Resumo: O objetivo deste trabalho é contribuir para as discussões sobre o projeto desenvolvimentista e neoliberal pautado na criação de uma aerotrópolis no Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte em Minas Gerais- o Projeto Aerotrópole Mineira - e na manutenção das atividades minerárias em suas proximidades. Lógicas diferenciadas de acumulação de capital expressas num mesmo território protegido por legislação federal: a Área de Proteção Ambiental (APA) Carste de Lagoa Santa. Buscamos rastrear controvérsias entre os projetos aeroportuário e minerário e a legislação de conservação ambiental da região, apontando fissuras e caminhos de pesquisa.
Palavras-chave:AerotrópolisAerotrópolis,Área de Proteção AmbientalÁrea de Proteção Ambiental,Carste de Lagoa SantaCarste de Lagoa Santa,MineraçãoMineração,Aerotrópole MineiraAerotrópole Mineira.
Abstract: The present work aims to contribute to the discussions about the developmentalist and neoliveral projects lined on the creation of an aerotropolis at the North Vector of the Metropolitan Region of Belo Horizonte in Minas Gerais - the Project Aerotropole Mineira - and the maintenance of minerary activities in its surroundings. Distinct logics of capital accumulation expressed at the same territory protected by federal law: the Environmental Protection Area (APA, in portuguese) Karst Lagoa Santa. We seek to track controversies between the mining and aeroportuary projects and the environment conservationlegislation for the region, pointing fissures and possibilities of research.
Keywords: Aerotropolis, the Environmental Protection Area (APA, in portuguese) Karst Lagoa Santa, Mining, Metropolitan Region of Belo Horizonte, Project Aerotrópole Mineira.
Resumen: El objetivo de este trabajo es contribuir a las discusiones sobre el proyecto desarrollista y neoliberal basado en la creación de una aerotrópolis en el Vector Norte de la Región Metropolitana de Belo Horizonte en Minas Gerais - el Proyecto Aerotrópole Mineira - y sobre el mantenimiento de la minería. actividades en sus alrededores. Lógica diferenciada de acumulación de capital expresada en un mismo territorio amparado por la legislación federal: el Área de Protección Ambiental (APA) Karst de Lagoa Santa. Buscamos rastrear controversias entre el aeropuerto y los proyectos mineros y la legislación de conservación ambiental en la región, señalando fisuras y caminos de investigación.
Palabras clave: Aerotrópolis, Área de Protección Ambiental Karst de Lagoa Santa, Minería, Región Metropolitana de Belo Horizonte, Proyecto Aerotrópole Mineira.
Artigos
Da mineração à aerotropolis: platôs do capitalismo em Minas Gerais
From mining to aerotropolis: capitalism's plateaus in Minas Gerais
Da mineração à aerotropolis: platôs do capitalismo em Minas Gerais
Recepción: 02 Marzo 2021
Aprobación: 29 Junio 2021
O capitalismo expandiu-se globalmente nas últimas décadas e de forma cada vez mais veloz, estimulando o individualismo empreendedor, o conhecimento informacional e a formação de redes. Para Castells (1996), é no capitalismo informacional que as diversas formas de comunicação e de desenvolvimento de tecnologias integram novas estratégias de poder (CASTELLS, 2002). Então, depois de algumas décadas do utopismo digital, segundo Morozov (2018), percebe-se que as plataformas digitais são cada vez mais um composto de dispositivos poderosos, que incluem interesses mercantis ocultos, lobistas e projetos de dominação do mundo. Não se trata mais de ciências aplicadas, mas sim de um emaranhado confuso que mistura geopolítica, finança global e acelerada apropriação corporativa de dados privados, ou seja, de comportamentos pessoais e relacionamentos, inclusive. (MOROZOV, 2018).
Assim, se na evolução do capitalismo as fontes energéticas foram fundamentais para incrementar os processos produtivos pode-se tecer uma alegoria de que na sociedade moderna uma das mais potentes fontes de energia, é a aquela proveniente do conhecimento, no qual atrela-se o desenvolvimento tecnológico aliado a disseminação de informações mediada por redes tanto econômicas quanto informacionais (CASTELLS, 2002; SANTOS, 2006). Tal lógica engloba o Brasil do século XXI no meio técnico-científico-informacional, com o sistema capitalista produzindo e mundializando o espaço (SANTOS, 2006). Uma nova racionalidade global se coloca, com a queda de Bretton Woods e o marco do Consenso de Washington, aflora a razão neoliberal marcada economicamente pela financeirização e indústria tecnológica de consumo dirigido, socialmente pela globalização e urbanisticamente porrevitalizações e megaprojetos. A aerotrópolis, por exemplo, é um modelo de cidade altamente tecnológico criado neste contexto, com um “[...] aeroporto no núcleo e extensivas áreas perimetrais de negócios orientados pela dinâmica do aeroporto e seus desenvolvimentos residenciais associados” (KASARDA, 2006, p. 6). O megaprojeto de uma aerotrópolis seria produzido por investimentos estatais e privados, marcadamente global e interconectado na produção de espaço neoliberal
No presente artigo analisaremos algumas dinâmicas glocais, ou seja, entre o lugar e o global (SANTOS, 2006) presentes no território do Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) em Minas Gerais, mais especificamente na Área de Proteção Ambiental (APA) Carste de Lagoa Santa.Tal território que possui peculiaridades geomorfológicas, paisagísticas, arqueológicas e ambientais, concomitantemente, apresenta grande interesse econômico, tanto pela atividade de mineração quanto pela presença do mais importante aeroporto mineiro: o Aeroporto Internacional Tancredo Neves, no município de Confins.
No território em análise há um intenso fluxo de pessoas, tecnologias e mercadorias. Desde aquelas mercadorias oriundas da extração mineral até aquelas que utilizam tecnologias de última geração e serão a base da economia da futura aerotrópolis. O território começa a dar os primeiros passos para transitar da fase do capitalismo financeiro para o informacional, porém tais fases não são excludentes uma vez que o capitalismo não ocorre de forma homogênea em todos os países do mundo (quadro 1)
Assim, no artigo busca-se compreender como foi estabelecida a proposta de uma espécie de aerotrópolisnuma região de desenvolvimento da mineração em Minas Gerais, sobrepondo modos muito diferentes de produção capitalista em um mesmo território. Com este objetivo, o artigo foi dividido em cinco partes: a primeira tratou da contextualização do território onde está a Região Metropolitana de Belo Horizonte; a segunda sobre a importância da mineração para o vetor norte dessa região; a terceira sobre como se deu a intenção de se implantar uma aerotrópolis nesse vetor; a quarta trata da discussão sobre a formaçãode uma possível rede entre aerotrópolis e suas consequências e a quinta retoma discussões sobre quais fissuras e futuros possíveis se delimitam na APA Carste de Lagoa Santa.
Belo Horizonte é a cidade polo da terceira Região Metropolitana mais importante do Brasil e uma das poucas capitais que foram planejadas para ser a capital de um estado, no caso Minas Gerais. Em 2017, para auxiliar no seu planejamento metropolitano foi estabelecida uma proposta de reestruturação territorial entre o governo do Estado e os municípios que compõem a região metropolitana, culminando no denominado Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), que estabeleceu marcos que orientam os municípios, inclusive na revisão de seus Planos Diretores (FREITAS, 2017).
No PDDI foi destacado que uma das áreas de maior crescimento na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) é o seu denominado Vetor Norte, cuja economia em grande parte gira em torno da prestação de serviços pelo Aeroporto Internacional Tancredo Neves e da produção mineral de calcário. Foi nesse vetor que uma missão científica composta por pesquisadores franceses e brasileiros em meados de 1970 fez uma das maiores descobertas arqueológicas daquele século: Luzia, considerada o fóssil mais antigo da América do Sul e que gerou novas pesquisas sobre o povoamento do subcontinente. Esse foi um dos marcos que auxiliou na criação da APA Carste de Lagoa Santa para proteger os recursos arqueológicos e paleontológicos da região ao norte da RMBH (NEVES, PILÓ, 2008).
O planejamento dessa região envolve atores privados e governamentais que muitas vezes alinham interesses em torno de megaprojetos (FREITAS, 2017). Em que medida as atividades de mineração e aquelas relacionadas com o aeroporto podem exemplificar tal sobreposição de interesses e sua relação com a acumulação do capital? Como estas atividades se relacionam com um espaço protegido que é a APA Carste de Lagoa Santa? É o que buscamos apresentar a seguir.
O nome do Estado de Minas Gerais advém da importância que suas jazidas minerais tiveram para o Brasil Império: de Minas saiu grande parte do ouro que a coroa portuguesa utilizou para suas dívidas junto a Inglaterra, em finais do século XVII e início do XVIII. O resultado faz um retrato típico do que é a colonização: enquanto a indústria crescia na Inglaterra, com a exploração de jazidas brasileiras pela metrópole portuguesa; no Brasil, especificamente em Minas Gerais, com aexploração imperialista via minério, sobravam as crateras e os corpos de muitos trabalhadores, à época denominados escravos. Com o decorrer da ocupação do território mineiro por séculos a vir, a “vocação” minerária do estado foi sentença para exploração minerária depredadora dos recursos naturais e raramente o lucro de tal atividade atuou como investimento nacional. Com o tempo, outros recursos minerais foram encontrados para exploração, como o calcário, que é a base da indústria cimenteira cujo produto, cimento, marca em termos físicos a base mineral para a expansão urbana.
Ao longo do século XX, para aumentar a competitividade e a eficiência produtiva, em um mundo globalizado, muitas empresas reorganizaram seus sistemas produtivos e governos, como o brasileiro, modificaram sistemas legais para atraírem investimentos ou ampliarem suas exportações. No caso, o modelo econômico agroexportador do Brasil permanece direcionado na venda de commodities, que respondem por cerca de 25% das exportações brasileiras, mas sem o devido aporte tecnológico e até logístico (IPEA, 2013)
É no Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) que se encontra uma das maiores áreas de mineração de calcário do país. Essa área coincide com uma das principais unidades de conservação da região: a APA Carste de Lagoa Santa que foi instaurada em 1990 como dispositivo de proteção federal (mapa 1). Um de seus grandes diferenciais é que está situada em uma geomorfologia cárstica de grande fragilidade ambiental pela presença de centenas de cavernas, grutas e cursos de água subterrâneos e que também possibilita a existência do próprio calcário. Entretanto, ainda existe em seu interior a mineração, considerada como atividade de utilidade pública e interesse nacional (BRASIL, 2018). Uma fissura normativa entre o interesse econômico e o de proteção ambiental.
Na APA existem controvérsias entre aquilo que se apregoa como um bem ambiental -uma unidade de conservação -e um bem econômico -ou seja, a exploração de uma jazida mineral que é finita e lucrativa. Muito difícil, ou praticamente impossível, conciliar asduas demandas, assim embora exista o apelo para a sustentabilidade tenha aumentado nos últimos anos, os custos ambientais que a produção de commodities gera não têm diminuído. No caso do Vetor Norte da RMBH, a exploração de calcário provem principalmente de SãoJosé da Lapa, Pedro Leopoldo, Lagoa Santa e Matozinhos (BRASIL, 2019). Os três últimos municípios têm parte de seus territórios situadas no interior da APA Carste de Lagoa Santa. Embora exista a fragilidade do ponto de vista da composição geomorfológica e das peculiaridades arqueológicas e paleontológicas, em partes do território ainda prevalecem atividades minerárias, em função dos interesses econômicos preponderarem sobre outros. Isso se refletiu no próprio zoneamento ambiental da unidade de conservação, proposto no Plano de Manejo, pois quando foi estabelecido pelo órgão gestor as atividades de mineração que estavam em operação e licenciadas foram mantidas (IBAMA, 1998).
As macropolíticas muitas vezes estão distanciadas das realidades locais e regionais. Dessa maneira, importando mais a lucratividade de determinada atividade do que a perda ambiental ou os interesses dos moradores locais. Tal realidade retrata que os recursos naturais não são vistos como um bem coletivo da nação ou regional, diferente do que a legislação expressa, e, portanto, as decisões referentes não são coletivizadas. Ao mesmo tempo, o fato de que os recursos naturais são limitados agrava a situação, pois os ônus da devastação completa recairiam a grupos que não participam das atividades lucrativas, retomando o racismo ambiental -já herança de tempos coloniais. Em termos, o discurso da sustentabilidade é bastante descolado da normativa e da macropolítica brasileira.
Tendo por base a conotação econômica e considerando a predominância do capitalismo na sociedade moderna e sua influência sobre a vida desta sociedade, se a APA Carste for entendida como território estratégico para o mercadoo seu recurso natural mais precioso seria o calcáreo. Por outro lado, é também nessa unidade de conservação que está o principal aeroporto de Minas Gerais, espaço que acumula atividades lucrativas também extremamente preciosas do ponto de vista do mercado, inclusive para toda aRMBH. Ao lado de uma atividade extrativista que emprega pouca tecnologia, está outra com tecnologia de ponta. Mas, como afirma de forma alegórica Jonh D. Kassarda (2012) uma das “commodities” mais importantes do novo cenário econômico globalizador é o tempo (KASARDA; LINDSAY, 2012). O tempo como commodity: produto matéria-prima, produzido em escala, mercadoria que pode ser precificado através da dinâmica de oferta e procura. O tempo-espaço pode ser considerado a partir da afirmação de Castells (2002): “ao contrário da maioria das teorias sociais clássicas, que supõe o domínio do espaço pelo tempo, proponho a hipótese de que o espaço organiza o tempo na sociedade em rede.” (CASTELLS, 2002, p.467). Então, como se dá tal organização no território do Carste? É o que intencionamos apresentarno próximo tópico.
Em tempos globalizadores, os aeroportos tornaram-se catalisadores para grandes investimentos públicos e privados, cuja influência pode se espalhar por dezenas de quilômetros ao seu redor (KASARDA, 2006). Em Minas Gerais, o maior aeroporto é o Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Ele foi planejado durante o período da ditadura militar no Brasil, no qual ocorria forte intervenção do Estado na economia. Em 1972 foi criada a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO) vinculada, à época, ao Ministério da Aeronáutica, para administrar, implantar, operar e explorar a infraestrutura aeroportuária do país. (BRASIL, 1972).
Visando ampliar e dinamizar a capacidade aérea no Estado de Minas Gerais, a INFRAERO criou a Comissão Coordenadora do Projeto Aeroportuário de Belo Horizonte com o objetivo de criar um aeroporto fora de Belo Horizonte, no município de Confins. As obras iniciaram em 1979, mas sua inauguração foi em 1984. O Aeroporto foi implantado onde posteriormente se tornou uma unidade de conservação: a Área de Preservação Ambiental (APA) Carste de Lagoa Santa. Considerando o plano de manejo da unidade que foi elaborado em 1998, previu-se a possibilidade de estabelecimento de serviços de hotelaria aeroportuária e de um centro de exposições próximo ao aeroporto. Entretanto, como ele estava situado cerca de quarenta quilômetros de BeloHorizonte, acabou sendo superado em número de passageiros e voos pelo aeroporto situado no bairro Pampulha em Belo Horizonte, ao longo da década de oitenta. Nos últimos anos, o aeroporto foi parte dos grandes projetos urbanos em curso na RMBH (FREITAS, 2017). Após quase quinze anos, o aeroporto passou por processos de modernização e posterior licitação, o que paulatinamente aumentou sua capacidade de recebimento de aeronaves e passageiros. Além disso, em Lagoa Santa foi melhorada a infraestrutura ligada aoParque de Material Aeronáutico, dando suporte ao setor.
Em meados de 2015, quando foi elaborado o Macrozoneamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, um dos pontos de interesse da formação de novas centralidades foi o aeroporto. E um aeroporto enquanto núcleo central de vetor de crescimento é uma prerrogativa defendida por Kasarda (2006), o precursor do termo Aerotrópolis. Assim, no Macrozoneamento da RMBH, na Zona de Interesse Metropolitano (ZIM) alguns dos principais marcos são a Linha Verde (MG-010) e o único Aeroporto Internacional de Minas Gerais, o Aeroporto Tancredo Neves em Confins. Além disso, envolveria o Centro de Treinamento e Controle da Aeronáutica (CTCA) e a Base Aérea ambos em Lagoa Santa. Assim, essa zona ficou caracterizada como uma Zona de Diretrizes Especiais Metropolitanas de Grandes Equipamentos (FREITAS, 2017). (mapa 2)
Nos últimos anos, o aeroporto teve um fluxo de cerca de 10 milhões de passageiros e tornou-se em 2020 o primeiro aeroporto brasileiro a ser credenciado pela Receita Federal como um aeroporto industrial, os próximos deverão ser o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro e o de São José dos Campos, em São Paulo. A alteração do status para Aeroporto Industrial supostamente permitirá ganhos tributários para as empresas que nele se instalarem, além de dinamizarem a importação e exportação de produtos (BH AIRPORT, 2020). Tal mudança faz parte do Projeto Aerotrópole Mineira de desenvolvimento econômico dito sustentável e baseado em setores intensivos de tecnologia.
O estabelecimento do primeiro parque industrial aeroportuário do país representa uma nova centralidade não apenas para Minas Gerais, mas também para o Brasil. Dessa forma, o aeroporto pode funcionar com “[...] um regime aduaneiro especial de entreposto aduaneiro na importação e na exportação, nas atividades de ‘armazenagem’; ‘Exposição, demonstração outeste de funcionamento’; ‘Industrialização’; e, ‘Manutenção’ de mercadorias” (BRASIL, 2020, p.78).
Nesse sentido, o aeroporto está sendo gradativamente reestruturado para ser tornar uma aerotropolis, que congrega um grande sistema em rede, no qual funcionam serviços especialmente de transporte aéreo relacionados com armazéns, lojas e empresas de tecnologia de ponta (KASARDA; LINDSAY, 2012). Foi John Kasarda, o criador do conceito de aerotropolis, quem auxiliou os governos mineiros a partir do ano 2004 comoconsultor no que tange a questão aeroportuária e foi ele quem propôs tornar o Aeroporto Tancredo Neves na primeira aerotropolis da América Latina
A implantação da aerotropolis está relacionada com novas estratégias de mercado e campos de poder que atuam na região do Vetor Norte, sendo o processo coordenado pela Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (ARMBH), conforme aponta Freitas (2017). Considerando tal estratégia, o aeroporto segue o perfil de modernização como os que ocorreu nas aerotropolis das cidades de Memphis nos EUA, em Amsterdã na Holanda e em Hong Kong na China (KASARDA; LINDSAY, 2012). Localidades que também são muito importantes como centros financeiros e de serviços (CASTELLS, 2002).
A aerotropolis, como o próprio nome diz, é uma cidade que tem o aeroporto como principal centralidade. Em tal modelo de planejamento urbano, bastante ligado ao neoliberalismo, o desenvolvimento irradia deste núcleo multimodal, que seria o aeroporto, com largas rodovias e vias arteriais e diferentes colares de desenvolvimento, permeados por áreas verdes (mapa3).
A agilidade das dinâmicas propostas se insere na dinâmica globalizada metaforicamente aludindo ao capital financeiro, que seria essa “nova economia” que demanda “conectividade, velocidade e agilidade”. O modernismo de Le Corbusier é uma grande inspiração para esse modelo de cidade, onde as grandes avenidas ocupam um lugar tão significativo quanto os bairros ou anéis setorizados por função (KASARDA, 2006).
O núcleo é a estética de aeroporto moderno, misturada à pluralidade de serviços de um shopping (KASARDA, 2006). Possui muitos voos internacionais para diminuir o tempo e o custo para circulação de mercadorias, especialmente das que empregam alta tecnologia, favorecendo a lucratividade das empresas que nela atuam. As empresas são o carro-chefe da aerotrópolis, de tal forma que sua presença é imprescindível para concretizar o modelo urbanístico. Algumas dessas empresas estariam envolvidas com a quarta fase da Revolução Industrial, como as de nanotecnologia e biotecnologia (SCHWAB, 2019). Assim, a aerotrópolis mineira possuiria a estrutura de uma cidade, integrando parte de uma das novas centralidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que teria o Aeroporto Internacional Tancredo Neves como núcleo irradiador do tom para o desenvolvimento urbano-econômico no Vetor Norte.
Com a possibilidade do estabelecimento da aerotrópolis, um outro mercado chamou a atenção dos investidores no Vetor Norte: o mercado aeroespacial. Prevê-se o estabelecimento de um polo aeroespacial nas circunvizinhanças do aeroporto, por exemplo, com a instalação do Centro de Tecnologia e Capacitação Aeroespacial (CTCA) em Lagoa Santa, já em construção.
A controvérsia aparece justamente pela localização de tal projeto neoliberal, no território protegido, pois, essa opção de planejamento é capaz de omitir as peculiaridades ambientais e culturais da região, já que a aerotropolis está ligada com projetos modernos de revitalização, tipicamente neoliberal, nos quais o tradicional é obsoleto e substituído por simulacros mais lucrativos.
O Estado, sob forma do órgão da Agência Metropolitana da RMBH, atua diretamente para a construção do megaprojeto Aerotrópole Mineira, por exemplo ao fazer do aeroporto um aeroporto industrial. Muito embora Kasarda (2006) defenda que “[...] Até hoje, a maioria das Aerotropolis têm evoluído espontaneamente” (KASARDA, 2006, p. 11), no caso do Projeto Aerotrópole Mineira percebe-se a participação ativa do Estado Neoliberal sob a forma de megaprojetos com parcerias privadas e que privilegiam o lucro de empresas, estrategicamente inseridos na malha metropolitana. Interessante é que o discurso do desenvolvimento sustentável proposto pela aerotropolis contrastaria com o discurso de conservação proposto pela unidade de conservação na qual se encontra inserido. Percebem-se aí, fissuras, que colocam em contradição planejamentos distintos do Estado para o mesmo território.
Diferentes técnicas de produção estão distribuídas desigualmente pelo espaço global e provocam desigualdades econômicas e sociais, é o que já afirmava Milton Santos ao pesquisar sobre o processo globalizador (SANTOS, 2006). Considerando tal afirmação para o território da APA Carste, algumas atividades como a mineração ainda apresentam um sistema técnico mais tradicional de produção e empregam uma mão de obra menos especializada, enquanto outras atividades como as que envolvem o setor aeroportuário envolvem técnicas modernas e uma mão de obra muito especializada. Nesse sentido, o processo de formação da aerotrópolis carregaria em si a reformulação de parte do território ainda focado na mineração para um território técnico-científico-informacional e cada vez mais artificializado (SANTOS, 2006). Tal modificação estaria centrada num dado ponto do território, existindo a incerteza de como a modernização advinda da aerotrópolis espraiaria para o restante do território do Vetor Norte da RMBH, especialmente sobre a APA Carste, e qual tipo de modernização é esta.
A aerotrópolis poderáampliar a ligação desse território que é ancestral do ponto de vista arqueológico e paleontológico aos territórios modernizados de outras aerotrópolis, como da Holanda, da China e dos Estados Unidos. A conexão aérea formaria o que aqui propomos denominarde uma “rede aerotropólica”. Essa rede aerotropólica é uma super rede que interligaria as aerotrópolis pelos diversos aeroportos que as compõem, estimulando uma aceleração do tempo e o encurtamento das distâncias entre lugares e economias antes não diretamente conectados.
Questiona-se: essa rede servirá primordialmente para atender aos interesses de quem? Será para o bem de toda uma sociedade ou para o benefício de alguns grupos específicos que com ela conseguirão acesso a mais tecnologia e lucratividade, a mais influência política e econômica? Considerando as outras espécies que habitam o território, o pouco que resta do bioma do cerrado na unidade de conservação será gradativamente destruído para ampliar as áreas ao redor aerotrópolis, gerando um território cada vez mais artificializado e engolindo as áreas de sítios de milhares de anos? Os desafios advindos de uma rede aerotropolica abarcariam a vida cotidiana dos moradores locais, como eles responderão a esses desafios? Não sabemos as respostas, somente que há pouco espaço para a utopias.
Milton Santos (1998) afirmava que o processo de mundialização iniciou desde o século XVI com as grandes navegações, passando por diversas fases até o surgimento do capitalismo cuja acentuação da velocidade de expansão se deu, dentre outros motivos, pela evolução da ciência e das técnicas. O que alterou as relações de trabalho, as formas de produção, induziu a criação de modismos e mercadorias descartáveis e rapidamente substituíveis e principalmente um homem alienado (SANTOS, 1998).
Nesse cenário mundializado as especificidades de cada lugar contam como parte das estratégias para atração de investimentos (SANTOS, 1998; 2006). É o caso das aerotropolis. Elas são parte de uma cadeia de relações glocais, que envolvem questões territoriais, econômicas e políticas, encurtando distâncias, num processo no qual o tempo passa a dominar o que seja o território. Para Kasarda (2013), a aerotropolis personifica o processo de globalização no início do século XXI. Ela integra diversos lugares e detém estruturas estratégicas para setores importantes da economia como facilidade de acesso, transporte rápido e variedade de oferta de serviços (KASARDA, 2013)
O discurso de Kasarda defende a aerotropolis como modelo de desenvolvimento da cidade neoliberal e insiste numa concepção de sustentabilidade distorcida, não havendo endereçamento a como culturas e economias locais e tradicionais seriam inseridas em tal modelo de cidade -e, pela experiência de megaprojetos neoliberais, estas temáticas são abandonadas.
A sobreposição de dois projetos tão distintos para o mesmo território materializa a disputa de poder. Sendo a aerotropolis um modelo de civilização, segundo discurso de Kasarda(2006), e apoiado pelo Estado sob a forma do Projeto Aerotrópole Mineira, vale nos questionar: qual é essa sustentabilidade defendida pelo modelo? Uma vez que praticamente não há menção à conservação de fauna, flora, cultura, economia e saberes locais ou tradicionais, a que tipo de sustentabilidade se refere o planejamento urbano da aerotropolis? Que fissuras abre na relação entre população e território, através da globalização da produção do espaço?
Finalizamos o artigo com a intenção de haver levantadoalgumas controvérsias que o Projeto Aerotrópole Mineira apresenta ao território do Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), em especial à unidade de conservação da Área de Proteção Ambiental (APA) Carste de Lagoa Santa. Abrimos a necessidade de se questionar tantas outras, dentre elas destacamos 1) o papel da mineração no desenvolvimento da aerotropolis em plena geomorfologia cárstica; 2) as dimensões da desigualdade que se impõe diante de tal proposta de planejamento urbano e desenvolvimento glocal; 3) a opinião e participação popular diante de tal Projeto e 4) quais distopias e utopias se materializam a partir de tal horizonte?
Cláudia Silva Barbosa:coleta de dados;produção textual;revisão.Natacha Silva Araújo Rena: Supervisão; coleta de dados; produção textual.Nina Lavezzo de Carvalho: coleta de dados;produção textual.