Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar as formas de expansão do capital no campo e suas intervenções sobre o trabalho, buscando relacionar, dialeticamente, o contexto de crise estrutural e a forma de inserção subordinada da economia brasileira na divisão social do trabalho, em que se destaca a produção de produtos primários. Para tanto, em um primeiro momento, será discutida: A expansão do agronegócio e a opção pela produção de comoditties, representando a própria forma de ser da expansão do capital e suas contradições; a precarização e degradação das condições de trabalho; e a criminalização e expulsão dos camponeses da terra de trabalho, e toda sorte de violência praticada contra aqueles que lutam para permanecer no campo.
Palavras-chave:CapitalCapital,TrabalhoTrabalho,CamponesesCamponeses.
Abstract: The present article's objective is to analise the ways of capital expansion in the countryside and its interventions on work, also linking, dialectically, the context of structural crisis and the way of subordinate insertion of brazilian economy in the social division of labor, where it highlights the production of primary products. Therefore, at first, it will be discussed: The expansion of agribusiness and the option to produce commodities, representing the very way of being of capital expansion and its contradictions; the precariousness and degradation of working conditions, and which leads; to The criminalization and expulsion of peasants from the working land, and all sorts of violence against those who struggle to stay in the countryside.
Keywords: Capital, Work, Peasants.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar las formas de expansión del capital en el campo y sus intervenciones sobre el trabajo, relacionando dialécticamente el contexto de crisis estructural y la inserción subordinada de la economía brasileña en la división social del trabajo, en la cual destaca la producción de productos primarios. Con este fin, al principio, se discutirá: La expansión de los agronegocios y la opción para la producción de mercancías, que representa la forma misma de expansión del capital y sus contradicciones; precariedad y degradación de las condiciones de trabajo; y la criminalización y la expulsión de los campesinos de las tierras de trabajo, y todo tipo de violencia contra aquellos que luchan por permanecer en el campo.
Palabras clave: Capital, Trabajo, Campesinos.
DOSSIÊ
AVANÇO DO CAPITAL E A BARBÁRIE SOCIETAL NO CAMPO BRASILEIRO
Advancement of capital and social barbaries in the brazilian countryside
Avance de las barbarias de capital y sociales en el campo brasileño
Recepción: 05 Noviembre 2019
Aprobación: 02 Diciembre 2019
A dedicatória feita nesse texto, não significa apenas um reconhecimento para com os sujeitos que lutam pela democratização das terras e do campo, dos recursos e da natureza, da cidade e da moradia, do respeito à dignidade humana, ou mesmo dos direitos sociais e humanos em um sentido mais amplo. Expressa as condições concretas da barbárie imposta pelo capital sobre o trabalho e que no Brasil ganha força com a eleição de um governo de extrema-direita, que impõe a perseguição, o extermínio, a “morte matada” para os sujeitos em luta – que compõem parte significativa da classe trabalhadora e dos camponeses brasileiros, em prol dos objetivos da burguesia e das classes proprietárias, representados, dentre outros, pela bancada ruralista no Congresso Nacional e seus interesses de, submetidos à lógica da acumulação mundial de capital, adquirirem maiores possibilidades de extrair mais-valia e renda fundiária, sobre o trabalho, o que se acresce dada a precarização e flexibilização trabalhista impulsionadas pelas reformas trabalhista e da previdência[3].
Assim, o presente artigo tem por objetivo apontar, nesse momento, as formas de expansão do capital no campo e suas intervenções sobre o trabalho, buscando relacionar, dialeticamente, o contexto de crise estrutural e a forma de inserção subordinada da economia brasileira na divisão social do trabalho, que junto com os demais países da América Latina voltam-se, sobretudo, a produção de produtos primários, agora denominados commodities e controlados pelo mercado financeiro.
Tal inserção, se consolida, ainda, com a precarização, flexibilização e degradação das condições de trabalho, ou mesmo do desemprego crônico que se estende para o campo, e que se intensifica pós golpe de 2016, em que as políticas neoliberais são agudizadas e se estabelece o desmonte das parcas políticas sociais e dos direitos humanos e trabalhistas – propiciando o avanço do agronegócio e o processo de exacerbação da violência, que se consolida, dentre outras coisas, na criminalização e resfriamento dos movimentos sociais de luta pela conquista ou permanência pela/na terra, aqui nesse artigo, compreendida como uma tentativa de silenciamento e ocultação da luta de classes viva no campo, como também nas cidades brasileiras (cujas periferias podem ser vistas como expressão concreta desse processo), espaçando as contradições pela via de extrema opressão, ou mesmo do extermínio dos sujeitos que lutam.
É nesse contexto que se intensificam, mas ao mesmo tempo se torna possível colocar a nu, as contradições capital versus trabalho, representando nada mais do que formas concretas de se extrair trabalho não pago e de acumular riquezas controladas pelas classes proprietárias.
Nesse movimento, a degradação do sujeito que trabalha no campo se estabelece tanto por meio da expropriação da terra e de sujeição da renda camponesa ao ditames do mercado, quanto na precarização das formas de assalariamento, bem como, por meio do ressurgimento de formas pretéritas de trabalho – a exemplo do trabalho por produção, em domicílio, familiar, parcelar ou mesmo das relações análogas à escravidão, flexibilizadas via regulamentação jurídica, e cuja expressão mais recente é a aprovação do PL 3842/12[4].
Em artigo publicado no ano de 2017, Souza e Santos enfatizaram os 7 pecados do capital no campo, em alusão ao título da obra homônima organizada por Emir Sader e publicada pela editora Expressão Popular no ano de 2001[5]. De acordo com os autores, esses seriam:
Nesse artigo atual, compreendemos que há uma intensificação desse avanço do capital no campo e esse se faz sobre o trabalho, como produto de uma divisão social e territorial do trabalho que estabelece o Brasil como grande produtor de alimentos, trazendo uma realidade muito mais cruel do que o existente há alguns anos atrás, ao passo em que o contexto mundial, marcado por uma crise estrutural do capital, cria e recria novas formas de extração de trabalho não pago.
Nesse desafio, importante reportar e referendar os estudos realizados por Ariovaldo U. de Oliveira (1998 e 2001) ao destacar que o capital opera no campo de duas principais formas: através de monopolização da produção ou por meio da territorialização do capital. Nesse caso, a primeira forma pode ser compreendida quando o capital não se territorializa, não se torna proprietário fundiário, mas se expande no campo por outra forma, por meio do controle da produção que se efetiva nas propriedades rurais, inclusive nas unidades de produção camponesa. Assim sendo, se apropria da produção gerada no campo na esfera da circulação, definindo o que e como se plantar, e se apropriando dos resultados do trabalho social sem ter que adquirir terra ou imobilizar capital para que essa relação ocorra.
Nesse processo, entende Oliveira (1998) que são recriadas as formas de reprodução camponesa, pois esses nem sempre são expulsos do campo, mas estão cada vez mais inseridos na produção capitalista, plantando os cultivos do mercado, sobretudo por meio dos financiamentos bancários, sendo grande parte de sua produção apropriada pelas empresas de grande capital.
No segundo caso, Oliveira (1998) aponta que o capital se territorializa, ou seja, se torna, também, grande proprietário fundiário, ou se associa a esses, investindo na compra, ou no arrendamento da terra, para controlar toda a produção – que irá se apropriar depois. Desse modo, torna-se possível se compreender que onde é propício o capital se torna proprietário, e que embora personifiquem realidades distintas capitalistas e rentistas podem ser as mesmas pessoas. Quando essa relação não é vantajosa, o capital cria formas de capturar a produção do campo, inclusive camponesa, por meio da definição do que e do como plantar, se apropriando dos resultados do trabalho social posteriormente. E consegue garantir esse controle sobre a produção por meio da aliança entre capital financeiro (créditos, financiamentos), capital produtivo (sobretudo a indústria de equipamentos e produtos químicos) e o Estado (ente político e funcional ao capital – que viabiliza as ditas políticas públicas e o projeto de desenvolvimento para o campo).
Dado limite possível que um artigo científico impõe, optaremos, nesse artigo, por tratar 3 aspectos que para nós são fundamentais para se entender o campo brasileiro na atualidade, quais sejam: 1) A expansão do agronegócio e a opção pela produção de comoditties, representando a própria forma de ser da expansão do capital e suas contradições – que vão se consolidar no aumento da extração de mais-valia no campo, e cujo resultado mais evidente é 2) a precarização e degradação das condições de trabalho, e que vai até 3) A criminalização e expulsão dos camponeses da terra de trabalho, e toda sorte de violência praticada contra aqueles que lutam para permanecer no campo: povos e comunidades tradicionais como camponeses, indígenas, seringueiros, ribeirinhos, quilombolas, cerradeiros, extrativistas, etc, todos subjugados, ou a se subjugar, ao tacão de ferro do capital[9].
De acordo com Oliveira (2005)[10] o agronegócio se constitui em uma associação de capitais que operam no campo, visando a superação da agricultura enquanto um setor isolado da economia. Neste caso, expressa, concretamente, o avanço do capital, sobretudo através de setores como a indústria e o capital financeiro, objetivando o aumento da produção e da produtividade – mediante maior extração de trabalho não pago e a difusão de créditos que visam direcionar o tipo de produção que deve ocorrer no campo, dentro do processo de divisão social do trabalho. Obedece-se, assim, uma certa especialização nos espaços em que se concretizam, inserindo a uma lógica global de produção e de uma circulação que propicia a apropriação dessa produção a ser comercializada via bolsas de valores, onde a mesma adquire conteúdo de uma mercadoria qualquer, mas altamente valorizada. Assim, também, se estabelece a drenagem de parte significativa da produção global de alimentos, controlados por grupos econômicos e direcionados para o consumo de determinadas classes e locais.
Agronegócio é toda a relação comercial e industrial envolvendo a cadeia produtiva agrícola ou pecuária. No Brasil o termo agropecuária é usado para definir o uso econômico do solo para o cultivo da terra associado com a criação de animais. (...) Agronegócio (também chamado de agribusiness) é o conjunto de negócios relacionados à agricultura e pecuária dentro do ponto de vista econômico. Costuma-se dividir o estudo do agronegócio em três partes: na primeira parte os negócios à montante da agropecuária, ou da "pré-porteira", representados pela indústria e comércio que fornecem insumos para a produção rural, como por exemplo os fabricantes de fertilizantes, defensivos químicos e equipamentos. Na segunda parte se trata dos negócios agropecuários propriamente ditos, ou de "dentro da porteira", que representam os produtores rurais, sejam eles pequenos, médios ou grandes, constituídos na forma de pessoas físicas (fazendeiros ou camponeses) ou de pessoas jurídicas (empresas). E na terceira parte encontram-se as atividades à jusante dos negócios agropecuários, ou de "pós-porteira", onde estão a compra, transporte, beneficiamento e venda dos produtos agropecuários até o consumidor final. Enquadram-se nesta definição os frigoríficos, as indústrias têxteis e calçadistas, empacotadores, supermercados, distribuidores de alimentos. (informação verbal)[11]
O agronegócio se propõe, em princípio, a unir agricultura, indústria, comércio e mercado financeiro, e além de direcionar a produção no campo, também expressa o contexto de avanço do capital produtivo – na extração crescente de mais valia, via difusão das indústrias e do controle da produção, que não sem suas contradições concentra a terra, a extração da renda e promove a condenação e expropriação de grande parte das formas camponesas de se reproduzirem no campo brasileiro. Nesse sentido, a difusão do agronegócio pode ser lida como um processo que, em princípio, chega com o discurso da superação entre agricultura e indústria, ou mesmo e aparentemente, de superação histórica da oposição entre campo e cidade, mas que se configura, evidentemente, na ampliação das contradições e dos conflitos de classe.
É nesse movimento que se pode apreender o Brasil no processo de divisão social do trabalho voltado ao acumulo e expansão da massa de capital global. O agronegócio vem a representar esse movimento de consolidação de uma produção de produtos primários, mas agora sob a denominação de comoditties, ou seja, mercadorias agrícolas disputadas por um capitalismo global, mas igualmente voltado a acumulação – cujos preços são definidos nas bolsas de valores, ou seja, via mercados futuros.
A produção brasileira crescente do agronegócio brasileiro é drenada para o grande capital, mercadorias a serem valorizadas via capital financeiro. Nesse processo, ressalta-se o fortalecimento de uma classe proprietária rural, os grandes proprietários, os senhores do agronegócio e seu papel na política nacional, como forma de obter vantagens em suas transações econômicas objetivando, sempre, a extração de maior renda da terra.
Foi a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) que chancelou as reformas liberalizantes promovidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BM) enquanto aceleradoras do processo global de desindustrialização, sendo esta chamada de precoce no Brasil essencialmente por não atingir toda sua potencialidade produtiva manufatureira, regredindo ao concentrar forças na produção de commodities principalmente da agricultura ao invés de proporcionar investimento tecnológico na indústria de serviços com valor agregado. (informação verbal)[12]
De acordo com a publicação acima, as implicações desse processo de desindustrialização vão desde o desmonte do parque tecnológico brasileiro, a exemplo da redução do orçamento voltados para as pesquisas nas Universidades Públicas brasileiras, que concentram grande parte da Ciência e Tecnologia do país, o que acaba por concentrar essas tecnologias nos Estados Unidos, Japão e Europa, até o aumento das desigualdades sociais e do desemprego[13].
Tal processo pode ser explicado pela ausência de investimentos tecnológicos por parte do Estado voltados a produção de bens que possuam valor agregado, se consolidando através da dependência da produção de commodities, condenando o mercado interno ao esgotamento, impondo altos custos na importação de produtos industrializados, repercutindo, negativamente, na elevação da renda e do PIB per capita.
Sem investimentos reais em tecnologia, o Brasil se condena ao retrocesso e deflagra um futuro de submissão às potências desenvolvidas, na margem da economia e na contramão da melhoria das condições de vida do povo. (informação Verbal)[14]
Contraditoriamente, ao passo que o Agronegócio se consolida, em discurso, enquanto fusão dos diversos tipos de capitais, na prática, verifica-se, no Brasil, uma inserção absolutamente subordinada, voltada, sobretudo, à produção agrícola, realidade marcada pelo próprio contexto de crise estrutural e de controle da produção industrial e do mercado financeiro nas mãos do grande capital, realidade que fragiliza não apenas a economia brasileira, mas toda América Latina, que ocupa sobretudo esse lugar no processo de reprodução ampliada.
Na teoria crítica marxista apreende-se que toda a riqueza gerada no campo brasileiro é produto do trabalho não pago aos trabalhadores, os reais produtores da riqueza, uma vez que se estabelece por meio de uma realidade concreta, e não uma forma quimérica e idealista; mas como produto real do trabalho social efetivado na terra. Assim sendo, toda essa riqueza, gerada pelo trabalho – em geral precarizado, é a forma que gera mais valia, em parte apropriada pelos proprietários fundiários (sob a forma de renda) e pelas empresas capitalistas que atuam no campo (sob a forma de lucro). Há, ainda, os juros, apropriados pelos especuladores do mercado financeiro; tudo isso, riqueza gerada pelo trabalho, no processo produtivo da mercadoria.
Ao se refletir sobre o campo brasileiro, essa realidade se acresce com as diversas alianças que se estabelecem entre os proprietários rentistas e grandes empresas de capital internacional, através da fusão de grandes grupos econômicos que atuam no campo brasileiro e que buscam se apropriar de quase toda produção gerada para agregar a essa valor. O destaque da produção do agronegócio brasileiro em relação à produção mundial pode ser observado no quadro 1.
Para o capital, a expansão do agronegócio representa formas de controlar a produção no campo, para os trabalhadores e camponeses maiores dificuldades de se manter na terra, seja por conta da expansão de maquinários industriais poupadores da força de trabalho (mas que ao mesmo tempo garante o aumento da produtividade do trabalho), seja por se expandir sobre as terras camponesas, via processos de expropriação, ou de sujeição de sua renda, quando os mesmos são levados a produzir aquilo que o mercado define. Mas, tal processo não se estabelece sem contradições.
E é assim que se pode compreender como o capital se expande no campo, sobretudo em um contexto de crise, onde a apropriação das terras, dos recursos, enfim, dos diferentes espaços – pode ser visto como uma das formas de manter-se vivo; visando se apropriar da riqueza socialmente produzida pelo trabalho.
Essa realidade permite aferir e confirmar a teoria defendida por Meszáros (2002) ao apontar o caráter expansivo, destrutivo e absolutamente desumano, porque não dizer irracional, do sistema do capital, porque concentra a riqueza socialmente produzida, destrói a natureza e os recursos naturais, mas, sobretudo, a força produtiva e criativa do trabalho, convertendo tudo à condição de mercadoria.
Nesse processo, ressalta-se as diversas formas de resistências e experiências de permanências historicamente implementadas pelos movimentos camponeses, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades tradicionais, etc, que, para além do capital, veem o campo como um modo diferente de reproduzir a vida, pautados em valores coletivos e o resgate da condição humana do sujeito, para além da pura conversão em coisas, que produzem várias outras coisas, o que nos leva a defender o campo como lócus de conflito de classes.
Por outro lado, o capital e o agronegócio avançam, criando e recriando formas de extrair trabalho não pago, seja através da sujeição da renda camponesa ou pela sua forma própria: a expropriação e subsunção real do trabalho ao capital. Nesse segundo caso, ressalta-se a intensificação da precarização das condições de trabalho, acrescida pelo aumento vertiginoso do exército de reserva, implicando na degradação do sujeito social que trabalha, no aumento da produtividade do trabalho, tão logo do trabalho excedente apropriado privadamente pelas classes proprietárias, e da mobilidade dos que vivem a eterna busca da venda de sua força de trabalho, como condição única de reprodução social.
O trabalho é aqui entendido como forma única e insuperável de mediação entre a sociedade e a natureza e, portanto, o fundamento de toda e qualquer forma de sociabilidade já existente. Entretanto, em se tratando do trabalho na sociedade capitalista, cabe-nos considerar em que medida e sob qual propósito o trabalho como condição de reprodução de qualquer sujeito/sociedade se concretiza como trabalho abstrato, cujo produto é apartado do seu real produtor, que é a base fundamental a produção do capital e a sociedade capitalista que dá sustentação.
Ou seja, para Marx e Engels há uma clara distinção entre trabalho abstrato e trabalho: o primeiro é uma atividade social assalariada, alienada pelo capital. Corresponde à submissão dos homens ao mercado capitalista, forma social que nos transforma a todos em “coisas” (reificação) e articula nossas vidas pelo fetichismo da mercadoria. O trabalho, pelo contrário, é a atividade de transformação da natureza pela qual o homem constrói, concomitantemente, a si próprio como indivíduo e a totalidade social da qual é partícipe. É a categoria decisiva de autoconstrução humana, da elevação dos homens a níveis cada vez mais desenvolvidos de sociabilidade. Embora a palavra trabalho faça parte das duas categorias, isso não deve velar que há uma enorme distância a separar trabalho de trabalho abstrato. (LESSA, 2012, p. 26).
O pressuposto central, portanto, para se compreender a apropriação e sujeição do trabalho na sociedade do capital, é entender o processo de separação do produtor direto dos instrumentos de trabalho e da terra, sob a qual se ergue a propriedade capitalista dos meios de produção.
O processo histórico de formação do modo de produção capitalista a partir da acumulação primitiva se caracteriza pela ruptura das bases estreitas do antigo modo de produção, concentrando e centralizando entre as mãos do capitalista, agente por excelência do processo de urbanização, os meios de produção e subsistência, antes dispersos em pequenas unidades produtivas. A grande massa da população é expropriada da terra e dos instrumentos de trabalho, ambos condição objetiva de trabalho, e dos meios de subsistência, que são a condição subjetiva. Os meios empregados para proceder essa separação do trabalhador das condições de trabalho são inúmeros e violentos, processo que se prolongou por séculos. Esse período da humanidade foi feito de violência e sangue. (ROTTA, 1997, p. 465).
Nesse processo, o trabalhador expropriado do campo, se encontra agora na condição de força de trabalho livre, e passa a dispor apenas da venda dessa como forma de sobrevivência. Mas, é importante ressaltar que ao avançar nos diferentes espaços do planeta, o capital segue sua marcha de expropriação, fomentando um exército de reserva de trabalhadores “livres” dispostos a qualquer condição de trabalho para sobreviver.
Ao analisar a formação e a dupla função do exército de reserva Luxemburgo (S/D, p. 320) diz que, por um lado, “fornece a força de trabalho em caso de desenvolvimento súbito dos negócios”, mas que, por outro lado “a concorrência dos desempregados exerce uma pressão contínua sobre os trabalhadores empregados e faz baixar seus salários ao mínimo”.
Essa explicativa é bem oportuna para se tratar a situação atual da classe trabalhadora brasileira, em que segundo dados do IBGE/PNAD, trimestre março-maio de 2019 o número de desempregados no país era de 11,8%, o equivalente a 12,6 milhões de pessoas. Entretanto, embora aponte um percentual um pouco menor que o trimestre anterior dez. 2018/fev. 2019 que foi de 12,3% atingindo 13 milhões de pessoas, o órgão de pesquisa aponta que na verdade o que ocorreu foi um aumento significativo dos trabalhadores sem carteira assinada, subutilizados e por conta própria, indicando um quadro de precarização do trabalho com recorde da série histórica que se iniciou no ano de 2012.
Nas crises de 2003 e de 2008, o mercado de trabalho começou a se recuperar a partir da informalidade, que permitiu reaquecer o mercado e, gradativamente, aquelas vagas informais foram tendo a carteira assinada. Mas essa crise de agora, além de já durar mais tempo que as anteriores, ela devastou muitos mais postos de trabalho", afirmou o pesquisador. A taxa de desemprego no Brasil caiu para 11,8% no trimestre encerrado em julho, atingindo 12,6 milhões de pessoas. Por outro lado, o número de empregados sem carteira assinada, de trabalhadores por conta própria e de subocupados bateram novo recorde no país. O número de empregados no setor privado sem carteira assinada subiu 5,6% em 1 ano, atingindo 11,7 milhões (mais 619 mil pessoas), maior valor já registrado pela pesquisa. Na mesma direção, o número de trabalhadores por conta própria aumentou 5,2% frente ao mesmo período de 2018, atingindo o recorde de 24,2 milhões (mais 1,2 milhão de pessoas). “Apesar da queda da desocupação, da redução da taxa de desocupação e do aumento expressivo de pessoas ocupadas, o mercado insiste em gerar postos de trabalho voltados para a informalidade", diz Azeredo. (Informação Verbal)[15]
Portanto, é mister destacar que esse mesmo órgão de pesquisa assume que no Brasil se tinha mais de 64,8 milhões de pessoas que se encontravam fora da força de trabalho; 24,6% era a taxa de trabalhadores subutilizados, o equivalente a 28,1 milhões de sujeitos; outros 4,8 milhões de pessoas foram consideradas pelo IBGE como desalentadas, ou seja, que vivem à margem de qualquer condição de reprodução social. 33,1 milhões de pessoas foram consideradas empregadas no setor privado tendo carteira assinada, mas outros 11,7 milhões trabalhavam sem carteira assinada, recorde desde o ano de 2012 quando os dados começaram a ser coletados. O número de trabalhadores por conta própria foi o maior já registrado, atingindo 24,2 milhões de pessoas; já o rendimento médio salarial não para de cair saindo de R$ 2.289,00 em maio para R$ 2.286,00 em julho de 2019. Ou seja, afere-se que a pequena queda no índice de desemprego se configura na exploração e degradação absurda para os trabalhadores.
Essa realidade se acresce com o dado apresentado pelo próprio IBGE/PNAD ao apontar que no país o número de trabalhadores informais em agosto de 2019 atingiu 41,3% da população.
Do ponto de vista da crise estrutural do sistema do capital, afere-se que, esse modo de produção amplia o exército de reserva e joga parcelas significativas da classe trabalhadora na condição do desemprego e do subemprego, sendo esta uma prerrogativa para explorar ainda mais os trabalhadores que se mantêm na condição de empregados. Entretanto essa realidade expressa contradições muito sérias, posto que vem do trabalho toda a possibilidade de produção da riqueza. Assim, dada existência de um enorme contingente de trabalhadores que querem se deixar explorar (produzir mais-valia) pelo capital, mas esse demonstra uma total incapacidade para fazê-lo, aguça-se os efeitos catastróficos da crise e retira-se, cada vez mais, a possibilidade desses sujeitos se manterem no processo de consumo. Realidade que o capital busca minimizar com a expansão do sistema de créditos, mas o mesmo se mostra provisório e incapaz, efetivamente, de resolver os efeitos da crise.
Ainda trazendo tal análise para a realidade brasileira, aponta-se os efeitos mais diretos da reforma trabalhista e da previdência, acatando o receituário neoliberal que deixa os trabalhadores ainda mais vulneráveis, para serem explorados da forma que o capital aprover. Isso pode ser observado na regulamentação da lei de terceirização que se expande das atividades meios para as atividades fins, a plena e quase irrestrita flexibilização e terceirização das condições de trabalho. Novamente, a finalidade é rebaixar o salário, retirar direitos, e jogar os trabalhadores que conseguem se manter trabalhando na condição de miserabilidade, incidindo, mais uma vez, na afirmativa de que a crise da capital é insolúvel, quanto mais concentra riqueza e expande a pobreza por todos os lados.
E é nesse bojo que se pode compreender os efeitos da Reforma trabalhista e das alterações propostas com o fito de precarizar ainda mais os trabalhadores, deixando o capital mais à vontade para extrair trabalho não pago. Vejamos na citação abaixo algumas das propostas aprovadas por essa contrarreforma.
Os acordos coletivos passaram a prevalecer sobre a legislação. Com isso, o que for acertado entre empregado e empregador não é vetado pela lei, respeitados os direitos essenciais como férias e 13º salário.
O pagamento da contribuição sindical, equivalente a um dia de trabalho, deixou de ser obrigatório.
A jornada de trabalho, antes limitada a 8 horas diárias e 44 horas semanais, pode ser agora pactuada em 12 horas de trabalho e 36 horas de descanso, respeitadas as 220 horas mensais.
As férias, de 30 dias corridos por ano, agora podem ser parceladas em até três vezes.
Possibilidade do trabalho intermitente, com direito a férias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), contribuição previdenciária e 13º salários proporcionais. O salário não pode ser inferior ao mínimo, nem aos vencimentos de profissionais na mesma função na empresa. * Grávidas e lactantes só poderão trabalhar em locais com insalubridade de grau médio ou mínimo. Mesmo assim, se for por vontade própria e desde que apresentem um laudo médico com a autorização.(Informação Verbal)[16]
No processo de aprovação da reforma trabalhista, ainda sob o governo golpista de Michel Temer, a principal justificativa para o convencimento popular à aprovação do projeto, apontava que era ‘melhor ter um salário menor e mais empregos’[17]. Passados 3 anos dessa, os elevados índices de desemprego mantidos ou mesmo ampliados no país, e a precarização das condições de trabalho, apontam a falácia de um discurso que só interessou ao grande capital.
Tratando mais especificamente da Contrarreforma da Previdência, o discurso utilizado para a aprovação da mesma foi o da possível quebra da previdência pública e o apelo as formas de previdências privadas, que trazem como pano de fundo um projeto de capitalização, onde quem de fato vai faturar é o capital financeiro. O discurso fundamenta-se, ainda, em retirar do Estado, os encargos sociais para com os trabalhadores que durante toda sua vida trabalharam e contribuíram com a previdência para terem o direito à aposentadoria; mas que mantém intacto o caráter funcional do Estado em ser o “ente político do capital” (MESZAROS, 2002) favorecendo suas formas de acumulação.
A principal medida da reforma da Previdência é a fixação de uma idade mínima (65 anos para homens e 62 anos para mulheres) para a aposentadoria, extinguindo a aposentadoria por tempo de contribuição.
O texto também estabelece o valor da aposentadoria a partir da média de todos os salários (em vez de permitir a exclusão das 20% menores contribuições), eleva alíquotas de contribuição para quem ganha acima do teto do INSS (hoje em R$ 5.839,00) e estabelece regras de transição para os trabalhadores em atividade. (informação verbal)[18]
Dentre as mudanças mais representativas dessa Contrarreforma afere-se o aumento no tempo de contribuição mínima para o trabalhador requerer o direito à aposentadoria – que passa de 15 para 20 anos para os trabalhadores do sexo masculino, se mantendo em 15 anos para trabalhadores do sexo feminino, após muito debate e mobilização social. Além disso, para ter direito a aposentadoria integral, o trabalhador homem precisa contribuir com a previdência por 40 anos, e a trabalhadora mulher por, no mínimo, 35 anos, comprovando 8 horas de jornada de trabalho/dia. Ou seja, em uma realidade de desemprego e flexibilização das condições de trabalho, afere-se que, sobretudo, as gerações mais jovens, ou trabalhadores que ingressam mais tarde do mercado de trabalho, ou que desemprenham funções de grande utilização de desgaste físico, jamais vão conseguir se aposentar.
O cenário aponta que, em poucas décadas, o Brasil terá uma massa ainda maior de trabalhadores reduzidos a condição de miseráveis. Já para o capital, a contrarreforma apresenta a possibilidade de explorar por mais tempo o trabalho não pago dos sujeitos, ao passo em que o aumento do desemprego e tão logo do exército de reserva, deixará o capital ainda mais à vontade para rebaixar e retirar direitos dos poucos que ainda se mantiverem na condição de empregados.
Acrescenta-se ainda as mudanças referentes ao aumento da idade mínima para requerer a aposentadoria para trabalhadoras e trabalhadores. No caso das mulheres, a idade mínima que não existia antes passa a ser de 62 anos, que somada ao tempo de trabalho, na regra de transição, deverá perfazer um total mínimo de 86 anos até, gradativamente, chegar a 100 anos no ano de 2033. Já para os trabalhadores do sexo masculino a idade mínima passa a ser de 65 anos, sendo o tempo mínimo de contribuição somado com a idade de 96 anos, até chegar a somatória de 105 anos em 2028.
Ao atingir o tempo mínimo de contribuição (20 anos se for homem 15 se for mulher para aqueles que ingressarem no mercado de trabalho depois de aprovada a reforma), os trabalhadores do regime geral terão direito a 60% do valor do benefício integral[19], com o percentual subindo 2 pontos para cada ano a mais de contribuição. Para ter direito a 100% da média dos salários, a mulher terá que contribuir por 35 anos e o homem, por 40 anos. (informação Verball)[20]
Afere-se que tais mudanças incidem de uma maneira mais danosa para as trabalhadoras do sexo feminino, que terão um aumento no tempo de contribuição de, pelo menos, 7 anos. Ressalta-se que as razões das mulheres terem um tempo menor de contribuição que os trabalhadores homens não foram estabelecidos em fórmulas fantasiosas, mas dado a própria característica dessas trabalhadoras desenvolverem dupla, senão tripla jornada de trabalho, como a jornada destinada aos trabalhos domésticas e a criação dos filhos, por exemplo, levando essas trabalhadoras a uma jornada de trabalho semanal muito mais elevada, senão contínua, do que os trabalhadores homens.
Além disso, é preciso ressaltar que uma das maiores perversidades da contrarreforma recentemente aprovada é o estabelecimento do piso máximo salarial em R$ 5.839,45 ou seja uma ‘economia’ retirada do trabalhador com suor e lágrimas.
Diante desse contexto extremamente desfavorável para os trabalhadores, o que se apresenta como possibilidade é o processo de organização e resistência, a exemplo da luta pela terra e das experiências de tentar manter certo controle dos instrumentos e do tempo de trabalho, ainda que também inseridos em uma lógica contraditória de expansão do capital no campo e da sujeição de parte da renda camponesa drenada sob a forma de valor para o grande capital.
Entretanto, essas experiências se confrontam com o capital rentista, com as estratégias de controle total da produção pelo agronegócio. Uma dessas formas é a expropriação direta dos camponeses, outra é a criminalização dos sujeitos que nesse permanecem no campo, questões que veremos a seguir.
O processo de expulsão dos camponeses da terra e a conversão de parte desses a condição de proletários (sobretudo urbanos), bem como as estratégias do Estado em criminalizar a luta dos povos do campo (pela conquista ou permanência na terra de trabalho) faz parte da própria História de inserção desigual do Brasil na divisão do trabalho voltada a expansão do capital em nível global. Mas, dados limites que um artigo científico impõe iremos aqui apontar apenas algumas dessas expressões mais atuais, considerando o contexto de crise estrutural do capital e os processos de apropriação das terras e dos recursos naturais, fato que leva a intensificação do conflito existente no campo, estabelecido pelos interesses das classes proprietárias (capitalistas e rentistas fundiários) versus as formas de reprodução estabelecidas por comunidades camponesas, indígenas, ribeirinhos, extrativistas e outros ao longo de centenas de anos.
A hipótese é que: no momento em que há um contexto de crise marcado pela busca de repor os patamares de acumulação, a terra e os recursos naturais, bem como o trabalho, passam a ser, cada vez mais, apropriados para gerar valor. Essa é uma condição fundamental para se entender o campo brasileiro na atualidade, a expansão do agronegócio e a tentativa de minimizar a luta e ação camponesa pela reprodução da vida, seja essa viabilizada através da luta pela terra, ou nas formas de reprodução histórica dessas comunidades.
No primeiro caso, o Estado, ente político do capital, vai criando todas as formas de criminalizar a luta pela terra, mas tal processo adquire maior expressividade na última década, através do aparato jurídico representado, dentre outras medidas, pela Lei de n, 12.850, do ano de 2013[21] – considerada lei de Organização Criminosa e da Lei de n. 13.260 – denominada Lei Antiterrorismo, no ano de 2016[22]. A essas se somam outros projetos de Lei, Medidas Provisórias e Emendas parlamentares, dentre outras com o claro intuito de criminalizar e impedir a ação dos movimentos sociais no campo.
Essa realidade foi expressa no artigo de Mitidiero et. al. (2016) publicado no Caderno Conflitos no Campo, ao enfatizar o acompanhamento das ações legislativas voltadas a impedir a realização da reforma Agrária, bem como de ataques diretos a luta dos povos no campo – a exemplo da demarcação de terras indígenas e quilombolas, sobretudo sob a forma de PLs, que se acentuaram no contexto pós-golpe de 2016 que destituiu a presidente democraticamente eleita Dilma Rousseff[23].
A diferença da análise de 2015 e 2016 é que em 2015 os ataques tinham raízes em PLs antigos, sendo apenas 7 ações iniciadas naquele ano, isto é, deputados e senadores centravam esforços para desarquivar ou reavivar projetos “esquecidos” de interesse direto do agronegócio. Em 2016, ano do Golpe, além dos desarquivamentos, novas propostas pipocaram no Legislativo e Executivo. Foram 11 novos projetos e propostas no âmbito das Leis e 29 projetos de Decretos Legislativos para reversão de conquistas e retomadas de terra, totalizando 40 ações de ataque aos homens e mulheres do campo. (MITIDIERO, et. al. 2016, p. 90)
Posteriormente, o mesmo autor aponta que após a eleição do Governo Bolsonaro, um projeto declaradamente de extrema direita e atrelado aos interesses dos proprietários de terra e senhores do agronegócio, novas medidas são retomadas e aprofundadas com o claro intuito de impedir a luta pela terra.
Tal processo se constitui em uma via de mão dupla. Em um primeiro momento, o Estado burguês, o Estado funcional ao capital, impede os camponeses de terem acesso à terra de trabalho, em muitas áreas predominantemente devolutas do país, e em um segundo momento deixa essas áreas livres para a grilagem realizada pela classe dos grandes proprietários e das empresas capitalistas[24].
Nesse processo de ocupação das terras do país via grilagem, ou mesmo das tentativas de apropriação das terras camponesas, a violência vem se expressando em diversos conflitos e assassinatos de trabalhadores rurais e camponeses, como apontam os dados obtidos pela Comissão Pastoral da Terra ao longo de mais de 30 anos de estudos sistemáticos sobre o campo brasileiro. Dentre tal análise ressalta-se a ocorrência de massacres coletivos de trabalhadores, retomando uma realidade que foi muito forte na década de 1990 com os Conflitos de Corumbiara (no estado de Rondônia) e Eldorado dos Carajás, no Pará. E na realidade atual com os Massacres da Gleba Taquaraçu do Norte, em Colniza, no Mato Grosso do Sul, em que pela ação de pistoleiros 11 camponeses que lutavam pela terra foram brutalmente torturados e mortos, bem como o conflito na fazenda Santa Lúcia, em Pau d’Arco, no Pará, em que nove homens e uma mulher morreram pelas mãos de policiais, dentre outros.
Essa Geografia dos Massacres no campo expressa, em um contexto de crise, as formas do capital se adiantar na apropriação das reservas futuras de recursos e em um controle mais efetivo sobre o trabalho, onde a expropriação intensifica a proletarização, conforme apontado na seção 2 desse artigo, bem como as relações de trabalho análogas à escravidão.
Por outro lado, os dados demonstrados pela CPT apontam que nos últimos anos, embora haja um aumento significativo do número de conflitos no campo brasileiro, o número de trabalhadores apreendidos em relações de trabalho análogas à escravidão pelos fiscais do Ministério do Trabalho vem diminuindo, o que longe de representar a superação dessas relações no campo brasileiro, expressa uma realidade de desmonte da fiscalização e que se concretiza com o fim do Ministério do Trabalho pelo atual governo brasileiro. Assim, mais uma vez, se consolida a aliança entre Estado, proprietários e capital, na perspectiva da máxima exploração da força de trabalho no campo.
Quanto aos crimes praticados pelos grandes proprietários fundiários e empresas capitalistas no campo, a pesquisa realizada por Pereira (2018) aponta que esses raramente são jugados e se condenados não cumprem pena, como pode-se observar na reportagem abaixo, ao tratar dos crimes ocorridos no estado do Mato Grosso, mas uma realidade que se estende ao país como um todo.
Há mais de três décadas a impunidade impera nas regiões de Mato Grosso onde as disputas por terra fazem vítimas fatais. Desde 1985, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), 136 pessoas foram assassinadas no campo no estado. Até agora, nenhum mandante dos crimes foi julgado ou condenado. (SOUZA, André, G1 MT, 19 de Abril de 2018).
É nessa conjuntura histórica de avanço do capital sobre o trabalho que se evidencia os limites estruturais dessa forma de organização social imposto pelo modo de produção vigente, apontando a necessidade dos trabalhadores (sejam assalariados ou camponeses) buscarem sua superação, como forma única de libertar os sujeitos explorados no campo e nas cidades.
É nítida a opção do Estado brasileiro, em sua aliança com as classes proprietárias do campo, pela inserção subordinada na divisão social do trabalho, cumprindo a agenda neoliberal e os interesses do grande capital. É nesse movimento que se pode compreender o direcionamento dos investimentos para o campo e as empresas do agronegócio, e um certo abandono de outros setores da economia, a exemplo da indústria e a pesquisa em ciência e tecnologia que lhe dá sustentação. Assim, o agronegócio se consolida e se expande para o campo, com o fito de transformar tudo em mercadoria.
Tal realidade interfere nas formas de viver e produzir no campo, tanto no que se refere a degradação das condições de trabalho, ou mesmo da diminuição do trabalho no campo. Para os trabalhadores tal realidade se consolida em dificuldades para a reprodução da vida, para o capital trata-se apenas de se criar as condições para extrair, ainda mais, o trabalho não pago.
Na realidade das comunidades camponesas, a expansão do capital vem a representar não apenas formas de sujeição de sua renda ao capital, mas, sobretudo, situações concretas de expropriação e ameaças no processo de reprodução da vida. Nesse sentido, a luta de classes se torna visível, mas se expressa, quase sempre, em um processo de violência exacerbada para com esses sujeitos, sob a batuta do Estado ou do poder expresso pelos senhores proprietários.
Mas, se expressa também através do aparato jurídico do Estado, em seu claro intuito de criminalizar e assim minar a ação dos movimentos de luta pela terra.
O fortalecimento do poder exercido pela classe proprietária se acresce com a ascensão de um projeto de poder extremamente conservador no Brasil, e o cenário apresenta-se extremamente difícil para aqueles que sempre lutaram, ou que permanecem no campo com maiores dificuldades.
A realidade do campo brasileiro, pode então ser vista como a própria expressão das contradições entre capital versus trabalho e nos mostra que não há conciliação possível, a não ser a superação dessa forma alienante, expansiva, destrutiva e necessariamente desumana do capital, conforme nos apontou Meszáros (2002).