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Transexualidade em Quadrinhos: narrativa autobiográfica nas histórias de Sasha, a leoa de juba e Alice Pereira
Comic Transsexuality: autobiographical narrative in the stories of Sasha, a leoa de juba and Alice Pereira
Anos 90, vol. 28, e2021101, 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em

QUADRINHOS NAS AMÉRICAS EM PERSPECTIVA TRANSNACIONAL


Received: 11 January 2021

Accepted: 10 May 2021

DOI: https://doi.org/10.22456/1983-201X.110580

RESUMO: O artigo examina a produção gráfica das quadrinistas Samie Carvalho, criadora de Sasha, a leoa de juba, e Alice Pereira, autora dos quadrinhos Pequenas Felicidades Trans. A proposta é pontuar como tais quadrinhos foram empregados como instrumento artístico para abordar e romper com estereótipos, tabus e estigmas sobre transexualidade. Interessa assinalar como, através da exposição dos dilemas subjetivos e preconceitos vividos e da construção de uma autorrepresentação, tais narrativas disputam espaço e legitimidade com as narrativas hegemônicas, ao mesmo tempo em que contribuem para a formação de um pensamento crítico e compreensivo sobre os temas abordados.

PALAVRAS-CHAVE: Histórias em Quadrinhos, Identidade de Gênero, Transexualidade, Autobiografia.

ABSTRACT: The article examines the graphic production of the comic artists Samie Carvalho, creator of Sasha, a leoa de juba, and Alice Pereira, author of the comics Pequenas Felicidades Trans. The proposal is to point out how such comics were used as an artistic tool to approach and break with stereotypes, taboos and stigmas about transsexuality. It is interesting to point out how, through the exposure of the subjective dilemmas and prejudices experienced and the construction of a self-representation, such narratives compete for space and legitimacy with the hegemonic narratives, while contributing to the formation of a critical and comprehensive thinking about the topics addressed.

KEYWORDS: Comics, Gender Identity, Transsexuality, Autobiography.

Em 1 de agosto de 2017, a quadrinista Alice Pereira1 publicou em sua página do facebook o quadrinho acima (Figura 1), o primeiro de uma espécie de diário da transição em que narra o processo de autoidentificação e de transição como mulher transexual,2 os embates internos e externos, as descobertas, crises e alegrias vividas durante o transcurso de sua experiência. Em entrevista ao site UOL,3 ela afirmou que o projeto tinha o objetivo didático de tirar dúvidas que lhes eram apresentadas por pessoas cisgêneros e heterossexuais que se mantêm distante das questões relativas às vivências transexuais e a transgeneridade.

Essa série de quadrinhos sobre sua transição foi agrupada no livro Pequenas Felicidades Trans, publicado em 2019 através de uma campanha de apoio coletivo. Além de reunir várias passagens de seu processo de transição, o livro contém, no final, uma parte intitulada Coisas que a Gente Escuta, em que, com ironia, são apresentadas situações e perguntas constrangedoras vivenciadas regularmente pela autora, explicitando a transfobia velada expressa em práticas e discursos usuais; há também o Pequeno Dicionário Trans onde a autora ilustra e explica de forma bastante acessível termos referentes à transexualidade e à transgeneridade e que são empregados no livro, facilitando a compreensão das histórias.

Ainda segundo Alice, o outro objetivo dessa série, absolutamente imbricado ao primeiro, foi ilustrar como o amplo desconhecimento, alheamento ou não querer saber sobre as questões relativas à transgeneridade contribui para reforçar estereótipos, preconceitos, estigmas e tabus. Desse modo, a autora demonstra que a transfobia é fruto não só do preconceito, mas, sobretudo, da ignorância. Alice conta ainda que, embora não tenha feito parte de seus objetivos iniciais, obteve um retorno positivo e expressivo do público trans, construindo, de forma quase involuntária, uma rede de apoio e partilha entre os leitores e leitoras que comungam dos impasses, questões, problemas similares ou próximos aos que são abordados nas suas histórias. Paradoxalmente, através de uma rede social que dinamiza a impessoalidade e faculta o anonimato, Alice construiu uma rede de identificação que se manifesta e fica evidente nos comentários aos seus posts, em que diversas pessoas compartilham experiências comuns, sejam subjetivas ou vividas de forma prática.4

Acredito que vários elementos contribuem para essa conexão positiva entre Alice e seu público. Destaco o fato de que esses quadrinhos socializam questões que, por muito tempo, foram consideradas tabus, tornando-se, para muitos, motivos de culpa ou vergonha. Narrar essa experiência de forma pessoal, em primeira pessoa, favorece certa cumplicidade com seus leitores e leitoras. Assim, “[...] se, por um lado, a narrativa provém de um “eu”, por outro ela se dissolve na repetição do grupo que circunda esse “eu”. A narrativa sem se tornar impessoal passa a integrar a experiência do grupo, que assume coletivamente a voz individual [...].” (BOGADO, 2018, p. 36). Outro dado que precisa ser considerado junto com os temas (transgeneridade e transexualidade), a forma (subjetiva) e o meio ( facebook) é o recurso aos quadrinhos como linguagem escolhida para divulgar suas histórias, favorecendo o didatismo almejado já que as tornam mais acessíveis.

Sabe-se que Alice não foi a primeira, nem a única, artista trans que utilizou a linguagem dos quadrinhos e/ou as redes sociais para falar de sua transição e de sua vivência. Mais ou menos em 2009, a cartunista Laerte Coutinho5 começou a publicar, em seu blog na Folha de São Paulo, as histórias de Hugo, personagem que, como a própria Laerte à época, fazia crossdressing6 e que, gradativamente, foi se transformando em Muriel, deixando de se apresentar socialmente de forma masculina. Embora as histórias de Muriel (e Hugo) não sejam propriamente autobiográficas, elas se pautaram nas experiências cotidianas de Laerte, funcionando como uma espécie de válvula de escape utilizada pela artista para refletir sobre si e as novas experiências vividas. Em suas palavras:

Nessa época, eu não fazia uma ideia clara do sentimento trans. Deixei o personagem cuidar disso. Através dele fiz contato com grupos [reais] de crossdressers. Aos poucos Hugo foi se transformando em Muriel [em] tempo integral, como eu mesma fui abandonando toda apresentação social masculina. Acabou deixando de ser Hugo. (COAN, 2015, p. 15)

Pelo depoimento da artista, percebe-se que as histórias de Muriel foram uma forma de elaborar a própria compreensão de sua transexualidade e levar em frente a transição. Ao contrário de Alice, Laerte optou pelo humor para narrar suas histórias, inclusive para abordar as questões mais delicadas e incômodas. Tal opção, no entanto, não comprometeu o caráter pessoal da narrativa, mas a ironia empregada com maior rigor por essa artista fortalece sua crítica aos preconceitos, estereótipos e representações sobre as pessoas trans.


Figura 2 -
Laerte. Muriel.
Fonte: https://culturavisualqueer.wordpress.com/2010/07/25/murielhugo-personagens-transviados/. Acesso em: 30 mar. 2020.

Talvez esse seja um dos principais diferenciais dos quadrinhos de Laerte, uma vez que não só afasta qualquer possibilidade de vitimização da personagem, como apresenta aspectos corriqueiros de sua experiência cotidiana, sem que isso tenha significado, nem de longe, a não problematização dos preconceitos, estereótipos, tabus e outras questões importantes de serem abordadas quando se trata de pautar a vivência de uma pessoa trans. Aos poucos, Laerte parou de produzir os quadrinhos de Muriel, em suas palavras: “quando eu senti que [as histórias] estavam ficando ‘pautadas’ demais. O alvoroço em dar o recado, sabe?” (COAN, 2015, p. 16).

O facebook também foi a plataforma privilegiada por Samie Carvalho7 para apresentar as histórias de Sasha, a leoa de juba, personagem que encena diferentes experiências sociais e pessoais da autora relacionadas à sua vivência como mulher trans. As primeiras histórias dessa personagem apareceram em 2012 e se mantiveram até 2016.8 Nas entrevistas aos quais tive acesso, Samie é enfática ao afirmar que a personagem foi criada e construída a partir de sua personalidade e experiências, embora não seja totalmente autobiográfica, o que não a exime de ser pensada como uma espécie de autoficção. Os quadrinhos de Sasha abordam a rotineira experiência de lidar com comportamentos, discursos e ações que expressam preconceitos abertos ou indiretos contra as pessoas trans, assim como os conflitos íntimos com a própria identidade.


Figura 3 -
Samie Carvalho. Sasha, a leoa de juba.
Fonte: http://sashathelioness.blogspot.com/. Acesso em: 3 maio 2020.

Desse modo, com toques importantes de ironia, Samie discute de forma contundente os padrões de gênero e sua importância para manutenção do sistema cisheteronormativo.9 Assim como Alice, Samie obteve uma expressiva recepção dos leitores e leitoras, embora tenha sido atacada de forma incisiva por leitores machistas e transfóbicos.

Luiza Lemos foi mais uma artista que, tal qual Laerte, empregou o humor gráfico, para discutir questões relacionadas à transexualidade através dos quadrinhos da personagem Transistorizada, publicados desde 2015. Segundo a artista, o humor foi uma forma de dar um viés positivo às histórias contadas:

Meu propósito com o Transistorizada é falar da questão trans com um viés otimista. A gente sabe que tem muito preconceito, o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo. E sempre se fala de pessoas trans com um viés pesado, da violência, que 90% dos transexuais vão para a prostituição - por mera falta de oportunidade no mercado de trabalho. Eu acho importante que isso seja dito, porque é uma realidade dura. Eu me considero uma pessoa extremamente privilegiada, porque eu tenho um emprego, uma carreira, uma vida estruturada. Eu sou uma exceção. Mas o propósito da história é, apesar de eu achar importante essas questões, não aparentar para as pessoas que um transexual ou travesti é só coisa ruim. Na verdade é maravilhoso ser quem você é, poder assumir sua identidade para a sociedade. E o objetivo é mostrar uma versão positiva do transexual, uma versão em que coisas legais acontecem com trans e que, apesar das críticas, elas são sempre engraçadas, a personagem lida com as dificuldades de forma positiva. (FREITAS, 2016).

Como Aline Pereira, Luiza Lemos optou pela narrativa autobiográfica e recorreu ao facebook para narrar seu processo de transição, embora também incorpore relatos de outras pessoas, apostando numa linguagem mais didática e na interação maior com seus leitores e leitoras.


Figura 4 -
Luiza Lemos. Transistorizada.
Fonte: https://www.facebook.com/transistorizada/. Acesso em: 30 mar. 2020.

Pelo exposto até aqui, duas questões se sobressaem: a primeira refere-se ao fato de que as redes sociais, como facebook, foram prioritariamente os meios empregados por essas artistas para veicularem seus trabalhos. Obviamente isso se deu em virtude do fechamento por parte das mídias tradicionais - jornais (impressos ou não), televisão, rádio - às narrativas que não se integrem as determinações ideológicas hegemônicas binárias e cisheteronormativas. Conquistar espaço nesses canais de comunicação, superando as linguagens e terminologias carregadas de conteúdos discriminatórios, se fazendo ver e ouvir, faz parte do esforço de ampliação de cidadania empreendido por diferentes grupos sociais que ainda são colocados numa condição marginalizada nos espaços públicos. Isso foi possível graças ao empreendimento de novos grupos sociais que souberam ocupar as brechas existentes em mídias sociais como o facebook, e que acabou por se tornar, por um bom tempo, o espaço prioritário para veiculação desse tipo de trabalho.

Esse é um dos aspectos que tornou as redes sociais na principal plataforma empregada pelas “minorias” para se expressar e articular formas de ação política. Com a ampliação do alcance das redes sociais, sobretudo a partir da década de 2010, estas se tornaram um poderoso veículo para a mobilização política que tanto pode consistir no estabelecimento de formas de pressão direta com a política representacional e as instituições estabelecidas, quanto no desenvolvimento de um ativismo insurgente, ou seja, “aquele que privilegia a autonomia e a ação direta entre pares.” (COSTA, 2018, p. 44).

Inversamente à perspectiva que enxerga exclusivamente o excessivo isolamento dos indivíduos na sociedade em rede, Castells (1999) ressalta como as tecnologias da informação e da comunicação construíram uma estrutura social que impactou de forma substancial tanto as formas de relacionamento individual, como as organizações coletivas. Costa destaca que:

O grau de autonomia da descentralização das redes abriu um vasto campo de estratégias inesperadas de mobilização e comunicação políticas. Entre elas, estão as perspectivas capazes de mobilizar a expressão individual, assim como a erosão parcial entre o público e o privado, que podem ser vistos como o cerne da criação de modulações mobilizadoras estimuladas pela estrutura das redes. A internet fornece ainda um modelo de plataforma de comunicação que permite um novo padrão organizacional articulado através da polinização cruzada, da consulta mútua e da retroalimentação. (COSTA, 2018, p. 44-45)

Diferentes estudos que analisaram as manifestações sociais que ocorreram no Brasil em 2013 destacam que as redes sociais se tornaram a base para novas formas de organização política coletivas e horizontais. Nesses espaços, novas narrativas e contradiscursos foram promovidos, territórios e corpos se conectaram através de um “pertencimento precário e provisório” (BENTES apud BOGADO, 2018, p. 26), o que significa dizer que, em meio a existência de diferentes percepções, interesses e perspectivas, foi possível estabelecer alianças até então inimagináveis e imprevisíveis, nas quais diferentes subjetividades conseguiram se manifestar através de novas linguagens políticas e expressar a pluralidade que caracteriza essa movimentação.

Refletindo sobre as linguagens experimentadas pelos feminismos nas redes, Costa enfatiza a supressão do distanciamento entre o pessoal e o público e o manejo habilidoso do potencial mobilizador dos relatos pessoais, que vem se tornando uma das chaves mestras do feminismo contemporâneo. Esse é um caráter marcante na produção de Alice e Samie: o esforço de, através de uma escrita íntima e aberta, afetar o público leitor, apresentando-lhes aquilo que as afetam cotidianamente; falar de suas experiências pessoais de modo que estas ecoem coletivamente; compartilhar modos de existência que expressam a recusa enfática de identidades estáticas e do pressuposto da cisheteronormatividade.

O segundo aspecto que me interessa pontuar é que, ao contrário do que muitas vezes é veiculado de forma rápida por alguns estudiosos de HQs, é possível falarmos da existência de um mercado de consumo quadrinhos produzidos por e para transexuais, embora tenha alcançado um público mais amplo. Uma demanda política ainda reprimida no espaço público, em virtude das questões analisadas acima. Poderia citar várias outras cartunistas trans que desenvolveram um trabalho autobiográfico com esse objetivo, como Ellie Irineu, que produz o Rabiscos de Ellie, Stephie Labelle, criadora da webcomic Assigned Male, Kylie Wu que narrou sua transição através da webcomic The Girl Next Door, Lino Arruda, autor de Monstrans, relato autobiográfico em HQ que aborda a transmasculinidade, dentre outros.

Entretanto, para esse artigo optei por examinar com mais atenção a narrativa produzida sobre a vivência como mulheres trans nos quadrinhos das cartunistas Alice Pereira e Samie Carvalho.

Como dito anteriormente, tanto o diário em quadrinhos de Alice Pereira como as histórias de Sasha, a leoa de juba, foram publicadas originalmente nas páginas das autoras no facebook. A primeira história de Sasha, reproduzida anteriormente na Figura 3, foi veiculada concomitantemente no facebook e no Tumblr em novembro de 2012, originalmente em inglês. Com atualizações irregulares, até 2014 foram publicados 37 quadrinhos inéditos que posteriormente passaram a ser republicados até parar em 2016. Já os primeiros quadrinhos de Alice Pereira aparecem em agosto de 2017. Todo esse material foi reunido no livro com 102 páginas, publicado de forma independente e através financiamento coletivo em 2019. A página no facebook permanece ativa, com publicações irregulares de quadrinhos inéditos produzidos para campanhas educativas e/ou ativistas.

Será sobre esse material que me debruçarei, pontuando como tais quadrinhos foram empregados como instrumento artístico para falar de transgeneridade e romper com estereótipos, tabus e estigmas sobre a transexualidade. Interessa-me assinalar como através da exposição dos dilemas subjetivos e preconceitos vividos e da construção de uma autorrepresentação, tais narrativas disputam espaço e legitimidade com as narrativas hegemônicas, ao mesmo tempo em que contribuem para a formação de um pensamento crítico e compreensivo sobre os temas abordados.

Autobiografia e Vivências Trans nas Histórias em Quadrinhos

Segundo Jean-Pierre Mercier (1999), o pontapé inicial nos quadrinhos autobiográficos foi dado por Justin Green com Binky Brown meets The Holy Virgin Mary (1972). São 44 páginas repletas de detalhes onde o autor narra o transtorno compulsivo obsessivo e as fantasias sexuais que permearam sua infância e adolescência, além dos embates internos derivados do peso da sua formação católica. Esse também foi o estilo adotado por Will Eisner em Um Contrato com Deus e outras Histórias de Cortiço, em 1978, para narrar as memórias de sua infância vivida num cortiço do Bronx. Outros quadrinistas, como Robert Crumb e Art Spiegelman se tornaram referências importantes nos quadrinhos autobiográficos, sendo comumente identificados, de forma equivocada, como os precursores desse estilo narrativo nos quadrinhos.

Crumb já havia explorado sua imagem através de exercícios autoficcionais em várias histórias em que aparece como personagem, entretanto a primeira narrativa propriamente autobiográfica se deu em My First LSD Trip, publicada em 1973, em que narra sua iniciação com LSD. Em 1992, Spiegelman ganhou o Prêmio Pulitzer de Literatura com Maus, graphic novel publicada em 1986 em que rememora sua infância e as assombrosas histórias contadas por seu pai, Vladek Spiegelman, judeu polonês e sobrevivente do holocausto.

Um aspecto interessante no processo de incorporação desse gênero no âmbito das HQs é o fato de ter sido inaugurado por homens que contavam histórias de homens, tal qual já vinha ocorrendo no campo das autobiografias literárias. Posteriormente, as mulheres entraram e se destacaram nesse campo. Em 2006, Alice Bechdel publicou Fun Home: uma tragicomédia em família, que reúne no formato de narrativa gráfica suas memórias sobre as complexas relações familiares e questões da sua sexualidade durante sua infância e adolescência vividas na zona rural da Pensilvânia. Em 2007 temos a publicação, concomitante, de O Jogo das Andorinhas: morrer, partir, retornar, da libanesa Zena Abirached, quadrinhos em que narra as recordações da infância em Beirute, durante a guerra civil libanesa; a autobiografia Need More Love, de Aline Kominsky Crumb, considerada a pioneira dos quadrinhos autobiográficos nos EUA; e Persépolis, série criada pela iraniana Marjane Satrapi, em que apresenta o cotidiano da sociedade civil após a Revolução Iraniana, ocorrida em 1979, quando a autora tinha 10 anos, o choque cultural e a crise de identidade vividos quando, com 14 anos, foi estudar em Viena, e o retorno a Teerã, quatro anos depois. A lista de artistas, inclusive latino-americanas, que adotaram o gênero autobiográfico em quadrinhos é extensa e me restringirei as citadas acima para não me estender demais.

Segundo Lejeune: “escrever e publicar a narrativa da própria vida foi por muito tempo, e ainda continua sendo, em grande medida, um privilégio reservado aos membros das classes dominantes. [...] a autobiografia não faz parte da cultura dos pobres.” (LEJEUNE apud RAGO, 2013, p. 32). Esse autor está se referindo a ausência de escritos produzidos pelos que se encontram “a margem” da sociedade: operários, camponeses, dentre outros grupos sociais que foram impedidos de narrar e escrever sua própria história.

Rago, entretanto, inclui as mulheres nessa categoria, demonstrando profundo interesse em recuperar as “artes feministas de existência”, ou seja, as formas desenvolvidas por mulheres para narrar suas experiências “intensas, miúdas e constantes de construção de outros modos de pensar, agir e existir em prol da autonomia feminina.” (RAGO, 2013, p. 28). Ao se ocupar dessas escritas de si, Rago está chamando a atenção para as formas como as mulheres analisadas em seu estudo “se constituem discursivamente”, se reinventam em suas narrativas autobiográficas, questionam “as identidades construídas e constituem-se como sujeitos múltiplos.” (RAGO, 2013, p. 32). Falar de si, contar suas histórias, gradativamente se tornou um recurso empregado por grupos marginalizados como mulheres, LGBTQY+, negros, indígenas, para ocupar espaços que lhes são constantemente negados em determinados campos de conhecimento e/ou de produção cultural. Sabemos que o primeiro passo nessa direção de levar para os espaços formais de ação política questões consideradas da esfera do privado, como a sexualidade, foi dado ainda nos anos 1970 pelos movimentos feminista e gay. Já naquela circunstância esses grupos perceberam a necessidade de criar outros espaços e formas de atuação para além das institucionalizadas, criando seus próprios espaços de trabalho e de enfrentamento, nos quais poderiam falar de si e das suas experiências. Rago (2013, p. 194) denomina esse tipo de militância como “menor”, ou seja, um tipo de militância que “escapa o hegemônico, que não se deixa apreender pelas codificações normativas e pelas formas biopolíticas de controle do corpo e da subjetividade. [...]”.

Ao entrar em contato com o trabalho de Alice e Samie no facebook, chamou-me a atenção o esforço empreendido em construir um espaço autobiográfico para tratar das próprias transições e tematizar a transexualidade. Entendo que ao mesmo tempo em que tais artistas exercitam a habilidade de desenhar/falar sobre si mesmas e de se definir - ainda que provisoriamente - produzindo relatos que de algum modo conformam uma representação de si, elas também objetam e superam as verdades prévias a seu respeito, instituindo suas próprias verdades e rompendo com as representações estigmatizadas sobre as pessoas trans.

Essas narrativas gráficas autobiográficas são, assim, uma forma de documentar essas existências em suas multiplicidades, tornando “histórico o que fora escondido da história” (SCOTT, 1998, p. 299). Uma documentação que não só apresenta os efeitos desse processo de silenciamento e de não aceitação externa sobre essas pessoas, mas também nos leva a refletir sobre as engrenagens desses sistemas de poder que fabricam e sustentam os regimes de verdade produzidos e reproduzidos por discursos, instituições e aparelhos econômicos, políticos e culturais hegemônicos. Ao lançar luz sobre seus modos de vivências pessoais e experiências coletivas, atuam como formas de contestação a esses regimes de verdade que balizam as formas de ser que serão reconhecíveis e não reconhecíveis (BUTLER, 2009).

Ao ser indagada sobre como via a representação das pessoas trans na arte e na mídia, Alice pondera:

Então, a gente vê muitos filmes, peças de teatro, livros, contando a história de pessoas trans. Mas os escritores, roteiristas, atores e diretores nunca são pessoas trans. Acaba que fica tudo meio fake, recheado de estereótipos que se perpetuam, pois essas pessoas não têm a vivência e constroem essas obras baseadas nestes mesmo estereótipos. Este é um dos motivos pelos quais decidi escrever e desenhar minha história. A história de uma pessoa trans contada por uma pessoa trans. (PEREIRA, 2019)

Do mesmo modo que há um esforço em desmontar as “narrativas que controlavam suas vidas”, ocorre a produção de “novas cartografias existenciais” (RAGO, 2011, p. 3). Esse é o ponto destacado por grande parte dessas artistas: a preocupação em construir representações autorais de si e desmistificar tabus, romper estereótipos, produzir e estimular reflexões críticas. Dessa forma, são colocados à vista “um mundo de práticas e valores alternativos cuja existência desmente construções hegemônicas de mundos sociais” (SCOTT, 1998, p. 300). Ocorre também uma apropriação das suas existências que passam a ser contadas a partir de suas experiências vividas, tornando tênues as fronteiras entre o público e o privado, assim como entre o que seria realidade ou ficção. Para levar a frente seu intento, as artistas fizeram apostas narrativas distintas.

Alice optou por criar uma espécie de diário, narrado em primeira pessoa, no qual ao mesmo tempo em que explana, vivencia os acontecimentos. A junção entre personagens estáticos, sem esboçar movimentos, cenários restritos e adoção frequente de ângulos de visão médio (permitindo olhar a cena de frente) e dos planos geral (em que se torna possível ver o ambiente completo em que se deram os acontecimentos), médio (a personagem é apresentada da cintura pra cima) e o primeiro plano (limitando o espaço aos ombros), reforçam o caráter intimista do diário.

Mais que uma exposição de sua vida, esse desenho intimista se mostra uma forma plausível dos leitores e leitoras terem acesso à experiência do não dito e aquilo que se torna quase impossível de verbalizar, sobretudo, porque, apesar da autora apresentar as datas dos acontecimentos narrados, dando uma linearidade à história, ela não demonstra apego em apresentar com exatidão os acontecimentos. Longe disso, nos deparamos menos com o desenrolar das decisões tomadas e mais com as manifestações da sua subjetividade, o desassossego íntimo que acompanhou cada fase da vida, os sentimentos e impasses subjetivos vividos antes e durante cada tomada de decisão. Dessa forma, o diário em quadrinhos de Alice se torna uma reconstrução dessa intimidade vivida sozinha ou, empregando as palavras de Starobinski citado por Duque-Estrada (2009), a confecção de uma narrativa autêntica, alforriada do compromisso com uma verdade pré-existente, e empenhada em reabilitar os sentimentos, impulsos e desejos que nortearam sua própria verdade. “O seu único e maior risco não é trair a realidade dos fatos, mas ir além de si ou desviar-se de si” (DUQUE-ESTRADA, 2009, p. 20).

O diário não foi o gênero textual adotado por Samie para narrar as histórias de Sasha, a leoa de juba. São quadrinhos com histórias curtas, em geral com bastante diálogo, por vezes sobrecarregando os quadros com balões, que prescinde de um narrador seja externo ou interno e nos quais a autora protagoniza, na persona de Sasha, as cenas apresentadas. Como Alice, Samie recorre com frequência aos planos geral, médio e primeiro plano, para compor os quadros, sendo este último utilizado especialmente para as que tematizam os conflitos pessoais vividos isoladamente, reforçando a dramaticidade da cena.


Figura 6 -
Samie Carvalho. Sasha, a leoa de juba.
Fonte: https://www.facebook.com/SashaTheLioness/. Acesso em: 3 maio 2020.

Entretanto, diferente de Alice, Samie não relata o processo de autoidentificação como mulher trans e de mudança. Todos os acontecimentos narrados ocorrem quando ela já se assume como mulher trans. Desse modo, ela apresenta tanto os transtornos constantes vividos pela não aceitação pública da transexualidade, como de que modo isso afeta a sua subjetividade e a profusão de sentimentos contrastantes vividos.

Apostar na ironia como recurso narrativo foi a estratégia comum dessas artistas para abordar discursos com alta carga de estigmas, estereótipos e outras formas e preconceitos contra pessoas trans. Para Linda Hutcheon: a “ironia é uma estranha forma de discurso onde você diz algo que, na verdade, não quer dizer e espera que as pessoas entendam não só o que você quer dizer de verdade, como também sua atitude em relação a isso.” (HUTCHEON, 2000, p. 16). Desse modo, ao utilizar a ironia, as cartunistas provocam os leitores e as leitoras para participar de um jogo de cumplicidade que os tornam, de alguma forma, ativos na medida em que conseguem partilhar dos sentidos subjacentes presentes no texto. A forma mais comum do uso da ironia nos quadrinhos de Samie e Alice ocorre quando são colocados à mostra os clichês e equívocos constantemente repetidos sobre pessoas trans, evidenciando: “o outro (o enunciador) que realmente defende o ponto de visto que é alvo de ironia” (MAINGUENAU, 1993, p. 34).


Figura 7 -
Samie Carvalho. Sasha, a leoa de juba.
Fonte: https://www.facebook.com/SashaTheLioness/. Acesso em: 3 maio 2020.

No quadrinho da Figura 7, por exemplo, a ironia acontece quando Sasha se apropria da certeza presente no discurso defensor da naturalização dos gêneros, realiza uma inversão e, de forma assertiva, coloca os artifícios empregados para conformar um suposto padrão masculino de ser e de se apresentar socialmente na esfera da incerteza ao qual, inicialmente, ela havia sido inserida. Desse modo, a ironia serve tanto para negar e ridicularizar o discurso do enunciador, questionar práticas e comportamentos estabelecidos, como para inverter, subverter e fragmentar sua lógica argumentativa.

É interessante como Alice utiliza o mesmo recurso de apropriação discursiva para expor o quão despropositadas e invasivas são as perguntas que, comumente, lhes são feitas, recodificando as representações constituídas sobre pessoas trans. No curto diálogo encenado e que reproduzo abaixo (Figura 8), a ironia ocorre quando através de um jogo intertextual Alice inverte os papéis assumidos na cena e se apropria da conduta da sua interlocutora que, de forma inadequada e invasiva, tenta se imiscuir em sua intimidade. Em ambos os casos, a ironia só é possível porque existe uma comunidade discursiva que lhe acolhe, superando, dessa forma, o simples feito de ser um recurso humorístico. Aliás, penso que os dois exemplos utilizados prescindem de humor.

Dentre os temas abordados por Samie e Alice predominam as alusões à disforia ao gênero e o preconceito externalizado por pessoas estranhas ao seu círculo afetivo. Segundo os relatos de Alice, não houve problema de aceitação entre seus familiares e amigos, enquanto Samie faz menção, em um único quadrinho, a certo conflito com seu pai. Para ambas, as maiores atribulações manifestam-se no convívio social, ambientes de trabalho e espaços públicos de lazer, em que enfrentam dificuldades que vão desde o uso do sanitário às coisas mais triviais como a compra de roupas de banho.

No Pequeno Dicionário Trans, Alice explica com imagem e texto o que significa “disforia”:

É um estado de tristeza, resultado da insatisfação e inadequação entre a imagem que a pessoa tem de si mesma na mente e a que ela enxerga fisicamente. Em pessoas trans a disforia está relacionada com as características físicas que remetem ao gênero oposto ao que ela se identifica. Uma mulher trans se sente disfórica ao notar traços masculinos. Um homem trans, ao notar traços femininos. Muitas vezes a pessoa pode estar se sentindo bem e a disforia é disparada por alguém que se refere a ela com pronomes do gênero oposto ao qual ela se identifica. Muitas entram em depressão e até cometem suicídio. O respeito a identidade das pessoas trans é muito importante para minimizar a disforia. (PEREIRA, 2019)

Segundo a quinta versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mental (DSM-5), publicado em maio de 2013, disforia consiste em um termo descritivo geral que se refere: “ao descontentamento afetivo/cognitivo de um indivíduo com o gênero designado [...].” (DSM-5 apud BENTO, 2016, p. 522). Ainda conforme esse Manual, trata-se de uma categoria diagnóstica utilizada para substituir o que antes era definido como “Transtorno de Identidade de Gênero” (TIG).

Essa substituição terminológica, porém, manteve a disforia dentro do grupo dos supostos “transtornos mentais vinculados ao gênero”. Desse modo, de acordo com esse diagnóstico, são portadores desse transtorno adultos e adolescentes que apresentem: “Forte desejo de pertencer ao outro gênero (ou a algum gênero alternativo diferente do designado); Forte desejo pelas características sexuais primárias e/ou secundárias do outro gênero; Forte convicção de ter os sentimentos e reações típicas do outro gênero” (BENTO, 2016, p. 503).

Bento (2016) destaca que esse diagnóstico mostra um esforço de identificar uma suposta causa biológica para a existência de identidades trans. Ao atestar a existência de uma patologia, o diagnóstico possibilita que pessoas trans interessadas em utilizar hormônios ou realizar a mudança de sexo possam dispor dos recursos médicos e tecnológicos oferecidos por seguradoras de saúde ou, no caso brasileiro, pelo serviço público de saúde. Por esse motivo, grupos dentro da comunidade LGBTQY+ defendem a continuidade do diagnóstico como forma de auxiliar a obtenção de direitos jurídicos e tornar economicamente viável o acesso aos recursos médicos. Por outro lado, ativistas e psiquiatras se opõem a manutenção do diagnóstico por entenderem ser uma forma de “patologizar como doença mental o que deveria ser, ao contrário, entendido como uma possibilidade entre outras de determinar o próprio gênero” (BUTLER, 2009, p. 97).

O debate é amplo e complexo, mas, em linhas gerais, se pode dizer que a questão central gira em torno das implicações da patologização das “experiências que não se enquadram dentro do que é considerado culturalmente aceitável para os gêneros” (BENTO, 2016, p. 509), e como isso desconsidera a liberdade de autodeterminação de gênero e o exercício de autonomia do sujeito.

Tendo em vista esse debate, Butler propõe que se desloque a reflexão para como esse diagnóstico afeta a experiência de quem vive com ele:

O que significa viver com esse diagnóstico? Ele ajuda algumas pessoas a viver, a alcançar uma vida que elas sintam merecer ser vivida? Ele dificulta a vida de algumas pessoas, fazendo com que se sintam estigmatizadas, e, em alguns casos, contribui para um final suicida? Por um lado, não devemos subestimar os benefícios que o diagnóstico trouxe, especialmente para as pessoas trans de recursos econômicos limitados que, sem a assistência do seguro-saúde, não poderiam ter atingido seus objetivos. Por outro lado, não devemos subestimar a força patologizante do diagnóstico, especialmente para jovens que podem não ter os recursos críticos para resistir a essa força. Nesses casos, o diagnóstico pode ser debilitante, senão assassino. Algumas vezes, o diagnóstico assassina a alma; e, algumas vezes, torna-se um fator para o suicídio.

Assim, o que está em jogo neste debate é altamente importante, pois parece ser, afinal, uma questão de vida ou morte; para alguns, o diagnóstico parece significar a própria vida e, para outros, o diagnóstico parece significar a morte. Para outros, ainda, ele pode muito bem ser uma benção ambivalente ou, de fato, uma maldição ambígua. (BUTLER, 2009, p. 98).

A abordagem feita por Samie e Alice se aproxima do proposto por Butler, pois enfoca não a experiência de viver com o diagnóstico, mas com o sentimento de “descontentamento com o gênero designado”, e que se expressava através da frequente insatisfação com a própria imagem e que se amplifica diante do rechaço constante dos corpos das pessoas transexuais. Suas narrativas contemplam a complexidade das emoções que envolvem esse se sentir inadequada na própria pele: dúvida, frustração, incompletude, desconforto, desprazer e o medo de serem rejeitadas ou ridicularizadas pelos outros, sentimentos que, muitas vezes, as levaram ao recolhimento e isolamento.

Retomando a definição de disforia apresentada por Alice, identifico que se aproxima do “diagnóstico” proposto pelo DSM-5 ao pontuar como característica principal a “insatisfação e inadequação entre a imagem que a pessoa tem de si mesma na mente e a que ela enxerga fisicamente", ao mesmo tempo em que transcende a patologização quando aborda a disforia como um “estado” vivido pelo sujeito - “estado”, por sua vez, modificável - e apresenta o respeito a identidade das pessoas trans como antídoto possível para minimizar esse “estado”, uma vez que compreende que, muitas vezes, o “disparo” do sentimento disfórico ocorre quando “alguém [...] se refere a ela com pronomes do gênero oposto ao qual ela se identifica" (PEREIRA, 2019).

Ao introduzir o elemento ético na definição apresentada, Alice ultrapassa o diagnóstico generalizante que oferece elementos para que grupos transfóbicos reforcem o argumento de que a transexualidade se trata de um “transtorno psiquiátrico”, estabelecendo a defesa e o respeito à autodeterminação como parte importante desse processo. Assim, nas narrativas de Alice e Samie, a disforia surge como um estado emocional vivenciado em diferentes etapas de suas vidas, tornando-se uma experiência identitária e sexual que, embora seja frequente entre pessoas que ainda não assumiram sua identidade de gênero, não é única, genérica e nem absoluta. Apesar de estarem relatando suas experiências individuais, as artistas politizam o debate ao focar nas arbitrariedades dos preceitos sociais cisheteronormativos e transfóbicos que definem o que é normal/anormal.

Ambas comungam da sensação de desconforto e inadequação aos modelos de gênero, especificamente os de masculinidade, desde suas infâncias. Em virtude dessa sensação de deslocamento, viram-se debruçadas em reflexões sobre a validade desses padrões e a possibilidade/viabilidade de questioná-los e reinventá-los. Também em ambas o que dispara o sentimento de inadequação não é somente o sentir-se mulher e ver no espelho a imagem masculina, mas a normatização dos gêneros que compreende a sexualidade apenas como a heterossexualidade. Essa normatização parte do pressuposto de que deve existir uma adequação ao gênero, “um sentimento de que este gênero é adequado para mim, adequado em mim.” (BUTLER, 2009, p. 116).

Além da frequente insatisfação com a própria imagem e a dificuldade que ambas tinham em se adaptar aos padrões de comportamento pré-determinados para meninos e meninas, as autoras abordam a supressão do direito de vivenciar experiências coletivas seja pelas frequentes rotulações e não reconhecimentos dos seus corpos, ou por terem suas subjetividades constantemente invadidas.


Figura 10 -
Samie Carvalho. Sasha, a leoa de juba.
Fonte: https://www.facebook.com/SashaTheLioness/. Acesso em: 3 maio 2020.

Para Alice Pereira, o caos interno se intensificava pelo fato de que não se identificar com o seu sexo biológico não implicava a ausência de desejo sexual por mulheres. Ela narra que se descobriu transexual aos nove anos quando pela televisão conheceu a artista Rogéria e foi informada pela sua mãe que “ela nasceu homem e virou mulher”. A entrada na adolescência fortaleceu sua dúvida pelo não reconhecimento e compreensão do próprio corpo. A questão da orientação sexual não foi aprofundada em seus relatos gráficos, embora fique patente que tenha representado um sofrimento a mais no processo de auto constituir-se trans, sobretudo durante a adolescência quando ela não sabia distinguir orientação sexual da identidade de gênero.

Suas histórias narram os problemas advindos da insistência na manutenção de normas que se pretendem fixas e imutáveis e que tentam adequar a todos sem considerar as pluralidades (culturais, sociais, econômicas, subjetivas etc.) individuais. Essas normas também estabelecem correlação entre a identidade de gênero e a orientação sexual, entendendo que a primeira é referência determinante para a segunda, ou seja, os atributos masculinos ou femininos levarão ao desejo pelo sexo oposto. Provavelmente a disforia, e o grande problema subjetivo que representou na vida dessas artistas, foi fundamental para a construção da imagem da protagonista de seus quadrinhos. Imagem que, ao final, é a imagem de si. As opções de autorrepresentação foram bem diferentes entre elas: Samie optou por uma leoa antropomorfizada e Alice por uma mulher simples, bem distinta das representações de mulheres cristalizadas nas histórias em quadrinhos. No entanto, ambas as representações corroboram com o intento de desmistificar tabus, romper estereótipos e, ao mesmo tempo, produzir e estimular reflexões críticas sobre transgeneridade e transexualidade.

Teresa de Lauretis (2019) discute como a representação feminina é produto das diversas tecnologias sociais e de discursos institucionais capazes de regular o campo do significado social, gerar, fomentar e instituir a construção do gênero. Ao revogar essa supervalorização dos atributos físicos das protagonistas das HQs, Samie e Alice são partícipes do processo contemporâneo, identificado em várias cartunistas independentes, de atualização e desestabilização das representações hegemônicas das “mulheres de papel” (OLIVEIRA, 2007).


Figura 12 -
Samie Carvalho. Sasha, a leoa de juba.
Fonte: https://www.facebook.com/SashaTheLioness/. Acesso em: 3 maio 2020.

Na sua página do facebook, em janeiro de 2013, Samie conta que no conceito original a personagem se chamaria Samara e não seria uma leoa, mas não explica o que levou a mudança para o animal antropomorfizado. Destaca-se a corpulência da personagem Sasha, normalizando esse tipo físico e se afastando dos rígidos padrões de beleza e cânones corporais das HQs.

Um ano depois, em entrevista para a Revista Rosa, ela apresentou a seguinte explicação para a escolha por representar a personagem através de uma leoa:

O ‘ser leoa’, se ver como leoa e ser vista como tal é apenas uma metáfora para a forma desumanizadora como ela é vista pela sociedade e por si mesma. Tanto por questões de transfobia e preconceito, quanto dificuldade de auto-aceitação. Além de ser também um eufemismo para termos como ‘transexual/travesti/queer’. É uma forma de representar metaforicamente a dificuldade e, às vezes, impossibilidade das pessoas que não são cisnormativas passarem despercebidas na sociedade. Gays, lésbicas e bissexuais podem, na maioria esmagadora dos casos, viver seu dia a dia sem que as pessoas necessariamente saibam que eles o são, e assim sofrem quantitativamente menos situações constrangedoras e de preconceito. Mas ser trans, queer ou mesmo cis, mas sem se encaixar nos padrões cisnormativos, é algo que não se ‘omite’ da mesma maneira. Você tem que estar pronta pra dar a cara a tapa todo dia a partir do momento que põe o pé́ pra fora de casa. E pra aguentar isso, tem que ser forte, corajoso e valente. Nesse sentido tem que ser como um leão (leoa, no caso da Sasha). Fora isso, tem a jogada da juba, que é uma brincadeira com o fato de que nos leões o cabelo comprido é símbolo de ‘masculino’, enquanto o cabelo curto seria ‘feminino’. Exatamente o oposto do que acontece com nós, humanos. Sendo a Sasha uma leoa-humana, a coisa fica bem interessante (CARVALHO, 2014).

O mesmo ocorre quando Alice opta por se autodesenhar de forma trivial, com um contorno não curvilíneo, traços faciais quase inexistentes, ressaltando apenas os grandes olhos claros e os longos e lisos cabelos louros. Em geral, nas HQs o comprimento dos cabelos corrobora para a legitimação da sexualidade da personagem.

Segundo Oliveira (2007, p. 166): “Os cabelos nas histórias em quadrinhos costumam acompanhar os cânones da moda; entretanto, mesmo seguindo as tendências eles acumulam as funções de atributo sexual e classificatório na construção das mulheres de papel”. Nas histórias de Alice, essa diferenciação é diluída uma vez que a personagem se apresenta com os cabelos longos antes e após a transição e o seu vestuário também não contribui para fixar uma suposta identidade feminina, já que ela não se apresenta “confinada simbolicamente” a um tipo de roupa.

Em ambos os casos, além de colocar à vista “um mundo de práticas e valores alternativos cuja existência desmente construções hegemônicas de mundos sociais” (SCOTT, 1998, p. 300), a normalidade corporal das personagens indica um distanciamento importante das representações de mulheres, produzidas em HQs do mainstream. O embate se dá, portanto, contra padrões de gênero e de beleza.

Outros temas são enfrentados nos quadrinhos de Samie e Alice, porém respeitando os limites desse artigo creio que já é possível argumentar sobre como essas histórias promovem um debate sobre temas que por muito tempo estiveram fora das histórias em quadrinhos como transexualidade, processos internos de autodeterminação e reconhecimento, performance, caminhos de modificação corporal, entre outros.

Aliás, é possível afirmar que narrativas transexuais estiveram por longo tempo, por medo, incômodo ou estranheza (OLIVEIRA, 2020), marginalizadas também dos espaços de produção de conhecimento. A grande maioria dos estudos desenvolvidos e publicados sobre o tema não foram escritos pelos próprios sujeitos envolvidos, uma vez que estes ainda são minorias nos espaços acadêmicos. Muitas pesquisas ainda se restringem a tematizar questões relacionadas à violência impetrada cotidianamente contra esses grupos (algo necessário e importante de ser feito incessantemente, é bom salientar), sem colocar em foco as suas experiências cotidianas, subjetividades, redes de solidariedade, etc. Nesse sentido, nós que pesquisamos e escrevemos sobre esses temas e questões, independente ou apesar de nossas intenções, muitas vezes atuamos como voyeurs, “espectadores passivos que não se relacionam com os menos poderosos, mas que estão interessados em observar como o ‘diferente’ vive” (COLLINS, 2015, p. 32). A grande ausência parece ser a de suas vozes protagonizando as narrativas sobre as suas próprias experiências de vida, retirando-os, desse modo, da invisibilidade em que foram confinados. Segundo Collins (2015, p. 26): “Uma maneira de desumanizar uma pessoa ou um grupo é negar-lhes a realidade de suas experiências”.

Entendo que essa ausência/silenciamento/apagamento tem sido uma forma contundente de desumanização desses sujeitos e de seus saberes e que a ocupação desses espaços faz parte de um processo crescente de tomada e difusão da palavra, tanto a oral como a escrita, e da imagem por parte desses grupos marginalizados, transformando-se numa forma de ação política coletiva. Quando falo em uma tomada da palavra e da imagem, estou me referindo a experiências de produção e reprodução de narrativas gráficas como as promovidas pelas artistas aqui analisadas, e que são divulgadas através das redes sociais, funcionando como marca identitária e como campo estratégico de ação política.

Essa tomada da palavra e da imagem pode ser abordada também como uma espécie de levante que se organiza em torno da apropriação das palavras e da enunciação e onde os atores políticos - ou, no caso em questão, as atrizes políticas - em ação assumem de forma singular o lugar de sujeitos do discurso, promovendo, assim, a libertação dos discursos tradicionais e das instituições, ocasionando uma explosão discursiva.

Pensada desse modo, a virtualização da vivência transexual na sociedade de comunicação generalizada, de forma paradoxal, colocou em evidência a multiplicidade das formas de fazer e agir políticas, implicando, assim, na “libertação da rigidez das narrações monológicas” (VATTIMO, 1992, p. 35). Essas narrativas transviadas, no sentido proposto por Oliveira (2020), que promovem a virtualização da experiência de vida das mulheres trans são uma forma de ação política que, por sua vez, incide na gestação de um lugar simbólico que se situa para além dos espaços tradicionais de fazer política. Esses lugares simbólicos podem não mudar efetivamente nada, como afirmam os seus críticos, entretanto, como previu Certeau, eles criam possibilidades:

La acción simbólica abre también una brecha en nuestra concepción de la sociedad. Nos lleva a lo que puede ser el rasgo esencial y el más enigmático de una ‘revolución’ caracterizada por la voluntad de articularse en lugares de la palabra que impugnan las aceptaciones silenciosas. (CERTEAU, 1995, p. 35).

Finalmente, interessa-me pontuar a compreensão dos quadrinhos de Samie e Alice no sentido proposto por Rago: não como meros relatos confessionais, tampouco uma valorização heróica de si, mas “como aberturas para o outro, como espaços intersubjetivos em que se buscam a constituição de subjetividades éticas e a transformação social.” (RAGO, 2011, p. 3). Uma arte ativista miúda que une a expressão artística com o ativismo político para promover debates sobre temas variados e que promove a inserção, na esfera do político, de questões do âmbito da subjetividade e da vida privada, sublinhando o que de político há nessas questões.

Referências

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VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. Lisboa, Portugal: Relógio D’Água Editores, 1992. (Coleção Antropos).

Notes

1 Alice Pereira nasceu em Paracambi/RJ. É ilustradora, musicista e multi-instrumentista. Em 2016, quando ainda trabalhava como engenheira de petróleo, publicou o primeiro livro A História do Petróleo em Quadrinhos, pela editora Jaguatirica. Em 2019, publicou, de forma independente e com financiamento coletivo, o livro Pequenas Felicidades Trans.
2 As artistas analisadas nesse artigo se apresentam social e politicamente como mulheres trans, ou seja, pessoas que não se reconhecem no gênero que lhe foi designado socialmente, a partir de sua genitália. Entretanto, o fato delas se apresentarem como mulheres trans não significa, obrigatoriamente, que se identificam como pessoas binárias. O debate sobre questões relacionadas à transexualidade e à transgeneridade é longo, complexo e polêmico, permanecendo ainda em constante revisão. Considerando esse aspecto e os objetivos desse artigo, optei por não me debruçar com afinco nessa discussão mais teórica e conceitual. Aqui nortearam minhas reflexões os livros: BUTLER, Judith. Problemas de Gênero. Feminismo e subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003; e PRECIADO, Paul B. Manifesto Contrassexual. São Paulo: N-1 Edições, 2017.
3 BERTOLO, Rodrigo. Trans ao Quadrado. Cartunistas desenham a dor e a delícia da transição de gênero. TAB UOL. Disponível em: https://tab.uol.com.br/amp-stories/hq-trans/index.htm. Acesso em: 5 jan. 2020.
4 Não desconsiderei a mediação da artista, que pode aceitar ou apagar comentários contrários as suas ideias, mas optei por considerar os comentários que se mostram afins com as experiências narradas. Em 03/05/2020, a página Pequenas Felicidades Trans no facebook contava com 6.136 seguidores e 5.137 seguidores no Instagram.
5 A cartunista paulistana Laerte Coutinho atua na área de humor gráfico desde os anos 1970 e tem uma vasta e reco- nhecida produção gráfica. Trabalhou em diversos jornais da grande imprensa, como Gazeta Mercantil, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, além de ter participado de publicações coletivas e alternativas como a revista Balão, Chiclete com Banana, o jornal Pasquim, dentre outras. Participou de projetos em cinema, televisão e foi a protagonista de um documentário sobre sua transição.
6 Em 2010, Laerte afirmou que não usaria mais a palavra crossdresser, pois achava “[...] que ela tem uma conotação meio [...] classista e meio preconceituosa em relação às travestis.” (Filho Nobrega, 2016, p. 16).
7 A ilustradora Samie Carvalho é mineira. Desde 2017 vive em Tóquio, onde trabalha como diretora de designer na empresa Yokohama. As histórias de Sasha, a Leoa de Juba estão disponíveis em sua página do facebook (https://www.facebook. com/pg/SashaTheLioness/) e sashalioness.tumblr.com.
8 Em 03/05/2020 a página Sasha, the lioness tinha 10.496 seguidores no facebook.
9 O conceito de cisheteronormatividade é empregado por referenciais teóricos de gênero e sexualidade na crítica aos sistemas que oprime e marginaliza sujeitos considerados inadequados à normatividade heterossexual e cissexual. Cf. PRECIADO, Paul B. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 19, n. 1, jan./abr. 2011. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2011000100002. Acesso em: 24 jan. 2020. BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

Author notes

E-mail:conceicao.pires@uol.com.br



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