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O trabalho de campo como ferramenta para o entendimento de transformações socioespaciais: o caso das feiras orgânicas da cidade de Porto Alegre – RS
Fieldwork as a tool for understanding socio-spatial transformations: the case of organic fairs in the city of Porto Alegre – RS
El trabajo de campo como herramienta para comprender las transformaciones socioespaciales: el caso de las ferias orgánicas en la ciudad de Porto Alegre - RS
GEOPAUTA, vol. 5, núm. 3, e8073, 2021
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

ARTIGOS

Los autores conservan los derechos de autor y otorgan a la revista el derecho a la primera publicación, con trabajos con licencia simultánea de Creative Commons Attribution 4.0 International License. permitiendo compartir, copiar, distribuir, mostrar, reproducir, todo o partes, siempre que no tenga un propósito comercial y se cite a los autores y la fuente, reconociendo la autoría y la publicación inicial en esta revista.

Recepción: 18 Marzo 2021

Aprobación: 30 Septiembre 2021

DOI: https://doi.org/10.22481/rg.v5i3.e2021.e8073

Resumo: O artigo parte da concepção do trabalho de campo como ferramenta didático-pedagógica essencial para o entendimento das transformações socioespaciais. Técnica muito importante para os estudos geográficos, as discussões acerca do protagonismo do trabalho de campo sempre estiveram presentes ao longo do desenvolvimento da disciplina. Utilizado como técnica didático-pedagógica ou parte metodológica de pesquisas, é através dele que a teoria se aproxima da realidade. Nesse sentido, o presente artigo busca apresentar o exemplo de atividades de campo com alunos de graduação em feiras orgânicas na cidade de Porto Alegre. As análises além de demonstrar a importância da atividade nesses locais, também sinalizam a importância do planejamento do trabalho de campo para o desenvolvimento dos estudantes enquanto pesquisadores.

Palavras-chave: Trabalho De Campo, Transformações Socioespaciais, Feiras Orgânicas, Geografia.

Abstract: The article is based on the conception that fieldwork didactic-pedagogical is an essential tool for understanding the socio-spatial transformations. As very important technique for geographic studies, the discussions about the key role of fieldwork have always been present throughout the development of the discipline. The fieldwork can be used as a didactic-pedagogical technique or methodological part of research, it is through it that theory approaches reality. In this regard, this article aims to present the example of undergraduate students’ field activities at organic fairs in Porto Alegre city. In addition to demonstrating the importance of the activity in these places, the analyses also indicate the importance of fieldwork planning for the development of students as researchers.

Keywords: Fieldwork, Socio-Spatial Transformations, Organic Fairs, Geography.

Resumen: El artículo parte del concepto de trabajo de campo como herramienta didáctico-pedagógica esencial para comprender las transformaciones socioespaciales. Una técnica muy importante para los estudios geográficos, las discusiones sobre el papel del trabajo de campo siempre han estado presentes a lo largo del desarrollo de la disciplina. Utilizada como técnica didáctico-pedagógica o parte metodológica de la investigación, es a través de ella que la teoría se acerca a la realidad. En este sentido, este artículo busca presentar el ejemplo de actividades de campo con estudiantes de pregrado en ferias orgánicas en la ciudad de Porto Alegre. Los análisis, además de demostrar la importancia de la actividad en estos lugares, también señalan la importancia de planificar el trabajo de campo para el desarrollo de los estudiantes como investigadores.

Palabras clave: Trabajo de campo, Transformaciones socioespaciales, Ferias orgánicas, Geografía.

Introdução

O trabalho de campo sempre foi uma prática muito cara a Geografia. Por se tratar de uma ciência que estuda as transformações espaciais, as bases da disciplina foram alicerçadas em um primeiro momento nas práticas de campo. Com maior ou menor ênfase ao longo do desenvolvimento da Geografia, o trabalho de campo sempre teve destaque em suas análises.

Autores como Marafon, Chelotti e Pêssoa (2019, p.257), entendem o trabalho de campo como um “procedimento que auxilia a articulação entre a teoria e a prática”. Para os autores:

O trabalho de campo como procedimento metodológico, pode ser realizado em qualquer paisagem, seja rural ou urbana, e utilizado para a obtenção de informações sobre a importância das relações espaciais. Uma das funções mais importantes dos trabalhos de campo é transformar as palavras, os conceitos, em experiências, em acontecimentos reais, para a concretização dos conteúdos. Assim, por meio da observação e da realização de entrevistas e questionários os pesquisadores e estudantes irão apreendendo a realidade (MARAFON; CHELOTTI; PÊSSOA, 2019, p.258).

Nesse contexto, entende-se o trabalho de campo como uma ferramenta essencial no entendimento das transformações socioespaciais. Essa prática pode além de trazer a vivência in loco das temáticas estudadas em sala de aula ou pesquisadas em bibliografias, proporcionar o surgimento de novas questões a partir da observação e do contato com os sujeitos estudados. Assim, ao se utilizar a técnica do trabalho de campo como instrumento pedagógico, é importante que se trabalhe com um planejamento prévio, para que no momento da prática da atividade os estudantes estejam preparados para interagir como pesquisadores e não apenas como observadores de exemplos de conteúdos trabalhados em aula.

Dessa forma, pensando o trabalho de campo como uma ferramenta para o entendimento das transformações socioespaciais o presente artigo busca apresentar o exemplo de atividades de campo em feiras orgânicas na cidade de Porto Alegre. As feiras orgânicas como objeto de estudo para a Geografia e áreas afins, representam uma riqueza de possibilidades de análise que englobam diversas temáticas da relação homem natureza. Nesses espaços de comercialização direta podemos realizar estudos que envolvem a relação campo-cidade, questões referentes à preservação da natureza e a sustentabilidade, agricultura familiar, geração de renda e mercado de trabalho, as novas ruralidades, a formação de cadeias produtivas, as logísticas de transporte, entre outras temáticas.

As feiras de produtores representam espaços repletos de histórias através das quais podemos desvendar diversas territorialidades. Muitos dos feirantes produtores de alimentos vêm de um histórico de luta e adequação para se manter na terra. Isso não se refere apenas aos agricultores assentados pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mas também aqueles que encontraram na produção de alimentos sustentáveis uma forma de permanecer em suas propriedades, produzindo produtos voltados para um mercado diferenciado que prima pela qualidade de vida e melhores condições de saúde.

Desse modo, este artigo parte de observações realizadas a partir de experiências de trabalhos de campo com estudantes do curso de Geografia e Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia (BICT) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os trabalhos de campo foram realizados por disciplinas de graduação desses cursos ao longo do ano de 2018 na Região Metropolitana de Porto Alegre. A partir dessas atividades, os alunos foram convidados a responder um questionário com perguntas abertas que teve como principal foco as atividades realizadas em feiras de produtos orgânicos na cidade de Porto Alegre. A escolha do questionário com perguntas abertas se deu pois estes:

[...] permitem liberdade ilimitada de respostas ao informante. Nelas poderá ser utilizada linguagem própria do respondente. Elas trazem a vantagem de não haver influência das respostas pré-estabelecidas pelo pesquisador, pois o informante escreverá aquilo que lhe vier à mente (CHAER; DINIZ; RIBEIRO, 2011, p.162).

Assim, após os trabalhos de campo foram entregues formulários para os estudantes, dando a eles a liberdade de escolha de responder ou não as questões solicitadas. No total de 38 formulários (25 – Geografia e 13 BICT), foram devolvidos 20 respondidos, dos quais, 13 de alunos do curso de Geografia e 07 do curso de BICT. Aqui, é importante destacar que os alunos do BICT também participaram da pesquisa por esse curso ter um caráter interdisciplinar e englobar diversas disciplinas e conteúdos relacionados a Geografia e ter entre suas terminalidades de escolha de especialização a Licenciatura em Geografia.

Dessa forma, a pesquisa que buscou discutir a importância do trabalho de campo para as análises socioespaciais, constatou que a atividade de campo em feiras orgânicas proporcionou possibilidades de abrangência para o entendimento de questões trabalhadas em diferentes disciplinas. Assim como, entendeu o quanto o planejamento da atividade é essencial para o aproveitamento e interesse dos estudantes e sua importância enquanto recurso pedagógico no ensino superior.

A importância do trabalho de campo para a geografia

A importância do trabalho de campo para a Geografia é reconhecida desde os primórdios da disciplina. Relatos de viagens deram as primeiras bases para os estudos geográficos, com suas descrições exaustivas baseadas nas observações de diversas regiões do planeta, sendo então a Geografia considerada uma ciência empirista.

Ao longo da história do pensamento geográfico, o trabalho de campo manteve seu papel de destaque nas diversas escolas, com maior ou menor importância para os estudos e análises. Superestimado por vezes como na Geografia Tradicional, identificada como uma ciência descritiva ou minimizado como na escola de Geografia Quantitativa, que deu destaque para as pesquisas em laboratórios e a utilização de modelos matemáticos e estatísticos, a necessidade do debate sobre o trabalho de campo sempre esteve presente.

Claval (2013) coloca que a importância do campo para os geógrafos a partir do final do século XIX resulta da influência dos saberes naturalistas na geografia. Segundo o autor, na Geografia Clássica era prática obrigatória, onde a análise regional se torna peça central de pesquisa e o trabalho de campo fornece garantia de autenticidade dos dados. A partir da Nova Geografia a elaboração de teorias e modelos hipotético-dedutivos distancia a Geografia da empiria, que só retorna em 1970, com um novo interesse pelas dimensões subjetivas (experiência dos lugares e territórios, construção de identidades, dimensões simbólicas da paisagem). Assim, soma-se dados objetivos as representações subjetivas – elementos qualitativos, recuperando o valor do trabalho de campo (CLAVAL, 2013).

Serpa (2006) ao realizar uma análise da abordagem teórico-metodológica do trabalho de campo em Geografia, nos chama a atenção para que ressaltar a sua importância não significa um retorno ao empirismo descolado da perspectiva da teoria, pelo contrário, deve haver uma unidade orgânica e coerente entre conceitos, teorias e procedimentos metodológicos em seu desenvolvimento. Nessa perspectiva, Alentejano e Rocha-Leão (2006, p.53), também chamam a atenção para que “trabalho de campo é fundamental, mas, se realizado desarticulado do método e da teoria, torna-se banal”. Os autores ainda reforçam que “para aqueles que veem a Geografia com parte da teoria social crítica, voltada para a transformação da realidade, o trabalho de campo só pode ser concebido se articulado com a teoria” (ALENTEJANO;ROCHA-LEÃO, 2006, p.64).

As constatações dos autores são compartilhadas por estudantes dos cursos de Geografia e BICT da UFRGS, que entendem o trabalho de campo como um complemento as aulas teóricas e discussões realizadas em sala de aula, conforme podemos observar nas respostas dadas por eles ao serem questionados sobre a importância deste (Quadro 1).

Quadro 1
Opiniões dos alunos quanto a importância do trabalho de campo

pesquisa de campo (2018)

Assim, sua a importância como recurso didático-pedagógico nas aulas de geografia, é observada em diversos níveis de aprendizado da disciplina, que vão desde a alfabetização cartográfica e o entendimento das primeiras noções de espaço pelas crianças, partindo da escala local, até o ensino universitário, onde o trabalho de campo poderá proporcionar uma leitura crítica do espaço nas mais diversas disciplinas, relacionando conceitos e teorias a realidade observada. Marcos (2006, p. 106), ao abordar a temática chama a atenção para que acrediteque a maior parte dos geógrafos considera a ida a campo “um instrumento didático e de pesquisa de fundamental importância para o ensino e pesquisa da/na Geografia”, e ainda destaca:

Enquanto recurso didático, o trabalho de campo é o momento em que podemos visualizar tudo o que foi discutido em sala de aula, em que a teoria se torna realidade, se ‘materializa’ diante dos olhos dos estudantes, daí a importância de planejá-lo o máximo possível, de modo a que ele não se transforme numa ‘excursão recreativa’ sobre o território, e possa ser um momento a mais no processo ensino/aprendizagem/produção do conhecimento (MARCOS, 2006, p.106).

A autora chama a atenção para que o planejamento diferencia o trabalho de campo de um passeio, ou uma “excursão recreativa”, conforme frisado por ela. Nesse contexto, entende-se que esta etapa é fundamental, pois é a partir dela que os estudantes e/ou pesquisadores vão buscar entender os objetivos das observações e outros procedimentos a serem realizados. Dessa forma, é importante termos claro que o trabalho de campo em Geografia, possui diversas etapas, que compreendem o pré-campo, o campo e o pós-campo, sendo que todos possuem importância para que a atividade tenha resultados satisfatórios.

Nesse contexto, podemos observar duas respostas dos estudantes que participaram da pesquisa que corroboram a visão sobre a importância de planejar, mostrando a necessidade de orientações sobre a atividade. “o trabalho é essencial, com o devido estudo anterior” (Informação escrita)8. “sem maiores explicações de como deveríamos proceder no tempo livre [...] não consegui conectar grandes conteúdo das disciplinas já realizadas, mas não deixou de ser interessante” (Informação escrita)9.

Assim, observamos nas respostas como a etapa do pré-campo é fundamental para a plena realização da atividade, a primeira de um estudante que teve uma preparação mais intensa focada para o momento de “ir a campo” e um segundo que por não ter tido um enfoque especificamente voltado a como proceder no momento da atividade, apresentou um sentimento de confusão. Nesse sentido, entende-se que, quando utilizado como um recurso didático-pedagógicopara estudantes de ensino superior, ingressantes na pesquisa científica, necessita do planejamento pré-campo, trabalhado a partir de etapas que ajudarão os estudantes, entender o que irão buscar no momento da realização da atividade.

Portanto, antes de ir à campo é necessário:

1º Definir o local de estudo – Ao entender onde se realizará a atividade, pode- se começar a pensar nas possibilidades de análise;

2º Identificar a temática a ser analisada e os objetivos da análise – Mesmo quando um trabalho de campo é realizado em grupo em um mesmo local, por uma turma de determinada disciplina de um curso de graduação, é possível que cada estudante, ou grupo de estudantes se foquem em uma temática específica de análise e elaborem seus objetivos. Nesse momento, os estudantes irão poder entender o que querem analisar;

É importante chamar a atenção que as duas primeiras etapas do pré-campo podem ter sua ordem invertida sem prejudicar o planejamento. Aqui apresentou-se a definição do local como primeiro item, por ser pensando em um contexto do trabalho de campo proposto pelo professor para os estudantes, mas de outra forma, os estudantes e/ou pesquisadores poderiam pensar o que gostariam de estudar para assim definir o local.

3º Pesquisa bibliográfica – configura-se como uma das etapas iniciais da pesquisa científica e dessa forma buscar referências bibliográficas sobre o que se quer estudar, assim como os conceitos que irão ser utilizados, torna-se muito importante para construir a base da análise;

4º Coleta de informações sobre a temática e área de estudo – realizar levantamentos sobre pesquisas já realizadas, assim como dados estatísticos e informações qualitativas, possibilitará entender um pouco mais sobre o local e a temática, auxiliando assim nos objetivos a serem buscados no momento do trabalho de campo;

5º Elaboração de um plano de campo – com as informações prévias levantadas nas etapas anteriores, a elaboração de um plano de campo permite o estudante planejar como quer realizar a atividade. Entre as informações do plano de campo é importante que se sinalize os objetivos, definindo o que quer entender no campo, o roteiro, indicando as informações a serem buscadas e as técnicas, as quais serão utilizadas para busca dessas informações. Dependendo do número de alunos, é importante dividi-los em grupos com objetivos distintos, para aprofundar as análises.

Trabalhar essas etapas com os estudantes antes da realização da atividade, possibilitará que esta seja realizada não apenas visando a observação empírica de conteúdos abordados em sala de aula, podendo se configurar como uma pesquisa, na qual se poderá alcançar os objetivos formulados anteriormente ou mesmo realizar novas descobertas. Dessa forma, o planejamento servirá não apenas para guiar a atividade de pesquisa, como também para formar pesquisadores, que poderão entender o que funciona ou não, no momento de buscar as informações in loco.

É importante chamar a atenção para que a intenção aqui, não é elaborar uma receita, mas sim, frisar a importância de deixar o estudante seguro ao realizar a atividade, principalmente quando se trata de iniciantes, tornando o momento o mais proveitoso possível.

Experiências diferenciadas também são muito válidas, como os trabalhos de campo exploratórios. Marcos (2006) ao apresentar sua experiência na pesquisa participativa em uma comunidade de camponeses, nos apresenta uma visão nesse sentido. A autora relata ir a campo sem uma preparação fundamentada em teorias e instrumentos de pesquisa planejados “foi viver a prática para produzir a teoria, afim se possível, mais tarde, usar essa teoria para poder transformar a realidade” (MARCOS, 2006, p.130). E reforça:

Trata-se, pois, de viver a prática e deixar que ela se mostre a nós. Trata-se de ser capaz de, na prática, estar preparado para encontrar o ‘imponderável’, o não conhecido, aquilo que não contávamos, o que nunca foi visto nem dito, o novo, ao invés de ir para campo com um esquema pré-definido do que se espera encontrar (MARCOS, 2006, p.132).

As colocações da autora certamente são muito pertinentes, no entanto, nos questionamos se a prática relatada pela autora seria válida e proveitosa da mesma forma para pesquisadores em diversos níveis. Será que funcionaria com qualquer um? Ou é válida por ser uma pesquisa de mestrado de uma pesquisadora já experimentada e com uma base teórica mais sólida do que a um estudante de graduação, iniciante na pesquisa?

Com base nesses questionamentos, entende-se que o trabalho de campo se apresenta de forma diferenciada em seus diversos níveis de conhecimento e de acordo com os objetivos a serem buscados em sua prática. Autores como Costa e Scarlato (2019), chamam a atenção para que construções teóricas poderão vir antes ou depois do empírico. “El trabajo de campo y la observación son oportunidades de legitimación de las teorias y hallazgos de nuevos fenómenos no contemplados por las mismas, para entonces, revisar la base teórica” (COSTA; SCARLATO, 2019, p.647). Para eles, falar em novos fenômenos não significa negar as teorias que levou a campo e sim formular novas teorias com base no observado empiricamente e levando em consideração a teoria anteriormente formulada e comprovada.

Portanto, entende-se que a prática do trabalho de campo é desenvolvida e evolui juntamente com o pesquisador, e tendo a consciência de que essas atividades possuem necessidades diferenciadas de acordo com o nível de conhecimento, concorda-se com Claval (2013, p.04), quando o autor chama a atenção para que:

[...] sem a experiência pratica, o geógrafo deixa escapar uma parte essencial das realidades que ele tem intenção de dar conta: aquelas que não são fruto da inteligência, mas da intuição, da sensibilidade, do gosto, da estética: aquelas que revelam a diferenciação qualitativa do mundo.

Portanto, o trabalho de campo para a Geografia apresenta uma importância fundamental, pois ao focar sua atenção na análise espacial, assume um caráter multidisciplinar, um diálogo entre a sociedade e natureza. Assim, essa relação apresenta peculiaridades que podem ser reveladas, comprovadas e revisadas a partir de pesquisas que dialoguem entre as teorias e as práticas.

As feiras orgânicas e o trabalho de campo no entendimento das transformações socioespaciais

Diversos são os espaços escolhidos para a realização de trabalhos de campo de Geografia. A escolha por um espaço determinado vai levar em consideração os objetivos dos estudos a partir do planejamento da atividade, considerando aspectos e peculiaridades a serem analisadas, pelos pesquisadores e estudantes.

Nesse contexto, o foco do estudo apresentado neste artigo está centrado em feiras de produtos alimentícios orgânicos, nas quais estudantes de graduação de cursos de Geografia buscam o entendimento das transformações socioespaciais. A escolha desses espaços para a análise se dá pela representação que eles têm na análise espacial, além de ser de fácil acesso aos alunos, pois o deslocamento se faz sem necessidade de ônibus da instituição, podendo ser um ponto de encontro de todos participantes. As feiras orgânicas representam espaços de transformação, nelas percebemos o movimento sociedade, capaz de realizar mudanças em seu espaço e transformar seus lugares. São espaços multidisciplinares, onde é possível a abordagem de diversas temáticas discutidas em sala de aula, que vão desde a produção de alimentos, a questão ambiental, o desenvolvimento sustentável, a luta pela terra, os territórios, a economia, a população, a relação campo-cidade e diversas outras temáticas.

Assim, durante o campo algumas etapas são importantes:

1º Observação – Momento importante para realizar o reconhecimento do lugar, entender a mobilidade e dinâmica aparente da paisagem, conforme aponta Gomes (2013) uma geografia da visibilidade. Nesse sentido, a retirada de fotos em várias perspectivas, possibilitam conexões que podem ser feitas após outras informações.

2º Descrições e apontamentos – Recurso muito utilizado para detalhar situações e eventos que ocorrem no trabalho de campo. Assim, uma caderneta de campo/anotações é um recurso importante para registro dos momentos durante do percurso, pode ser subdivido em pontos, assuntos ou cronologicamente. O uso de GPS pode auxiliar no georeferenciamento dos lugares visitados, para mapeamento futuro.

3º Entrevistas e Questionários – Alguns trabalhos de campo vão além da observação e de conversar sem um roteiro de perguntas. Quando o trabalho de campo tem essa atividade, deve-se pedir a autorização dos entrevistados para realizar a gravação. Geralmente, a aplicação de questionários não exige gravação, pois são perguntas fechadas com opções pré-determinadas. Mas as entrevistas e conversas são fundamentais para o aluno ter o contato direto com os sujeitos da pesquisa.

Desse modo, essas etapas permitem a participação do aluno diretamente com os sujeitos / objeto de estudo, possibilitando a maior integração e auxílio na práxis geográfica.

As feiras orgânicas na capital gaúcha têm ganhado destaque nos últimos anos representando espaços com grande potencial de análise. De acordo com dados da Prefeitura de Porto Alegre (2020), existem atualmente 44 feiras de produtores credenciadas na cidade, sendo 32 denominadas Feiras Modelo, 6 denominadas Feiras orgânicas e 6 denominadas Mercadão do produtor.

As feiras orgânicas estão localizadas em cinco bairros da cidade de Porto Alegre (mapa 1) e funcionam durante três dias da semana: terça-feira no bairro Auxiliadora, quarta-feira nos bairros Menino Deus e Petrópolis e sábado nos bairros Bom Fim, Menino Deus, Petrópolis, Tristeza e Três Figueiras.


Mapa 1
Porto Alegre (RS) - Localização das Feiras Orgânicas, 2020
Prefeitura de Porto Alegre (2020).

A feira onde foram realizados os trabalhos de campo com os alunos dos cursos de Geografia e BICT foi a feira do bairro Menino Deus. A escolha desse local se deu por esta ser uma feira orgânica com mais de 25 anos de atividade na cidade de Porto Alegre, que funciona no galpão da Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento, reunindo cerca de 60 expositores que comercializam produtos livresde agrotóxicos produzidos por pequenos agricultores do estado do Rio Grande do Sul.

A localização dos bairros onde ocorrem as feiras orgânicas, nos demonstra a concentração em espaços centrais da cidade. Assim, identificar e analisar o local de realização dessas feiras pode revelar aspectos da territorialização desse tipo de mercado. Essa e outras questões trazem contribuições valiosas para o entendimento de fenômenos socioespaciais que acontecem em Porto Alegre. A acessibilidade a esse tipo de produto não se dá de forma igual para todas as parcelas da sociedade, sua oferta presente em espaços determinados torna esses locais segregativos. Nem mesmo a informação sobre a existência de feiras de produtos orgânicos abrange toda cidade, conforme podemos perceber nas falas de dois estudantes ao explanarem sobre a importância do campo em uma feira orgânica na cidade de Porto Alegre:

- “Para mostrar uma realidade desconhecida por grande parte da população, eu mesma não sabia da existência da feira” (Informação escrita)10.

- “Mostra um mundo que não chega com muita frequência até nós” (Informação escrita)11.

Nesse sentido, os trabalhos de campo nesses locais assumem grande relevância ao analisar os impactos da prática no entendimento da teoria. Visto que a Geografia é uma ciência que trabalha com a realidade, a aproximação entre teoria e prática é de fundamental importância e o trabalho de campo funciona como um elo entre a sala de aula e a realidade.

- “Ir até uma feira orgânica e entrevistar alguém que sabe sobre o assunto é essencial para o amadurecimento acadêmico, principalmente em cursos que englobam essas questões” (Informação escrita)12.

A opinião da estudante nos coloca questões fundamentais do que o trabalho de campo pode proporcionar para o chamado por ela “amadurecimento acadêmico”. O contato com os sujeitos que protagonizam as transformações socioespaciais é muito importante, pois a partir dele, pode-se compreender o desenvolvimento do processo que gera as transformações, no caso das feiras orgânicas, isso se faz presente nas motivações que levaram a opção pela produção e consumo desses alimentos.

Nesse sentido, é importante deixarmos claro as discussões acadêmicas sobre alimentos orgânicos, para que possamos entender de forma científica as transformações socioespaciais implícitas no processo de produção, comercialização e consumo e as contribuições que as atividades de campo em feiras desse tipo na cidade de Porto Alegre podem trazer aos estudantes.

O interesse pela introdução do estudo da temática dos alimentos orgânicos parte da percepção da crescente oferta desses alimentos, seja através da multiplicação de feiras de produtores especializadas, seja pela presença desses alimentos nas prateleiras das grandes redes de

O interesse pela introdução do estudo da temática dos alimentos orgânicos parte da percepção da crescente oferta desses alimentos, seja através da multiplicação de feiras de produtores especializadas, seja pela presença desses alimentos nas prateleiras das grandes redes de supermercados. O crescimento da oferta, assim como a multiplicação de produtores dedicados a esse tipo de produção livre de agrotóxicos, é estimulado pela constante orientação pela busca por alimentos saudáveis, que faz com que o espaço rural brasileiro, gradativamente venha sofrendo pequenas transformações. Essa nova orientação de consumo, além de trazer melhorias ambientais traz mudanças significativas na qualidade de vida das famílias de agricultores envolvidas na produção orgânica e de consumidores desses produtos. Assim, ao analisarmos experiências de produção orgânica precisamos ter cuidado na utilização dos termos, pois comumente são colocados como sinônimos termos como agroecologia e agricultura orgânica. Nesse contexto, nos remetemos a Caporal e Costabeber (2002), os quais colocam que cada vez mais há referência a agroecologia como estilos de agricultura menos agressivas ao meio ambiente, que promovem a inclusão social e proporcionam melhores condições econômicas aos agricultores. No entanto, isso demonstra certa confusão de entendimento do termo Agroecologia, o qual se refere a “ciência que estabelece as bases para a construção de estilos de agricultura sustentável e de estratégias de desenvolvimento rural sustentável” (CAPORAL e COSTABEBER, 2002, p.71).

Seguindo essa lógica Altieri (2004, p.18) coloca que:

A agroecologia fornece uma estrutura metodológica de trabalho para a compreensão mais profunda tanto da natureza dos agroecossistemas como dos princípios segundo os quais eles funcionam. Trata-se de uma nova abordagem que integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo. Ela utiliza os agroecossistemas como unidade de estudo, ultrapassando a visão unidimensional – genética, agronômica, edafologia – incluindo dimensões ecológicas, sociais e culturais.

Dessa forma, a agroecologia não pode ser tida como um tipo de agricultura, um sistema de produção ou uma tecnologia agrícola, mas com o resultado da aplicação de seus princípios, “podemos alcançar estilos de agricultura de base ecológica e, assim, obter produtos de qualidade biológica superior” (CAPORAL; COSTABEBER, 2002).

Nesse sentido, entende-se que a produção comercializada nas feiras se refere a experiências de grande valia para o entendimento dos estudantes sobre as transformações socioespaciais, pois nesses locais eles tem o contato com os protagonistas e os produtos resultantes dessas transformações, como observam os estudantes:

- “Vemos conteúdos trabalhados em aula na sua forma natural” (Informação escrita)13.

- “é onde vivemos nosso objeto de estudo” (Informação escrita)14.

O vivenciar o que se trabalha em sala de aula é muito importante para construção do conhecimento pelos estudantes, e nesse contexto, o trabalho de campo nas feiras permite um elo importante entre teoria e prática, visto que ao se analisar os produtos comercializados nesses locais, devemos ter claro que são oriundos de um estilo de agricultura que segue princípios e conceitos da agroecologia, mesclando os saberes tradicionais com os conhecimentos científicos em busca de produções alternativas. Ao encontro disso, Candiotto; Carrijo; Oliveira (2008)salientamque diferente das formas tradicionais de agricultura, a agricultura chamada de alternativa teve seus métodos desenvolvidos a partir da constatação do impacto de técnicas e métodos convencionais.

Entre esses impactos gerados pela agricultura convencional, temos a degradação ambiental, a pobreza rural gerada pela concentração de terras destinadas a monoculturas, a mecanização da agricultura e consequente desemprego rural e o aumento dos minifúndios que se tornam muitas vezes espaços insuficientes para o sustento de famílias numerosas. Situações como essas acabaram levando muitos agricultores, rever a forma de produzir, buscando alternativas diferenciadas daquelas que os excluíram em algum momento ou prejudicaram seu processo produtivo.

Dessa forma, algumas etapas são importantes após o trabalho de campo:

1º Reunião com todos alunos – Momento que os alunos abordam suas impressões do trabalho de campo. Os relatos de acontecimentos e exemplos que podem ser utilizados para explicar algumas questões conceituais.

2º Organização e sistematização dos dados – Quando há realização de entrevistas e materiais durante o campo, é importante para os alunos organizar e tabular as informações, para compreender a dinâmica do objeto de estudo. A sistematização em tabelas, gráficos e geração de mapas possibilita a espacialização do fenômeno, que somete no trabalho de campo com a observação não é possível, e assim, desenvolver conteúdo para possíveis intervenções.

3º Relatório e proposições – O fechamento do trabalho de campo se dá com a compilação dos resultados em relatórios individuais, em grupo ou síntese. Que apontam os resultados do objeto de estudo, com aspectos positivos e negativos, com problemas e soluções, mas sempre com informações embasadas teoricamente aos dados obtidos no trabalho de campo. Assim, o relatório de trabalho de campo é a síntese dessas análises, e quando possível, é importante trazer proposições, cenários futuros e prospecções, um viés de planejamento e que mostre as possíveis intervenções, seja do poder público, privado ou ONG’s para aquela população / lugar.Nesse contexto, é possível perceber todo o processo de transformação socioespacial gerado pela adoção da produção de alimentos orgânicos, a qual envolve uma gama muito diversa de temáticas, possibilitando aos estudantes em trabalhos de campo em feiras orgânicas a realização de estudos multidisciplinares. A multiplicidade de possibilidades foi percebida pelos estudantes pesquisados que identificaram nesses locais elementos de diversas disciplinas de seus cursos de graduação.


Gráfico 1
Temáticas identificadas pelos estudantes para análise nas feiras orgânicas de Porto Alegre - RS
Pesquisas de campo, 2018.

De acordo com as informações demonstradas conforme a ilustração (Gráfico 1), percebemos que as questões econômicas foram as mais citadas, seguidas por temáticas relacionadas tanto a questões do campo, quanto da cidade.

Assim, podemos sinalizar que a temática da comercialização direta de alimentos orgânicos, se insere com grande relevância nas discussões da relação campo-cidade. A abordagem dessa relação para as transformações socioespaciais outras questões que permeiam esses espaços e suas relações. Nesse contexto acredita-se que entender a relação campo-cidade é buscar a compreensão da dinâmica da sociedade, suas transformações ao longo do tempo e as reconfigurações espaciais geradas a partir dessas mudanças.

Essas discussões são antigas e muito necessárias para a compreensão espacial. Abordagens tradicionais e contemporâneas coexistem ainda no imaginário dos estudantes e a desmitificação de conceitos pré-concebidos torna-se de grande valia para a formação de futuros professores e/ou pesquisadores. Dessa forma, acredita-se na importância do entendimento dessa relação a partir de alguns autores que sintetizam a ideia, confrontados com os comentários de estudantes que participaram dos trabalhos de campo nas feiras orgânicas, visando identificar opiniões e as contribuições da atividade empírica para construção do conhecimento.

A relação campo-cidade sempre foi geradora de divergências e inquietações e mesmo com as profundas mudanças ocorridas no campo pós-modernização da agricultura e com as novas configurações que a cidade passou a assumir, com a descentralização das indústrias, ainda encontramos implícito em muitos discursos as interpretações clássicas dos conceitos rural e urbano.

Para Marques (2002), as definições sobre campo e cidade de maneira geral estão relacionadas a duas grandes abordagens, a dicotômica e ao continuum. De acordo com a autora a primeira aborda o campo como um meio social que se opõe a cidade e a segunda defende que os avanços dos progressos da urbanização atingem também o campo, aproximando cada vez mais esses dois espaços.

Quando indagados sobre como percebiam a relação cidade-campo a partir das feiras orgânicas, alguns estudantes apresentaram opiniões que demonstraram uma visão de distanciamento entre os dois espaços. Esse distanciamento não se apresentou como na visão clássica, que entendia o campo como sinônimo de atraso e rusticidade e a cidade como sinônimo de modernidade e desenvolvimento. No entanto, para muitos, o campo ainda é visto apenas como o local da produção de alimentos e com uma realidade distante e diferenciada da cidade, conforme percebemos nos depoimentos das estudantes:

- “Uma relação bem diferente e distante, pelo fato de ser uma realidade bem diferente, mas tendo uma certa relação em alguns aspectos, como a venda de produtos na cidade” (Informação escrita)15.

- “Vejo como algo separado, a cidade e o campo. O campo produz alimentos para o próprio campo e para a cidade, mesmo estando presente na cidade através das feiras agroecológicas, ainda parece que há um distanciamento” (Informação escrita)16.

A visão apresentada nos demonstra um certo distanciamento da realidade vivenciada no espaço rural por alguns estudantes. Isso tudo, torna as atividades de campo nesses espaços ainda mais válidas, visto que algumas colocações dos estudantes nos mostram anseios de entendimento dessa realidade socioespacial.

- “Vejo que podíamos andar mais juntos, tanto a cidade conhecer e tentar compreender o homem do campo” (Informação escrita)17.

- “Conversar com pessoas diferentes me fizeram bem, mostrando a diferença entre cidade e campo” (Informação escrita)18.

- “A população desconhece a origem dos produtos muitas vezes e as dificuldades que os agricultores tem” (Informação escrita)19.

- “Essencial e necessita de um pouco mais de respeito por parte de moradores da cidade, que muitas vezes não valorizam o trabalho do campo e tem vários hábitos maléficos para com a natureza” (Informação escrita)20.

Também, a visão de continuum não foi identificada nas respostas ao questionamento dessa relação, somente formas de aproximação, ou um espaço refletindo a realidade do outro, como podemos observar nas colocações:

- “Podemos observar que as semelhanças entre o rural e a cidade são grandes, [...] tanto as periferias rurais e urbanas podem ser semelhantes” (Informação escrita)21.

- “O trabalho de campo abre oportunidade de se observar o lado periférico do rural e como este sofre em relação as dinâmicas urbanas” (Informação escrita)22.

Esses depoimentos nos mostram a importância da análise multidisciplinar, através da qual é possível entendermos o espaço como único, formado e transformado a partir das relações de múltiplos grupos sociais. Assim, a análise da relação campo-cidade nos permite desvendar o desenvolvimento da sociedade. Através dela entendemos as especializações da cidade, a configuração territorial do campo, as trocas e relações de dependência entre os dois espaços. Essas relações de dependência ficaram bem claras nas colocações dos estudantes que seguem:

- “Eu vejo como uma dependência de um para outro, onde o produtor destina grande parte da produção para feiras nas cidades” (Informação escrita)23.

- “A relação é de completa dependência. Os pequenos produtores fazem todo o alimento que consumimos” (Informação escrita)24.

- “A relação entre campo e cidade é de grande importância não somente para os agricultores, mas para a cidade também. Pois ambos dependem um do outro” (Informação escrita)25.

- “A relação cidade-campo fica mais acentuada com as feiras, os proprietários vão mais vezes para a cidade e a cidade sempre muito dependente do campo para alimentação” (Informação escrita)26.

- “O campo precisa da cidade como vendedor, e a cidade precisa do campo como produtor. A maioria da cidade necessita da agricultura familiar, já que as grandes agriculturas estão voltadas para ramos internacionais” (Informação escrita)27.

- "Sempre foi tratado com necessidades distintas por grupos que disputam recursos/olhares do governo. A realidade do rural está ficando cada vez mais inserida no universo urbano com um novo formato social” (Informação escrita)28.

Dessa forma, percebemos como as feiras orgânicas podem ser espaços que levam os estudantes a pensar em diversas questões que transformam o espaço e a sociedade. No caso da comercialização de produtos orgânicos, a relação campo- cidade passa ser vislumbrada a partir de mudanças de concepções, de comportamentos e atitudes, as quais vão gerar transformações em ambos os espaços e assim proporciona um vasto campo de estudos para a Geografia no que concerne à relação sociedade natureza.

Considerações finais

A pesquisa aqui apresentada teve como foco as feiras orgânicas como instrumento de entendimento das transformações socioespaciais a partir do trabalho de campo. Esse caso específico representou a possibilidade de uma riqueza de elementos e variações de análises para se pensar nas transformações que a sociedade protagoniza no espaço, no entanto, inúmeras são as possibilidades de objetos de estudos que podem proporcionar esse tipo de análise.

Nesse sentido, o que se buscou abordar acima de tudo é o trabalho de campo como um instrumento de análise multidisciplinar, que tem um papel essencial para o entendimento das transformações socioespaciais. Um instrumento necessário para a formação de estudantes que tem na análise espacial o seu principal foco de estudo, como é o caso de cursos como Geografia e mesmo o Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia, que tem na geografia alguns de seus mais importantes focos de análise.

É importante que se tenha a clareza que esse trabalho de campo, essencial para a formação dos estudantes, necessita de um planejamento prévio. Isso é muito importante, pois dará a cientificidade a atividade, que irá levar os objetivos e as técnicas a campo, fazendo com que não se perca tempo e desperdice recursos. Isso não quer dizer que precise ser um trabalho mecânico, planejado de forma dura e fechada, a observação nesse sentido representa uma técnica de fundamental importância para um pesquisador dedicado a analises das sociedades e do espaço. As singularidades e a percepção trazem elementos muito importantes para os estudos, fazendo com que os pesquisadores desvendem respostas não declaradas pelas falas dos estudados e revelem novas questões a serem abordadas.

Por fim, já citada, mas sempre importante de ser ressaltada, a união entre teoria e prática é o que faz com que a ciência evolua, uma necessita da outra para se desenvolver. De que forma os estudantes poderiam entender as transformações socioespaciais representadas em espaços como feiras de produtos orgânicos, sem o entendimento teórico da representação da agroecologia. Sem compreender todo o processo de transformação do espaço que fez com que o campo se modernizasse e excluísse uma determinada parcela da sociedade, que fez com que alguns grupos de sujeitos mudassem sua forma de interagir com o meio ambiente, assim como todas as implicações sociais, econômicas e as relações campo-cidade que perpassam pela organização desses espaços.

Portanto, o trabalho de campo abre dessa forma as janelas da teoria, para que o pesquisador com seu conhecimento pautado no planejamento e na sensibilidade, observe e analise a realidade para compreender as transformações socioespaciais.

Referências

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Notas

1 Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil, michele.lindner@ufrgs.br.
2 Programa de Pós-Graduação em Geografia - Instituto de Ciências da Natureza – Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, MG, Brasil, flamarion.dutra@unifal-mg.edu.br.
3 Aluno, (22 anos,) do BICT/UFRGS-CLN. Questionário 14. [nov. 2018]. Tramandaí, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
4 Aluno, (19 anos )do BICT/UFRGS-CLN. Questionário 17. [nov. 2018]. Tramandaí, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
5 Aluno (64 anos) Curso de Geografia/UFRGS-CLN. Questionário 18. [nov. 2018]. Tramandaí, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
6 Aluna do curso de Liceciatura em Geografia/UFRGS-CLN. Questionário 15. [nov. 2018]. Tramandaí, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
7 Aluno (20 anos) do cuso noturno de Geografia Bacharelado/UFRGS. Questionário 12. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
8 Aluno do BICT/UFRGS-CLN. Questionário 17. [nov. 2018]. Tramandaí, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
9 Aluno do cuso noturno de Geografia Bacharelado/UFRGS. Questionário 12. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
10 Aluna (32 anos) do cuso de Geografia/UFRGS. Questionário 09. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
11 Aluno (29 anos) do cuso de Geografia Bacharelado/UFRGS. Questionário 02. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
12 Aluna (23 anos) do cuso de Geografia Bacharelado/UFRGS. Questionário 05. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
13 Aluno (20 anos) do cuso de Geografia /UFRGS. Questionário 08. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
14 Aluna (43 anos) do BICT/UFRGS-CLN. Questionário 19. [nov. 2018]. Tramandaí, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
15 Aluna (22 anos) do curso de Liceciatura em Geografia/UFRGS-CLN. Questionário 15. [nov. 2018]. Tramandaí, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
16 Aluna (32 anos) do cuso de Geografia Licenciatura/UFRGS. Questionário 13. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
17 Aluna (43 anos) do BICT/UFRGS-CLN. Questionário 19. [nov. 2018]. Tramandaí, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
18 Aluno (64 anos) do curso de Geografia/UFRGS-CLN. Questionário 18. [nov. 2018]. Tramandaí, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
19 Aluno (42 anos) do cuso de Geografia/UFRGS. Questionário 03. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
20 Aluna (29 anos) do cuso de Geografia/UFRGS. Questionário 06. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
21 Aluno (22 anos) do BICT/UFRGS-CLN. Questionário 14. [nov. 2018]. Tramandaí, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
22 Aluno (27 anos) do curso de Licenciatura em Geografia/UFRGS-CLN. Questionário 20. [nov. 2018]. Tramandaí, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
23 Aluno (29 anos) do cuso de Geografia Bacharelado/UFRGS. Questionário 02. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
24 Aluno (23 anos) do cuso de Geografia /UFRGS. Questionário 04. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
25 Aluno (56 anos) do cuso de Geografia /UFRGS. Questionário 07. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
26 Aluno (20 anos) do cuso de Geografia /UFRGS. Questionário 10. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
27 Aluna (22 anos) do cuso de Geografia /UFRGS. Questionário 11. [maio 2018]. Porto Alegre, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
28 Aluno (33 anos) do BICT/UFRGS-CLN. Questionário 16. [nov. 2018]. Tramandaí, 2018. 1 arquivo (2 pag. A4.). O questionário na integra encontra-se em posse dos autores.
Contribuição dos autores: Michele Lindner: Pesquisa de campo, pesquisa bibliográfica, elaboração, discussão dos resultados, revisão do texto/correção do texto.

Flamarion Dutra Alves: Pesquisa bibliográfica, elaboração, análise dos resultados e revisão.



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