ARTIGO
Recepção: 19 Setembro 2019
Aprovação: 29 Novembro 2019
DOI: https://doi.org/10.22481/rg.v3i2.5641
Resumo: O objetivo desse trabalho é analisar os avanços da produção de sementes agroecológicas da rede Bionatur nas áreas de assentamentos do MST – Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - na mesorregião Norte de Minas Gerais. A metodologia baseia-se em revisão de literatura, coleta de informações nos trabalhos de campo, bem como na experiência direta como extensionista nos assentamentos do MST na região Norte de Minas. Os resultados indicam que, mesmo diante das várias dificuldades características da região Norte de Minas, principalmente a escassez de chuvas e a dificuldade de acesso às políticas públicas de acesso ao crédito rural, através da organização baseada nos princípios da cooperação, os camponeses estão conseguindo produzir sementes agroecológicas nas áreas de assentamento no Semiárido.
Palavras-chave: Agroecologia, Campesinato, Cooperativa.
Abstract: This essay aims to analyze the advances in agroecological seed production of the Bionatur network in the settlement areas of the MST - Landless Rural Workers Movement -, in the northern mesoregion of Minas Gerais. Methodology based on literature review, information gathered in fieldworks and direct experience as an extension worker in MST settlements, in the northern region of Minas Gerais. Results indicate that, even in the face of several characteristic difficulties of the northern region of Minas Gerais, mainly due to lack of rainfall and the difficulty in accessing public policies for access to rural credit, through organization based on the principles of cooperation, peasant farmers are succeeding in producing agroecological seeds in the semiarid settlement areas.
Keywords: Agroecology, Peasantry, Cooperative.
Resumen: El objetivo de este trabajo es analizar los avances en la producción de semillas agroecológicas de la red Bionatur en las áreas de asentamientos del - Movimiento de trabajadores rurales sin tierra (MST) - en la mesorregión norte de Minas Gerais. La metodología se basa en la revisión de la literatura, la recopilación de información en el trabajo de campo, así como la experiencia directa como extensionista en los asentamientos del MST en la región norte de Minas Gerais. Los resultados indican que, incluso frente a las diversas adversidades características de la región norte de Minas, principalmente la falta de lluvia y la dificultad del acceso a las políticas públicas de crédito rural, a través de la organización basada en los principios de la cooperación, los campesinos están logrando producir semillas agroecológicas en las zonas de asentamientos semiáridas.
Palabras clave: Agroecología, Campesinado, Cooperativa.
Introdução
O amplo debate sobre a produção de alimentos orgânicos e agroecológicos carrega consigo inúmeras contradições e possibilidades para a análise do campo brasileiro e mundial. Diante dessa premissa, urge ressaltar que a semente é um componente da identidade cultural, territorial e patrimônio biológico de comunidades rurais, e não apenas um insumo agrícola ou uma mercadoria, pois, ela contém o segredo da vida e conservam histórias das famílias que as preservam (SOARES; ALBA, 2009).
Trata-se de uma constatação no bojo de uma agricultura sustentável, “[...] quer do passado, quer do futuro, funcionam com base nos princípios perenes da diversidade e da reciprocidade. Esses dois elementos não são independentes, são interelacionados” (SHIVA, 2003, p. 175). Nesse sentido, salienta-se o controle das sementes tradicionais em contraposição ao pacote de sementes geneticamente modificadas das empresas transnacionais no mercado agrícola brasileiro. Por isso, os camponeses estão simultaneamente investindo na produção e preservação das sementes de base agroecológica para a manutenção da diversidade do material genético presente na região e lutando contra a destruição da diversidade vinculada, sobretudo, a monocultura.
Nesta perspectiva, conforme dados oriundos do relatório realizado no ano de 2013, pela organização ETC Group1, apenas quatro empresas controlam aproximadamente 80% do comércio internacional de grãos, seis empresas controlam 59,8% do mercado mundial de sementes comerciais e 76,1% do mercado de agroquímicos (ETC GROUP, 2013).
Assim, surge a necessidade do desenvolvimento de um modelo de produção que seja sustentável, e que contraponha o sistema de produção convencional, praticado pelas grandes empresas produtoras de commodities. Trata-se de um caminho em construção pelo MST entre outros movimentos socioterritoriais que atuam no país, cuja marca desse processo vai além da reforma agrária, ou mesmo, essa é apenas uma das cercas que precisam ser derrubadas (FERREIRA, 2011).
Segundo Santos et al., (2012), o mercado brasileiro para os produtos orgânicos encontra-se em crescente ascensão, sendo que os maiores centros consumidores se encontram no sudeste do país. Todavia, nota-se que nos últimos anos esse mercado está expandindo-se para outras regiões no Brasil. Assim, a agricultura orgânica e agroecológica passam a ser uma demanda atual da sociedade, tanto local, como no cenário nacional e mundial, podendo-se notar como prova disso que os consumidores buscam no mercado alimentos de qualidade, limpos e saudáveis.
De acordo com Ferreira e Cepolini (2018), além da informação empírica, destaca-se o dilema da conscientização de consumidores e produtores por exigir alimentos mais limpos e saudáveis em consonância com os princípios ambientais e sociais. Ressalta-se ainda a possibilidade da construção de uma economia solidária (SINGER, 2002).
O processo de produção de sementes agroecológicas visa, principalmente, romper com a dependência da aquisição de sementes junto das empresas que atualmente controlam todo o ciclo de produção de sementes. Nesse sentido, surge a Rede Bionatur, que tem como objetivo realizar o ciclo de produção de sementes em sistemas de produção orgânicos e agroecológicos, para atender à demanda dos consumidores que optam por sementes livres de venenos, bem como da transgenia.
Portanto, para atender a necessidade de produzir e comercializar sementes agroecológicas adaptadas às diferentes regiões do Brasil, a Bionatur, através de seus camponeses-assentados, produz em sistemas base agroecológica, sementes de diversas espécies de hortaliças, além de adubação verde, forrageiras e grãos.
Assim, este artigo tem como proposta mostrar o processo de conscientização das famílias camponesas da necessidade, mesmo ante tantos desafios, de produzir sementes agroecológicas nas áreas de assentamento do MST, na região Norte de Minas Gerais, levando em consideração tanto a trajetória de luta pela produção agroecológica de sementes de hortaliças, quanto todas as adversidades características da região para o desenvolvimento da agricultura camponesa.
Cooperação e a atuação dos movimentos sociais
De acordo com Gohn (2011), os movimentos sociais sempre existiram porque representam forças sociais organizadas, aglutinam as pessoas em atividades que são fontes geradoras de criatividade e inovações socioculturais. Neste contexto, Fernandes (2005, p. 33) afirma que: “o MST se territorializa pela ocupação de terra” sendo esta “uma forma de enfrentamento, resistência e recriação do campesinato”.
O movimento de luta por direitos versus as relações de dominação e opressão, presentes no estado brasileiro e no mundo, afloram cada vez mais o senso de luta dos movimentos sociais das diversas classes trabalhadoras. Diante desse processo, nota-se que as forças sociais são as que mais têm conseguido alcançar avanços na sociedade de uma maneira geral, reivindicando ações mais igualitárias do estado junto à sociedade.
Nesse contexto, a luta pela Reforma Agrária é uma crítica dos Trabalhadores Rurais Sem Terra à morosidade do Estado nas desapropriações de terras, o que dificulta a criação de assentamentos nas terras dos latifundiários brasileiros que não cumprem com sua função social, bem como nas terras devolutas (OLIVEIRA, 2015). Este estado de morosidade impede a democratização do direito de acesso à terra, impedindo também que sua função social possa ser cumprida de fato.
Com referência à cooperação, de acordo com Ceriole e Martins (1998, p. 28):
A luta pela terra é por si só uma experiência de cooperação. Ainda com relação a esta discussão os autores sustentam que os assentados devem buscar uma cooperação que traga desenvolvimento econômico e social, desenvolvendo valores humanistas e socialistas. Deve estar vinculada a um projeto estratégico, que vise a mudança da sociedade.
Em relação ao método de cooperação, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dentro das áreas de Acampamento e Assentamento, desenvolve e estimula diversas formas de organização de cooperação agrícola. Nesse contexto, pode-se citar algumas, tais como: mutirões, lavouras coletivas, associações e cooperativas de produção e comercialização (FERNANDES, 2001).
A discussão e implementação de sistemas de produção agroecológicos pelos camponeses-assentados(as) através da cooperação, tem como finalidade aumentar a diversificação na produção de alimentos mais saudáveis, de baixo custo e em equilíbrio com o meio ambiente, e, principalmente, livres dos pacotes tecnológicos de insumos das grandes empresas que detêm o controle de várias espécies de plantas. Além disso, incentivar a criação de vários coletivos produtivos, motivando novas relações sociais dentro das áreas de Assentamento e Acampamento do MST, e ao mesmo tempo intensificar o processo de Inter-cooperação 3 entre as cooperativas do MST, e possibilitar a troca de experiências e produtos entre as várias regiões e estados que têm cooperativas constituídas por famílias camponesas da Reforma Agrária.
A agricultura camponesa e a produção de sementes agroecológicas
A agricultura camponesa é portadora de um modo de vida e uma classe singular. De acordo com Costa (2010, p.26) trata-se de um:
[...] modo de fazer agricultura e de viver das famílias que, tendo acesso à terra e aos recursos naturais que ela suporta, resolvem seus problemas reprodutivos por meio da produção rural, desenvolvida de tal maneira que não se diferencia o universo dos que decidem sobre a alocação do trabalho dos que se apropriam do resultado dessa alocação.
Para Oliveira (2007), o camponês deve ser visto como um trabalhador que, mesmo expulso da terra, com frequência a ela retorna, ainda que para isso tenha que (e) migrar. Dessa forma, ele retorna à terra mesmo que distante de sua região de origem. Com relação aos meios de produção, Oliveira (2007, p. 40) destaca que: “no trabalho camponês, uma parte da produção agrícola entra no consumo direto do produtor, do camponês, como meio de subsistência imediata, e a outra parte, o excedente, sob a forma de mercadoria, é comercializada”.
Dessa forma, quando o MST surge e elabora suas primeiras definições, resgata esse objetivo da Reforma Agrária e o atualiza, reconhecendo o campesinato como guardião das florestas, das sementes, das nascentes, dos rios e da fauna (MST, 2018). Assim, a única possibilidade para a agricultura brasileira que responda aos anseios e necessidades do povo, passa não somente pela reforma agrária, mas também pela soberania alimentar e pela agroecologia (MST, 2018).
A expansão da rede de produção de sementes agroecológicas BIONATUR
A Rede de Sementes Agroecológicas (Bionatur), iniciada nos anos 1990 no Rio Grande do Sul por camponeses-assentados pela Reforma Agrária, objetivava a produção de sementes de diversas espécies de hortaliças, adubação verde e grãos, em sistemas de produção de base agroecológica.
Essa experiência de cultivar sementes em sistemas de produção de base orgânica e agroecológica surge como pioneira no Brasil e na América Latina, através da Rede de Sementes Agroecológicas Bionatur, ligada ao MST, que ao longo dos seus 20 anos tornou-se referência para quem quer priorizar, tanto no campo como na cidade, a produção de alimentos saudáveis. Nesse contexto, a produção de sementes de hortaliças, plantas ornamentais, forrageiras, grãos e cereais acontece em 20 municípios e 18 assentamentos do estado gaúcho e de Minas Gerais, numa área total plantada de 200 hectares (MST, 2017).
É importante ressaltar que as sementes da Bionatur produzidas pelos camponeses-assentados em áreas de Assentamentos do MST são importantes, sobretudo, na manutenção das sementes das famílias camponesas, pois, de acordo Costa (2007), “[...] todas essas empresas do ramo sementeiro priorizaram a parte comercial [...] não desenvolvem pesquisas de melhoramento e sim adquirem seus produtos devidamente validados da genética de empresas estrangeiras”. Assim, as condições climáticas da região Norte de Minas Gerais, favorecem a produção de sementes de hortaliças, fator importante que contribuiu para consolidar o trabalho entre a Rede Bionatur e a Cooperativa Camponesa Veredas na Terra no processo de estruturação e ampliação dos campos de sementes nas áreas de assentamento dessa região.
Histórico da Cooperativa Camponesa Veredas da Terra
A Cooperativa Camponesa Veredas da Terra 4 está situada no Assentamento Estrela do Norte, no município de Montes Claros – MG. Sua formação resultou da necessidade dos assentados/as e acampados/as da região Norte de Minas Gerais de organizar a produção. Para isso, desenvolveram ações de formação em agroecologia e, através da produção e comercialização por meio da cooperação, criaram estruturas de beneficiamento e comercialização de grãos de oleaginosas e de óleo vegetal, bem como de outros cadeias produtivas, com destaque para a produção de leite, mel, cana (rapadura, açúcar mascavo, rapadurinha), doces, geleias e conservas de pimenta. As figuras 1 e 2 mostram o processo de produção e beneficiamento da polpa de tomate, ação importante que culminou na extração da polpa e na produção de sementes, agregando valor à cadeia de produção, além de promover o envolvimento das mulheres assentadas e cooperadas no processo de fabricação da polpa.
O processo de constituição da Cooperativa resultou de um amplo debate, envolvendo as áreas de assentamentos, acampamentos e comunidades camponesas, sobre a necessidade de avançarem na organização da produção, nos processos agroindústrias e na comercialização, como alternativa de desenvolvimento e melhoria das condições de vida e geração de renda das famílias camponesas da região.
Desde novembro de 2007, as ações desenvolvidas pela cooperativa já incluíam os processos de produção, agroindustrialização e comercialização dos produtos das famílias cooperadas. No entanto, havia outra questão fundamental que sempre era discutida pelas famílias cooperadas da região: o aprofundamento das discussões na ampliação, implementação e avaliação do cultivo de sementes agroecológicas adaptadas ao bioma cerrado conforme destacado no mapa a seguir. Essa ação já está sendo implementada nas áreas de Assentamentos do MST no Norte de Minas Gerais, contudo, percebe-se a necessidade de fortalecê-la e ampliá-la para outras regiões, assegurando também, acompanhamento técnico e político.
Historicamente, a produção de sementes agroecológicas tradicionais de milho, feijão e hortaliças, e mudas de mandioca são, de fato, linhas de produção fundamentais desenvolvidas pela cooperativa na região. Nesse contexto, observa-se que a produção de sementes é estratégica, tanto para a manutenção da biodiversidade nas áreas de assentamentos, inseridas no bioma cerrado, como para a diversificação produtiva e a geração de trabalho e renda para as famílias.
Por isso, cabe destacar que ao dominar o processo de produção e conservação de sementes, os (as) camponeses (as) têm custos de produção menores, além de conseguirem mais autonomia no processo produtivo em relação às grandes empresas de sementes.
Portanto, a produção de sementes não pode ser vista como uma atividade isolada. Ela deve ser desenvolvida na região Norte de Minas Gerais, como um processo de diversificação das atividades produtivas, buscando a sustentabilidade, soberania e segurança alimentar para cada família camponesa dos assentamentos e acampamentos. Na acepção de Shiva (2003), estamos respaldados por uma diversidade enquanto modelo de produção e não meramente preservação, assegurando o pluralismo e a descentralização. Dessa maneira, nota-se que o MST vem incentivando a produção de sementes agroecológicas, integrando-as às demais atividades nos assentamentos, utilizando-se inclusive de insumos e produtos de outras atividades agrícolas. Trata-se, portanto, de uma produção agroecológica integrada aos saberes proveniente desse encontro de biomas no Norte de Minas Gerais 5.
Organização dos camponeses na produção de sementes
A organização dos grupos de produção de sementes nos Assentamentos Darcy Ribeiro 6, localizado no município de Capitão Éneas, e Estrela do Norte 7, município de Montes Claros, baseia-se no trabalho coletivo, desenvolvido pelo MST. No mapa a seguir pode-se verificar a localização desses dois assentamentos em Capitão Enéas e Montes Claros, respectivamente. Dessa maneira, evidencia-se que os camponeses desses dois assentamentos estão organizados em grupos que desenvolvem todo o processo de produção de sementes de forma coletiva.
A organização desses camponeses dá-se através da cooperativa e está diretamente vinculada a Bionatur, sendo que isso tem papel fundamental no processo de autogestão, com a organização das famílias em cooperação, e a participação de todos nas discussões, implementação dos campos de sementes, organização da produção e geração de trabalho e renda.
A participação equitativa de mulheres e homens nas instâncias de coordenação dos núcleos de produção, faz parte dos pressupostos e metodologia adotados pela Cooperativa Camponesa Veredas da Terra e da Rede Bionatur. Estimulando assim, além da participação das mulheres na coordenação, sua inserção nos núcleos de produção e beneficiamento das sementes.
Campos de Produção de Sementes
No processo de produção de sementes agroecológicas nas áreas de Assentamentos da região Norte de Minas, foram criados quatro núcleos de produção, sendo eles, dois núcleos no Assentamento Darcy Ribeiro 8 e outros dois no Assentamento Estrela do Norte 9. Esses núcleos são organizados pela cooperativa e constituídos através das afinidades produtivas dos camponeses(as) de cada área.
No Assentamento Darcy Ribeiro foram constituídos, na área coletiva, dois núcleos de produção de sementes, nos quais foi praticada a produção de tomate, tanto para extração de sementes para a Bionatur como para a produção do subproduto polpa de tomate. No Assentamento Estrela do Norte, entretanto, a produção de sementes ocorreu de forma individual, porém os assentados cooperavam uns com os outros nas práticas de manutenção durante o período da lavoura. Os camponeses(as) cultivaram jiló e berinjela, e nesse caso conseguiram produzir apenas as sementes, não havendo produção de subproduto. Nas fotos, (painel 2), é possível identificar o campo de produção de sementes de jiló e a produção das sementes de berinjela já beneficiadas, prática realizada pelos camponeses(as) do assentamento Estrela do Norte.
Cenário Atual
O processo de produção de sementes agroecológicas em áreas de Reforma Agrária na região Norte de Minas, vem sendo desenvolvido em dois assentamentos do MST atualmente, organizados através da Cooperativa Camponesa Veredas da Terra. Os camponeses-assentados(as), sócios da cooperativa, possuem em cada área de Assentamento os coletivos de produção de sementes. Essa produção de sementes de hortaliças agroecológicas no Norte de Minas Gerais, principalmente a partir do ano de 2015, vem sendo realizada nos Assentamentos Estrela do Norte com a produção de berinjela e jiló, e no Darcy Ribeiro com a cultura de tomate, e com proposta de produção de outras variedades, principalmente as que apresentem a possibilidade de extração de subprodutos.
Os dois assentamentos citados estão consolidados e territorializados, após muita luta, as famílias conseguiram ter acesso à água, energia, estrada e moradia através do INCRA. O acesso às infraestruturas básicas, contribuiu muito para a organização das famílias nos assentamentos, que a partir disso, começaram a organizar as linhas de produção do assentamento. A tabela 1 apresenta o cenário histórico da criação dos assentamentos na região Norte de Minas, fator fundamental no fortalecimento da Reforma Agrária na região.
É possível perceber que a produção e comercialização das sementes de hortaliças na região Norte de Minas é organizada de forma coletiva, através da Cooperativa, que fornece todo o acompanhamento técnico e político às famílias cooperadas.
A produção de sementes agroecológicas nessas áreas de assentamento da região não é algo simples e fácil, é uma atividade árdua, porém é algo estratégico para a cooperativa e para as famílias que estão envolvidas nesse processo, que persistem mesmo diante de várias dificuldades, dentre elas as estiagens prolongadas que tem afetado a região Norte de Minas nos últimos seis anos, exigindo dos assentados um maior investimento, principalmente em irrigação. Nos anos de 2012 e 2013, houve a maior seca dos últimos 50 anos, afetando fortemente o norte de Minas Gerais. Inúmeros foram os prejuízos para a economia da região. A seca arrasou as plantações e os rebanhos e só não acarretou saques ao comércio e aumento da violência por conta dos programas assistenciais já implantados (CÂMARA FEDERAL, 2014).
A tabela 2 evidencia o aumento da produção de sementes no Assentamento Darcy Ribeiro na última safra. Nota-se que no Assentamento Darcy Ribeiro, ocorreu um aumento significativo de 90% da safra 2014/2015 para a safra 2016/2017. Enquanto no Assentamento Estrela do Norte detecta-se um declínio da ordem de 10% na produção de sementes agroecológicas. Esse aumento da produção de sementes está atrelado ao aumento da área de plantio, investimentos em irrigação e o plantio consorciado com outras culturas. Esta prática, além de proporcionar a produção diversificada de alimentos, também contribuiu para a segurança alimentar das famílias, além da venda dos produtos excedentes no mercado local e regional, principalmente nas feiras livres da cidade.
No Assentamento Darcy Ribeiro na safra 2014/2015 produziu-se apenas 6 kg de semente, devido à escassez hídrica e ao intenso desequilíbrio ambiental (ataque de pragas) que atrapalharam o processo de floração do tomateiro. Apesar disso, nota-se que esses camponeses têm potencial para ampliar as áreas de produção e consequentemente aumentar a produção de sementes, porém, percebe-se que a falta de acesso a equipamentos e implementos dificultam o trabalho e o aumento das áreas de produção de sementes, e, por conseguinte, a adesão de novos (as) camponeses (as). Ao analisar os dois assentamentos evidencia-se um aumento da ordem de 40,6% na produção de sementes agroecológicas entre as safras de 2014 a 2017 da Bionatur no Norte de Minas Gerais.
Através da ação da Cooperativa junto às famílias cooperadas que estão inseridas nesse processo de produção de sementes agroecológicas, observa-se nas atividades e entrevistas realizadas que as parcerias com universidades, associações, prefeituras e ONGs da região são fundamentais no intuito de mobilizar, outros camponeses das comunidades próximas a investir na produção de sementes agroecológica no semiárido. Permitindo que outras famílias tenham acesso a um produto diferenciado, produzido sem agrotóxicos e adaptado aos sistemas de produção agroecológica/orgânica em convivência com o semiárido.
Grupos de mulheres e a produção de sementes nos Assentamentos
A inserção das mulheres no sistema de produção da rede Bionatur desde o início, não apenas as responsabilizaram pela produção dos subprodutos, como também inseriu-as nos trabalhos práticos (tratos culturais nos campos de sementes), prática esta que as levaram a entender e ajudar a desenvolver todo o processo produtivo das sementes, sendo tal prática fundamental para a discussão da igualdade de gêneros dentro dos núcleos de produção.
A produção de sementes, além de fortalecer a soberania alimentar, gera renda complementar às unidades familiares das famílias camponesas. Contudo, a maior parte da geração de renda desta atividade provém do beneficiamento dos subprodutos, advindos do processo de extração das sementes, fato determinante para o fortalecimento dos grupos de mulheres nos dois assentamentos onde têm os núcleos de produção de sementes.
O processo de beneficiamento foi realizado, sobretudo, no Assentamento Darcy Ribeiro, com o beneficiamento da polpa de tomate, que foi comercializada pela cooperativa nas feiras locais e nas feiras organizadas pelo MST, tanto em nível regional como nacional, contribuindo efetivamente para o fortalecimento dos processos cooperados por meio da produção e do trabalho. Assumindo assim, as práticas de domínio dos meios de produção de forma cooperada, fortalecendo a Cooperativa como uma das ferramentas de organização dos camponeses, que assumem o papel econômico e social das famílias. Os próprios camponeses têm a oportunidade de realizar a gestão de seus empreendimentos, dos seus meios de produção e da própria produção, favorecendo o diálogo com a sociedade, consequentemente, fortalecendo o projeto de implementação da Reforma Agrária Popular no território brasileiro.
Considerações Finais
Os saberes associados à produção de sementes permitem a construção de tecnologias específicas, desenvolvidas não apenas nos círculos familiares, mas também nas comunidades e em outros espaços coletivos. É nítido que esse trabalho, desenvolvido pela Cooperativa Camponesa Veredas da Terra e pela Bionatur nas áreas de assentamentos da região Norte de Minas, tem sido fundamental no processo de conscientização da importância de desenvolver sistemas de produção agroecológicos, integrados e sustentáveis. A perspectiva é produzir, de forma mais consciente, aproveitando melhor os recursos naturais existentes, e causando o menor impacto ambiental. Por isso, a necessidade do desenvolvimento de práticas agroecológicas e territoriais em harmonia com o semiárido.
Essa experiência da produção de sementes no semiárido pelas famílias camponesas do MST pode ser disseminada para outras famílias camponesas da região, principalmente nas de feiras livres de outros municípios. Esta prática fortalece a troca de experiências e pode incentivar outras famílias a desenvolverem a produção de sementes agroecológicas na região. Uma alternativa ancorada na reciprocidade camponesa, respaldada por uma ordem moral e territorial e em consonância com a transição agroecológica em curso. Por fim, percebe-se que é possível fortalecer cada vez mais os processos organizativo-sócio-culturais e produtivos dos assentamentos, norteando-os para uma política de produção sustentável, que garanta a soberania alimentar das famílias e a geração de trabalho e renda nos assentamentos do MST na região Norte de Minas Gerais.
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Notas