ARTIGOS
Mercado de trabalho e racismo: visão dos egressos do sistema de cotas raciais da Universidade Estadual de Londrina
Labor Market and racism: view of graduates from the racial quota system of the Universidade Estadual de Londrina
Mercado laboral y racismo: visión del sistema de cuotas raciales graduadas de la Universidade Estadual de Londrina
Mercado de trabalho e racismo: visão dos egressos do sistema de cotas raciais da Universidade Estadual de Londrina
GEOPAUTA, vol. 5, núm. 3, 2021
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Recepción: 17 Febrero 2021
Aprobación: 30 Septiembre 2021
Resumo: O artigo procura compreender como os/as ex-estudantes que ingressaram pelo sistema de cotas raciais na Universidade Estadual de Londrina entre 2010 e 2016 percebem a presença do racismo nos mecanismos de seletividade do mercado de trabalho. Para isso, foi feita uma análise bibliográfica, recolha e organização de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios e do Nexo Jornal. Em um terceiro momento, foi confeccionado e aplicado um roteiro de perguntas aos/às egressos/as cotistas raciais da Universidade Estadual de Londrina. A pesquisa se caracteriza como quanti-qualitativa, com ênfase em uma abordagem interpretativa, que se propõe expressar o fenômeno estudado, dando mais liberdade e novas possibilidades no entendimento da realidade.
Palavras-chave: Cotas raciais, desigualdades, emprego, racismo, Universidade.
Abstract: This article seeks to understand how former students who entered the racial quota system at the State University of Londrina between 2010 and 2016 perceive the presence of racism in the labor market's mechanisms of selectivity. To this end, a bibliographic analysi, and data collection and organization of the Brazilian Institute of Geography and Statistics, the Institute of Applied Economic Research, the National Sample Survey of Households and the Newspaper Nexus was done. In a third moment, a script of questions was made and applied to the egress/racial quotations of theState University of Londrina. The research is characterized as quanti-qualitative, with emphasis on an interpretative approach, which aims to express the phenomenon studied, giving more freedom and new possibilities in understanding reality.
Keywords: Racial quotas, inequalities, employment, racism, University.
Resumen: El artículo trata de entender cómo perciben los antiguos alumnos que entraron a través del sistema de cuotas raciales en la Universidad Estatal de Londrina entre 2010 y 2016 la presencia del racismo en los mecanismos de selectividad del mercado laboral. Para ello, se realizó una revisión bibliográfica, recopilación y organización de datos del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística, el Instituto de Investigación Económica Aplicada, la Encuesta Nacional de Hogares por Muestreo y el Nexo Jornal. En un tercer momento, se preparó un guión de preguntas que se aplicó a los titulados de raza de la Universidad Estatal de Londrina. La investigación se caracteriza por ser cuanti-cualitativa, con énfasis en un enfoque interpretativo, que propone expresar el fenómeno estudiado, dando más libertad y nuevas posibilidades en la comprensión de la realidad.
Palabras clave: Cuotas raciales, desigualdades, empleo, racismo, Universidad.
Introdução
O presente artigo apresenta parte dos resultados da pesquisa “Políticas de ação afirmativa no Ensino Superior: o desempenho no espaço geográfico, em especial mercado de trabalho dos/as estudantes de cotas raciais formados na Universidae Estadual de Londrina nos anos de 2010 e 2016”, vinculadas à referida Instituição.
A partir da implantação de diversas políticas públicas de ação afirmativa, com recorte em raça, principalmente no que se refere ao ingresso nas Universidades públicas brasileiras, os que não tinham a dimensão do racismo como constituinte das relações socioeconômicas no Brasil acreditavam que essa ação poderia suspender todas as interdições do acesso de negros/as com ensino superior no mercado de trabalho.
Como procedimento metodológico realizou-se um levantamento bibliográfico a respeito da presença de negros/as no mercado de trabalho, recorrendo-se aos textos de Almeida (2018), que discorre acerca do racismo estrutural e de como este impacta e interdita os direitos e oportunidades da população negra; a Pereira (2011), que disserta acerca da discriminação racial que se perpetuou após a abolição da escravatura, e a Jaccoud e Beghim (2002), que demonstram, por meio da exposição de dados, a desigualdade racial presente no mercado de trabalho formal do Brasil, entre outros. Além disso, formulou-se um questionário com seis questões sobre a percepção das políticas de ação afirmativa, as dificuldades de permanência estudantil durante a graduação e as interdições no mercado de trabalho. Destas, três eram relacionadas à inserção no mercado de trabalho, tendo sido aplicado no início de 2018 a ex-estudantes cotistas raciais da Universidade Estadual de Londrina, formados/as entre os anos de 2010 e 2016, totalizando 808 egressos/as. Ao término da sondagem de opiniões, apenas 200 pessoas responderam o questionário. Por conta disso, esta pesquisa pode ser classificada como quanti-qualitativa, pois se utiliza da mensuração de dados, mas prioriza uma análise interpretativa, onde se propõe expressar o fenômeno estudado, dando mais liberdade e novas possibilidades no entendimento da realidade.
Vale lembrar que as perguntas discutidas neste artigo são aquelas direcionadas ao mercado de trabalho, com vistas a identificar as particularidades de percepção dos/as entrevistados/as, ou seja, como eles/as entendem as facilidades ou dificuldades encontradas no momento da busca por emprego após se formarem nos cursos de graduação e, especificamente, se inferem que o racismo interferiu nesse processo. Importante salientar também que uma delas se volta exclusivamente para a questão racial, questionando se os/as egressos/as acreditam que o mercado de trabalho age de forma discriminatória quanto a cor/raça das pessoas. Por fim, os dados obtidos foram organizados em três tabelas, de modo a facilitar sua análise, uma vez que algumas respostas se aproximaram bastante.
Ao final do estudo, foi possível comprovar algumas teorias de como os indivíduos compreendem, ou não, os mecanismos sutis de atuação do racismo estrutural e como este atravessa e determina todas as relações socioeconômicas no Brasil, em particular no mercado de trabalho.
De certa forma, a pesquisa apresenta dados para pensar sobre essa concepção, tendo como objetivo geral compreender como os/as ex-estudantes que ingressaram pelo sistema de cotas raciais na Universidae Estadual de Londrina entre 2010 e 2016 percebem a presença do racismo nos mecanismos de seletividade do mercado de trabalho.
A população negra no mercado de trabalho
A visão do/a negro/a na sociedade brasileira e na própria formação do Brasil esteve ligada, durante todo o processo escravocrata, a submissão e subalternidade, pois, quando liberto/a, parte do/a ex-escravizado/a, que trabalhava nas áreas rurais e era sempre classificado/a como péssimo/a trabalhador/a, migrou para as cidades à procura de trabalho. O problema era que, nesses ambientes, os homens e mulheres trabalhadores/as necessitavam de melhor capacitação profissional, pois a mão de obra desqualificada não era bem aceita (PEREIRA, 2011). Importante acrescentar que a materialidade do racismo também era um empecilho para o ingresso de negros/as no mercado de trabalho formal.
Segundo D’Ávila (2006), mesmo com o fim, na teoria, da estrutura escravocrata, o Brasil passou a seguir uma concepção de leitura da população que crescia no mundo todo, pautado na existência de que havia raças superiores e inferiores. Assim, dos agentes econômicos e políticos brasileiros internalizaram a crença de que as pessoas brancas eram superiores às de qualquer outra cor ou raça. Para refutar a ideia de que o país estaria sempre fadado ao atraso, uma vez que sua população em maioria se constituía de pessoas negras, essas mesmas elites passaram então a acreditar no fato de que era necessário embranquecer o Brasil e, por meio dessa estratégia, o racismo pautou algumas politicas públicas no país até meados do século 20.
Concomitante a isso, havia outra ideia que embriagou os intelectuais e políticos, após a década de 30. De acordo com Silva e Laranjeira (2007), a partir do início do século XX, o Brasil acreditava ser um país extraordinário, e esse fato se deve à mestiçagem presente na população, ideia que ganha mais destaque depois de 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, considerada por Gilberto Freyre como uma resposta aos conflitos raciais e étnicos que o mundo enfrentava no período. Segundo ele, a população brasileira se constituiu em uma base harmônica e sem grandes contratempos, havendo ambiente cordial para as diferenças étnicas e culturais, por exemplo, representadas pela diversidade de alimentação e influências na língua portuguesa. Por conta disso, durante muito tempo, o Brasil se autocaracterizou como uma democracia racial. Mas, na década de 50, estudos e análises de intelectuais como Fernandes e Bastide mostraram que a “democracia racial” exposta por Freyre não passava de um “mito”, uma vez que demonstraram que a cor e a raça definiam as posições e as facilidades ou dificuldades de acesso das populações a direitos básicos. Portanto, observa-se que, mesmo depois de algumas mudanças, no final do século XIX, o Brasil ainda mantinha as bases segregacionistas, pois é possível perceber que, no geral, o racismo estrutural deu o tom para a tomada de decisões políticas e econômicas, dando sequência à manutenção de uma estrutura de produção e reprodução das desigualdades, tendo como base cor/raça, observada em diversos setores da sociedade, incluindo o mercado de trabalho.
Para Martins (2012), com a crescente industrialização do país entre as décadas de 50 e 80, as vagas ocupadas pelos/as negros/as ainda eram as de menor remuneração, na maioria das vezes voltadas para os trabalhos manuais, assim como no período pós-abolição da escravatura, permanecendo, dessa maneira, uma desigualdade racial no mercado de trabalho. Por conta disso, é possível observar que, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no início da década de 90, ainda era discrepante a diferença entre a renda per capita dos/as cidadãos/ãs brasileiros/as, considerando sua cor/raça, uma vez que brancos/as possuíam uma renda média mensal de R$ 1.551,60, enquanto negros/as contavam com a renda média de R$ 594,54 por mês (IPEA, 1991).
Ao analisar dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) e da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), Sabóia e Sabóia (2008) observam que, no que diz respeito aos setores ocupados, a porcentagem mais significativa é relacionada à categoria de pretos/as e pardos/as quando ligadas a dois campos, sendo eles a construção civil e o serviço doméstico, que são trabalhos de baixa remuneração, respectivamente, 10,3% e 11,2%, enquanto brancos/as ocupam esses cargos em menor porcentagem. Nesse fator, está embutido principalmente o fato de essa população ser maioria no Brasil, como mostra a pesquisa realizada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) em 2019, segundo a qual, 56% da população se autodeclarou negra (preta e parda) (IBGE, 2019a). Mas, ainda assim, quando comparadas as rendas médias mensais, mesmo a população branca estando em menor quantidade, seus salários são significativamente maiores, observando uma desigualdade ainda maior quando comparadas as categorias de gênero, nas quais a mulher negra encontra-se em desvantagem, como apontam os dados do Instituto Ethos apresentados por Abramo e Farranha (2006) referentes aos rendimentos por hora da população brasileira segundo cor, em que negros/as recebem, em geral, 30% a menos que brancos/as e, se a comparação levar em conta a categoria gênero, mulheres negras recebem os menores salários, sendo em média 46% a menos do que homens brancos ganham por hora trabalhada.
Neste sentido, pode-se perceber que a taxa de desemprego no país cresceu como um todo nos últimos seis anos, mas a população negra ainda é a mais atingida (IBGE, 2019b), como exposto no gráfico 1:
Pode-se perceber, como exposto no gráfico 1, que, do total da população negra brasileira, no ano de 2017, quase 15% dela encontrava-se desempregada, enquanto a média total foi de quase 3% a menos, uma vez que brancos/as sofreram significativamente menos com o desemprego, alcançando cerca de 10% da taxa de desemprego no mesmo ano. Além disso, a taxa de informalidade também manteve a mesma dinâmica desigual, pois atingiu diferentemente as pessoas brancas, pretas e pardas; (gráfico 2).
O Gráfico 2 indica a dificuldade de negros ao acesso a empregos formais, consequentemente vão buscar inserir-se no mercado informal, chegando a quase 50% dessa taxa entre os anos de 2012 e 2018, enquanto brancos/as ocupam menos de 40% desses serviços, que englobam os empregos por conta própria, sem carteira de trabalho, doméstico, familiar auxiliar e empregador/a sem CNPJ registrado (DESIGUALDADE..., 2019), ou seja, sem garantias trabalhistas.
Como já assinalado, em dados do IPEA de 1991, a renda mensal de pessoas segundo cor ou raça, analisadas somente entre pretos/as, pardos/as e brancos/as, era desigual. Embora passados mais de 20 anos, esse quadro persiste, pois negros/as continuam tendo renda média mensal bastante inferior aos/às brancos/as, como mostra a Figura 3 (DESIGUALDADE..., 2019).
Como expõe a gráfico 3, o rendimento médio de pessoas brancas alcança quase o dobro da renda de pessoas negras, pois se aproxima de três mil reais nos anos de 2014 e 2018, enquanto os salários médios de negros/as alcança pouco mais de 1.500 reais no mesmo período (DESIGUALDADE..., 2019)
É possível perceber, portanto, que o mercado de trabalho no Brasil mantém estruturas segregacionistas, e isso se deve “quase exclusivamente à discriminação racial gerada no próprio mercado de trabalho” (JACCOUD; BEGHIM, 2002, p. 30).
Mercado de trabalho na visão de egressos/as da Universidae Estadual de Londrina: dificuldades de inserção e manifestação do racismo
Após a aplicação de questionários online com egressos/as que foram cotistas raciais da Universida e Estadual de Londrina, formados entre os anos de 2010 e 2016, foram obtidas 200 respostas dos mais de 800 e-mails enviados. Os resultados a serem observados neste trabalho são relacionados ao mercado de trabalho, ou seja, de que maneira os/as estudantes cotistas raciais que se formaram na Universidade Estadual de Londrina percebem a recepção que tiveram nos ambientes de trabalho, bem como as dificuldades ou facilidades enfrentadas por eles/as.
A primeira pergunta refere-se à inserção nesse mercado, estabelecendo os empecilhos encontrados no momento da procura de emprego, como pode ser observado na Tabela 1:
Respostas | Em números | Em % | Justificativas |
Não | 27 | 13,5 | Sem justificativa |
Não | 3 | 1,5 | Desempregado/a por opção |
Não | 10 | 5 | Fazendo pós-graduação ou outra graduação |
Sim | 160 | 80 |
Como é possível observar na Tabela 1, somente 20% dos/as entrevistados/as se encontravam desempregados/as no momento que responderam o questionário, sendo que a maioria (13,5%) não justificou o motivo, e o restante continua na academia, seja fazendo outra graduação ou nos cursos de pós-graduação (5%) ou até mesmo desempregados/as por opção própria (1,5%). Os outros 80% dos/as entrevistados/as estavam empregados/as, e são diversas as justificativas pelas quais compreendem a recepção que obtiveram ao ingressar no mercado de trabalho. Deve-se levar em conta que 91 dos 200 entrevistados/as, ou seja, 45,5% não especificaram o tipo do emprego, 30 dessas pessoas (15%) são do funcionalismo público, 12 (6%) estão empregados/as, embora não na área de formação 8 (4%) trabalham de forma autônoma e 6 (3%) estão envolvidos/as em trabalhos temporários, como estágios e aulas de Processo Seletivo Simplificado – PSS. Pode-se observar que a maioria dessas pessoas não atentou para pontuar as dificuldades ou facilidades que afetaram a busca por empregos, especificando somente quais as suas respectivas áreas de atuação. Mas quatro dos/as entrevistados/as (2%) pontuaram que o fato de se terem graduado na Universidade Estadual de Londrina garantiu certo prestígio no momento das contratações.
Além disso, uma única pessoa (0,5%) salientou, mesmo que a pergunta não fosse voltada diretamente para o racismo, o fato de que já foi vítima de discriminação por não conseguir um emprego de vendedora. Quando da análise do currículo, a empresa solicitou uma foto da candidata e, após o envio da imagem, não houve mais retorno da empregadora. Primeiramente, é importante dizer que é impossível saber o motivo do não retorno da empresa, mas a atuação do racismo institucional pode nos dar algumas pistas. Esse tipo de racismo, segundo Almeida (2018), está presente nas empresas e instituições e segrega conforme a cor da pele, reservando os cargos de decisão e representação (vendedores, atendentes, recepcionistas, etc.) para pessoas que não sejam negras.
Outro fator de extrema relevância para essa análise é o fato de que somente 3 dos/as entrevistados/as (1,5%) são atualmente professores/as universitários. Mesmo sendo um número muito baixo, está próximo da média de docentes/as negros/as nas universidades públicas brasileiras, como aponta a pesquisa de Carvalho (2007).
Já a Tabela 2 é específica para compreender a quais fatores esses/as profissionais atribuem o desemprego.
Respostas | Em números | Em % | Justificativas |
6 | 13,3 | Resposta evasiva/sem sentido | |
19 | 42,2 | Dificuldades de inserção no mercado de trabalho e crise econômica | |
6 | 13,3 | Recém-formado/a, cursando mestrado ou outra graduação | |
6 | 13,3 | Falta de capacitação especializada | |
1 | 2,2 | Fechamento de empresa | |
1 | 2,2 | Aguardando convocação de concurso público | |
2 | 4,4 | Preconceito e discriminação por cor e/ou gênero | |
1 | 2,2 | Desempregado/a por opção | |
1 | 2,2 | Desilusão com a profissão | |
1 | 2,2 | Estudando para concurso | |
1 | 2,2 | Afastado/a por doença |
A respeito da Tabela 2, é preciso destacar que houve respostas também advindas de pessoas empregadas que optaram por justificar os motivos pelos quais atribuem o desemprego, por isso o valor é superior a 40 respostas (total de egressos/as desempregados/as), totalizando 45 respostas, sendo que 19 pessoas (42,25) atribuem o desemprego a dificuldades de inserção no mercado de trabalho em geral, levando em conta também a crise econômica, sem perceber que são os/as negros/as os/as preteridos/as diante de uma crise do capital, pois, como mostram os dados do IBGE (2019b), são os que mais sofrem com o desemprego (64,2% da população desocupada) e, consequentemente, compõem a maioria nos cargos de trabalhos informais (47,3%), sem direitos e garantias trabalhistas.
Em seguida, foi respondida uma pergunta que questionava os/as entrevistados/as se acreditavam que o mercado de trabalho seleciona as pessoas levando em conta a cor da pele, como mostra a Tabela 3.
Respostas | Em números | Em % | Justificativas |
Não respondeu | 6 | 3 | |
Não respondeu, mas justificou | 12 | 6 | Na área em que atua, não tem esse problema |
Não respondeu, mas justificou | 3 | 1,5 | Há preferência pelo/a branco/a, mas não é intencional/processos seletivos com currículo inibem a discriminação por cor/alguns grupos estão adotando posições mais inclusivas |
Depende | 6 | 3 | A experiência pode contribuir |
Às vezes | 3 | 1,5 | Existe preconceito por parte de algumas pessoas |
Não sabe responder | 1 | 0,5 | O mercado é tão exigente e tão seletivo por natureza própria |
Não | 21 | 10,5 | Não justificou |
Não | 7 | 3,5 | É pela competência/currículo |
Não | 1 | 0,5 | Outros fatores influenciam mais que a cor da pele |
Não | 1 | 0,5 | É questão de indicação |
Não | 1 | 0,5 | Nunca sofreu discriminação no mercado de trabalho |
Sim | 3 | 1,5 | Mas, se for competente, não terá tanta dificuldade |
Sim | 135 | 67,5 | Mercado de trabalho seleciona pela cor/sociedade racista/preconceito enraizado/motivos social, cultural e histórico. |
Observa-se, a partir da observação da Tabela 3, que as respostas fornecidas pelos/as egressos/as entrevistados/as foram bastante diversas, mas o que se destaca é que mais de 67% deles/as, ou seja, 135 dos/as participantes acreditam que o mercado de trabalho seleciona as pessoas pela cor da pele, e 135 ressaltam que há preferência por pessoas brancas e que isso ocorre porque o racismo está enraizado no Brasil, considerando-o como parte integrante das relações sociais, pois, como salientou Pereira (2011), desde o período pós-abolição da escravatura, criou-se no imaginário popular que a figura dos/as negros/as consiste em seres desinteressados/as, que não conseguiram se inserir no mercado de trabalho, especificamente nos empregos formais, mas sem discutir a fundo essa questão que, para Almeida (2018) aconteceu pelo fato de que a sociedade se baseia no racismo para compor sua estrutura desigual.
Contudo, (4%) dos/as entrevistados/as disseram que nunca vivenciaram essa seletividade, mas que acreditam que ela exista, além de uma pessoa (0,5) ter manifestado que existe uma preferência por pessoas brancas no momento da contratação, mas que esse ato por parte dos/as empregadores/as não é intencional, naturalizando mais uma vez o racismo, que se mostra como algo estrutural, mantendo o caráter desigual da sociedade sem grandes questionamentos, uma vez que até mesmo quem sofre com ele acredita ser algo comum, banal (ALMEIDA, 2018).
Entretanto, vê-se que (5,5%) das pessoas entrevistadas percebem a discriminação racial por parte dos/as empregadores/as, mas não acreditam ser o principal motivo que influencia a escolha de um empregado/a, e sim a competência, currículo ou indicação. Portanto, segundo Almeida (2018), mesmo quem é diretamente afetado/a pelo racismo estrutural pode não o perceber em suas relações, acreditando que a discriminação ocorra somente por diferenças de classe, por exemplo.
Alguns/umas afirmam a existência de discriminação racial no mercado de trabalho (4,5%), mas não especificam o porquê. Outras pessoas (1,5%) também salientam que a discriminação pode ocorrer às vezes, pois existe o preconceito em algumas pessoas, mas que isso não é uma regra geral, considerando o racismo como algo irracional e individual, sem refletir que é estrutural, ou seja, é um elemento estruturante das relações socioeconômicas (ALMEIDA, 2018).
Há ainda três pessoas (1,5%) que acreditam na discriminação racial no mercado de trabalho, mas acham que esse ato não é intencional, salientando momentos em que ela não ocorre, como na aplicação de concursos, por exemplo.
Além disso, (10,5%) dos/as entrevistados/as responderam que não percebem que o mercado de trabalho discrimina as pessoas pela cor da pele, mas não justificaram suas respostas. Assim como nas respostas da pergunta anterior, houve respostas também pessoais, por exemplo: (6%) salientaram que na área em que atuam profissionalmente não existe o problema da discriminação por cor, sem se darem conta de que, como pontuou Munanga (2012), o racismo é um crime perfeito, pois, mesmo que seja estrutural e perpasse por todas as instâncias da sociedade, muitas vezes é tão sutil que passa despercebido até mesmo por quem é discriminado.
Ademais, 12 pessoas utilizam o argumento do mérito para explicar as contratações no mercado de trabalho, ou seja, (3,5%) acreditam que a escolha dos/as empregadores/as é feita levando em conta somente o currículo e a competência dos/as que buscam emprego, (1,5%) consideram que a competência é suficiente para ingressar no mercado de trabalho, (0,5%) acredita que a seleção é feita por indicação e um/a outro/a entrevistado/a salienta que o mercado de trabalho é seletivo com os/as candidatos/as no geral, não percebendo haver discriminação pela cor da pele, absorvendo a ideia da meritocracia que, segundo Almeida (2018), é propagada pelos ideais capitalistas com ajuda dos meios de comunicação, do sistema educacional e judiciário, que, por exemplo, divulgam que oportunidades são alcançadas por aqueles/as que se esforçaram mais que os/as outros/as, sem avaliar as desigualdades determinantes.
A partir da análise dessas respostas, pode-se compreender que, mesmo que a maioria dos/as entrevistados/as perceba o racismo que os/as impede de se inserirem no mercado de trabalho, alguns/umas deles/as tratam esse fato como algo compreensível e natural, justificando o desemprego com outras questões, como a falta de capacitação ou discriminação de classe, por exemplo. É importante ressaltar que, segundo Almeida (2018), essa é a própria visão dos/as capitalistas, que justificam o desemprego e o subemprego a partir da premissa do mérito, mas isso se constitui em uma inverdade, pois o modo de produção e os sistemas econômicos, por mais modernos que sejam, se baseiam no racismo para sua constituição, embora de maneira velada, sofisticada e discreta, passando muitas vezes como imperceptível para a maioria das pessoas.
Além disso, outro fato que se apresenta bastante nítido, ao comparar os dados obtidos durante a pesquisa, é que alguns/umas egressos/as, mesmo tendo utilizado a política de cotas raciais para ingressarem na Universidade, não percebem o racismo como algo determinante para a inserção no mercado de trabalho, e isso se deve, como Munanga (2012) salienta, ao fato de o racismo se utiliza de métodos sutis para compor suas ações.
Por fim, pelos dados expostos, observa-se que, mesmo após mais de cem anos do fim da escravização e da melhoria nos níveis educacionais, a população negra acumula uma série de desvantagens, ainda recebendo os menores salários, enfrentando mais dificuldade para ingressar no mercado de trabalho formal, compõe o grupo com as maiores taxas de desempregos, ou seja, o racismo que estrutura as desigualdades apresenta-se particularmente visível no mercado de trabalho. Segundo Martins (2014), isso se deve ao fato de que o racismo, por ser estrutural, confina essas pessoas aos serviços informais e ao subemprego, pois, mesmo que, em sua maioria, os/as egressos/as estivessem empregados/as no momento da pesquisa, não é possível afirmar que seus rendimentos fossem iguais ou superiores aos das pessoas brancas.
Considerações finais
A partir da análise dos resultados obtidos durante a pesquisa, pode-se observar que a taxa de ex-estudantes cotistas raciais da Universidade Estadual de Londrina que estão empregados nos dias atuais é alta, sendo 80% deles/as. Mas isso não quer dizer que todos os empregos sejam na área de formação e que foi fácil o processo para conseguirem se inserir no mercado de trabalho.
Como foi possível observar nos dados relatados, alguns/mas dos/as entrevistados/as apresentaram justificativas de cunho pessoal para o tratamento de questões como o desemprego e a diversidade de áreas em que estão empregados/as. Mas o que chama atenção é o fato de que 67,6% dos/as ex-egressos/as acreditam que haja a discriminação racial no momento da contratação e alguns salientam que isso ocorre porque o racismo no Brasil está enraizado, caracterizado como uma herança, e concluindo que a sociedade como um todo é racista.
Com isso, pode-se perceber que o não questionamento de preconceitos e discriminações raciais tão veladas, mas ainda assim sentidas por quem as sofre, dá sequência a uma sociedade hierarquizada em raças, em que o povo negro é sempre visto no imaginário social em situações de subalternidade, naturalizando sua presença em ambientes de maior vulnerabilidade, como, por exemplo, nos empregos informais.
Várias medidas, porém, estão sendo tomadas para que esse quadro se altere, como a instauração de políticas públicas de ação afirmativa para que as populações historicamente subalternizadas possam ocupar espaços que antes não lhes eram garantidos. É importante ressaltar que essas políticas de garantias de direitos à população negra só foram conquistadas por conta da pressão do Movimento Negro, pois, segundo Gomes (2017), é devido às ações desse movimento social que atualmente há uma tendência de de colonização do conhecimento, que amplia a discussão racial para diversas instâncias da sociedade.
Por conta disso, entende-se que, graças à atuação do Movimento Negro, os/as egressos/as que foram cotistas raciais na Universidade Estadual de Londrina, ou seja, que são qualificados/as com Ensino Superior, em sua maioria, se encontram empregados/as e conscientes da presença do racismo no mercado de trabalho, mas ainda há uma pequena parcela que não atenta para a discussão racial, acreditando na premissa do mérito, por exemplo.
Agradecimentos
À Fundação Araucária – Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná.
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Notas
Autor 2- Revisão Textual; Análise final dos resultados e revisão do texto