justiça começa fazendo um histórico do crime, cruzando os depoimentos das testemunhas na formação da culpa. Reaparece a visão favorável à família senhorial, principalmente no que diz respeito à senhora do capitão, sendo desresponsabilizada da culpa nessa primeira etapa, onde a questão da possessão demoníaca volta, isto é, a ideia de “que o diabo a tinha tentado”. Na sequência do Acordão, a justiça acolhe a tese de que se tratou de um crime de “desesperação” devido aos “mãos tratos que sua senhora lhe dava” e de que tudo o que ocorria de errado na casa lhe era imputado. Com isso, caiu a tese da possessão demoníaca e permaneceu a questão relativa aos maus-tratos, ou seja, a tese do advogado foi acolhida e a pena passou pela “devida commizeração”. O processo termina nessa etapa, com uma decisão que afastou a pena capital, que fosse “a Re conduzida ao lugar da forca, a roda da qual dará três voltas e castigada com quinhentos açoutes,

seja degradada por toda a vida para Benguella”. Violência real e simbólica.

Não ter havido pleno conhecimento do mal: Leopoldina - 1881

O infanticídio cometido por Maria Rita ocorreu no Distrito de Capivary, município de Rio Pardo. Quatro cidades tiveram destaque no sul do Brasil durante o período imperial: Porto Alegre, Rio Pardo, Pelotas e Rio Grande, constituindo-se como os principais centros de escravidão da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul. A presença escrava acompanhou o processo de ocupação do território sulino desde as disputas entre Espanha e Portugal no século XVIII, em que Rio Pardo teve um papel de destaque (VOGT; SILVA; BERTÓ, 1996).

Tabela 1 -
Número de escravos em Rio Pardo entre 1780 e 1872

Fonte: MEYER; RADÜNZ; VOGT, 2012, p. 78.

Além das atividades ligadas à criação de gado, Rio Pardo se tornou um importante entreposto comercial, contando com um diversificado mercado público, que era alimentado pelo porto. O ancoradouro era de suma importância para o abastecimento do interior da Província e fonte de prosperidade e riqueza para a cidade. Mercadorias vinham da Europa através dos portos de Rio Grande e de Porto Alegre, de modo que ali chegavam para ser distribuídas nas localidades onde não se podia acessar por via fluvial.

Como posto avançado de fronteira, a cidade passou a atrair uma série de negócios, entre os quais: venda de escravos, linhas de carretas, aluguéis de carretilhas e grandes armazéns que revendiam para as bodegas ou bolichos da Campanha, Missões e Campos de Cima da Serra uma série de produtos como sal, açúcar, vinho, aguardente, fumo, ferramentas, velas, louças inglesas, tecidos, móveis e utensílios domésticos. (VOGT, 2001, p. 105)

Essa dinamização econômica refletiu uma presença escrava não restrita a uma só atividade. A cidade empregava seu contingente de escravos em variados afazeres, como o cultivo de grãos, as lidas do campo, a preia do gado, as atividades no porto, os trabalhos domésticos, havendo também os escravos de ganho, como sapateiros, ferreiros, alfaiates, entre outros. Mulheres cativas também compunham os plantéis de escravos não só na cidade, como também nas atividades domésticas nas fazendas. Essas atividades não eram realizadas somente por escravos, já que também existiam trabalhadores livres que compunham esse universo produtivo. Na metade do século XIX, Rio Pardo foi perdendo território para novos municípios, o que explica o declínio dos números da Tabela 1 nos dados de 1858.

O Censo de 1872 apresenta dados importantes, no que se refere à diferença de gênero entre os escravos em Rio Pardo, segundo suas duas paróquias. A Paróquia de Santa Cruz englobava a recém colônia Provincial, criada em 1848, e que recebeu grandes levas de imigrantes alemães nas décadas seguintes. É importante considerar que pela Lei de Terras de 1850, não era permitido aos imigrantes ter escravos nas colônias oficiais (SPINDLER; RADÜNZ; VOGT, 2016).

Tabela 2 -
Escravos em Rio Pardo segundo o Censo de 1872

Fonte: Censo de 1872. Elaborada pelos autores.

A presença feminina arrolada no censo é muito significativa. Reflete mudanças, como o fim do tráfico negreiro, em 1850, e a reposição dos plantéis a partir do aumento demográfico da escravidão via nacionalidade brasileira. Os dados do mesmo censo relativo à cidade de Rio Pardo apontam que desse universo de 2.800 escravos, 1346 eram mulheres. Dentre este número, apenas 62 eram estrangeiras, o que reforça a reprodução endógena da escravidão nessa década que separa os dados de 1872 e o crime de Leopoldina, que foi assim apresentado no processo.

Em 1881, entrou na Comarca de Rio Pardo uma acusação de infanticídio cometido por uma escrava de nome Leopoldina. Rio Pardo, como afirmado anteriormente, era um importante centro de criação de gado que se utilizava da mão de obra cativa para os diversos afazeres campeiros, além de todas as outras atividades inerentes a uma cidade abastecida pelo porto. Na realidade, Rio Pardo era um centro regional de referência para a região centro-sul da Província.

O crime aconteceu num momento sensível, em que ocorria um acalorado debate a respeito dos limites da escravidão e dos argumentos relativos à abolição. A Lei do Ventre Livre e suas implicações, no que se refere à possibilidade dos escravos que tivessem algum pecúlio comprarem sua liberdade, mostram fissuras nesse sistema. Além disso, a resistência dos próprios escravos e movimentos abolicionistas respaldados por advogados engajados (AZEVEDO, 2010) anunciavam o colapso do sistema. Este contexto é analisado por Chalhoub (2011), que propõe “uma história das últimas décadas da escravidão na Corte”. Rio Pardo e, certamente, o Distrito do Couto, onde ocorreu o crime, apresentavam grandes diferenças em relação à vida na corte, mas o aparato jurí- dico que era utilizado na capital do Império refletia jurisdições que eram acompanhadas pelos operadores da justiça em áreas distantes.

Essas ponderações iniciais se justificam quando se leva em conta o resultado final do pro- cesso favorável à escrava Leopoldina. Além de privar o Capitão José Rodrigues de Freitas de uma propriedade humana, a justiça absolve a ré do crime e a alforria ao longo do processo. Esse ato do Capitão provavelmente foi motivado pela artimanha jurídica de se livrar das custas do processo.

O processo-crime 113 de Rio Pardo começa com a formação da culpa aos auspícios do “sub-delegado do Distrito do Couto, cidadão Luis Severino da Silveira”. Na súmula encaminhada pelo promotor público ao juiz municipal, descreve-se sinteticamente o crime da seguinte forma:

Tendo a referida escrava, no dia 13 do corrente mez, as nove horas da manhã, sahido da casa de seu senhor, para ir ao rio lavar roupa, e levado consigo uma sua filha ingênua, criança de côr parda; deixando de lavar a roupa que havia levado, passou a matar, como de fato matou, a sua dita filha quebrando-lhe o pescoço, e tentando em seguida, suicidar-se, o que também levaria a effeito, se, em tempo opportuno, não lhe acudisse José Francisco da Silva, morador do referido districto.

O subdelegado foi informado pelo próprio Capitão Freitas do crime ocorrido em sua fazenda. De posse dessa informação, ele passou às diligências, começando com o exame de corpo de delito. Foram indicados dois peritos: “Manoel Alves da Silveira e Abílio de Almeida Rios, ambos não profissionais e moradores nesse Distrito, e as testemunhas também notificadas”. A falta de peri- tos médicos perpassa a grande maioria dos processos, por essa razão eram indicadas pessoas para responderem alguns quesitos aparentes relativos ao crime. Nesse caso, como as evidências eram claras e já havia uma declaração prévia de Leopoldina, os peritos declararam que a causa imediata da morte foi “por estar com o pescouço quebrado e com um letal ferimento no pescouço”.

O passo seguinte foi a notificação das testemunhas que deveriam depor a respeito do crime. A primeira testemunha indicada foi Delfino José Vilant, “de quarenta anos, casado, profissão de pedreiro, natural dessa Província, morador do Distrito”. O Distrito em questão era do Couto, estava situado próximo da sede do município e apresentava atividades dinâmicas em termos produtivos. O depoente foi inquirido a respeito do auto de corpo de delito que lhe foi lido e respondeu “que sabe por ouvir dizer pela escrava Leopoldina do capitão José Rodrigues de Freitas que matou a paciente, digo, quem matou a paciente foi ella”.

A segunda testemunha, José Francisco da Silva, 30 anos, solteiro, carpinteiro, apresentou um depoimento com mais detalhes. Ele afirmou que encontrou a escrava Leopoldina perto da casa do dito capitão, “tentando suicidar-se por meio de enforcamento, e junto da dita escrava encontrou já morta, a filha da referida escrava e ella disse a ele testemunha, que tinha sido ela quem matou a própria filha”. No mesmo depoimento, perguntaram a ele se a escrava havia falado a respeito do motivo do crime, então respondeu que no mesmo dia não, mas no dia seguinte “disse que fez isso por sua desgraça e que por isso tentou suicidar-se”.

Na sequência, Pedro Paulo Vieira, também carpinteiro, relatou que saiu com mais dois com- panheiros à procura da dita escrava que havia ido lavar roupas e estava demorando. Ele encontrou a escrava já sem a corda no pescoço, pois ela foi tirada pelo carpinteiro Silva e, ao lado de Leopoldina, a criança morta. Ele acrescenta que no dia seguinte ouviu da escrava que “sofria um grande deses- pero na cabeça e que por isso ella Leopoldina também tentava suicidar-se”. A quarta testemunha, Albino Marques, jornaleiro, não acrescentou nada de novo ao processo.

A última testemunha na formação da culpa foi o capataz da fazenda, José Rodrigues Machado, de 32 anos. O relato do capataz, pela própria responsabilidade do cargo, é mais rico em detalhes. Comentou que Leopoldina havia saído às nove horas da manhã para lavar roupa, levando sua filha e que por volta das quatro horas da tarde, saíram à sua procura por conta da demora da atividade. Encontraram a escrava tentando “suicidar-se por meio de enforcamento com um cordão ou alias, com uma tira de pano e junto a mencionada escrava encontrou também morta a filha que tinha levado consigo, e nisto José Francisco da Silva, conseguiu tirar a corda do pescouço dela, mas já estava moribunda”. Disse também que, horas mais tarde, ela confessou que “foi ella quem matou sua própria filha e que tentava ainda suicidar-se porque tinha uma coisa na cabeça”.

Um último depoimento foi arrolado na formação da culpa na condição de informante. Contudo, Patrícia, de 42 anos, cozinheira da casa do capitão, nada acrescentou. Apesar do processo não trazer esta informação, é provável que ela também fosse escrava do capitão, por isso aparece na condição de informante.

A última etapa foi o interrogatório de Leopoldina. Além das perguntas protocolares, também questionaram ela a respeito da razão do crime.

Perguntada por qual motivo, ella interrogada matou sua própria filha? Respondeu que não teve motivo algum e sim sentiu um acesso de loucura, mas quando quis se arrepender já tinha matado sua filha. Perguntada porque razão ella interrogada tentou suicidar-se? Respondeu que por se ver perdida por isso tentou suicidar-se.

Terminada a formação da culpa pelo subdelegado Abilio de Almeida Rios, o processo foi encaminhado à justiça com a seguinte indicação: “está plenamente provado que a escrava Leopoldina de propriedade do Capitão José Rodrigues de Freitas foi quem matou a ingênua, menor filha da dita escrava”.

Já na justiça, no auto de qualificação da ré, ela respondeu que “chama-se Leopoldina, filha de Roza, escrava, vinte e seis anos de idade, solteira, serviço doméstico, brasileira, natural de São Jeronimo, não sabe ler nem escrever”. Em nenhum momento, há qualquer indício de quem poderia ser o pai da inocente, ou seja, enquadra-se naquilo que Slenes (2011, p. 76) define como famílias matrifocais. Outro detalhe interessante nesse auto é a indicação do nome da mãe, Roza. Não há indicação no Livro de Compra e Venda de Escravos de que Roza ou Leopoldina tenham sido compradas pelo Capitão Freitas, então é possível que ele tenha herdado escravos.

Tabela 3 -
Compra e venda de escravos do Capitão José Rodrigues de Freitas

Fonte: APERS - Livro de compra e venda de escravos. Elaborada pelos autores.

O Capitão Freitas era um dos mais ricos proprietários da região. Na Lista Geral de Votantes Qualificados do Município de Rio Pardo referente ao ano de 1874, ele é indicado tanto como votante, como elegível. Além dessa informação, a lista o apresenta “como casado, com 44 anos, sabe ler, era criador e tinha um patrimônio de 2:000$” (COSTA, 2006, p. 221).

Os nove maiores criadores do Distrito do Couto, naquele ano de 1876, eram os seguintes: José Rodrigues de Freitas (2:000$); José de Sá e Brito Veloso (1:000$); Manoel Luiz das Silva (1:000$); Luiz Henrique de Andrade (600$); José Teixeira de Bastos (600$); Celestino José da Rocha (600$) (COSTA, 2006, p. 87).

Essa condição econômica do capitão se coloca como uma variável explicativa importante para justificar uma decisão posterior que fica registrada no processo: o abandono de propriedade da ré Leopoldina. Essa decisão posterior foi precedida pela formação da culpa frente ao juiz.

As mesmas testemunhas da formação da culpa compareceram novamente frente ao juiz para falarem “do que soubesse ou lhe fosse perguntado”. Desta vez, a ordem dos depoimentos foi inver- tida, começando com o capataz da fazenda, José Rodrigues Machado. O depoimento apresenta mais detalhes, possivelmente pela preocupação do escrivão da justiça em relatar com mais cuidado. Em grande parte, o relato repete o que já tinha sido dito, reforçando que logo que encontraram Leopoldina, ela se encontrava de certa forma “desfalecida pela tentativa de enforcamento”. O promotor questionou o capataz se ela apresentava alguma alienação mental. Sem maiores detalhes, mencionou que “ouviu dizer que a escrava sofreu em uma occasião de uma espécie de ataque na cabeça”. Levantou também outra possibilidade que não encontrou eco na fala do capataz: “que a cauza verdadeira foi ter sofrido uma bofetada de um seu parceiro”. Nada mais informou.

Os demais depoimentos retomam a mesma linha de argumentação com a constante preocu- pação do promotor em saber as razões do crime. Nesse sentido, um rol de possibilidades foi posto: “ficar fora do seu juízo”; “dado uma coisa na cabeça”; “desarranjo mental”; “olhar desvariado”; “transtornada das faculdades”; “ela não sabia o que a forçou”; “ter sido levada a isso por causa da loucura”; “não podia explicar-se”; “acesso de loucura”; “atacada da cabeça”.

Todas as cinco testemunhas conheciam a escrava e a definiram como de “bom gênio e obe- diente a seus senhores”. Em nenhum momento, replicando o pensamento hegemônico da socie- dade escravista, foi ventilada a possibilidade de o crime ter sido cometido por causa do excesso de castigos ao qual a escrava foi submetida. Um dos depoentes reforçou a tese de que “ele atribuía a esse fato o acesso de loucura, do que de algumas vezes lhe dá”.

Oliveira (2007) expõe um conjunto considerável de casos de suicídio ocorridos em Campinas, SP, alguns deles apresentando elementos de proximidade com o caso de Leopoldina.

Escravos domésticos, mais próximos das famílias dos proprietários e supostamente sendo mais bem tratados, parecem provocar certa perplexidade quando se matam, como se vê nos casos da tentativa da “escrava lavadeira, muito estimada de seus senhores” em que se ignorava “o que desse causa a semelhante ato de desespero” (01 de dezembro de 1875), ou no de Gertrudes, que se matou por afogamento em uma fazenda de Campinas “sem motivo algum, porquanto era muito estimada na casa, e mesmo nada tinha havido que desse lugar a tal acontecimento” (13 de dezembro de 1876) (OLIVEIRA, 2007, p. 117).

No mesmo sentido, Radünz e Santos (2017, p. 36) sugerem que “as condições dos escravos domésticos eram diferentes. Tinham outro tipo de alimentação e vestimenta, porém estavam expostos a abusos sexuais”. Ao trabalharem com o processo da escrava Maria Rita, que matou suas duas filhas e poupou seu menino de cinco anos, reforçam a ambivalência da realidade doméstica, da violência e da maior vigilância de seus donos. No depoimento de Maria Rita, que tentou suicídio, fica explícita a razão de seu ato-limite em relação às filhas: “porque ele é homem e não haverá de passar pelos trabalhos das fêmeas” (RADÜNZ; SANTOS, 2017, p. 27).

Para enfrentar essa “certa perplexidade”, Leopoldina também foi ouvida “livre de ferros e sem constrangimento algum”. Esse protocolo “livre de ferros e sem constrangimento” encobre protocolarmente todo o mal-estar natural de uma escrava, que é acusada de um crime, ter que responder a justiça. De novo, disse apenas que conhecia todas as testemunhas. O promotor con- cluiu apresentando ao juiz o seguinte encaminhamento: “Estando no presente summário provada a criminalidade da re Leopoldina escrava do Capitão Rodrigues de Freitas, entendo que está no caso de ser pronunciada no artigo 193 combinado com o artigo 16 § 6 do Código Criminal”.

A última etapa do processo de formação do júri e do julgamento foi precedida por uma deci- são que não era incomum em determinados casos. O Capitão Freitas abriu mão da propriedade da escrava, a fim de não fazer mais despesas, ou seja, “não ter mais encargos com as custas do processo” (MOREIRA; HAACK, 2016, p. 410), o que não era raro no Brasil escravista. Ele já havia pago na formação da culpa: “Delegacia 8$000 / Citação 10$000 / Conclusão 2$000 = 20$000”. Valor baixo, considerando-se o quanto valia um escravo. Antônio, por exemplo, vendido pelo capitão no mesmo ano, foi arrematado por 400$ (mil réis). O caso desse escravo de 34 anos parecia ser especial, já que vinha acompanhado pela carta de liberdade sob a condição de trabalhar mais cinco anos para o novo proprietário, conforme pode ser lido na nota 9, apresentada anteriormente.


Figura 2 -
Solicitação de abandono de propriedade do Capitão Freitas
Fonte: APERS: 1881 - Junta Criminal. N. 113, M. 04, E. 50.

Essa solicitação de abandono de propriedade escrava foi aceita pelo juiz, no momento em que nomeou o advogado Josué José Barbosa para defender a ré, “uma vez que o Capitão José Rodrigues de Freitas desistiu do direito que tinha”. O entendimento do capitão era de que a escrava seria con- denada e que ele teria que pagar as custas. É provável que essa decisão se deva ao fato de o capitão ter um grande plantel de escravos (COSTA, 2006) e que a perda de uma peça não faria grande diferença. Além disso, uma escrava criminosa, infanticida, representava um risco constante no universo doméstico.

O julgamento transcorreu “com a leitura de todo o processo de formação da culpa e as últimas respostas da ré”. A leitura foi feita pelo escrivão. Depois disso, a promotoria e o advogado apresentaram suas alegações. A primeira afirmando que existiam provas cabais da responsabilidade do crime e o segundo alegando que a ré “estava fora de seu juízo tendo sido atacada na cabeça”.

O júri saiu para a sala reservada, a fim de responder a quatro quesitos:

1º A ré Leopoldina matou uma sua filha, ingênua de oito meses de idade mais ou menos? 2º A ré cometeu o crime com superioridade de força de sorte que a ofendida não podia de defender com probabilidade de repelir a ofensora? 3º A ré cometeu o crime no estado de loucura? 4º Há circunstancias atenuantes a favor da ré? Quais são?

O júri respondeu dizendo que sim de maneira unânime as duas primeiras questões. No que diz respeito às questões três e quatro, oito membros do júri votaram que sim, ou seja, que a ré se encontrava em estado de loucura e existiam atenuantes. O resultado proferido pelo juiz fala por si só: “De conformidade com a decisão do júri, absolvo a ré Leopoldina do pedido no libelo. Mando que se lhe dê baixa da culpa, procurando-se em seu favor alvará de soltura. Pague a municipalidade as custas. Rio Pardo, 2 de junho de 1881”.

Infanticídio/suicídio: como dimensionar?

A questão central desta análise vai além do infanticídio e do suicídio, ou seja, verso e reverso da mesma moeda envolvendo mães escravas, e procura analisar os contextos sociais e jurídicos do Brasil escravista numa redução de escala. Essas “experiências” vividas em múltiplos estratos con- textuais têm sido objeto de análise de muitos historiadores. Com a análise destes processos-crime, procurou-se reconstruir alguns aspectos da vida familiar e das demais vivências dessas mulheres escravizadas, tomando como base uma bibliografia que tenta compreender as relações que se esta- beleceram dentro do cativeiro e seus atos-limite envolvendo infanticídio e tentativa de suicídio.

Antes dos historiadores, o tema do suicídio entre escravos como campo de estudo já chamava a atenção de pensadores, intelectuais, médicos e viajantes. No caso do Brasil escravista, a existência da morte voluntária entre cativos não passou despercebida aos viajantes, que ofereceram explicações mais gerais ao assunto. Oda (2007) introduz sua análise sobre as razões do suicídio segundo a visão dos pensadores dos séculos XVIII e XIX, entre eles Oliveira Mendez (1793), Henry Koster (1816),

Joseph François Sigaud (1844) e Carl F. von Martius (1844), afirmando que

estes autores apontam a alta frequência de mortes voluntárias entre os cativos, seja na forma passiva de deixar-se morrer de tristeza, como no banzo, seja por meios ativos, como os suicídios por enforcamento, afogamento, uso de armas brancas etc. O desgosto pela vida e o desejo de morrer são atribuídos pelos narradores a reações nostálgicas decorrentes da perda da liberdade e dos vínculos com a terra e grupo social de origem, e ainda aos castigos excessivos impostos pelos senhores (ODA, 2007, p. 347, grifo do autor).

O tema do suicídio entre escravos ganha relevância acadêmica no século XX, com a contri- buição do francês Roger Bastide no texto Os suicídios em São Paulo segundo a cor, de 1943. As teses deste pesquisador oferecem um leque de razões para esse ato-limite. Na revisão da literatura que faz sobre o tema, Oliveira (2007, p. 80-81) cita o referido autor, afirmando que

o suicídio é praticado como um protesto contra a escravidão, já que sua morte privaria o senhor de um trabalhador. Outros pontos seriam: a prática do suicídio como meio de se libertar de uma vida insuportável; nostalgia, saudade da terra natal (BASTIDE, 1943, p.3); protesto contra a separação da família, quando da venda de seus membros a diferentes senhores, e finalmente, nas palavras de Bastide, ‘protesto amoroso’; protesto também religioso, onde os escravos se matariam tendo como pano de fundo a crença na reencarnação, já que nasceriam novamente na África (OLIVEIRA, 2007, p. 80-81, grifo do autor).

No campo dos estudos mais recentes sobre o suicídio, Oliveira e Oda (2008) citam trabalhos como o desenvolvido por “Goulart (1972, p. 123-130) que dedicou ao tema um capítulo de seu livro Da fuga ao suicídio, considerando-o a mais trágica das reações à violência do cativeiro”. No Dicionário da escravidão negra no Brasil, Moura (2004) sustenta que o suicídio é definido como “uma das reações extremas de protesto do escravo” (MOURA, 2004). Oliveira e Oda (2008) enal- tecem o trabalho de Karasch (2001), afirmando ser um nome “obrigatório nos estudos sobre esse tema. Em seu amplo estudo sobre a vida dos escravos no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX” (OLIVEIRA; ODA, 2008, p. 373-374), Karasch levanta uma amostra de 69 casos de suicídio de diversas fontes, apontando como métodos de suicídio o afogamento, o enforcamento, o estrangulamento ou a utilização de armas brancas. Nesse estudo, reforça as teses explicativas

para o suicídio.

Karasch (2001) levanta e comenta o que considera as principais motivações para os suicídios: rebeldia contra a condição cativa e consequência dos maus-tratos; a nostalgia chamada de banzo e outras perturbações mentais graves; e desejo de retorno espiritual à África. Quanto ao último ponto, procura estabelecer conexões entre as crenças religiosas de grupos étnicos africanos mais presentes no Rio de Janeiro da época (como os ali chamados de congos, oriundos do centro-oeste africano) e o uso de métodos de suicídio como enforcamento ou afogamento, que facilitariam a desejada viagem espiritual à terra natal (OLIVEIRA; ODA, 2008, p. 374, grifo do autor).

As sínteses a respeito das razões apontadas para o suicídio têm sido corroboradas e/ou apro- fundadas a partir de estudos de casos. É nesse campo, com escala reduzida nesse artigo, que apa- recem as mães escravizadas na condição de infanticidas e potenciais suicidas, Maria e Leopoldina. O mesmo ocorre com os estudos sobre o infanticídio.

De acordo com as explicações mais gerais, é possível especular sobre as razões que levaram essas mães a matarem seus filhos e tentarem o suicídio. No seu depoimento, Maria explicita os maus-tratos que sofria no domínio senhorial. Tudo o que acontecia de errado no espaço “lhe era imputado, inclusive por suas parceiras de cativeiro”. Havia uma animosidade latente que somente veio à pauta no julgamento, dois anos depois do crime. Segundo depoimentos do processo, é provável que o crime tenha sido premeditado, pelo fato de Maria ter em posse a navalha com que matou seus filhos.

Maria viveu um momento da escravidão onde o tráfico era permitido. No final do período colonial, se intensificou a entrada de sujeitos escravizados que traziam suas heranças culturais. Os africanos e seus descendentes reconfiguraram sua vida social no Brasil, influenciados por “heranças culturais africanas, elaboradas e reelaboradas no cativeiro”. Entretanto, os representantes da justiça, assim como as testemunhas e a sociedade em geral, estavam mais interessados em “referendar a cul- pabilidade ou a inocência dos réus do que em compreender as tensões dos escravos” (CARVALHO, 2014, p. 7). Quanto mais próximo do tráfico transatlântico intenso, mais essas heranças estavam vivas e maior era o desejo de sair da escravidão e retornar à terra de seus antepassados. Uma das possibilidades desse retorno no imaginário escravista poderia se dar através do infanticídio e o suicídio. O processo não apresenta pistas nesse sentido, uma vez que a justiça, refletindo o pensa- mento senhorial, estava interessada em referendar a culpabilidade ou inocência dos réus.

Os escravos “cometiam suicídio, acreditando que pela morte retornariam à terra natal” (KARASCH, 2001, p. 399). Este fato fazia parte das heranças culturais trazidas na diáspora. O infanticídio e, consequentemente, o suicídio trazem a ideia de resistência última à escravidão, ação definitiva contra uma situação que se objetivava deixar de viver. Nesse deixar de viver parece estar implícita a necessidade do infanticídio de levar junto de si seus filhos para a “terra natal”. Em resposta a dominação formal da religião católica que proibia o suicídio, os sujeitos escravizados criaram uma “resistência interna [...] para quem a única possibilidade de manter suas raízes culturais era precisamente de manter a religiosidade de seus avôs” (SIUDA-AMBROZIAK, 2013, p. 400).

O conceito da “resistência (última)” é historicamente polissêmico e precisa ser trabalhado na perspectiva traduzida por Chalhoub (2011) como “ambivalência dialética”. Ao fazer uma revisão das múltiplas abordagens sobre o tema, que passam pelas leituras críticas de Malheiros, Cardoso, Gorender e outros pesquisadores, o autor procura mostrar como agiram escravos em determinadas situações, questionando conceitos teoricamente rígidos. É nessa perspectiva que o presente texto define o conceito da “resistência”, ou seja, “esses negros agiram de acordo com lógicas ou raciona- lidades próprias, e que seus movimentos estão firmemente vinculados a experiências e tradições particulares e originais - no sentido de que não são simples reflexo ou espelho e representações de ‘outros’ sociais” (CHALHOUB, 2011, p. 49). Portanto, a resistência pode ser tanto um ato coletivo como uma ação individual que reflete determinadas lógicas ou racionalidades.

Assim como Maria, porém num contexto distinto que marcou o final do Império, Leopoldina matou sua filha. Aliás, sua filha havia nascido de ventre livre, mas se encontrava no circuito escravista. Leopoldina havia nascido na Província e as possíveis relações com a África seguramente haviam sido ressignificadas de maneira mais contundente do que Maria. Nenhum suspiro do processo sugere que o infanticídio seguido de tentativa de suicídio pudesse levar Leopoldina e sua filha a um “retorno espiritual à África”. Portanto, nesse caso, a tese deste recomeço parece pouco provável.

Além da condição cativa, que outros elementos poderiam ser considerados? Nesse sentido, um rol de possibilidades foi posto no processo: “ficar fora do seu juízo”; “dado uma coisa na cabeça”; “desarranjo mental”; “olhar desvariado”; “transtornada das faculdades”; “ela não sabia o que a forçou”; “ter sido levada a isso por causa da loucura”; “não podia explicar-se”; “acesso de loucura”; “atacada da cabeça”.

Nesse caso, abre-se a possibilidade de se especular a respeito das explicações mais abrangentes.

Assinalou-se ainda a atribuição diferenciada de motivações dos atos suicidas para livres e escravos, sendo que sua imputação a transtornos mentais predomina entre os livres e é muito pouco citada para escravos. O fato de causas psicopatológicas estritas terem sido ligadas muito mais aos suicídios dos livres que ao dos cativos, pode refletir tanto a real predominância de suicídios ligados à situação do cativeiro, quanto a veiculação de uma visão estereotipada dos escravos como sendo moralmente diferentes das pessoas da classe senhorial. Concluindo, não parece justificável que o fenômeno do suicídio entre escravos no Brasil seja tomado como autoexplicável pela desfavorável condição do cativeiro, e assim considerado como ponto resolvido na historiografia da escravidão (OLIVEIRA, 2007, p. 183).

Ribeiro (2018) amplifica a análise, buscando elementos da psicologia, precisamente da psi- canálise, para explicar esses atos-limite de infanticídio e suicídio.

No Rio de Janeiro do século XIX, alguns casos de infanticídio são reveladores das dramáticas condições de vida de escravos; outros remetem ao exacerbado machismo de uma sociedade patriarcal. Entretanto, em alguns podemos entrever um componente universal, atemporal, manifesto por vezes nos contos de fada e que talvez só possam ser explicados pela psicologia ou pela psicanálise (RIBEIRO, 2018, p. 1).

Apesar de que atualmente a definição do suicídio feita pela Organização Mundial de Saúde (2001, p. 80) o trata como “[...] um ato deliberado, iniciado e levado a cabo por uma pessoa com pleno conhecimento ou expectativa de um resultado fatal”, nunca se convencionou chamar de suicídio apenas as mortes em que a pessoa, voluntária e conscientemente, executou um ato ou ado- tou um comportamento que acreditava que pudesse levá-la à morte (CASSORLA; WERLANG; BOTEGA, 2004).

A palavra suicídio possui várias definições e conotações culturais. De acordo com Werlang e Botega (2004) na obra intitulada Comportamento suicida, a ideia central do suicídio se encontra no ato de “terminar com a própria vida”, sem julgamento sobre a consciência da pessoa que o realiza. Ficam para os outros os problemas e as interpretações dos estados e fatos relacionados intimamente com essa decisão, como a motivação, o grau da intencionalidade, as circunstâncias ou letalidade do ato. O que não está sujeito às disputas é que o suicídio é um comportamento altamente auto- destrutivo, tanto que faz Mello, Bertolote e Wang (2006) chamarem as tentativas de suicídio de “autoagressão” ou “parassuicídio”.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (2008), algumas circunstâncias (econômicas, afetivas, legais, sociais, culturais) da vida dos que cometem o ato de infanticídio ou suicídio podem ser consideradas potenciais para o risco, pelo fato de aumentarem o estresse. Os problemas como pobreza, perda pessoal, término de relação afetiva, desentendimentos com patrões, problemas no ambiente de trabalho ou situação de subjugação legal/pessoal, isolamento social e falta de direitos certamente estavam presentes no cotidiano das duas escravas, que poderiam ter sido impulsionadas por não estarem em condições de enfrentá-los. Além disso, sempre existem possibilidades de outros fatores terem influenciado elas a optarem pelo infanticídio e suicídio. Esses fatores são difíceis de serem considerados pela distância temporal e falta de outras fontes que não aparecem no texto. Entre esses fatores, podemos citar a relativa facilidade para efetuar o ato, a agressão e a violência sexual e/ou física que enfrentaram, os distúrbios psíquicos (depressão, esquizofrenia ou falta de esperança) como alguns dos possíveis agravantes.

Há outros temas a serem explorados nesses dois processos, entre eles, o resultado aparente- mente pouco esperado que livrou as mães homicidas/infanticidas da pena capital. Maria, numa violência real e simbólica, acompanhada dos horrores da sua vida, foi levada ao “lugar da forca, a roda da qual dará três voltas”. No caso de Leopoldina, ao final do Império, tal acordão de pena capital já estava em desuso. O último enforcamento no Brasil ocorreu na virada da segunda metade do século XIX.

O termo infanticídio, que dá título a esse artigo, aparece de forma explícita somente no segundo processo que já foi constituído à luz do Código Criminal de 1830. Nos artigos 197 e 198 deste Código trata-se do tema imputando penas aos infanticidas. Leopoldina, ao final do Império, foi levada a julgamento por crime de infanticídio e absolvida. No processo de Maria, no contexto do final do Período Colonial à luz das Ordenações Filipinas, o crime foi acolhido e tipificado como homicídio pela justiça e não como infanticídio.

Outra questão que merece estudos adicionais refere-se às razões pelas quais esses processos foram levados à Justiça. A literatura a respeito do tema sugere que a maioria dos crimes e delitos eram resolvidos dentro das porteiras privadas das fazendas, sobretudo os delitos considerados menos rumorosos. Os casos de Maria e Leopoldina foram objeto de acolhida jurídica e as razões permanecem como objeto de estudo em aberto.

Em ambos os casos, os advogados/curadores usaram uma tese que merece maior aprofunda- mento - o estado de loucura. A aparente vitória do argumento da monomania expõe o entendi- mento de que a loucura constante, ou momentânea, poderia levar as pessoas a cometerem crimes e que eles teriam como atenuante o desvio da razão (RADÜNZ; SANTOS, 2017). No entanto, como já explicamos, as circunstâncias dos crimes abrem espaço para o entendimento deles como um sintoma social, na medida em que cada caso, à sua maneira, traz à tona o estado (loucura) das rés e o mal-estar social. Nesse sentido, a pista da discussão sobre os atos cometidos pelas escravas indica o rumo deles serem importantes sintomas sociais, simbólicos, culturais e afetivos de uma região com sensível presença de escravidão.

Supplementary material
Referências
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Notes
Notes
1 Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. APERS: 1821 - Junta Criminal. N. 117, M. 04, E. 33.
2 APERS: 1881 - Junta Criminal. N. 113, M. 04, E. 50.
3 Para mais informações a respeito da presença escrava em Porto Alegre, ver Gomes (2012).
4 Neste texto, será utilizada a grafia conforme aparece no processo, ou seja, com a linguagem da época. A partir desse momento, não será mais repetida a referência judicial: APERS: 1821 - Junta Criminal. N. 117, M. 04, E. 33.
5 Sobre a religiosidade católica e sua relação com as crenças africanas, ver: SIUDA-AMBROZIAK (2013).
6 Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/carreg_sn/anterioresa1824/cartaregia-39489-19-julho-1816-569787-publicacaooriginal-92995-pe.html. Acesso em: 5 mar. 2020.
7 Caso semelhante de maus-tratos senhoriais relacionados à questão do infanticídio e da tentativa de suicídio é apresen- tado por Moreira e Haack (2016, p. 408).
8 Disponível em: http//www.dicio.com.br/monomania. Acesso em: 16 jun. 2020.
9 Antônio; preto; 34; Sr. Manoel Alves Teixeira Russo; dt. reg. 02-07-81 (Livro 23, p. 45v). Desc.: A carta foi concedida em razão da “compra que dele fez ao Capitão José Rodrigues de Freitas no dia 1.° do corrente mês, obrigasse pela presente escritura a passar título de liberdade ao mesmo escravo Antônio no prazo de 5 anos, sendo este obrigado a acompanha-lo e prestar-lhe seus serviços bem e fielmente por todo este tempo de 5 anos que serão contados desta data, se o referido escravo se retirar de sua companhia por qualquer forma contra sua vontade será descontado todo o tempo que estiver ausente nos 5 anos, sendo obrigado a serviços outro tanto tempo quanto for de sua ausência. Declara mais que o referido preto fica desde já contemplado como liberto e somente obrigado a prestar-lhe os seus serviços e obediência pelo prazo de 5 anos”. O escravo foi matriculado sob n.° 2635 da matrícula geral e 2 da relação no 589. (Catálogo Seletivo Cartas da Liberdade. V. II, p. 755)
Author notes

E-mail:rradunz@ucs.brE-mail:r.siuda@uw.edu.pl


Figura 1 -
Primeira página da arguição do advogado Henrique da Silva Loureiro
Fonte: APERS: 1821 - Junta Criminal. N. 117, M. 04, E. 33.
Tabela 1 -
Número de escravos em Rio Pardo entre 1780 e 1872

Fonte: MEYER; RADÜNZ; VOGT, 2012, p. 78.
Tabela 2 -
Escravos em Rio Pardo segundo o Censo de 1872

Fonte: Censo de 1872. Elaborada pelos autores.
Tabela 3 -
Compra e venda de escravos do Capitão José Rodrigues de Freitas

Fonte: APERS - Livro de compra e venda de escravos. Elaborada pelos autores.

Figura 2 -
Solicitação de abandono de propriedade do Capitão Freitas
Fonte: APERS: 1881 - Junta Criminal. N. 113, M. 04, E. 50.
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