ARTIGO
Recepção: 30 Setembro 2019
Aprovação: 30 Novembro 2019
DOI: https://doi.org/10.22481/rg.v3i3.5697
Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar os fatores que interferem para ocorrência do fenômeno das ilhas de calor e a dinâmica do clima local no bairro de Cajazeiras na cidade de Salvador, BA. Foram realizados trabalhos de campo com medição das temperaturas de superfície das classes de usos dos solos do bairro. Neste contexto, gerou-se o mapa geotérmico de superfície, o qual demonstrou a interferência do aquecimento superficial nas unidades mapeadas. Conclui-se que a qualidade de vida da população é afetada diretamente pelo stress térmico positivo desencadeado pelo desflorestamento nas encostas e nos topos dos morros com a substituição das áreas anteriormente recobertas pela Mata Ombrófila Densa por estruturas de concreto, asfaltos e solos desnudos.
Palavras-chave: Ilhas de calor, clima local, usos dos solos.
Abstract: The objective of this paper is to analyze the factors that interfere with the occurrence of the heat island phenomenon and the local climate dynamics in the Cajazeiras neighborhood of Salvador, BA. Field work was carried out to measure the surface temperatures of the neighborhood land use classes. In this context, the surface geothermal map was generated, which demonstrated the interference of surface heating in the mapped units. It is concluded that the quality of life of the population is directly affected by the positive thermal stress triggered by deforestation on the slopes and tops of the hills with the replacement of areas previously covered by Dense Ombrophylous Forest by concrete structures, asphalts and bare soils.
Keywords: Islands of heat, local weather, land uses.
Resumen: El objetivo de este trabajo es analizar los factores que interfieren con la ocurrencia del fenómeno de las islas de calor y la dinámica climática local en el barrio de Cajazeiras, Salvador, BA. El trabajo de campo se llevó a cabo para medir las temperaturas de la superficie de las clases de uso del suelo del vecindario. Se generó el mapa geotérmico de superficie, que demostró la interferencia del calentamiento de la superficie en las unidades mapeadas. Se concluye que la calidad de vida de la población se ve directamente afectada por el estrés térmico positivo provocado por la deforestación en las laderas y cimas de las colinas con el reemplazo de áreas previamente cubiertas por el Bosque Ombrófilo Denso por estructuras de concreto.
Palabras clave: Islas de calor, clima local, usos del suelo.
Introdução
Este trabalho analisou as consequências das ilhas de calor em Cajazeiras, bairro localizado no miolo urbano da cidade de Salvador. Este fenômeno é observado em centros urbanos de pequeno, médio e grande porte desde o século XIX, mas só a partir dos anos 1970 ganhou estudos mais aprofundados no Brasil, devido a identificação da diminuição da qualidade de vida da população exposta às ilhas de calor.
A urbanização na cidade de Salvador acompanhou o ritmo desregulado do desenvolvimento nos ditos países de terceiro mundo, até meados dos anos 1950, apenas a região sul da cidade possuía características urbanas.
Porém a partir dos anos 1960 e 1970 a parte definida como miolo da cidade começou a crescer. Por estar localizado na região centro-norte da cidade, o miolo teve seu desenvolvimento de forma tardia e desordenada, características próprias de localidades periféricas. Segundo Fernandes (2004) no ano de 1970, as comunidades mais urbanizadas do Miolo eram o Cabula, Pernambués, Pau da Lima e São Gonçalo do Retiro. E encontravam-se também alguns pontos ocupados na Palestina e Castelo Branco (que foi idealizado como um bairro planejado).
É a partir deste período que o Estado começa a atuar no âmbito nacional, sobretudo com a implantação de infraestrutura urbana e o desenvolvimento de programas de habitação. Na área do Miolo, a execução e consolidação de projetos como Castelo Branco, Narandiba, Mussurunga e Cajazeiras, ditam os rumos da ocupação, acelerando a expansão periférica e aumentando os vazios entre a área urbana contínua e o limite urbano municipal.
Segundo IBGE (2010) o bairro de Cajazeiras detém população estimada em cerca de 60.000 moradores, resultado de um acelerado processo de urbanização no miolo de Salvador. Um bairro que inicalmente foi instalado de forma planejada, porém no decorrer do tempo foi sendo acometido por grande número de invasões e loteamentos ilegais. Essa situação fez com que o crescimento do bairro ocorresse de forma desordenada, resultando na problemática no que tange o uso do solo urbano.
Uma das consequências resultantes da urbanização mal planejada nas metrópoles e cidades médias brasileiras é o surgimento das ilhas de calor. O uso indevido do solo altera processos naturais de evaporação e reflexão da energia solar, gerando um acúmulo de energia térmica próxima do solo, que associados a outros fatores relacionados às atividades antropogênicas, resultam em locais com um grande desconforto térmico para a população. A alteração das coberturas do solos e instalação de equipamentos urbanos em detrimento da extinção das áreas verdes alteram drasticamente o albedo sobre as superfícies. Produzem-se condições necessárias para desregulação no clima local da metrópole com alteração significativa da temperatura do ar no decorrer do verão.
Análise da literatura: urbanização e Clima Urbano
Atualmente afirma-se que a urbanização é um processo ainda em evolução, e com várias interpretações e metodologias de investigação. Para Santos e Pacheco (2013), é comum assimilar que a concentração espacial de uma população, a partir de certos limites de dimensão e intensidade é considerada urbanização.
A urbanização de acordo com Barbosa (2014), tem como suas características o processo de desenvolvimento da cidade, bem como: praças, ruas, prédios, escolas e outros tipos de edificações ou estruturas que se configurem como um avanço da malha urbana.
A urbanização em sua acepção tradicional, e enquanto um fenômeno de escala local é bastante antiga. As primeiras cidades sugiram no Oriente Médio aproximadamente entre 3500 e 3000 a.C., porem até o final do século XVIII esse fenômeno permaneceu limitado para baixa porcentagem da população e algumas regiões. Foi a partir da revolução industrial, da revolução agrícola e dos transportes que a sucederam que a urbanização ultrapassa a escala local e deixa de ser localizada, passa a realizar-se em um ritmo acelerado, tendendo a generalização
Segundo Santos e Pacheco (2013), até 1872 apenas três cidades brasileiras possuíam mais de cem mil habitantes, eram Rio de Janeiro, Recife e Salvador. Esse número era fruto do deslocamento da elite rural para à cidade no século XVIII, gerando o crescimento econômico das cidades.
Já no século XX se deu o auge da urbanização brasileira, com a tardia industrialização dando início ao fenômeno conhecido com êxodo rural. Para Barbosa (2014) a migração do homem campo-cidade fez com que o processo de urbanização do Brasil se desse de forma acelerada e desordenada. Cujo o crescimento do comércio e oferta de serviços teve destaque no crescimento das cidades e da urbanização.
Além da migração do campo para cidade, houve também um fenômeno migratório das cidades pequenas para as grandes cidades, devido a oportunidades de emprego que se concentravam nessas áreas mais densamente urbanizadas. Os grandes centros urbanos, necessitavam de mão de obra para manter o processo de desenvolvimento econômico, as indústrias, o comércio e os serviços geravam os empregos e a medida que mais pessoas se aglomeravam, com mais intensidade esses setores tinham que crescer.
Segundo Lombardo (1985) o processo desordenado em que se dá o uso do solo no sítio urbano, gera dificuldades na implantação de infraestruturas e desconforto ambiental de ordem térmica, acústica, visual e de circulação.
Problemas que indicam a falta da qualidade de vida para a população, que mora na periferia e precisa se locomover diariamente ao centro para seus postos de trabalho e enfrentam uma cidade resultante de uma urbanização desordenada com problemas de locomoção, por questões como ruas e avenidas sem planejamento, afetando o trânsito de automotores e pedestres.
A ausência de planejamento resulta em perímetros da cidade com incursões sobre as Áreas de Preservação Permanentes (margens de rios, lagos, encostas, zonas de recarga de aquíferos). A urbanização e suas edificações interferem na dinâmica ambiental e a biodiversidade. “A produção de espaços urbanos altamente transformados pela canalização dos rios, impermeabilização das superfícies com revestimentos de concreto e asfalto e a supressão da vegetação resultam em cidades cada vez mais desconfortáveis sob o ponto de vista térmico” (ESTEVAM, 2019, p. 24).
A cidade de Salvador, assim como outras grandes cidades, sofreu com o processo de urbanização desordenada no centro e nas periferias, principalmente na região do miolo. De acordo com Fernandes:
[...] o miolo de Salvador é assim denominado desde os estudos do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano para a Cidade de Salvador (PLANDURB), da década de 1970. Este nome se deve ao fato de a região situar-se, em termos geográficos, na parte central do município de Salvador, ou seja, no miolo da cidade. Possuindo cerca de 115 km, ele está entre a BR 324 e a Avenida Luiz Viana Filho, mais conhecida como Avenida Paralela, estendendo-se desde a Invasão Saramandaia até o limite Norte do Município de Salvador (FERNANDES, 2004, p.01).
O bairro de Cajazeiras, localizado no miolo da cidade de Salvador, é resultado de um desordenado processo de urbanização que causa consequências na qualidade de vida da população com problema relacionados a infraestrutura, resultando em ambientes impróprios e desconfortáveis sob o ponto de vista climático.
Clima urbano e ilhas de calor
Segundo Lombardo (1985) o clima urbano é o resultado da inserção das formas urbanas na natureza. As atividades antropogênicas, os materiais artificiais produzidos para atender as demandas da sociedade se somam, e alteram a dinâmica atmosférica, provocando mudanças nos padrões energéticos e hídricos do espaço que passa a ser urbano. Segundo Dias e Nascimento (2014, p. 27), o clima urbano é, portanto, resultado da interferência de todos os fatores atuantes sobre a atmosfera urbana e que agem no sentido de alterar o clima local.
Monteiro (1976) relata que os efeitos mais diretos desta alteração são percebidos pela população através de manifestações ligadas ao conforto térmico, à qualidade do ar e aos impactos pluviais. Características que estão diretamente ligadas a qualidade de vida da população e dificultam a organização social.
Ao analisar os efeitos das ilhas de calor no espaço urbano na cidade de Salvador, vários fatores são analisados por Estevam:
[...] a produção de espaços urbanos altamente transformados pela canalização dos rios, impermeabilização das superfícies com revestimentos de concreto e asfalto e a supressão da vegetação resultam em cidades cada vez mais desconfortáveis sob o ponto de vista térmico” (ESTEVAM, 2019, p. 24).
A elevação exacerbada das temperaturas do ar nas superfícies no decorrer do verão em ambientes urbanos, acaba por interferir na qualidade de vida das pessoas que desfrutam deste espaço. Repercute-se no desconforto térmico das comunidades com impactos diretos na vida cotidiana das pessoas que residem nos ambientes diretamente afetados por essa problemática.
Para Santos e Pacheco (2013), desconforto térmico é resultado das chamadas ilha de calor urbano, fenômeno ligado a utilização desordenada do solo urbano e a perda da eficiência da superfície em refletir a radiação solar, devido as grandes concentrações de asfalto e concreto, materiais de cor escura com pouca capacidade de reflexão e facilidade em concentrar essa rad Os primeiros estudos referentes as ilhas de calor se deram na Inglaterra e França ainda no século XIX, quando os primeiros impactos foram identificados nos centros urbanos europeus. No Brasil, um dos idealizadores de estudos relacionados sobretudo a climatologia geográfica e ilhas de calor foi Monteiro (1976) com a criação do Sistema Clima Urbano, tal sistema consiste num dos principais métodos investigativos da ciência geográfica.
Santos e Pacheco (2013) analisaram os efeitos da distribuição de calor latente, a poluição do ar e a intensidade das precipitações. O estudo do comportamento sazonal e diário destes elementos permitiu identificar forte distinção das condições climáticas do centro urbano e das áreas circunvizinhas. Constatou-se a existência de climas locais particularizados em cidades de pequeno, médio e grande porte.
De acordo com Monteiro (1976) o Sistema Clima Urbano possui como princípio a análise da variação dos elementos do clima sob a influência das oscilações diárias, semanais e sazonais das temperaturas e precipitações na malha urbana.
Segundo o sistema clima urbano, fenômenos como a poluição do ar, ilhas de calor, inundações, dentre outros, assumem destaque nos climas urbanos, visto que assumem as características do clima da cidade. O fundamento principal do clima urbano é a urbanização, e seus impactos na atmosfera da cidade. Para Dias (2014), as superfícies urbanizadas se comportam de modo diferenciado, com características peculiares quando comparadas a outros usos do solo.
A observação do clima local/urbano deve ser acompanhada da análise das características geográficas e ambientais, características físicas do meio geográfico. Assim como, das características do processo de urbanização dos espaços à serem estudados, pois, dessa forma é possível identificar quais as alterações climáticas e suas magnitudes, além de relacioná-las às ações sociais, conforme Ugeda (2016, p.13).
Segundo Monteiro (1976), o clima urbano pode ser dividido em três subsistemas de análise: termodinâmico, físico-químico e o hidrometeórico. As condições próprias formadas na atmosfera da cidade resultam nas problemáticas de desconforto térmico, poluição do ar, impactos pluviais e fluviais e desenvolvimentos das ilhas de calor.
Para Estevam e Santos (2017, p. 5) o fenômeno de ilhas de calor é um problema ambiental grave, resultado do planejamento urbano deficiente, ou até mesmo da falta dele. O uso inapropriado do solo e a substituição de características naturais do ambiente por materiais utilizados no processo de urbanização resultam no aumento da temperatura do sítio urbano em relação ao espaço rural, gerando o stress térmico positivo na cidade.
O processo de urbanização faz com que o solo seja recoberto por materiais ligados a construção civil, como concreto e asfalto, causando a impermeabilização do solo. Segundo Estevam e Santos (2017, p. 3) esse fenômeno está associado à diminuição da cobertura vegetal, modificando o balanço de energia, devido à mudança do albedo dessa área transformada pela urbanização.
Esses materiais diminuem de forma radical a quantidade de água absorvida pelo solo, gerando uma quebra no balanço hídrico do local, e aumentando a quantidade de vapor d’água na atmosfera da cidade, o que dificulta a circulação dos gases produzidos nas atividades antrópicas, gerando uma bolsa de calor em alguns ambientes que resultam no processo de formação das ilhas de calor urbano.
Conforme Santos e Pacheco (2013) o albedo altera o balanço da radiação global ao provocar mudanças nos processos de absorção, reflexão e remissão da energia solar. Formado também pelos materiais utilizados nas construções da cidade, o albedo, é causado pela pouca capacidade de reflexão desses materiais, que são escuros e permitem pouca troca de energia entre o solo e atmosfera, gerando um balanço negativo na radiação e acumulando muito calor na superfície das ruas e nas laterais dos prédios.
Portanto, a formação das ilhas de calor ocorre devido à expansão das massas de edificações, aos materiais das construções e vias públicas que absorvem grande quantidade de radiação solar. Poluição que reduz a perda de radiação de onda longa, pelas superfícies para atmosfera, causando aquecimento do ar, à drenagem insuficiente pelo sistema de captação de águas pluviais, a não filtração de água no solo como consequência da utilização de revestimentos impermeáveis, (SANTOS; PACHECO, 2013, p. 12).
Características geográficas da cidade de Salvador
A cidade de Salvador está localizada no litoral norte do Estado da Bahia, na porção oriental da Baía de Todos os Santos. Está situada na Região do Recôncavo Baiano, sob as coordenadas Latitude -12º58'16'' Sul e Longitude 38º30'39'' Oeste (Mapa 1). Possui uma área territorial de 700 km² e uma população estimada em 2,7 milhões de habitantes (IBGE, 2010).
Quanto aos aspectos geológicos a cidade de Salvador está assentada sobre três unidades geológicas: i. Rochas Cretáceas do Rifte do Recôncavo Sul composto por síltitos argilosos, folhelhos e arenitos; ii. Embasamento cristalino Pré-cambriano composto pelas rochas granulíticas; iii. Depósitos Sedimentares Inconsolidados Quaternários; iv. Depósitos de Cobertura Sedimentar Continental do Terciário (PME, 2004).
Com relação ao clima diversos aspectos geográficos interferem para a dinâmica climática como a baixa latitude responsável pelas altas temperaturas e uniformes ao longo do ano; elevada umidade em decorrência da maritmidade. Outro aspecto importante é a amplitude térmica diária resultante dos sistemas de brisas.
A massa de ar Tropical Atlântica atua na estabilidade do tempo atmosférico. Enquanto que nas estações de outono e inverno as correntes perturbadas do sul e os distúrbios ondulatórios atmosféricos de leste interferem para o front dos alísios de sudeste. Esses fenômenos interferem para as precipitações no litoral baiano, segundo Palma (2010).
A tipologia geomorfológica da cidade de Salvador é constituída essencialmente pela escarpa de falha que delineia a encosta que separa o planalto da planície da Baía de Todos os Santos. A área planáltica constituída por rochas cristalinas e densa rede de drenagem que recortam vales encaixados. Observa-se, também a zona intermediária que separa o planalto e a planície litorânea constituídos por morros mamelonares, colinas baixas e feições dos tabuleiros do Grupo Barreiras. No contato com o oceano Atlântico e Baía de Todos os Santos, observa-se a planície litorânea constituída de sedimentos fluvio-marinhos e eólicos resultantes das flutuações climáticas e alterações do nível do mar (PME, 2004).
Procedimentos metodológicos e Geoprocessamento para geração do Mapa Geotérmico de Superfície
Para a realização desta pesquisa no bairro Cajazeiras foi necessário realizar as seguintes etapas metodológicas. Foram analisadas dissertações, teses e artigos científicos relacionados às discussões sobre o Sistema Clima Urbano e Ilhas de Calor e artigos expandidos do Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica.
Posteriormente com os trabalhos de campo foram realizadas visitas técnicas ao bairro para tomada de fotografias, diagnóstico ambiental, tomadas das temperaturas (em duas visitas realizadas no mês de fevereiro de 2019 nos horários de 12:00 e 13:30 respectivamente). Com a utilização de termômetro infravermelho foram realizadas medições de temperatura nas unidades de uso dos solos com recobrimento vegetal natural, áreas recobertas por gramíneas, solos desnudos e edificações de concreto e/ou asfaltamentos.
As tomadas de fotografias expressam as unidades estudadas e seu grau de interferência antropogênica. Os impactos produzidos como o desmatamento e substituição por edificações nas áreas que em períodos pretéritos eram ocupadas pela Floresta Ombrófila Densa.
A partir de pesquisa documental cartográfica sobre o bairro Cajazeiras utilizou-se o software Google Earth Pro para sua delimitação. O documento gerado foi processado no programa Quantum Gis 3.4.1. Neste ambiente computacional foi confeccionado o mapa de uso dos solos associados a unidades homogêneas de temperaturas de superfície. O mapa foi gerado evidenciado a ocupação da superfície, em camadas individuais e sobrepostas de forma a representar com mais lucidez as diversas ocupações.
Os layers de informação caracterizam as manchas de vegetação, em seus diferentes estágios de sucessão, as áreas urbanizadas como casas e vias, áreas de areia e águas. A vegetação foi segregada em Mata Densa, representando os extratos em estágio de sucessão mais avançados, Mata Rala, que retrata um extrato vegetativo em sucessão secundária, como capoeiras, e o layer Gramado, representando vegetação primária.
Para geração do Mapa Geotérmico foram definidas unidades de mapeamento particularizadas que induzem o stress térmico positivo no bairro de Cajazeiras. A unidade de mapeamento Área Urbanizada retrata toda a porção constituída por edificações, vias e áreas pavimentadas. A unidade compostas por solos desnudos não contem cobertura vegetal ou pavimentação.
Após a criação de cada layer de informação, utilizou-se o software Arcview 9.1 para correção e ajustes de vértices, coloração de cada camada de forma a evidenciar a composição do mapa, subentendendo-se que a cor verde exprime vegetação e que suas tonalidades variam de acordo ao extrato vegetativo figurado. Assim sendo na legenda do mapa, a unidade de cor azul representa a acumulação de águas servidas, esgotos em barragens de resíduos e rios que constituem as drenagens no bairro Cajazeiras.
Resultados e discussões
Após as observações realizadas em campo e análise do Mapa Geotérmico de Superfície (Mapa 2) foram identificadas duas grandes unidades de superfícies com graus diferenciados de albedos. Neste contexto, foram identificadas as seguintes classes de análise:
i. Zona Altamente Urbanizada
Essa unidade detém forte expansão nos setores Cajazeiras IV, Cajazeiras V e Cajazeiras VIII. A maior parte desses segmentos detém temperaturas elevadas nas unidades observadas. Há maiores tomadas de temperaturas nas áreas de calçadas e asfalto, foram identificadas temperaturas nas superfícies dos materiais que oscilam entre 38 à 44°. Estas coberturas aprisionam grandes quantidades de energia, motivo pelo qual áreas com excesso de concreto e asfalto se caracterizam com baixo albedo (Foto 1).
A Zona Altamente Urbanizada é significativamente influenciada pela elevada concentração de edificações como postes, viadutos, prédios com espelhamento, revestimento de parede com vegetação artificial, áreas concretadas, e extensas áreas recobertas por asfalto. O elevado fluxo de veículos também contribui para a elevação do stress térmico positivo. Em área próximo ao Shopping Cajazeiras foram tomadas temperaturas que oscilaram entre 38 a 44°. Percepção de alto desconforto térmico com tomadas de temperaturas às 11:30 em período de verão no corrente ano.
Um dos fatores que favorecem a formação das ilhas de calor é o asfalto, pois é um material de baixa refletividade e altamente condutor de calor, existe maior acumulação de calor devido às propriedades de absorção, refletindo um baixo índice de albedo. Este tipo de cobertura reveste as áreas centrais e periféricas do bairro, constituem zonas de produção de calor importantes nos horários finais da manhã e início da tarde principalmente no período de solstício de verão. Foram registradas temperaturas de até 44,5° tomadas via termômetro de sensor por infravermelho.
O concreto possui emissividades similares à de um corpo negro (asfalto) o que gera uma elevada capacidade de absorção de calor da superfície urbana, gerando gradiente de térmico nas imediações do solo.
A urbanização descontrolada substitui rapidamente a vegetação que é cobertura natural do solo por concreto e outros materiais como espelhos, blocos e vegetação artificial que são materiais de alta absorção radiativa como pode ser observado na Foto 2.
A rápida proliferação de edifícios residenciais, escritórios e industrias alteram o balanço de energia devido à verticalização. Além disso, os edifícios inibem a circulação de ventos, o que faz a troca de calor por convecção natural ser muito prejudicada, aumentando ainda mais o stress térmico nas áreas edificadas. Sendo assim, o grupo de materiais edificados apresenta um baixo índice de albedo.
Como o bairro de Cajazeiras localiza-se sobre áreas de topo dos morros e fundos de vale da zona planáltica, observa-se sistema de ventos atuantes que podem amenizar o efeito das temperaturas elevadas sobretudo no final da tarde. Mas é importante relatar o stress térmico positivo nos horários entre 9:00 às 17:00.
Nesta zona o efeito da amplitude térmica é nitidamente percebido em decorrência da liberação do calor das superfícies ao entardecer. Já no período noturno a temperatura do ar diminue significativamente devido a perda de calor dos materiais para a atmosfera.
ii. Zonas compostas por corpos hídricos, remanescentes florestais e solo desnudo
Esta zona é composta por áreas de pastagem, solo desnudo, areia branca, vegetação arbórea, despejo de efluentes, Mata Ombrófila Densa, predominaram temperatura mais baixas. Neste caso, observa-se que esta unidade de mapeamento detém maior área física, evidenciando uma diminuição da temperatura em relação a classes de uso de solo anteriormente descritas, conforme Foto 03 e Mapa 2.
Uma área mais arborizada e menos afetada pelo crescimento da cidade, e preservada, a temperatura é menor que àquela dos locais submetidos aos efeitos do crescimento urbano, como a malha asfáltica, presença de concreto nas casas e nos prédios. Assim, as matas densas apresentam um elevado índice de albedo e consequentemente uma sensação térmica mais amena.
Nas áreas com grande quantidade de solo exposto as temperaturas são mais elevadas, devido à ausência de vegetação, que auxilia na regulação da temperatura (Foto 04 e Mapa 2). Com isso, essas áreas recebem muita radiação solar, que acabam por gerar temperatura do ar mais elevada. Foram identificadas parcelas de solos exposto em meio a zona de expansão da urbanização e em clareiras de vegetação ao longo das encostas e topos de morro. As temperaturas registradas para o solo exposto de cor vermelha ocorreram em torno de 40° à 44°.
Em alguns setores com a presença de vegetação, as temperaturas são mais amenas e seus valores se encontram predominantemente menores. Com isso, podemos observar a importância das áreas arborizadas na influência das temperaturas ambientes. A área recoberta por mata detém temperaturas entre 36 à 37°.
Observa-se uma clara relação do uso e ocupação do solo com as temperaturas superficiais, identificando as áreas ocupadas por mananciais hídricos às temperaturas mais amenas no microclima do seu entorno. Destacamos que a distribuição, concentração e a área dos corpos hídricos podem interferir nas ilhas de frescor na área urbana, porém é importante salientar que os tipos de uso do solo no entorno destes corpos hídricos são fundamentais na definição destas ilhas de frescor. Há de se destacar que as bacias hidrográficas que drenam a área do bairro encontram-se canalizadas e encobertas por placas de concreto. Neste contexto, inviabiliza-se as tomadas de temperatura nesta unidade que é de suma importância para manutenção das temperaturas no bairro de Cajazeiras.
Como pode ser observado no Mapa 2 a distribuição espacial das unidades de uso do solo condizem com o comportamento térmico das superfícies. Tal situação reflete as condições da condução térmica de cada unidade, responsáveis pelo aquecimento do ar.
O aquecimento da atmosfera nos períodos de calor intenso produzem ilhas de calor de acentuada intensidade na zona altamente urbanizada entre os meses de setembro à fevereiro. Enquanto que nas áreas com recobrimento vegetal arbóreo é observado conforto térmico (mesmo no verão) devido ao sombreamento produzido pelas árvores. Esta condição indica a necessidade de implementação de arborização no interior da zona altamente urbanizada para atenuar o efeito do calor intenso e melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Considerações finais
Em virtude dos argumentos apresentados e das informações coletadas em campo, percebemos que o uso indevido do solo provocou uma série de características que propiciam a formação e surgimento das ilhas de calor no bairro Cajazeiras. A impermeabilização do solo, o volume de asfalto e concreto na superfície e nas laterais dos prédios, edificações altas que impedem a circulação dos ventos são os principais fatores que dão intensidade as ilhas de calor no bairro. Nas áreas arborizadas e/ou detentoras de solo exposto com menor número de edificações são os lugares onde o desconforto térmico causado pelo fenômeno das ilhas de calor são sentidos com menos intensidade, já que as condições do ambiente se aproximam do ideal para que as trocas de energia entre o solo e a atmosfera ocorram com maior liberdade.
O bairro de Cajazeiras possui características de uso de solo que se aproximam dessas duas realidades, uma área densamente urbanizada que durante os meses mais quentes, sofrem com o stress térmico positivo. Porém, há também as áreas com cobertura vegetal, que funcionam como um regulador da temperatura na região, sofrendo menos efeitos das ilhas de calor.
Uma melhor organização do processo de urbanização, seria um fator determinante no combate ao stress térmico positivo, iniciativas que diminuíssem o a absorção do calor pelas superfícies e estimulassem a infiltração de água no solo seriam de grande importância na busca por um ambiente urbano mais saudável e confortável.
Ao poder público cabe implementar o planejamento urbano para ruas que estejam em acordo com a arborização e ventilação entre os prédios. Isto favoreceria a troca de energia da atmosfera e da cobertura vegetal. É de fundamental importância a implementação no bairro de inciativas sustentáveis que resultem na diminuição do stress térmico positivo, como por exemplo, coberturas e laterais de casas e edifícios com cobertura vegetal. Porém, a inciativa mais relevante seria o aumento da área florestada no bairro. Resultaria na produção de ambientes mais confortáveis sob o ponto de vista térmico o que resultaria em maior qualidade de vida para população.
Referências
BARBOSA, Rui Ferreira. A URBANIZAÇÃO DAS CIDADES. III Congresso Internacional de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento, Taubaté, 22 out. 2014. Congresso Internacional de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento.
DIAS, M. B. G.; NASCIMENTO, D. T. F. Clima urbano e ilhas de calor: aspectos teóricos e metodológicos e estudo de caso. Fórum ambiental da Alta Paulista, Presidente Prudente, p. 27-41, 1 dez. 2014. E-book.
ESTEVAM, A. L. D. et al. Climatologia geográfica e impactos ambientais urbanos na cidade de Salvador. Santo Antônio de Jesus: Lab Cria e Conecta, 2019.
ESTEVAM, A. L.; SANTOS, R. M. dos. Sistema clima urbano e contribuições ao estudo das áreas de risco na cidade de Salvador. In. Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica. [S. l.], p. 1-10, 1 ago. 2017.
FERNANDES, R. B. Processos recentes de urbanização/segregação em Salvador: o miolo urbano, região popular e estratégica da cidade. Revista Bibliográfica de Geografia y ciências sociales. Barcelona, p. 1, 20 jul. 2004. Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/b3w-523.htm. Acesso em: 7 maio 2019.
IBGE. Censo demográfico 2010. Disponíveis em http://www.censo 2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php/dados=67uf=00. Acesso em 07 de fevereiro de 2017.
LOMBARDO, M. A. Ilhas de Calor nas Metrópoles: o exemplo de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1985.
SALVADOR. SECRETARIA DE INFRAESTRUTURA DO MUNICIPIO DE SALVADOR. Relatório síntese do Plano Diretor da Encostas de Salvador, 2004.
SANTOS, R. P. dos; PACHECO, C. S. G. R. Crescimento desordenado, segregação social nas cidades médias brasileiras: o caso da cidade de Juazeiro Bahia/Brasil. IFSertão,[S.l.],p.12out.2013.Disponívelem:http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal14/Geografiasocioeconomica/Geografiaurbana/066.pdf. Acesso em: 7 maio 2019.
PALMA, J. dos Santos. Variabilidade das chuvas em Salvador e suas tendências espaço-temporais. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia, 2010.
UGEDA J., José Carlos. Reflexões acerca do sistema clima urbano e sua aplicabilidade: pressupostos teórico-metodológicos e inovações técnicas. Revista do Departamento de Geografia da USP, [S. l.], p. 160-173, 1 out. 2016. E-book.
Notas