QUADRINHOS NAS AMÉRICAS EM PERSPECTIVA TRANSNACIONAL
Circulações, trânsitos e hibridismos: quadrinhos nas Américas em perspectiva transnacional
Circulations, transits and hybridisms: comics in the Americas in transnational perspective
Circulações, trânsitos e hibridismos: quadrinhos nas Américas em perspectiva transnacional
Anos 90, vol. 28, e 2021104, 2021
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva
Received: 17 September 2021
Accepted: 26 October 2021
RESUMO: Esboçar uma definição de história em quadrinhos é uma tarefa inglória. À historiografia cabe, antes, investigar suas manifestações em diferentes contextos, apresentando abordagens que possibilitem interpretá-las historicamente e ressaltando os diversos usos possíveis desta expressão gráfica. Exploramos aqui o estudo dos quadrinhos informado por um olhar atento às circulações e trânsitos envolvendo artistas e obras, sem ignorar suas implicações no campo dos imaginários e das representações. Em outras palavras, se, por um lado, uma série de temas em torno das operações de deslocamentos se impõe um como tema de pesquisa, por outro lado tais discussões sugerem que reflitamos sobre como tais deslocamentos podem ser representados e mesmo se constituem enquanto um componente central da própria estética dos quadrinhos. Fragmentada e marcada pela articulação de imagens em sequência, os quadrinhos possibilitam aprofundar o debate sobre o transnacional, por meio de tópicos envolvendo os trânsitos e as transações culturais em seus diversos níveis. Buscamos analisar tais caminhos a partir de uma análise bibliográfica, refletindo sobre os caminhos que levaram à organização do dossiê "Quadrinhos nas Américas em perspectiva transnacional".
PALAVRAS-CHAVE: Quadrinhos, História das Américas, Circulações culturais, Estudos Transnacionais.
ABSTRACT: To suggest a definition of comics seems like a hopeless task. More than that, it is up to historiography to investigate its manifestations in several contexts, seeking a number of approaches that can make it possible to interpret them historically and highlighting the various possible uses of this graphic expression. Here, we explore the study of comics informed by a special focus on the circulations and transits involving artists and works, without ignoring their implications in the field of imaginaries and representations. In other words if, on the one hand, a series of operations of displacement are imposed as a research topic, on the other hand, this brings up suggestions to think about how such displacements can be represented and are a central aspect of the aesthetics of comics itself. Fragmented and marked by the articulation of sequential images, comics can contribute to deepen the transnational debate, through topics such as cultural transits and transactions in different levels. We seek to analyse these paths from a bibliographical perspective, reflecting on the journey/ road/process that led to the organization of the dossier "Comics in the Americas in transnational perspective".
ABSTRACT: Comics, Latin and American History, Cultural circulations, Transnational Studies.
Introdução
A abordagem transnacional dos quadrinhos pode concentrar-se em autores, personagens ou temáticas. O transnacional se apresenta nos personagens que viajam além das fronteiras nacionais que os viram nascer e experimentam mutações e reinterpretações que são produto de sua inserção em novos contextos culturais; nos autores cuja obra tem impacto em diferentes países e influenciam diversas tradições dentro dos quadrinhos; e nas temáticas e nos argumentos, por exemplo: a dificuldade para viver uma vida migrante ou as aventuras vividas por um personagem que atravessa diferentes países e vive dilemas entre o choque, a hibridização e a assimilação culturais.
Um autor que pode ser considerado plenamente transnacional é Oski (Oscar Conti). Nascido na Argentina, Oski morou em países como Peru, Chile e Itália. Publicou seus quadrinhos e charges em diários e revistas da Argentina, Chile, Espanha, México, Itália, Peru, Venezuela e França. Participou de projetos transnacionais como a seção de humor do diário Noticias nos anos 1970s, um projeto que agrupou cartunistas de Uruguai, Brasil e Argentina (GANDOLFO, 2020, p. 173201). Sua obra esteve preocupada em abordar temas como a situação colonial latino-americana, as contradições da modernidade europeia pela via do absurdo e em refletir sobre a tradição e a história que unem a Europa e a América. Oski adaptou e ilustrou uma multiplicidade de textos clássicos da literatura para os quadrinhos, como O Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde, e o Fausto Criollo, como ficou conhecido o poema de Estanislao del Campo ambientado durante a Guerra do Paraguai. Cartunistas de países muito diversos consideram-no um dos maiores autores de humor gráfico. A transnacionalidade de Oski se verifica, em um primeiro olhar, na sua vida de viajante ao redor do mundo, mas também em seus interesses intelectuais, que concebiam a história da América Latina como uma totalidade feita de diferenças, em sua visão da Conquista e da Colonização como a origem das desgraças do subcontinente, e em seu apoio a diferentes iniciativas de emancipação política latino-americana. Ao mesmo tempo, a maneira como ele atravessava as diferentes linguagens artísticas e transitava entre elas é também uma forma de transdisciplinaridade, o que reforçava a perspectiva transacional enquanto uma abordagem que favorecia os trânsitos culturais em diversos níveis.
Algumas obras assumem a condição em trânsito como um elemento fundamental para seus projetos artísticos. O escritor argentino, Julio Cortázar, publicou, em 1975, Fantomas contra los vampiros multinacionales, no México, pela editora Excelsior. A obra foi lançada originalmente como uma revista em quadrinhos, tomando como referência Fantômas, personagem título da literatura popular francesa do início do século XX. Porém, no México e em parte da América Latina do pós-Segunda Guerra Mundial, era menos conhecida a criação de Marcel Allain e Pierre Souvestre e, sim, a revista em quadrinhos intitulada Fantomas, la Amenaza Elegante (1966-1985). Nela, o personagem supera as características originais do personagem francês e assume perfil híbrido: é um pouco de super-herói, de James Bond, de Robin Hood e carrega alguma pretensão intelectual. Cabe aqui descrever uma revista em especial, para entendermos a proposta por detrás da obra de Cortázar. Nela, Fantomas deve impedir que um desconhecido roube e destrua todos os livros do mundo. Para tal, busca ajuda de um escritor como Cortázar. Sem conhecer a publicação, Cortázar teria sido avisado que participara de uma revista em quadrinhos e, assim, decide criar outra revista em quadrinhos protagonizada por Fantomas, desta vez apontando que o bibliocídio que investigara não se desviava tanto a uma espécie de lunático, mas, sim, à cultura imperialista das grandes corporações multinacionais (CORTÁZAR, 1975).
O resultado é Fantomas contra los vampiros multinacionales. Narrado em primeira pessoa, em suas primeiras páginas somos apresentados a um narrador que, saindo das sessões do Tribunal Russell II, constatava com alguma surpresa a presença de tantos latino-americanos em Bruxelas. A voz de brasileiros, chilenos e uruguaios exilados parecem se impor melancolicamente no espaço público, ao ponto de uma banca de jornais estar repleta de publicações mexicanas. Para encarar a viagem de trem para Paris, decide comprar uma dessas publicações: Fantomas, la amenaza elegante. Inicia-se aqui efetivamente um complexo jogo de reescritas entre revista mexicana e revista de Cortázar, entre realidade e ficção, entre mídias envolvendo quadrinhos, fotografias e mapas e entre idiomas, onde uma nova linguagem é maquinada para dar conta de denunciar os horrores da violação dos Direitos Humanos por regimes autoritários na América Latina dos anos 1970. Sob o prisma da abordagem transnacional, Fantomas contra los vampiros multinacionales apresenta-se como uma obra transmídia de conotação profundamente política.
Os exemplos acima indicam as possibilidades de trabalho envolvendo os quadrinhos numa perspectiva transnacional. De fato, é indicativo também do fato de que os estudos históricos que assumem as histórias em quadrinhos (HQs) como objeto de investigação encontram uma boa recepção no interior da historiografia. A perspectiva é algo impressionista, mas o cenário é estimulante: nota-se o aumento no número de dissertações e teses centradas no estudo das HQs; a organização de dossiês em revistas acadêmicas de referência na área; e a presença consolidada de HQs no interior de livros didáticos brasileiros, conforme atesta a última seleção de obras aprovadas no Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD). Todos estes exemplos estabelecem as HQs enquanto linguagem a ser interrogada a partir do olhar específico de historiadores e historiadoras.
Sobre elas, podem recair questões relativas à sua própria história, atentando para a sua materialidade enquanto prática cultural. Por um lado, é possível pensá-las no interior de uma história mais ampla e que passa pela inserção das HQs numa história dos impressos e da leitura. Isso significa dizer que elas se desenvolveram nos marcos processos mais amplos ligados aos séculos XIX-XX, tais como a industrialização, a massificação e a segmentação dos impressos, ao mesmo tempo em que são um desdobramento contemporâneo da visualidade do impresso, componente que marca a Modernidade, segundo postula Marshall McLuhan (1964).
Esta trajetória das HQs numa longa duração da história dos impressos não deve levar-nos a incorrer em tão batidas afirmações que estabelecem “a origem” das HQs em períodos remotos, como a Idade Média, apenas em função de procedimentos visuais como a utilização de imagens em sequência (MCCLOUD, 1994). Aqui, um caminho passa pela análise da historicidade dos seus distintos formatos de edição, compreendidos historicamente no interior desta história mais ampla da industrialização e da segmentação dos impressos (BARBIER, 2008, p. 381-466). Neste sentido, a história de um formato editorial como as revistas em quadrinhos - e sua relação com processos históricos apresenta especificidades se comparada a de outros formatos, como tiras cômicas publicadas em jornais ou webcomics do século XXI, por exemplo. Consideramos que isso ajuda a afirmar a historicidade desta linguagem.
A história das HQs foi, durante muito tempo, pensada numa perspectiva estritamente nacional. Muitas das grandes histórias das HQs reconstruíam seu desenvolvimento no interior de alguma das grandes tradições, como os Estados Unidos, a França ou o Japão. Na América Latina o processo foi similar e as HQs no Brasil, Argentina ou México eram tratadas como compartimentos fechados que construíam uma tradição particular. A partir dos anos 1990, as ciências sociais iniciaram uma “virada transnacional”, em parte pelas consequências da globalização que, a um só tempo, estimulou as circulações e trânsitos econômicos e culturais, mas também acirrou disputas e tensões em torno de territórios e fronteiras. Isto levou a uma consideração de que os processos e objetos culturais não podem ser restritos somente a um único país, com implicações para os estudos históricos, na medida em que muitos processos ocorridos ao longo do século XX tinham facetas transnacionais.
A discussão em torno do paradigma historiográfico nacional é bem estabelecida e não cabe retomá-la aqui. Para fins deste artigo, gostaríamos apenas de sugerir que é importante notar que a nacionalização do passado é, em primeiro lugar, um processo que se intensifica a partir de fins do século XVIII e que, em segundo lugar, caminha lado a lado com o desenvolvimento de formas de entretenimento massivos. Ou seja, a ideia de uma história nacional caminha lado a lado com a popularização das formas de consumo modernas, sendo possível afirmar que aquela é uma expressão particular desta1. Logo, compreende-se que a afirmação da linguagem dos quadrinhos demandou também uma escrita da História que a situasse no interior das fronteiras nacionais. Com as demandas contemporâneas que reforçam os vínculos e as circulações em escala global, sugerem-se igualmente outras formas de narrar a história das HQs. É onde nos situamos.
Um dos primeiros e mais importantes livros sobre a matéria foi Modernity at Large: cultural dimensions of globalization escrito por Arjun Appadurai. Appadurai tinha a intenção de discutir a concepção que via a globalização como um processo negativo pelas produções culturais, e considerava que ela seria simplesmente um fenômeno homogeneizante. Ele afirma que “o consumo das mídias massivas ao longo do mundo produz resistência, ironia, seletividade e, em geral, agência” (APPADURAI, 1996, p. 7, tradução nossa). Appadurai também definiu a ideia de “comunidade de sentimento” enquanto “um grupo que começa a imaginar e a sentir coisas juntos” (APPADURAI, 1996, p. 8, tradução nossa). Em resumo: as pessoas operam e interferem sobre os produtos culturais das mídias massivas. Isto produz o que Néstor García Canclini definiu como “culturas híbridas” onde “[...] não funciona a oposição abrupta entre o tradicional e o moderno, [e] o culto, o popular e o massivo não estão onde estamos habituados a encontrá-los” (GARCÍA CANCLINI, 2011, p. 19). Isto é particularmente importante para a América Latina, já que Canclini propõe considerar sua modernização pós-globalização como “[...] as tentativas de renovação com que diversos setores se encarregam da heterogeneidade multitemporal de cada nação” (GARCÍA CANCLINI, 2011, p. 19).
A abordagem transnacional, quando trata de práticas culturais, é ao mesmo tempo uma consideração sobre como, ao circularem por dois ou mais países, dialogam para além das fronteiras nacionais, como também é uma reflexão sobre como os artefatos culturais, nesse trânsito, são transformados pelas audiências, pelo público. Nesse sentido, consideramos que a observação de Paul Jay é muito apropriada: “Nós não podemos separar ordenadamente mercadorias econômicas de culturais; quando as mercadorias viajam, a cultura viaja, quando a cultura viaja, as mercadorias viajam” (JAY, 2021, p. 3, tradução nossa).
Os estudos transnacionais têm conexão com a linha de pesquisa conhecida como história global. Nomes como Carlos Riojas e Stefan Rinke definem os elementos comuns às perspectivas da história global em quatro pontos. Primeiro, a análise de problemas variados que se apresentam em diversas áreas de estudos, mas que apresentam explicações comuns. A história global evita pensar em termos de centro que a tudo unifica; antes, busca estabelecer e ressaltar as conexões complexas entre o local e o global. Segundo, a história global tem como interesse justamente na pesquisa destas conexões, redes e mecanismos de difusão. Ela concebe os processos como permeáveis e interdependentes. Como terceiro ponto, cabe destacar que a temporalidade na história global é hibrida. Ela aceita que coexistem características modernas, pré-modernas e pós-modernas na maior parte das sociedades e que “as origens, continuidades, simultaneidades, rupturas ou articulações explicam em grande medida tanto as configurações passadas como aquelas do presente ao conectar-se e retroalimentar-se mutuamente” (RIOJAS; RINKE, 2017, p. 11). Finalmente, a história global tem uma perspectiva transnacional e transdisciplinar.
Do ponto de vista teórico-metodológico, as reflexões acima permitem, seguramente, o trabalho com HQs publicadas nos Estados Unidos, país historicamente associado ao desenvolvimento desta linguagem, mesmo que em escala global. Contudo, nossa hipótese é que o desenvolvimento dos quadrinhos no mundo teve um marcado aspecto transnacional desde suas origens. Os quadrinhos, talvez pela sua condição descartável e sua pouca consideração crítica, viajaram além das fronteiras nacionais e seus artistas colaboraram e publicaram em diversos países. Essa é a perspectiva adotada por um crescente grupo de estudos sobre quadrinhos em perspectiva transnacional. Os pioneiros desta perspectiva surgem dos estudos sobre mangá. O trabalho de Jacqueline Berndt, considerando o mangá em uma escala global (BERNDT, 2010) e a análise de Casey Brienza sobre a transformação do mangá pela publicação nos Estados Unidos (BRIENZA, 2016) são chaves neste aspecto.
Quadrinhos e a abordagem transnacional
Sem dúvida, foi a publicação de Transnational Graphic Narratives, editado por Christina Meyer, Daniel Stein e Shane Denson, que marcou uma importante aproximação teórica ao campo. De acordo com eles, “‘transnacional’ é relacionado com um grupo diverso de atores corporativos e não corporativos cujas interações contribuem a uma ‘interconexão no geral’ das atividades culturais ao redor do mundo” (STEIN; MEYER; DENSON, 2014, p. 4). Sua premissa básica é a de que “os comics e outras formas de narrativas gráficas são predispostas ao cruze dos lindes nacionais e as barreiras culturais devido a que sua interface visual-verbal sem igual pareceria traduzir-se mais prontamente - embora não sem transformação e distorção - ao largo das culturas” (STEIN; MEYER; DENSON, 2014, p. 5) de forma que “o funcionamento interno do meio não é tão diferente, formalmente, de sua imbricação externa nos intercâmbios transnacionais” (STEIN et al., 2014, p. 6). Este ponto de vista desdobrou-se em uma edição do jornal International Journal of Comic Art onde Stein, Lukas Etter e Michael Chaney classificam as perspectivas transnacionais das HQs em três categorias: os criadores do comics como agentes transnacionais, as representações do transnacionalismo nos quadrinhos, e os personagens e publicações transnacionais (STEIN; ETTER; CHANEY, 2018).
A pergunta que fica é: e no caso de realidades como a América Latina? O estabelecimento das HQs enquanto prática cultural se deu da mesma maneira? Caso haja especificidades próprias à história e à cultura dos países desta região e que impactaram as HQs, como refletir a respeito delas do ponto de vista teórico-metodológico?
Algumas reflexões recentes têm buscado refletir neste sentido e devem ser elencadas aqui, na medida em que elas apontam possibilidades para o trabalho com HQs na América Latina do ponto de vista historiográfico. Em artigo publicado na revista European Comic Art, Amadeo Gandolfo e Pablo Turnes enfrentam o debate sobre as origens das HQs na Argentina, destacando os intercâmbios culturais envolvendo práticas culturais oriundas dos Estados Unidos e de países da Europa, como Espanha, Itália e França, que, articuladas às dinâmicas próprias do país, levaram a configurações muito específicas do mundo das HQs argentinas (GANDOLFO; TURNES, 2019, p. 45-76).
Já Efraín Granados (2013) discutiu com muita propriedade os processos de apropriação cultural envolvendo a publicação de comics strips em jornais mexicanos nas décadas de 1910 e 1920. Inseridos em projetos de modernização nacional, esvaziava-se sua filiação aos Estados Unidos, inclusive do ponto de vista gráfico: os balões de fala eram substituídos por legendas e eram apagados ou mesmo borrados, para impedir a leitura. Ao mesmo tempo, as HQs passavam por uma complexa ambientação, que incluía menção a localidades mexicanas e tramas com certa carga trágica, digamos assim. Foi o que ocorreu a partir da publicação de uma tira cômica oriunda dos Estados Unidos como Happy Hooligan (1900-1932), criada por Frederick Opper. No México, ela passa a se chamar Aventuras del papá de Pancholín quando publicada a partir de 1917 no jornal mexicano El Universal. Se, na edição estadunidense, Happy Hooligan é protagonizada por um personagem que, mesmo levando uma vida sofrida, é um feliz membro das classes mais baixas da sociedade norte-americana, Aventuras del papá de Pancholín dedica-se a narrar a busca de um pai, Panchito, por seu filho, Pancholín, ele próprio um personagem que protagonizara uma HQ - Travesuras de Pancholín, do mexicano Dax - publicada neste mesmo jornal durante os primeiros meses de 1917 (EFRAÍN GRANADOS, 2013, p. 27-31).
Consideramos que, em termos de abordagem, o trabalho de Efraín Navarros dialoga com o da historiadora argentina Marcela Gené. Para discutir temas como modernidade e cotidiano na Buenos Aires dos anos de 1920, a autora analisou a edição argentina da HQ Bringing up father, publicada originalmente nos Estados Unidos e criada por George McManus. De uma sátira a novos ricos e protagonizada por personagens de origem irlandesa, na Argentina a tira cômica - intitulada Sisebuta y Don Trifón - permitiu atualizar certo topos humorístico a partir das relações entre homens e mulheres para representar temas ligados à ascensão da cultura snob, num trânsito de releituras e adaptações envolvendo outras expressões modernas, como revistas e obras cinematográficas (GENÉ, 2012, p. 201-224). Logo Trifón e Sisebutas tornam-se expressões que permeiam o vocabulário cotidiano portenho, servindo para definir as relações conjugais entre homens e mulheres. Como descreve um charleston humorístico composto em 1925 por Modesto Papávero: “Sisebutas há aos milhares/Se você quiser as encontrará/Pois a mulher na atualidade/É uma autoridade!/Ela manda e nada mais” (GARCÍA, ROCA, 2003, p. 125-136, tradução nossa).
Em linha próxima ao defendido por Gandolfo e Turnes, a opção por suprimir os balões de fala se justificava por práticas de leitura que associavam as imagens em sequência à tradição europeia das narrativas visuais publicadas em revistas ilustradas. Tais abordagens remetem à noção de “transferência cultural”, conforme desenvolvida por Michel Espagne, na medida em possibilitam abordar processos ligados à adaptação, tradução e apropriação cultural desde a ótica das transferências culturais (ESPAGNE, 2013).
A estratégia de Efraín Navarros e Gené, por sua vez, aponta para um procedimento metodológico que passa por acompanhar a história de um determinado personagem ou título oriundo dos Estados Unidos, analisando como se deu a sua publicação em contextos distintos aos de sua origem. De maneira inversa, Isabella Cosse (2014) explorou tais possibilidades num trabalho de fôlego sobre a personagem Mafalda, de Quino. Mafalda: historia social y política é uma obra incontornável para o estudo das HQs na América Latina. Do ponto de vista da análise, seu mérito reside no fato de tratar-se de um estudo minucioso das transformações sofridas pela personagem no marco das questões históricas colocadas para a década de 1960 na Argentina. Os novos papéis em torno do feminino, o protagonismo juvenil e a popularização da psicanálise são alguns dos temas que se articulam a processos históricos mais amplos, como a Guerra Fria e a Guerra Vietnã e que forjaram condições favoráveis ao estabelecimento de Mafalda como uma tira de alcance internacional. Seu caráter transnacional, por sua vez, agregou novos sentido e representações à criação de Quino, e o trabalho de Cosse é feliz em destacar a circulação da HQ como o fato que contribuiu para que novas camadas interpretativas se unissem à obra. Como resultado, Mafalda tornou-se um produto híbrido e polissêmico, na medida em que é um patrimônio da cultura argentina, um símbolo de consumo de consumo global e uma voz crítica retomada em redes sociais e na Educação, como bem sabem muitos professores e alunos da Educação Básica brasileira.
Mais recentemente, Ivan L. Gomes e Leonardo Nascimento exploraram a trajetória de um artista para ressaltar as circulações de práticas culturais envolvendo países como Brasil e Argentina. Gaúcho de Santana do Livramento, João Mottini migrou para a Argentina em meados da década de 1940, desenvolvendo uma original trajetória no universo dos quadrinhos sul-americanos. Sua trajetória possibilita refletir sobre as várias formas de apreender um mercado tão dinâmico como o das revistas em quadrinhos nos anos 1940-1950, ao acessá-lo a partir da produção de Mottini em revistas de sucesso comercial como Patoruzú e Patoruzito, além da sua participação na Escuela Panamericana de Artes (EPA) (GOMES, NASCIMENTO, 2021, p. 13-21). Fundada na Argentina por Enrique Lypszic em 1955, contou com filiais no Brasil e no Peru e alcançou outros países da América Latina a partir de cursos de desenho por correspondência. Ao promover a formação profissionalizante no campo das artes gráficas, sem deixar de lado a dimensão artística do desenho nas HQs, a EPA contribuiu para interiorizar a arte das HQs em escala transnacional (VAZQUEZ, 2010, p. 61-67).
Por uma via comparativa, mas explorando pontos de contato a partir de conceitos e noções comuns, em Novos homens do amanhã, Ivan L. Gomes (2018) analisou experiências editoriais no Brasil e no Chile que buscavam se afirmarem enquanto contrapontos críticos à presença dos comics nestes respectivos países, mobilizando procedimentos estéticos para desconstruí-los e afirmando determinados temas para as HQs nacionais. Também de forma comparada, Mara Burkart (2020, p. 85-112) explora temas relativos ao lugar da mulher nos anos 1960-1970, conforme abordados em países como Brasil e Argentina, a partir de revistas de humor gráfico que exploraram a estética das HQs em suas páginas, como O Pasquim e Satiricon.
Organizando um dossiê: Quadrinhos nas Américas em perspectiva transnacional
Os artigos que integram este dossiê expressam as possibilidades teórico-metodológicas que se desdobram sobre os estudos históricos sobre HQs quando estes dialogam com as questões suscitadas pelas reflexões que giram em torno da abordagem transnacional. Neste sentido, o dossiê buscou provocar pesquisadores ao articular um recorte espacial - as Américas - a uma reflexão voltada a uma revisão do paradigma nacional a partir da perspectiva transnacional. Em diálogo com Weinstein (2013, p. 10-30), assumimos que o transnacional não postula a superação das fronteiras nacionais, tampouco pretende obliterar sua relevância na estruturação de estudos históricos que, de forma recorrente, valem-se de recortes estabelecidos nos marcos das fronteiras nacionais. Sublinhando a contribuição específica que a ênfase na interpretação transnacional introduz sobre a interpretação histórica da América Latina, Weinstein enfatiza o fato de que tal abordagem instiga pesquisadores a repensarem as lógicas territoriais que se agenciam no interior de fronteiras, atentando para a constituição de práticas e sujeitos com lógicas próprias, configuradas fundamentalmente a partir de deslocamentos, trânsitos e circulações.
Em resumo, longe de pretender estabelecer um dossiê fechado em torno do tema, o dossiê Quadrinhos nas Américas em perspectiva transnacional convida os leitores a refletirem sobre três pontos: 1) o estado da arte dos estudos de HQs no campo da História; 2) as possibilidades teórico-metodológicas suscitadas por estes estudos quando assumem a problemática transnacional como eixo; 3) as vias de investigação, em chave crítica, que as HQs introduzem aos estudos históricos e transnacionais.
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Os três primeiros artigos podem ser compreendidos enquanto artigos que contemplam os problemas da apropriação, as transferências e as circulações dos quadrinhos. Em A verdade sobre os Gracie: a narrativa da introdução do Jiu-Jitsu no Brasil através dos quadrinhos de José Geraldo, João Júlio Gomes dos Santos Júnior (UECE) analisa a introdução da arte marcial japonesa jiu-jitsu no Brasil através do uso dos quadrinhos para apresentar Carlos Gracie como um dos introdutores do esporte, onde Gracie seria “uma criança habilidosa, um adulto valente, um protetor da honra”. Criação de José Geraldo Barreto, A verdade sobre os Gracie: drama da vida real foi publicada em 1958 e é compreendida pelo autor como uma etapa importante para a construção de heróis brasileiros, na esteira do processo de nacionalização dos quadrinhos no Brasil que se intensificou ao longo dos anos 1950 e 1960. Desse modo, a articulação entre o Brasil e o Japão sugere uma leitura original sobre a configuração da linguagem das HQs no Brasil, a partir de uma convergência que une duas áreas aparentemente tão distantes entre si, como os quadrinhos e o esporte.
Em “Opções e luta do quadrinho nacional”: reflexões e debates sobre a valorização das HQ nos anos 1970 em Piracicaba, Melanie Toulhoat (IMAF/Casa de Velazquez) trata do Salão de Humor de Piracicaba, criado em 1974 por cartunistas locais que buscavam escapar do eixo Rio de Janeiro-São Paulo e, ainda mais, tornar o salão um espaço de crítica contra a ditadura militar. Põe em primeiro plano a tensão entre a valoração da produção local ou a exaltação de artistas internacionais, considerados como garantias de qualidade. A partir de tais debates, afirma-se a possibilidade de se estabelecerem parâmetros de valorização da produção gráfica brasileira, sem deixar de lado uma perspectiva de diálogo com outros artistas da América Latina. Aliás, esta tensão foi constitutiva das discussões sobre quadrinhos brasileiros nos anos 1970, mas também esteve presente em iniciativas de grande semelhança em outros países, como no caso dos Salões de Historieta e Humor Gráfico celebrados em Córdoba, Argentina.
No terceiro artigo, intitulado Um artista em trânsito: o local e o global nas histórias em quadrinhos de Sérgio Bonson (1974-2005), Emerson Campos (UDESC) e Michele Petry (USP/UFSC) fixam o olhar sobre a obra do cartunista e aquarelista Sergio Bronson em duas obras: uma série com personagens locais da cidade de Florianópolis e uma crônica de viagem intitulada Impressions de France. Os autores se perguntam como o local se articula com o humor gráfico, cuja produção remete a outros tempos e lugares, e também analisam como, no marco da crônica da viagem, o local aparece como uma forma de tradução cultural da sensação de estranhamento envolvendo as referências novas e inesperadas que o autor encontra. No artigo em questão, a circulação transnacional de procedimentos artísticos se articula às movimentações de Bonson, constituindo um ótimo exemplo quanto às possibilidades de trabalho com uma abordagem transnacional sobre os quadrinhos.
Se o artigo anterior sugeriu uma circulação envolvendo linguagens como as do humor gráfico e das HQs, o quarto artigo, Os super-heróis das histórias em quadrinhos e sua relação com a ficção científica americana das décadas de 1930 e 1940, assume tal problema como central para sua análise, ao discutir o nascimento das HQs de super-heróis a partir do terreno fértil da ficção científica. Neste artigo, de Andreya Seiffert (USP), a aproximação trans fala das circulações entre gêneros, das transposições artísticas que, de uma origem sociológica comum, dão lugar a praticas artísticas diferentes. O artigo explora tais dinâmicas, ao analisar a trajetória da ficção científica nos Estados Unidos e o surgimento do gênero narrativo super-heroico, sugerindo uma aproximação entre ambos ao analisar uma história do Batman produzida por nomes associados ao grupo de entusiastas da ficção científica que se tornou conhecido como The Futurians. Os trânsitos entre linguagens seguem em plena atividade, na medida em que a ficção cientifica e os super-heróis seguem mantendo um diálogo fértil há mais de 80 anos.
Esta é, também, a perspectiva do seguinte artigo, de autoria de Rodrigo Pedroso (USP/ Unesp) e intitulado Martha Washington: a visão de dois homens brancos sobre uma heroína negra. Neste caso, o foco está colocado na aparente contradição entre uma personagem negra - apresentada positivamente como expressão de uma narrativa de superação individual - e o sustento, através dela, do projeto imperialista dos Estados Unidos sobre outros países. É um artigo muito proveitoso para ser lido à luz dos recentes pedidos de maior representação das minorias nas HQs, porque mostra como essa representatividade é repleta de tensões e não necessariamente leva, em si, à elaboração de uma progressista.
O artigo de Pedroso sugere uma ponte com outro grupo temático que identificamos neste dossiê, relativo às sexualidades em trânsito e sua relação com certas tradições literárias e temáticas nos quadrinhos. São os artigos Uma Medeia em quadrinhos: Mito, recepção da antiguidade e terrorismo na Medeia de Mariana Waechter, de Mateus Dagio (UFRGS) e Transexualidade em Quadrinhos: narrativa autobiográfica nas histórias de Sasha, a leoa de juba e Alice Pereira, de Maria da Conceição Francisca Pires (Unirio). O primeiro analisa a obra de Mariana Waechter em diálogo com a figura clássica de Medeia e como ela foi reapropriada pelas lutas feministas para falar da resistência e da alteridade. Deste modo, constrói um espaço temático entre os estudos da Grécia clássica e os quadrinhos e demonstra quanto destes gêneros e personagens ainda têm a dizer para a nossa contemporaneidade. No caso, o artigo analisa como o mito de Medeia é mobilizado por Waetcher para abordar o turbulento cenário político pelas qual vem passando o Brasil ao longo da década de 2010, enfatizando a circulação de discursos associados a temas como terrorismo e Estado de exceção, e como são processados pela linguagem das HQs a partir do mito imortalizado pelos versos de Eurípedes.
Por fim, o artigo de Conceição Pires aprofunda o debate sobre gênero ao sublinhar a relevância sobre temática transexual. O artigo discute a obra das cartunistas Samie Carvalho e Alice Pereira e seu tratamento da transexualidade como um contraponto às narrativas hegemônicas e estigmatizadores dos sujeitos sexualmente dissidentes. Ao mesmo tempo, estas HQs apresentam uma experiência pessoal e autobiográfica sobre o processo de transição das mulheres trans, com o objetivo de lutar contra os preconceitos e construir uma “comunidade de sentimento” entre artistas, público e outras mulheres trans que transitam pelo mesmo processo. Ao destacar a especificidade envolvendo a circulação de narrativas transviadas em espaços como as redes sociais, a autora propõe uma instigante reflexão sobre a gestação de outros territórios de ação política. Pensando com Butler (2015, p. 152-153), as apropriações e ressignificações promovidas pelas artistas trans e seus públicos sobre tais espaços permitem estabelecer novos sentidos sobre eles, produzindo novos agenciamentos políticos que ampliam a noção de espaço público. Para além das fronteiras estabelecidas pelo Estado nacional do século XIX, sugere-se uma nova cartografia a partir de uma política dos corpos.
Boa leitura!
Referências
APPADURAI, Arjun. Modernity at large. Cultural dimensions of globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996.
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Notes
Author notes
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