Resumo: O presente artigo traz à tona um entendimento dos espaços do campo e das cidades, no período de 2016-2018, diante do avanço de um governo de direita e das pautas neoliberais, enfatizando que os indicadores sociais apresentam suas dimensões espaciais, e em situações de conflito, expressam a luta pelo território, fomentando e contribuindo para a leitura geográfica dos movimentos de luta, sejam em busca de direitos, ao território ou mesmo o questionamento e superação à ordem hegemônica, destrutiva e desumana do capital.
Palavras-chave:EspaçoEspaço,CidadeCidade,CampoCampo.
Abstract: The present article brings attention to an comprehension of countryside and city spaces, between 2016 and 2018, in the advance of a right-wing government and the neoliberal guidelines, emphasizing that the social indicators presents their spacial dimensions, and in conflictual situations, expresses the fight for territory, fomenting and contributing for the geographic reading of the activist movements, wether in search of rights, of territory or even the questioning and overcoming of the hegemonic order, destructive and inhuman of the capital.
Keywords: Space, City, Countryside.
Resumen: El presente artículo llama la atención para la comprensión de los espacios del campo y de las ciudades, en el período de, 2016-2018, frente a los avances de uno gobierno de derecha y de las pautas neoliberales, enfatizando que los indicadores sociales presentan sus dimensiones espaciales y, en situaciones de conflicto, expresan la lucha por el territorio, promoviendo y contribuyendo a la lectura geográfica de los movimientos de lucha, sea en busca de derechos, al territorio o incluso el cuestionamiento y superación al orden hegemónico, destructive y inhumana del capital.
Palabras clave: Espacio, Ciudad, Campo.
Artigos da demanda Contínua
Os movimentos sociais nos espaços do campo e das cidades diante do avanço das pautas neoliberais no Brasil (2016-2018)
The social movements in the countryside and city spaces in the face of neoliberal guidelines advancement in Brasil (2016-2018)
Movimientos sociales en espacios rurales y urbanos frente al avance de los lineamientos neoliberales en Brasil (2016-2018)
Recepção: 01 Outubro 2020
Aprovação: 30 Novembro 2020
O presente artigo parte das reflexões iniciadas junto ao Laboratório de Estudos Agrários e Urbanos (LEAU) e ao Grupo de Pesquisa Estado, Capital, Trabalho (GPECT) e visa trazer uma leitura do campo e das cidades, e das formas de mobilização social ocorrida ao longo do período de 2016-2018, quando através do golpe parlamentar que destituiu a presidenta legitimamente eleita no Brasil, se desenvolve uma série de pautas conservadoras de massacre aos povos do campo, perseguição aos movimentos sociais e recuo nos direitos humanos já adquiridos.
Em paralelo a essa realidade tem-se a eleição, pela via democrática, de um governo de extrema direita, cujo caráter demonstrado em campanha eleitoral, de aliança com os setores mais retrógrados da sociedade brasileira, já apontava para novas investidas às pautas sociais, vindo a representar ataques mais concretos do capital sobre o trabalho, em seus diversos desdobramentos.
É também nesse momento histórico que se tem o reacender da luta social, expressa em formas de mobilização para barrar a reforma trabalhista, aprovada em 2017, o questionamento do modelo econômico e os desastres socioambientais, a exemplo do rompimento da barragem de Mariana, e posteriormente, Brumadinho, em Minas Gerais, bem como a eminência da Reforma da Previdência, posteriormente efetuada pelo Governo Bolsonaro.
A todos esses ataques aos povos do campo e das cidades, em seus territórios de vida e trabalho, ascende a luta social, e a tomada das ruas. São movimentos diversos, que atuam nas mais variadas escalas, mas que, frente a ataques estruturais, também conseguem se unir em prol de pautas únicas, como as próprias contrarreformas, a perda de direitos trabalhistas e humanos, bem como a degradação da natureza, trazendo consigo, a destruição de territórios e de povos inteiros.
Dentre essas diversas formas de mobilização social, podemos destacar a convocação de uma greve geral no estado da Bahia, no ano de 2016; os conflitos entre proprietários fundiários e os povos tupinambás, no Sul da Bahia, dezenas de protestos, em diversos municípios baianos entre os anos 2016-2017, com o fito de barrar a reforma trabalhista; diversas expressões de trabalhadores em luta pela reforma agrária e a permanência em seus territórios, a exemplo da 38ª Missão da Terra – Vida e Morte na Caatinga, ocorrida no município de Juazeiro (2018); as mobilizações realizadas pelo Movimento de Atingidos pela mineração, com destaque para a região de Caetité e Pindaí, frente a projetos de empresas nacionais e internacionais; a realização da Marcha do empoderamento crespo, na cidade de Salvador, em diversos anos, que junto a tantas outras pautas do Movimento Negro denunciam o peso de se conviver em uma sociedade racista; o Movimento de Mulheres Ele Não, com marcha em diversas cidades brasileiras e baianas, como as que ocorreram na cidade de Vitória da Conquista, no ano de 2018; as diversas paradas do Orgulho LGBTQ+ ocorridas em vários municípios baianos, denunciando a sociedade homofóbica e sexista; as diversas ações do Movimento de Reforma Urbana, dentre tantos outros.
A esses se somam muitos outros movimentos, no campo, nas cidades, na relação campo-cidade, nas diversas esferas, propósitos e durações – em busca de terra, moradia (trabalho); Movimentos em defesa da vida (negras e jovens negros) nas periferias urbanas; Movimentos das mulheres feministas - requerendo direito ao corpo; Movimentos em defesa da água, diante dos processos privatistas – que visam transformá-la, cada vez mais, em mercadoria; dentre tantos outros.
Estes se expressam em diferentes espaços, lutam pelos territórios que já possuem, ou para conquistá-lo, em outros termos pelo direito ao próprio corpo. Defendem pautas específicas, outras mais gerais e classistas, mas, de todo modo, todas fundamentais à busca de superação das diversas formas de opressão.
Do ponto de vista da ciência geográfica, ressaltamos a relevância em compreender a dimensão territorial de diversas dessas lutas, bem como os rebatimentos na produção dos espaços do campo e das cidades, ou o questionamento dessa produção desigual expressa no mesmo.
Por isso, embora compreendendo que esses movimentos sociais e de luta política assumem diversas bandeiras e escalas de análise, aqui abordaremos, de maneira mais específica, aquelas mobilizações que se voltam para o questionamento das bases estruturais que sustentam o modo de produção, e sua capacidade de extrair trabalho não pago, sem desconsiderar o peso de uma sociedade patriarcal e racista, que também se vale das relações de gênero e étnico-raciais para perpetuar seu processo de reprodução.
Assim, busca-se a leitura das cidades e do campo no movimento geral da acumulação do modo de produção, ressaltando o contexto de crise estrutural e de novos dimensionamentos do capital voltado à acumulação – a divisão social e territorial do trabalho, em um contexto econômico voltado ao pleno domínio das classes dominantes, a concentração da produção, o poder dos grandes proprietários fundiários e, portanto, o reacender dos conflitos por todo estado da Bahia, enquanto expressão do que acontece no país. Também apontar os conflitos sociais na Bahia atual – em suas diversas dimensões – desde as questões mais pontuais (luta por direitos), conflitos entre classes (dominantes versus trabalhadores e camponeses) até a dimensão mais estrutural – que visa a superação da ordem dominante.
A fim de estruturar o pensamento (e a concepção de mundo que perpassa a análise) o presente texto se sustenta em 4 eixos básicos (mas de forma alguma indissociáveis): a) A questão estrutural do capital e do trabalho; b) As cidades e o campo na Bahia no movimento da totalidade; c) A dimensão da política e das ações dos Movimentos Sociais na Bahia no contexto de crise; d) A conjuntura histórica e os possíveis retrocessos/avanços na luta política dos movimentos sociais.
Partimos das reflexões apontadas por Marx (1984), expressas no livro 1, de O capital
– entendendo a relação capital-trabalho como uma relação social de compra e venda da força de trabalho e que o trabalho é, portanto, o fundamento último da produção de toda riqueza – que se consolida na extração, cada vez maior, de trabalho não pago. Essa pressupõe a separação dos trabalhadores dos meios de produção e a conversão do trabalhador em “mera gelatina de trabalho humano”. Para extrair o capital, os proprietários dos meios de produção (capitalistas e proprietários fundiários) intensificam a exploração do trabalho.
(...) A relação capital pressupõe a separação entre os trabalhadores e a propriedades condições de seu trabalho. Tão logo a produção capitalista se apoie sobre seus próprios pés, não apenas conserva aquela separação, mas a reproduz em escala sempre crescente. Portanto, o processo que cria a relação-capital não pode ser outra coisa que o processo de separação de rabalhador da propriedade das condições de seu trabalho, um processo que transforma, por um lado, os meios sociais de subsistência e de produção em capital, por outro, os produtores diretos em trabalhadores assalariados. A assim chamada acumulação primitiva é, portanto, nada mais que o processo histórico de separação entre produtor e meios de produção. Ele aparece como “primitivo” porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe corresponde. (MARX, 1984, p. 262).
Ancora-se ainda nas reflexões apontadas por Istvan Meszáros (2002, p. 95).), no livro para além do capital – rumo a teoria da transição – no qual aponta os efeitos da crise estrutural do capital e o endurecimento das condições de trabalho; no momento em que o capital “ativa seus limites absolutos” de realização e reprodução. Onde, as dificuldades são: “(...) hoje, muito maiores do que em qualquer outro momento, mas também no fato de o sistema do capital global ter atingido seu zênite contraditório de maturação e saturação” Assim, infere que “os perigos agora se estendem por todo o planeta” (ibidem), o que, portanto, aponta para a impossibilidade do que denomina de “solução parciais”.
(...) o capital não é simplesmente uma “entidade material” – também não é (...) um “mecanismo” racionalmente controlável (...) – mas é, em última análise, uma forma incontrolável de controle sociometabólico (...). (...) uma poderosa, na verdade até o presente, de longe a mais poderosa – estrutura “totalizadora” de controle à qual tudo o mais, inclusive seres humanos, deve se ajustar, e assim provar sua “viabilidade produtiva”, ou perecer, caso não consiga se adaptar. (...) que sujeita cegamente aos mesmos imperativos a questão da saúde e a do comércio, a educação e a agricultura, a arte e a indústria manufatureira, que implacavelmente sobrepõe a tudo seus próprios critérios de viabilidade, desde as menores unidades de seu “microcosmo” até as mais gigantescas empresas transnacionais. (MESZÁROS, 2002, p. 96).
Ainda, na perspectiva de entender as diversas formas de expansão espacial do capital (questão fundamental para o geógrafo) em direção a extração de trabalho não pago – nas diferentes partes do mundo e em diversas escalas – nos valemos dos debates apresentados por David Harvey – que embora aponte os limites dos “ajustes espaciais” do capital, destaca a intensificação e reativação de formas mais degradantes de trabalho – e que se expressa, por exemplo – em formas pretéritas de trabalho como: o trabalho em domicílio, familiar, parcelar, por produção, escravo.
A tendência do capitalismo, portanto, é estabelecer um conjunto universal de valores, baseado no “trabalho social abstrato”, definido numa escala global. Do mesmo modo, essa é a tendência da exportação de capital de equalizar a margem de lucro sobre uma escala global. O processo de acumulação origina a tendência da penetração das relações sociais capitalistas em todos os aspectos da produção e da troca, e em todo mundo. (HARVEY, 2005, p. 63).
Embora essa relação-capital aponte a sua tendência a expansão geográfica por todo o planeta, o faz reproduzindo suas contradições. Assim, ao analisar a expansão imperialista aos domínios do globo, Harvey (2005) vai destacar a reprodução das relações não capitalistas de produção, mas fundamentais à sua reprodução. Acrescentamos, ainda, os questionamentos e as formas de mobilização que se contrapõem a ordem dominante do capital, generalizada, acriticamente, por meio do conceito de globalização, escamoteando as desigualdades socioespaciais nas quais se reproduz.
Apontamos, portanto, também neste artigo, a necessidade de compreender modernidade e barbárie como faces de um mesmo processo – já que a produção da riqueza se faz, necessariamente, na generalização da pobreza e da miséria da classe expropriada dos meios de produção – como condição à apropriação privada da riqueza socialmente produzida pelos trabalhadores, e que embora essa seja uma premissa claramente posta em Marx (ainda em sua juventude – nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, ([1844], 2004)) é retomada por Harvey (2005) e diversos autores reforçando a agudização desse processo de extração do trabalho excedente.
É partindo de tal entendimento que buscamos evidenciar a barbárie da sociedade moderna – que se concretiza nas formas de expansão do capital sobre o trabalho nos diferentes espaços, do campo e das cidades, das metrópoles às pequenas cidades, dos espaços do agronegócio à sujeição da renda da terra camponesa, da apropriação da natureza (“recursos”) – dos minérios à água, nas mais diferentes escalas, se estendendo, de modo desigual e combinado, para todas as escalas do globo.
Feitas essas considerações, passamos para algumas análises que nos permitem compreender esses processos na atualidade, que se reafirmam nos dados estatísticos e nos movimentos concretos que se caracterizaram no Brasil, no período de 2016 a 2018, mais especificamente, e que demonstraram o avanço do capital sobre o trabalho e a reprodução de uma série de mazelas para a reprodução da classe trabalhadora, esteja essa se reproduzindo nos espaços periféricos da cidade, ou nas comunidades pobres do campo. Assim, se acresce a contradição central – capital versus trabalho – a perpetuação de uma sociedade conservadora, machista, homofóbica, patriarcal e racista, reproduzindo um espaço e uma sociedade desigual, conforme veremos a seguir.
Expressando um contexto de avanço do capital sobre o trabalho, fruto de um processo de reestruturação do modo de produção – com o fito de manter os patamares acumulativos, os dados sobre o desemprego no Brasil, já no ano de 2018, após a aprovação da contrarreforma trabalhista – cujo governo de extrema direita colocava para a população a necessidade de fazê-la para gerar mais empregos, apontavam que os índices continuaram batendo recordes históricos, chegando a 12,4% em junho de 2018, de acordo com dados do Pnad Contínuo/IBGE – atingindo mais de 13 milhões de brasileiros, recuando um pouco em início de 2019, para 11,9%2, afetando mais de 12 milhões de sujeitos, mas atingindo a marca histórica de 14,4% no trimestre junho-agosto de 2020, afetando mais de 15 milhões de brasileiros. E embora se possa considerar os efeitos da pandemia provocada pelo Sars-Cov-2 e a doença da COVID-19, ressalta-se que esses índices já eram elevados, mesmo antes da pandemia.
Importante observar, no referido artigo, que ao considerarmos o trabalho como central no entendimento da produção do espaço e estando os sujeitos no espaço em busca constante do trabalho, a negação a este, ou o acesso às formas mais precárias de labor, reproduz e repercute na produção ainda mais desigual desse espaço, onde a materialização das periferias urbanas evidenciam bem essa realidade. Outro dado que reforça o argumento é trazido pelo próprio IBGE, quando ainda em 2018 apontava que mais de 65 milhões de brasileiros nem trabalhavam, nem procuravam emprego.
De igual modo, o processo de precarização e terceirização das relações de trabalho vão inferir na produção desigual do espaço e nas diversas formas de mobilização e luta social que ocorreram no país nesse ano de 2018. No ano de 2015, de acordo com o RAIS (Relação Anual do Informações Sociais) os trabalhadores terceirizados compunham 25% do total dos 47 milhões de empregos legais contabilizados, mas, em acordo com pesquisas realizadas pelo sociólogo Rui Braga, da USP, após a regulamentação da terceirização, ocorrida no ano de 2017, essas relações podem chegar, em um curto intervalo de 5 a 7 anos em 75% do total de empregos. (https://www.valor.com.br/brasil/4912306/terceirizado-pode-ir-75-do-total-diz-estudo). Uma realidade que vem se confirmando, já que os dados do IBGE, de dezembro de 2017, apontaram que a população ocupada era de 92,1 milhões de brasileiros e os trabalhadores informais (sem carteira ou por conta própria) eram37,1% do total, ou 34,2 milhões, superando o contingente formal, que somava 33,3 milhões. Segundo o IBGE, foi a primeira vez na história que o número de trabalhadores sem carteira assinada superou o conjunto de empregados formais.No ano de 2019, os trabalhadores informais correspondiam a 41,3% do total.
Essa realidade repercute na produção desigual do espaço. Um dos indicadores disso é o número de pessoas em ocupações urbanas e que vivem nas ruas, sobretudo das grandes cidades do país. Em acordo com dados do IBGE, o Brasil tinha cerca de de 11,4 milhões de pessoas morando em favelas e cerca de 12,2% delas (ou 1,4 milhão) estavam no Rio de Janeiro. Considerando-se apenas a população dessa cidade, cerca de 22,2% dos cariocas, ou praticamente um em cada cinco, eram moradores de favelas. No entanto, ainda em 2010, Belém era a capital brasileira com a maior proporção de pessoas residindo em ocupações desordenadas: 54,5%, ou mais da metade da população. Salvador (33,1%), São Luís (23,0%) Recife (22,9%) e o Rio (22,2%) vinham a seguir.
Após o desabamento do edifício Wilson Paes de Almeida, em pleno centro da cidade de São Paulo, evidenciou-se o problema da enorme população sem teto no país. Em reportagem publicada pela BBC, em 07/05/2018, segundo o professor Edésio Fernandes, o Brasil possuía 6,9 milhões de famílias sem casa, e que essa realidade atingia, justamente, os sujeitos mais pobres, sendo que 93% desses compunha famílias com rendas que variam de 0 a 3 salários mínimos. Além disso, no ano de 2018, apontava-se que o número de pessoas que viviam em favelas era de 11,4 milhões, além das milhares de famílias que vivem em cortiços, não se tendo acesso a números precisos sobre o assunto. Ou seja, são os sujeitos desempregados ou subempregados, que vivem o duro cotidiano da reprodução precária no espaço urbano. Quando não possuem “um lugar” no urbano, encontram-se nas ocupações, que se espalham Brasil a fora. Só na ocupação Izidora (em Belo Horizonte-MG), formada por três vilas interligadas (Esperança, Rosa Leão e Vitória) viviam, em 2018, mais de 30 mil pessoas. Além disso, em pesquisa realizada no ano de 2015, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), projetou a existência de mais de 100 mil pessoas vivendo nas ruas no Brasil. Das 101.854 pessoas em situação de rua, 40,1% estavam nas cidades com mais de 900 mil habitantes e 77,02% habitavam municípios com mais de 100 mil pessoas. Nos municípios menores, com até 10 mil habitantes, a porcentagem era de apenas 6,63%.
A degradação das condições de reprodução social dos trabalhadores pobres nas periferias urbanas se expressa, também, através de sua face mais dolorosa: a generalização da violência. De acordo com dados do Mapa da violência, de 2017, homens, jovens, negros e de baixa escolaridade foram as principais vítimas de mortes violentas no país. A população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios. Já os dados do Atlas da violência (2017), vão destacar que: de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com informações do Atlas, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras etnias, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência. (Atlas da violência, IPEA, 2017). Essa violência, que tem lugar para acontecer: as periferias urbanas, ou acomete, sobretudo, os sujeitos que nessas residem, além de ter classe e etnia, possui, também, um condicionante de gênero, uma vez que enquanto a mortalidade de não-negras (brancas, amarelas e indígenas) caiu 7,4% entre 2005 e 2015, entre as mulheres negras o índice subiu 22%.
A violência que se expressa na produção desigual do espaço urbano, além de classista, racista e machista, é também LGBTfóbica. De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), de 2016-2017 houve um aumento de 30% nos homicídios de LGBTQs, passando de 343 para
445. A cada 16 horas um LGBTQ é assassinado ou se suicida vítima da “LGBTQfobia”, o que faz do Brasil o campeão mundial desse tipo de crime. Segundo as agências internacionais de direitos humanos, matam-se mais homossexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e África onde há pena de morte contra os LGBTQs.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o Brasil possui o maior número de pessoas com depressão da América Latina, o equivalente a 5,8% da população (11,5 milhões de brasileiros), sendo que a média mundial era de 5% (em 2017) e afetava 322 milhões de pessoas. Nesse ano de 2017, o primeiro boletim epidemiológico sobre suicídio no Brasil trouxe a informação de que, por ano, cerca de 11 mil pessoas tiram a própria vida no país. Embora não se tenha encontrado dados efetivos que permitisse relacionar a depressão e o número de suicídios com a condição socioeconômica e de reprodução social dos sujeitos, acredita-se que as condições materiais em muito tem contribuído com esse processo.
Além disso, ressalta-se a expansão do trabalho escravo (nas cidades e no campo) no Brasil, em que só no estado do Pará, desde de 2003, quase 10 mil pessoas foram resgatadas de condições análogas à escravidão. Em todo o país, o número de resgates registrados ultrapassa 43 mil. Esses dados são compilados de fontes governamentais e estão disponíveis no site Observatório Digital do Trabalho Escravo, criado em maio 2017.
A fim de compreender os graves problemas socioespaciais que se reproduzem no campo brasileiro, pode-se destacar a histórica concentração fundiária e o poder exercido pela propriedade privada sobre a terra, que no Brasil resulta em conflitos, violência e mortes no campo.
De acordo com pesquisa realizada por Oliveira (2015) em seu texto intitulado “Camponeses, indígenas e quilombolas em luta no campo: a barbárie aumenta” em Cadernos Conflitos no Campo, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no período de 1967 a 1972, as grandes propriedades incorporaram 17,6 milhões de hectares e no período de 1972- 1978 mais 52,2 milhões de hectares, alcançando um crescimento de 69,9 milhões de hectares incorporados, obtendo sobre seu controle 57% das terras do país ao final desse período. Aponta ainda, que entre os governos de Itamar Franco e primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1993-1998), os latifúndios aumentaram 51 milhões de hectares. Já entre os anos de 2000 a 2003 – a área total dos latifúndios no país voltou a crescer 60,2 milhões de hectares. Entre o período de 2003 a 2010, durante os governos de Lula e Dilma, a área dos latifúndios no país voltou a crescer 62,8%. No período de 2010 a 2014 os latifúndios aumentaram 5,8 milhões de hectares, controlando uma área de 244,7 milhões de hectares. Sendo que, ao longo dos governos petistas os latifúndios foram acrescentados de 97,9 milhões de hectares, caracterizando uma concentração sem precedentes na história do país.
Em contraposição a essa realidade de concentração fundiária e fortalecimento das classes capitalista e proprietária no campo brasileiro, os conflitos sociais se ascendem, mas a repressão impulsionada por um governo de direita, se expressa na criminalização dos sujeitos em luta e na diminuição das áreas de ocupações e assentamentos, em que os movimentos sociais lutam pelos seus territórios camponeses e pela reforma agrária (PEREIRA, 2018). Uma expressão disso é o dado disponibilizado pela Comissão Pastoral da Terra, ao destacar que no ano de 2017 não houve nenhuma família assentada no país. Por outro lado, os conflitos pelo território ascendem, por terra, trabalho, água ou contra os grandes projetos do capital no campo, a exemplo dos barramentos e da mineração, repercutindo em mais de 1.500 conflitos no ano de 2017 e em uma média de 4,2 conflitos por dia, sendo a maioria desses por terra, conforme aponta o quadro 01.
Tal realidade repercute no aumento do número de assassinatos no campo, ameaças, chacinas, tentativas de assassinatos, etc; conforme apontam os dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, ao destacar que no ano de 2017 ocorreram 71 assassinatos de camponeses e trabalhadores no campo brasileiro, o maior número nos últimos 14 anos, número só superado no ano de 2003, quando se teve o registro de 73 trabalhadores assassinados.
Essa expansão do capital no campo e seus rebatimentos no território, se expressam também no Brasil, mediante ação da indústria química que controla a produção do campo e se acresce sobretudo nos plantios e cultivos do agronegócio, fazendo com que o Brasil seja o campeão mundial na utilização de agrotóxicos desde o ano de 2008. Em 2017, o Brasil consumia 16% da produção de agrotóxicos no mundo, e estimava-se que cada brasileiro consumia, em média, 7 litros de agrotóxicos por ano (Conforme dados apresentados pelo professor Victor Pelaez, do Departamento de Economia da UFPR). (SOUZA e SANTOS, 2018). Os referidos autores, destacavam o aumento da produção agrícola e, ao mesmo tempo, o aumento da fome; dada a expansão dos cultivos do agronegócio, a comoditização da produção, inclusive em direção as pequenas propriedades, que são as que mais produzem os diversos produtos básicos para abastecer o mercado interno. Com isso, se acrescem os conflitos no campo, permeados pelos territórios do agronegócio e a luta pelos territórios camponeses, fazendo do campo brasileiro, também a expressão do conflito capital versus trabalho, e a produção desigual desse, porque produto histórico dos interesses antagônicos de classes.
Argumenta-se, neste artigo, que se reproduzem nas cidades e no campo baianos as mesmas contradições oriundas do modo de produção desigual e contraditório do capital, reproduzindo espaços desiguais ao longo do processo histórico, Essas são compreendidas enquanto particularidades que se inserem na totalidade das relações sociais, por meio da inserção subordinada na divisão social e territorial do trabalho. Assim sendo, os mesmos problemas sociais e históricos que se reproduzem no Brasil, se expressam, também no estado da Bahia, produzindo um espaço absolutamente desigual e que se configura em territórios diversos, territórios de conflitos entre classes e interesses antagônicos. E os dados estatísticos também expressam e permitem confirmar essa realidade, como veremos a seguir.
Estão nas cidades do Nordeste e da Bahia os maiores índices de violência e número de pessoas assassinadas no país. O Brasil é o país com o maior número de cidades entre as 50 áreas urbanas mais violentas do mundo, segundo ranking divulgado em 2017 pela organização de sociedade civil mexicana, Segurança, Justiça e Paz, que faz o levantamento anualmente com base em taxas de homicídios por 100 mil habitantes, como demonstra a tabela 01.
No ranking mundial, o Brasil concentra 17 das 50 cidades mais violentas do mundo. Já o estado da Bahia, concentra significativa quantidade das cidades mais violentas do país, segundo o Atlas da Violência (2018) elaborado pelo Ipea, que aponta que o número de homicídios violentos em Vitória da Conquista cresceu de 56 mortes a cada 1000 habitantes em 2015 para 68,5 mortes em 2016. É o que demonstra a tabela 02.
Esses dados sociais se inter-relacionam com a produção desigual do espaço geográfico, como constatado em pesquisa de Iniciação Científica realizada em Vitória da Conquista/BA, por Larissa Ferraz Nascimento e orientada pela professora Suzane Tosta Souza, do Departamento de Geografia da UESB, entre os anos de 2018-2020, onde por meio de levantamento diários desses crimes em blogs da cidade e estatísticas da Secretaria de Segurança Pública do município, destacam que essa violência ocorre desigualmente no espaço urbano e se concentram nos bairros mais pobres, locais de reprodução de trabalhadores precarizados, como: Zabelê, Jurema, Cruzeiro (Pedrinhas), Nossa Senhora Aparecida, Patagônia, Primavera e Lagoa das Flores.
O índice de desemprego no estado da Bahia é outro indicativo importante para se estabelecer a relação entre a condição social de classe e o lugar de reprodução dos sujeitos no urbano. Esse atinge, em cheio os trabalhadores mais precarizados e menos qualificados, que se reproduzem nos espaços periféricos das cidades baianas. Em 2017, o estado da Bahia contava com um índice de desemprego na ordem de 16,9, a mais alta desde 2012, ocupando 3° lugar no Brasil, sendo superado por Amapá (17,7%) e Pernambuco (17,6%). Sendo a média nacional 12,8%, a de Salvador (14,8%) e da Região Metropolitana de Salvador (18%).
Nessa produção desigual do espaço urbano nas cidades baianas, ressaltam-se dados que apontam a quantidade de baianos que sequer tinham o acesso a uma moradia, por mais simples que fosse. Dados do Projeto Axé, da Universidade Federal da Bahia e outras instituições, davam conta de que no ano de 2017, a população de rua de Salvador chegava a 17 mil pessoas, sendo que, dentre esses, 93% eram negros e pardos. Desses 83% eram homens, 15,5% eram mulheres e 1,5% pertencentes a população queer. Ou seja, a mesma cidade que nega ao sujeito o direito mínimo de reprodução em uma das maiores cidades do Brasil e a maior cidade do Nordeste Brasileiro, o faz com todo o seu caráter de classe e de raça. Na maior cidade negra da América Latina, são os negros, descendentes dos povos escravos, expropriados da terra e dos meios de reproduzir a vida, que vivenciam, na atualidade, as dificuldades concretas de se reproduzirem no espaço urbano e, na condição de móveis e descartáveis para o capital, perambulam pela mesma, estando sujeitos às maiores violações de seus direitos, inclusive do próprio corpo.
Foi também no estado da Bahia que mais se assassinou LGBTQs no Nordeste brasileiro (32) e o segundo no país, no ano de 2016, ficando atrás apenas do estado de São Paulo (49), segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), sendo esse o ano mais violento desde a década de 1970 para com essa população, com o total de 343 LGBTQs assassinados no país. Em relatório elaborado com dados de denúncias realizadas pelo Disque 100, o Transgender Europe e o GGB, chegou-se ao número de 4.422 LGBTQs assassinados no Brasil entre os anos de 2011 a 2018, com um média de 552 mortes por ano e uma vítima de homofobia a cada 16 horas.
Afere-se, neste artigo, que as condições materiais de reprodução da vida interfere e sobredetermina a produção desigual do espaço, e assim, os dados do IBGE que apontam que a informalidade no estado da Bahia atingiu, em 2017, 49% dos trabalhadores, são fundamentais para se compreender como esses sujeitos se reproduzem, sobretudo nas espaços precários das periferias urbanas das cidades baianas.
No campo baiano, marcado por históricos conflitos de classes que se expressam em diferentes territórios, afere-se, com base em dados da Comissão Pastoral da Terra, do ano de 2016, que esse foi o terceiro estado em número de conflitos no país e o primeiro lugar no número de pessoas envolvidas em tais conflitos. Foram 164 conflitos ocorridos neste ano no estado, envolvendo 103.963 pessoas, ficando atrás apenas nos estados do Maranhão, 196 conflitos, envolvendo 100.219 pessoas e Rondônia, com 172 conflitos, envolvendo 78.672 pessoas. Só conflitos por terra, no estado da Bahia, em 2016, foram registrados 102 conflitos, envolvendo 13.343 pessoas, número só superado no Brasil pelos estados do Maranhão (178 conflitos com 18.264 pessoas envolvidas), Rondônia (143 conflitos e 6.954 pessoas envolvidas) e Pará (com 110 conflitos registrados e 18.109 pessoas envolvidas). (CPT, 2016). Em número de pessoas envolvidas em conflitos por terra no ano de 2016, o estado da Bahia ficou em terceiro lugar.
O estado da Bahia concentra, ainda, grande parte dos conflitos com mineradoras e por água ocorridos no país, com destaque para o denominado território de identidade Sertão Produtivo, que, só no ano de 2016, registrou 24 conflitos por água, sendo 8 no município de Caetité. Ressaltam-se, também, os conflitos por terra na região do Oeste baiano, dada ação de grandes empresas e da grilagem de terra, impulsionado conflitos de classes que se configuram na produção desigual do espaço agrário e em conflitos históricos pelo território, evidenciando a terra de negócio – dos projetos do agronegócio versus a terra de trabalho – lócus de reprodução camponesa.
De acordo com pesquisas realizadas no Laboratório de Geografia Agrária da USP, e de pesquisas coordenadas pelo professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, tomando por base dados do próprio INCRA, mais de 50% das terras do estado são griladas. Nacionalmente, o Censo Agropecuário publicado por esse órgão, no ano de 2006, reconheceu que 36% das terras do país possuem “outras ocupações”, não sendo determinadas proprietários para as mesmas. Um dos mecanismos científicos mais utilizados para medir a concentração fundiária é o índice de Gini, que no estado da Bahia pode ser observado na tabela 03.
A tabela 03, formulada com base em dados disponibilizados pelo Projeto GeografAR, da UFBA, aponta a intensificação da concentração fundiária no estado, deixando claro que a questão agrária no estado e no país está muito longe de ser resolvida. A leitura do campo baiano, permite concluir que este também é campo de conflitos de classes e se materializa na desigualdade de uma sociedade composta por classes com interesses antagônicos, produzindo, igualmente, um espaço absolutamente desigual, sob o qual os movimentos do campo se levantam e lutam em busca da terra de trabalho, enfrentando os projetos do agronegócio. E assim como a cidade, produz espaços desiguais, fomentando a leitura crítica do geógrafo.
Conforme pode-se observar no referido artigo, nas cidades brasileiras e baianas, as periferias urbanas expressam as contradições capital versus trabalho e a produção desigual, porque pressupõe o caráter classista no espaço – em que é possível se observar a partir da leitura e do processo de ocupação do solo urbano, absolutamente convertido a condição de ser mercadoria. Assim, a cidade é, em grande medida, negada a parcelas significativas daqueles que vivem da venda de sua força de trabalho, e que estes encontram-se submetidos, cada vez mais, a precarização de sua força de trabalho.
O que se acresce com as contrarreformas neoliberais, a exemplo da reforma trabalhista, intensificação da flexibilização das condições de trabalho e dos processos de terceirização, que ao passo que garantem maior lucro para o capital e proprietários imobiliários, se converte na mais absoluta desgraça para o trabalhador. Mas o trabalhador ainda pode piorar suas condições de reprodução social, se sucumbir ao desemprego estrutural, tendo ainda mais dificuldades de se reproduzir no espaço urbano com o mínimo de dignidade. As periferias urbanas expressam e materializam essa negação do direito à cidade, que em nosso entendimento está diretamente ligado às condições de trabalho. Nesse processo, a moradia se afirma como valor de troca – mercadoria qualquer, em que para se ter acesso é preciso pagar, e caro.
É essa a realidade que se verifica na cidade de Vitória da Conquista, onde o controle sobre o solo urbano por parte das classes proprietárias (SANTOS, 2019), faz desse uma mercadoria valiosa, e qualquer outra tentativa de se reproduzir neste espaço é absolutamente reprimida com profunda violência, como aconteceu com as ocupações “Cidade bonita” e “Cidade maravilhosinha”, no bairro Zabelê, no ano de 2017. (LOPES, 2020).
Mas, a cidade que expropria, traz além de um conteúdo de classe, um conteúdo étnico-racial, em que a realidade de Vitória de Conquista não se constitui estanque. Em pesquisa de Iniciação científica realizada no Laboratório de Estudos Agrários e Urbanos (LEAU), do qual também fazemos parte, demostrou-se, entre os anos de 2018-2020, que dos assassinatos brutais ocorridos nessa cidade, o perfil dos mortos se repetem: são jovens, negros, sobretudo do sexo masculino, e que se reproduzem nos espaços periféricos da cidade. Realidade evidenciada no Brasil, quando a cidade aparece como uma das mais violentas do país, e para o mundo, quando em levantamento realizado pela Organização de sociedade civil mexicana Segurança, Justiça e Paz, no ano de 2017, Vitória da Conquista aparece como a 4ª cidade mais violenta do país e a 11ª mais violenta do mundo neste ano, evidenciando um verdadeiro extermínio da população trabalhadora, jovem e preta que se reproduz nas periferias das cidades.
As pesquisas realizadas no âmbito do Laboratório de Estudos agrários e Urbanos deram conta, também, de evidenciar nesta cidade o aumento significativo dos sujeitos “sem renda” alguma, que vivem o cotidiano da informalidade, “dos bicos”, da precarização do trabalho, sem ter a certeza de se ter como se manter no dia seguinte:
(...) A massa de trabalhadores assalariados de Vitória da Conquista se encontra assujeitada a situação da precarização do trabalho. Muitos vinculados a informalidade, sem empregos fixos ou direitos trabalhistas, desgastando-se por mais tempo que uma jornada formal de trabalho de oito horas diárias, chegando a se dedicar até doze horas por dia. (SOUZA, et. al, 2015, p. 274).
Mas, a questão de gênero é também evidenciada no processo de precarização do trabalho no comércio de Vitória da Conquista, em que no centro comercial dos mais pujantes do estado da Bahia, trabalhadoras sequer recebem os direitos mínimos e realizam múltiplas tarefas no espaço do trabalho, como apontou pesquisa realizada por Alves (2018). Essas trabalhadoras, no geral mães solteiras, carregam consigo a responsabilidade da criação dos filhos, se reproduzem nos espaços das periferias e no final da jornada de trabalho se deslocam para as creches ou casas de parentes para pegar os filhos, para descansarem e recomeçarem a longa jornada no dia seguinte. Alves (2018) destacou, ainda, as denúncias realizadas junto ao Ministério do trabalho, mas que, muitas vezes, acabam não dando em nada, pois as trabalhadoras, mesmo relatando situações de humilhação e expansão da jornada de trabalho, preferem se submeter a ter que conviver com a realidade do desemprego.
No campo, as pesquisas realizadas pelo LEAU apontam processos de expropriação dos camponeses, que historicamente caracterizam a produção desigual do espaço agrário e, de igual modo, os processos de luta e resistência implementados pelas organizações e movimentos sociais visando a democratização da terra e o acesso a essa como meio de reproduzir a vida, a exemplo das pesquisas de Souza (2008), Fialho (2017), Fernandes (2018) e Pereira (2018). Nestas, são apontadas as ações de empresas monopolistas para garantir a sujeição da produção dos que permanecem no campo, o endividamento dos produtores diretos junto ao capital financeiro – que buscam o controle da produção e a drenagem da renda da terra, que, muitas vezes, representam a expropriação e a mobilidade do trabalho para a classe camponesa, em direção as periferias urbanas, a proletarização e a dificuldades de se reproduzir nesse espaço absolutamente subsumido a condição de mercadoria; fomentando um importante debate sobre a relação campo cidade e a divisão do trabalho que produz precariamente esses espaços de reprodução dos trabalhadores.
Traz também o processo de criminalização das lutas implementadas pelos movimentos sociais, com o fito de deixar o espaço absolutamente disposto à expansão das empresas agrícolas, das mineradoras,enfim, dos monocultivos do agronegócio, as commodities, incidido sobre os territórios camponeses e fazendo do campo, cada vez mais, espaços de conflitos e da expressão material da luta de classes
Mas, esses trabalhadores se levantam, se organizam e lutam. Os anos de 2016-2018 expressaram esse processo, no campo e nas cidades, conforme apontado na introdução e ao longo deste artigo. Lutam pela reprodução da vida no espaço urbano ou no campo, e o acesso ao trabalho, seja esse camponês ou assalariado. Lutam, assim, para uma produção menos desigual do espaço, ou mesmo por sua superação.
O presente artigo, buscou trazer à tona o debate em torno do campo e das cidades, em um processo de investida concreta do capital sobre o trabalho, em destaque, por exemplo, a contrarreforma trabalhista aprovada no ano de 2017, e as diversas formas de mobilização e de luta dos trabalhadores e movimentos sociais pelo e no território, bem como os desafios concretos para continuarem sua reprodução histórica, seja nos espaços de reprodução na terra, enquanto camponeses, seja nos espaços de reprodução urbana – as periferias e a luta pelo direito a existir na cidade.
Verificou-se entre os anos de 2016-2018 que além dessas investidas do capital sobre o trabalho, que os sujeitos históricos, a classe trabalhadora e os camponeses se levantaram, colocaram suas pautas em evidencia, e buscaram garantir suas formas de reprodução social no território, ou ao menos para manter direitos historicamente conquistados. E essa luta é também territorial, ao passo que o entendimento da produção do espaço permite evidenciar e denunciar a contradição capital-trabalho, sendo produto concreto desta forma de sociabilidade. Mas, os desafios à classe trabalhadora e camponesa se agudizam com a eleição do um governo de extrema direita, no ano de 2019, e se expressam:
- Na intensificação e ampliação da precarização do trabalho e perdas de direitos (instabilidade, etc.), via reforma trabalhistas e previdenciária;
- Na falácia das perdas trabalhistas como justificativa para se gerar “novos” e precários empregos o que não se confirmou na realidade concreta de reprodução dos trabalhadores no campo e nas cidades;
- Na retomada em massa das privatizações – fomentada no discurso de Estado Mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital, visando novos filões de mercado e com isso intensificando a produção desigual do espaço no campo e nas cidades;
- Na intensificação da criminalização dos Movimentos Sociais, de qualquer mobilização social, denominados de “ativismos” – que tem continuidade e se exacerba no governo atual;
- Na deturpação do conceito de ideologia enquanto ideologia dominante, como se esse perpassasse e se restringisse ao universo da classe trabalhadora, negando as condições históricas de dominação e alienação na qual grande parte desses se reproduz;
- Na negação da “esquerda” – como possibilidade de superação da atual ordem dominante;
- No rearranjo entre classes dominantes (Ruralistas, Capitalistas) junto com o projeto fundamentalista (Igrejas Neopetencostais);
- Na criminalização do saber crítico; perseguições e criminalização nas escolas, negação da ciência – em prol de um projeto político conservador, de extrema direita, muitas vezes camuflada de viés religioso;
- Na justificativa da violência mais vil e cruel para com os sujeitos mais pobres (negros, LGBTGQ+, mulheres), e as tentativas de retiradas dos poucos direitos conquistados por esses;
- Na generalização da máxima “bandido bom é bandido morto”, sem discutir as origens históricas dos povos e das classes sociais proprietárias que nos roubam e oprimem.
Assim, conclui-se que: a barbárie do capital se consolida nos espaços do campo e das cidades, encontrar suas fissuras, apontar suas contradições é o desafio e o fardo do nosso tempo histórico. São os desafios reais que a classe trabalhadora carrega nas costas. Não há mediação possível, superar as contradições capital-trabalho é a nossa única forma de caminhar na consolidação “dos espaços de esperança”, conforme nos aponta HARVEY (2004).