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A incorporação do conceito de segregação na avaliaçãodos efeitos das políticas para reduçãoda privação humanano Brasil
Marcelo Karloni Cruz 1 https://orcid.org/0000-0003-3668-163X
Marcelo Karloni Cruz 1 https://orcid.org/0000-0003-3668-163X
A incorporação do conceito de segregação na avaliaçãodos efeitos das políticas para reduçãoda privação humanano Brasil
The incorporation of the concept of segregation in evaluating the effects of policies to reduce of human deprivation in Brazil
La incorporación del concepto de segregación en la evaluación de los efectos de las políticas para reducir de la privación humana en Brasil
GEOPAUTA, vol. 5, núm. 4, e9391, 2021
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
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Resumo: Objetiva o trabalho dissertar sobre importância do conceito de segregação, na avaliação das políticas para redução da privação humana. Argumenta que a produção de contra hegemonias discursivas por formuladores e avaliadores da ação do Estado brasileiro na história é de fundo uma ação política. Demonstra em seguida a evolução de indicadores da privação humana no Brasil, Recife/PE e Natal/RN, destacando a disparidade entre a redução da pobreza e das desigualdades entre 1991 e 2010. O trabalho tece por fim considerações acerca do conceito de segregação para concluir que sua incorporação nas ações de avaliação implicaria na ampliação do poder político e usufruto das cidades por parte dos grupos-alvo das ações do Estado brasileiro para redução da pobreza e desigualdade.

Palavras-chave:SegregaçãoSegregação,PrivaçãoPrivação,Direito à cidadeDireito à cidade.

Abstract: The aim of this work is to discuss the importance of the concept of segregation in the evaluation of policies to reduce human deprivation. It argues that the production of discursive counter hegemonies by formulators and evaluators of the action of the Brazilian State in history is fundamentally a political action. It then demonstrates the evolution of indicators of human deprivation in Brazil, Recife/PE and Natal/RN, highlighting the disparity between the reduction of poverty and inequality between 1991 and 2010. Finally, the work makes considerations about the concept of segregation to conclude that its incorporation in the evaluation actions would imply the expansion of political power and usufruct of cities by the target groups of the actions of the Brazilian State to reduce poverty and inequality

Keywords: Segregation, Deprivation; Right to the city.

Resumen: El objetivo de este trabajo es discutir la importancia del concepto de segregación en la evaluación de políticas para reducir la privación humana. Argumenta que la producción de contrahegemonías discursivas por parte de formuladores y evaluadores de la acción del Estado brasileño en la historia es fundamentalmente una acción política. Luego se demuestra la evolución de los indicadores de privación humana en Brasil, Recife / PE y Natal / RN, destacando la disparidad entre la reducción de la pobreza y la desigualdad entre 1991 y 2010. Finalmente, el trabajo hace consideraciones sobre el concepto de segregación para concluir que su incorporación en las acciones de evaluación implicaría la expansión del poder político y el uso de las ciudades por parte de los grupos destinatarios de las acciones del Estado brasileño para reducir la pobreza y la desigualdad.

Palabras clave: Segregación, Privación, Derecho a la ciudad.

Carátula del artículo

ARTIGOS

A incorporação do conceito de segregação na avaliaçãodos efeitos das políticas para reduçãoda privação humanano Brasil

The incorporation of the concept of segregation in evaluating the effects of policies to reduce of human deprivation in Brazil

La incorporación del concepto de segregación en la evaluación de los efectos de las políticas para reducir de la privación humana en Brasil

Marcelo Karloni Cruz 1 https://orcid.org/0000-0003-3668-163X
Universidade Federal de Alagoas, Brasil
GEOPAUTA, vol. 5, núm. 4, e9391, 2021
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

Recepción: 30 Agosto 2021

Aprobación: 30 Noviembre 2021

Introdução

Quando o médico pernambucano Josué de Castro trouxe para o debate nacional a temática da fome em 1946, estava também realizando um empreendimento com desdobramentos de natureza política. A obra Geografia da fome, que melhor sintetiza o esforço investigativo de Josué de Castro, é nesse sentido a enunciação de uma questão que á época de sua primeira divulgação, pode ser considerada como um dos primeiros discursos contra hegemônicos de um período no qual se celebrava a vocação nacional para a modernidade.

Josué de Castro, construindo uma representação espacial de um fenômeno resultante de processos sócio históricos, sentirá em seguida a essa produção, reações que ora o colocarão como portador de genialidade – essa incontestável – ora como alvo principal do conservadorismo.

Um dos exemplos mais significativos dessa vivência será quando após sua indicação para ministro da agricultura no governo João Goulart, setores dentro de seu próprio partido, o partido trabalhista brasileiro (PTB), bloquearão sua escolha e nomeação para o cargo. Assim, os setores mais reacionários do país se valerão de suas incrustações nos institutos da representação política do Estado, para evitar que um intelectual que denunciava o tema proibido da fome, assumisse uma posição que fatalmente comprometeria as bases de sustentação do poder regional agrário e oligárquico.

Não foi Josué de Castro vitimizado, porém apenas por essa ação conservadora dentro do país, tendo sido ainda em anos seguintes, após o golpe de 1964, exilado do Brasil para viver na França, onde após período depressivo, morre aos 65 anos de idade. O breve relato dessa passagem da vida desse médico que empreende uma geografia da fome inscreve-se na breve discussão que aqui será apresentada com fins de ilustrar três aspectos fundamentais.

O primeiro aspecto refere-se ao fato de que temáticas semelhantes a da fome, pobreza, desigualdade e outras correlatas, não poderão não devem ser tratadas como decorrentes apenas de processos econômicos após a obra de Josué de Castro. Tais temas escapam por sua própria natureza, a departamentalização do conhecimento acadêmico e fechamento epistemológico. Ou seja, aqueles que se dedicarem ao tratamento dessas temáticas, se verão dirigidos, pelas enunciações mais maduras que lhes antecederam como a de Josué de Castro, a uma busca por perspectivas para além da unidisciplinar.

Em segundo lugar, os desdobramentos políticos que se desenharão após os resultados desses esforços investigativos e mesmo os que se desenvolvem antes da execução das pesquisas a esses temas dedicados, significarão além de uma disputa de campo Bourdieu (1972), uma dimensão indissociável desses estudos. Não foi a obra de Josué de Castro, apenas uma elaboração cartográfica despretensiosa ou mesmo neutra, ela pode ser tida também como etapa para desconstrução de um modelo de desenvolvimento que assenhorava-se do Brasil e evitava o confronto com temas que o punham diante de paradoxos perversos.

Como último aspecto, é preciso considerar que mesmo resultados de pesquisa acadêmica, se verão confrontados no Brasil, por forças conservadoras que fatalmente excluirão os seus propositores, se necessário lhes for, das instâncias pragmáticas e quiçá do próprio debate. Josué de Castro além de barrado de espaços de protagonismo politico nacional foi também exilado a serviço da ditadura do grande capital.

É a obra de Josué de Castro que a sua época colocou em “xeque” a entrada do Brasil nas veredas da modernidade, além de manifestação da excelência intelectual de seu propositor, crê-se ser alicerce sobre o qual todas as pesquisas posteriores de temas correlatos, imprescindível e inspiradora. Lidará essa obra com representações sociais pré-estabelecidas e fundadas durante séculos na formação sócio espacial brasileira.

A representação social inclusive predominante na época pelo menos dentro do staff técnico principal do Estado foi por meio das proposições de Castro, duramente atingida e assim, encontrou nas estruturas de poder sua expressão máxima. Ou seja, constituir problemáticas e partir em busca de suas elucidações além de imposição acadêmica para obtenção de titulações revelase dentro desse contexto em um enfrentamento também de ordem política e por que não dizer de classe.

Em outro momento da historia do desenvolvimento nacional, Celso Furtado em 1973 advogou que o desenvolvimento somente seria realidade quando esse se metamorfosear-se na melhoria das condições de vida da população brasileira. Furtado faz tal afirmação em uma época onde o país celebrava taxas de crescimento econômico da ordem de 10% ao ano em média.

Assim, acredita-se ser possível identificar no Brasil atual, certa celebração do sucesso da superação da pobreza absoluta e de saída do mapa mundial da fome. Os méritos dessa superação são inquestionáveis, sobretudo os referentes ao caráter afirmativo de muitos das políticas sociais ora em curso. Porém, é possível também constatar que as estruturas de poder assentadas na concentração de renda, terra e capital, asseguraram durantes os últimos 12 anos, por meio do uso dos instrumentos de representação política do Estado, a conservação das desigualdades sociais, embora não tenham se oposto a redução da pobreza.

Esse movimento entre 1991 e 2014 no Brasil manifesta-se com uma clara disparidade entre a intensidade da redução da pobreza e das desigualdades no período. A geografia não pode eximir-se do debate dessas questões assim como o médico Josué de Castro não se eximiu do enfrentamento da questão da fome que ultrapassava o departamento de sua formação acadêmica convencional.

Na verdade, a crença no planejamento estatal, no pós segunda mundial – em proximidade cronológica com a geografia da fome de Castro - responsável pela exponencial valorização do papel do geógrafo frente o Estado brasileiro, foi um dos alicerces que se abalaram com as proposições de Josué de Castro. A fome passa desconsiderada nos planejamentos estatais elaborados pelo aparato burocrático estatal da época.

Daí a validade e a importância do apontamento de Castro para a questão da fome por evidenciála como incômodo persistente no Brasil que se modernizava. Do mesmo modo, a questão da pobreza e da desigualdade no Brasil não poderá ser compreendida sem valer-se da noção de processos construídos socialmente e por isso mesmo atravessado por dimensões subjetivas e políticas.

Caso não o sejam dessa forma abordadas, tais questões recairão mais uma vez no espectro da naturalização e das soluções economicistas que legaram compreensões unidimensionais dos fenômenos sócioespaciais. As relações entre as estruturas de poder privado assentadas na concentração de renda, terra e capital, e o Estado brasileiro sempre se fizeram valer durante os períodos de ruptura histórica no pais, embora tenham sempre o feito no sentido da conservação de suas bases.

Considerar a influência dessas no exame das grandes questões sociais não pode ser tida nesse sentido como fuga epistemológica, mas como imperativo para construção de pressupostos ainda mais válidos de pesquisa em geografia, por serem passíveis de representação espacial.

Para além da renda, as escolhas

O fenômeno experimentado pelo Brasil entre os anos de 1991 e 2014 de redução da pobreza além de conferir, como dito anteriormente, mérito as ações do Estado nesse país, cumpre também um papel fundamental na produção de um discurso político extremamente eficaz. Tal discurso que surge tanto na academia quanto nos espaços de gestão dessas políticas sociais, parece creditar a confirmação da saída dos mais de 30 milhões de pessoas da linha de pobreza no Brasil ao aumento do poder de consumo desse mesmo contingente.

Segundo Martins (2003) a grande mudança social experimentada em países como o Brasil seria o fato de que “a ascensão dos pobres não passa mais [...] pelo enraizamento. Agora passa pelo consumo e propriedade mobiliária: O carro, a roupa, os eletrodomésticos”(MARTINS, 2003, p.54). Sem margem a contestação, tal ingresso no circuito de consumo de mercadorias é inequivocamente uma das maiores conquistas experimentadas pelo país entre os anos de 1991 e 2014.

Porém, não se poderia constituir para uma perspectiva emancipadora real na única meta das políticas sociais de combate a privação humana, tendo em vista que dentre as muitas dimensões dessa privação, a política emerge como uma das principais. Essa questão pode ser melhor entendida quando se enfoca a questão da pobreza compreendida por Sen (1999, p. 26), como privação de capacidades e não apenas de renda. Apesar de importante, a renda teria um caráter instrumental que somente faria sentido na teoria seniana, se convertidas em funcionamentos.

Fundamental é nesse ponto, considerarem-se dois aspectos que não podem ser passíveis de não enfrentamento. O primeiro, diz respeito às dimensões reais do fenômeno da pobreza, tanto nos países em desenvolvimento como nos países desenvolvidos. Isso por que, segundo essa perspectiva, a renda embora alta, pode não ser convertida em ampliação das capacidades dos sujeitos sociais.

Amartya Sen dirá que a relação entre baixa renda e baixa capacidade variará segundo a idade, papéis sexuais, papéis sociais, costumes e até obrigações familiares. A conversão da renda gerada, ou recebida, por determinado agente, dependerá, portanto de condições que escapariam ao olhar quantitativo. Essa é indubitavelmente uma das maiores contribuições dessa concepção de desenvolvimento, por que possui a virtude de deslocar do centro das atenções dos pensadores da temática, da crença fatalista de que quanto maior a renda, menor seria a pobreza.

Conclui Sen (1999, p. 24 ), portanto que “a eliminação da pobreza de renda, não deveria ser o alvo principal das políticas públicas” (Sen, 1999, p. 24). Pobreza é também a de oportunidades, de realizações e mais amplamente de liberdade de escolha. Escolha inclusive, não apenas dos espaços já institucionalizados, como os sufrágios para cargos eletivos, mas escolha dos espaços onde circular, do que vestir, do que pensar e até do que ser. Nisso, as afirmações de Amartya Sen, se distanciarão inequivocamente do viés reducionista da economia neoclássica.

O segundo aspecto, esse referente às ações planejadas dos gestores de políticas públicas, é o que termina por reforçar o papel imprescindível do Estado na promoção do desenvolvimento. Quando analisa a redução dos índices de mortalidade advindas da subnutrição, na Grã-Bretanha durante a segunda guerra mundial: Amartya Sen distingue dois tipos de êxito na redução rápida da mortalidade, que denomina respectivamente de processos “mediados pelo crescimento” e “conduzidos pelo custeio público”...). ”(AMARTYA SEN, 1999, p. 65).

O segundo tipo, conduzido pelo custeio público, opera por meio de um programa de hábil manutenção social dos serviços de saúde, educação,etc, mesmo em situações de lento crescimento econômico [...] (VEIGA, 2006, p. 39-40). As consequências dessa análise centrada na melhoria das condições de vida das populações, apesar de período de crescimento reduzido, não são difíceis de serem previstas. Sobre uma, no entanto, deve-se chamar a atenção.

A premissa de que seria necessário primeiro fazer investimento no crescimento econômico para em seguida distribuir seus ganhos, encontra aqui dificuldades de sustentação. Há nos estudos realizados por Amartya Sen , tanto sobre dados da GrãBretanha, quanto no emblemático caso da província de Kerala na índia, evidencias de que a melhoria das condições de vida das populações via intervenção do Estado, são responsáveis pela criação de condições favoráveis ao crescimento e não o inverso. A fim de reduzir a pobreza de renda, a província de Kerala, não esperou pelo crescimento de sua economia, antes investiu na educação básica, rede de saúde e distribuição equitativa de terras.

É a partir dessa perspectiva que se caracteriza pelo privilegiar da análise da melhoria ou não das condições de vida das pessoas que se tem derivado todo um esforço teórico de pensamento sobre a questão do desenvolvimento atualmente.

Realidade brasileira de redução da pobreza e das desigualdades

O Brasil atual comporta elementos de uma conjuntura que comprovam que a redução das desigualdades não acompanha necessariamente e em mesma intensidade, a redução da pobreza. Enquanto se fizer o enfrentamento da pobreza, tendo por meta a ampliação da renda e do poder de consumo de uma população, as condições estruturais da desigualdade correrão risco de sua recomposição no tempo mesmo após breve recuo. Seria possível então afirmar que a ação do Estado para erradicação da pobreza tem no confrontar das estruturas de desigualdade, tanto sua virtude quanto sua fragilidade. Virtude se, entre as intervenções, forem identificadas 8 ações reestruturantes fundamentais como, por exemplo, no caso brasileiro, as, reformas agrária, urbana e política. Fragilidade, se tais ações, não se fizerem acompanhar por reformas dessa natureza e construções de contra hegemonias ideológicas.

A disputa, portanto desloca-se também para o campo das representações sociais, que hoje figuram como variáveis determinantes inclusive em estudos urbanos mais recentes como a dissertação de mestrado de David Tavares Barbosa intitulada Novos Recifes, velhos negócios política da paisagem no processo contemporâneo de transformação da bacia da Pina. Recife/PE: Uma análise do projeto Novo Recife no ano de 2014. Representações sociais que se constituem como reflexo dos valores de classe e fundam/legitimam relações sócioespaciais específicas. Para Barbosa

Depreende-se que o estudo aqui defendido, aproxima-se do debate promovido por Raffestin acerca da “axiomática subjacente”, onde se interpreta que os atores sociais agem por meio de representações nas quais se manifestam ações e comportamentos traduzidos em produção territorial historicamente condicionada (RAFFESTIN, 1993). Para este autor, “toda axiomática é histórica, e para atingir o seu significado é preciso construir, ou reconstruir, o contexto sóciohistórico no qual se originou e do qual procede” (BARBOSA, 2014, p. 149)

Desse modo, importa analisar de modo articulado a evolução dos indicadores de pobreza (e variações), e desigualdades - a fim de que se ateste a validade da afirmação de que o modelo redistributivo de renda em vigor no Brasil, que reduziu a pobreza no período entre 1991 e 2014, encontra nos obstáculos estruturais fundados na concentração de renda e poder, os primeiros sinais de esgotamento, limitando o alcance e atenuando a redução das desigualdades.

Guardará também tal modelo consequências importantes para a fragmentação e/ou mesmo, privação da vivência dos espaços públicos nas grandes cidades e suas áreas de influencia. Ou seja, a pobreza e a desigualdade, além de manifestar-se no campo das relações abstratas puras, refletem-se no uso dos espaços citadinos. A fruição do espaço nesse sentido é também uma dimensão que deveria ser considerada ao se fazer avaliações acerca dos efeitos das políticas sociais.

Porém cumpre reafirmar que, os focos das análises que se dão acerca da pobreza e das desigualdades no Brasil fatalmente levam em conta, porém apenas variações de renda e de sua distribuição no tempo. Partindo-se dessa perspectiva, quase a totalidade dos resultados dessas análises terminará concluindo no sucesso das políticas redistributivas para o combate a pobreza.

O caminho apontado por esse artigo, para a relativização e avaliação dos impactos dessa escolha do modelo redistributivo de renda adotado pelo Brasil, passa pela incorporação de novas dimensões evidenciadoras de conflitos estruturais históricos no país mesmo que não negue as já utilizadas. Dentre essas a dimensão sócio espacial, cumpre perfeitamente o papel de desvelar o modo como a evolução dosindicadores de pobreza e desigualdade se refletiram nos espaços urbanos.

Indicações da evolução da pobreza e desigualdade nos espaços urbanos entre 1991 e 2014: Cidades de Recife/PE e Natal/RN.

A fim de ilustrar, de modo sucinto, a argumentação de que a evolução dos indicadores de desigualdade e pobreza possuem manifestações espaciais que se refletem no modo como a população usufrui dos espaços onde vivem, podem-se utilizar duas capitais da região Nordeste que sintetizam em grande parte o que se deu na região como um todo.

As cidades de Recife em Pernambuco e Natal no Rio Grande do Norte demonstram exemplarmente a discussão aqui ainda em fase de maturação, acerca dessa relação entre redução das desigualdades e vivência do espaço urbano. Obviamente, o que se espera aqui nesse artigo, é o levantamento de questões que venham inclusive a passar por reelaborações e melhores aproximações conceituais dedicados ao tema da urbanização.

Isso devido a complexidade do tema e a enormidade de estudos em alto grau de maturidade já produzidos hoje disponíveis. Desse modo, realizou-se breve comparação da evolução de alguns indicadores de pobreza e desigualdade nas cidades de Recife e Natal entre os 10 anos de 1991 e 2014 disponibilizados no Atlas do desenvolvimento humano 2013. Os indicadores de pobreza foram: Pobreza absoluta e renda proveniente do trabalho. O indicador de desigualdade: Índice de GINI renda. O levantamento de dados referentes aos indicadores de pobreza e desigualdade selecionados para demonstração nesse artigo, nas cidades de Recife (PE) e Natal (RN) cobre o intervalo de anos de entre 1991 e 2010.

Durante esse período, especialmente entre os anos de 2003 e 2010, o Estado brasileiro orientou-se por uma política de combate a pobreza centrada, sobretudo no aumento da renda monetária das famílias. Programas como bolsa família (PBF) cumpriram nesse sentido papel fundamental na realização do processo de rompimento da linha de pobreza no país nesse período. Segundo o International policy centre for inclusive growth(2008), ao se referir a importância do PBF entre os anos de 2004 e 2007, em face do seu aumento superior ao experimentado pela economia brasileira no mesmo período:

Observou-se que desde a implementação do Programa Bolsa Família no Brasil, os investimentos nesse programa têm aumentado, resultando em um crescimento médio de 12, 46% entre 2004 e 2007 (2004 –R$ 5.592.873.817, 91; 2007 -R$ 7.953.895.227, 18). Isso toma maior relevância ao se comparar a taxa média de crescimento da economia brasileira, inferior a 5%. Assim os gastos com o Programa Bolsa Família cresceu duas vezes o nível da economia brasileira (INTERNATIONAL POLICY CENTRE FOR INCLUSIVE GROWTH, 2008, p.10).

O que argumenta-se no entanto nesse trabalho é que apesar do mérito dessas políticas sociais, ainda persiste no Brasil, uma estrutura de distribuição de renda desigual que é alimentada por relações de poder tradicional e de classe que bloqueiam as ações que de fato viessem a reduzir a desigualdade em mesma intensidade da que se verificou quanto á pobreza. Quando por exemplo tem-se acesso aos dados de redução da pobreza no Brasil, Recife e Natal entre 1991 e 2010, fica claramente demonstrada a eficácia em grande parte atribuída aos programas sociais de transferência de renda na redução desse indicador conforme tabela 01.

Tabela 1
Evolução da taxa de pobreza absoluta no Brasil, Recife/PE e Natal/PE entre 1991 e 2010.

Autor com base em dados do atlas de desenvolvimento humano 2016 (2020)

Nas três espacialidades, a pobreza experimentou em vinte anos uma redução significativa e intensa. A cidade de Natal obteve a maior redução no período com 190, 57% de diferença entre os anos de 1991 e 2010. A cidade de Recife 170, 45% de redução e o Brasil como um todo 151, 05%.

Obviamente, além dos fatores acima apontados, programas sociais, outros se fizeram acompanhar para fazer valer essa intensa redução, mas de modo algum poderia ser desmerecedora a consideração da importância das políticas diretas destinadas a redução da pobreza.

Acredita-se, porém haver limitações no alcance dessas políticas na diminuição de outras dimensões da privação humana menos vulneráveis as ações empreendidas pelo Estado brasileiro no período. Se verificado, por exemplo, a evolução dos indicadores de pobreza em comparação com os indicadores de concentração de renda e percentual de renda proveniente do trabalho entre 1991 e 2010, torna-se possível atestar que a intensidade entre a redução da pobreza de renda e outras indicações foi bastante dispare (Gráfico 01).


Gráfico 1
Gráfico com os dados de variação percentual da redução de pobreza absoluta, aumento de renda proveniente do trabalho e redução da concentração de renda entre 1991 e 2010 no Brasil, Recife/RN e Natal/RN
CRUZ (2020)

Restando compreender, portanto que uma das marcas da evolução dos indicadores sociais mais convencionais como pobreza absoluta e deu de modo intenso sem, porém ter outras dimensões da privação humana com mesma velocidade de melhora. Questões como distribuição de renda e percentuais de renda proveniente do trabalho, apesar de acompanharem melhoras, se deram em ritmo por demais inferior ao que se deu quanto à pobreza de renda.

Dentre as dimensões costumeiramente desconsideradas nas análises que são feitas por gestores de políticas e mesmo pela academia no que se refere aos ganhos de emancipação experimentados nos últimos doze anos no Brasil, a vivência e usufruto dos espaços urbanos por parte das populações das cidades brasileiras revelaria aspectos importantes sobre os desdobramentos das politicas sociais dos últimos doze anos.

Essa dimensão se reveste de crucial importância pelo fato de que o aumento do poder de consumo pelos estratos mais pobres da população brasileira foi significativo nos últimos doze anos e que segundo anteriormente apontado por José de Souza Martins em 2003, tal ascensão social assentou-se menos no enraizamento do que na posse de bens.

Dentre os questionamentos que podem ser levantados sobre essa disparidade - relacionados ao uso do espaço urbano como dimensão a ser incorporada - pode-se nesse sentido explicitar: 1) Quais os efeitos da redução da pobreza no modo como o Estado brasileiro conduziu suas ações de planejamento urbano no período de 2003 a 2014? e 2) qual a correspondência existente entre redução da pobreza e aumento das possibilidades de vivencia e uso das cidades brasileiras como espaço democrático?

Obviamente, não se presta esse breve trabalho a busca por uma resposta para essas questões. São questões que estão sendo feitas na atualidade por diversos trabalhos na academia atualmente e outras que podem resultar na inauguração de outras linhas investigativas depois de devido amadurecimento. Nesse trabalho, esboçam-se de modo também inicial, apenas alguns apontamentos referentes à segunda questão acima apresentada: qual a correspondência existente entre redução da pobreza e aumento das possibilidades de vivencia e uso das cidades brasileiras como espaço democrático? Para tanto, é útil considerar os apontamentos de Sposito (2013) acerca de um conceito extremamente útil a elucidação dessa questão, o de segregação.

O conceito de segregação na abertura dos horizontes de investigação sobre desigualdade

Sposito (2013) inicialmente na elaboração de um conceito que se aproxime daquilo que possa ser operacionalizado para as pesquisas correlatas a noção de segregação realiza cinco apontamentos fundamentais para a discussão. Dentre esses, os dois primeiros listados pela pesquisadora, enquadra-se definitivamente na presente discussão, qual seja: o conceito de segregação é polissêmico e é preciso realizar uma distinção entre esse conceito e os de diferenciação, exclusão social e produção de desigualdades.

Acerca da sua polissemia, é preciso considerar que assim como qualquer outro conceito manipulado pelos mais variados campos esse implicará também em uma disputa. Desse modo, considerar que o conceito de segregação esteja “fechado” e finalizado, para essa perspectiva, além de não trabalhar para sua validade, o imobiliza. A realidade socioespacial brasileira não só é complexa como também se metamorfoseia segundo os determinantes históricos presentes. “Fechar” um conceito para esse artigo, finda por comprometer a compreensão da realidade brasileira e de qualquer outro espaço.

Realizar a distinção entre o conceito de segregação e de desigualdade, por exemplo, é também operar uma distinção entre abordagens da realidade. Apesar de aproximados, suas implicações são por demais diversas. Enquanto a segregação pode assumidamente ser tornada real por políticas de Estado, como no caso da Alemanha no período entre as décadas de trinta e quarenta com respeito aos judeus, a desigualdade dá-se em outras bases. Ainda é importante considerar o que diz Vasconcelos (2013):

As desigualdades sociais se refletem no espaço urbano e as formas resultantes delas diferem em função de cada contexto específico. Assim, as estruturas espaciais das cidades norteamericanas são completamente diversas daquelas das cidades europeias e latino-americanas, por exemplo, (VASCONCELOS, 2013, p. 43).

Por isso a cautela necessária ao se tratar a relação provável entre disparidade entre redução da pobreza e desigualdades e a vivência dos espaços urbanos. Tarefa por demais complexa e que deve ser retomada em outro trabalho de maior alcance e capacidade teórica. Para os efeitos desse trabalho é suficiente considerar que a segregação para ser operada como conceito elucidativo acerca dos fenômenos sócioespaciais não deve ser confundida com desigualdade ou exclusão social.

Mesmo que se deva considerar que:

Produto social, a segregação espacial constitui também um meio no qual a existência dos diferentes grupos sociais se efetiva. Produto e meio, a segregação é parte integrante dos processos e formas de reprodução social, pois a relativa homogeneidade interna de cada área social cria condições da reprodução da existência social que ali se verifica. Há, em realidade, uma profunda conexão entre segregação e classes sociais, conforme aponta Harvey na década de 1970 (Harvey, 1985). Assim, fragmentação social e fragmentação espacial são correlatas (VASCONCELOS, 2013, p.09).

Já Sposito (2013) oferece seis princípios no tratamento da noção de segregação que merecem ser seguidos. Sendo eles descritos em seguida segundo palavras do propositor desse trabalho: 1) Formas de desigualdade não são necessariamente formas de segregação; 2) Há uma multiplicidade de formas de sua adjetivação; 3) Sua natureza é essencialmente espacial; 4) É resultado de um processo histórico; 5) É uma mistura de condicionamentos objetivos e subjetivos e 6) Está vinculada aos sujeitos sociais por ela situados.

É com respeito ao sexto aspecto – vinculação aos sujeitos sociais - apontado por Sposito (2013) que se acredita que a investigação de Norbert Elias publicada em 2003 sobre um distrito industrial na Inglaterra década de 1950, pode ser inserida com fins de ilustrar um dos desdobramentos concretos da idéia defendida aqui nesse artigo.

A idéia que sugere a busca por um entendimento das desigualdades entre os grupos sociais está esboçada por esse esforço de investigação empreendido por Elias (2003). Tal estudo apresentou ao fim, uma teorização que indicava que mesmo havendo uma comprovação de dados quantitativos sugestionando uma tendência de homogeneidade na qualidade de vida dos sujeitos sociais, haverá uma manutenção provável da heterogeneidade no acesso aos recursos de poder.

No caso brasileiro em tela, isso corresponderia ao fato de que mesmo que se comprove que haja uma maior homogeneização de renda e aumento do poder de consumo de sua população, isso não equivaleria a um aumento do seu grau de empoderamento. Transportando essa conclusão para a problemática do uso da cidade, equivaleria dizer também que mesmo havendo maior circulação dos espaços de consumo não implicaria essa ampliação em maior vivência do espaço urbano e de suas instrumentalidades democráticas.

O menos favorecido poderia ter renda mais alta porém ainda assim se ver bloqueado de uso e circulação em certos espaços urbanos, ainda exclusivos à um estrato privilegiado por origens e subjetividades e não apenas por renda. Isso seria uma forma de segregação que sobreviveria mesmo em face da redução da pobreza. Não seria suficiente, portanto, falar-se em igualdade social plena, se não houver a redução no mesmo sentido das fontes dos diferenciais de poder de uma população. A posição de poder e prestígio asseguram-se para os grupos estabelecidos, por meio da conservação das estruturas de desigualdade não econômicas.

O que em longo prazo, pode redundar em anos posteriores em reconcentração de renda. Um cenário de retrocesso no avanço das políticas de combate as desigualdades sociais que não se deixa visualizar por uma análise estritamente econômica. Os diferenciais de poder segundo a argumentação desse trabalho emanariam dessa forma, de outros aspectos além dos econômicos, de renda e demais medidas quantificadoras de riqueza. Tais diferenciais emanariam dos aspectos substantivos da privação humana e da matriz de oportunidades sociais ofertadas com vistas ao empoderamento.

As formulações de políticas publicas de combate a pobreza e mesmo suas avaliações, deveriam estar centradas nos aspectos substantivos e não apenas monetários, mesmo que esses sejam válidos. A perpetuação desses diferenciais de poder seria garantida pela não visualização – fruto de deficiência de ferramentas de análise ou de ação programada - desses aspectos, pois apesar do aumento do acesso as formas de consumo de mercadorias serem redistribuídas, as formas de acesso aos mecanismos de poder não o são.

O aumento da renda do contingente populacional de um espaço não alterará necessariamente as estruturas de poder que ali exercem seu protagonismo, podendo inclusive até mesmo ser desejada pelos grupos favorecidos. O que potencializaria de fato, a mudança nesse equilíbrio de poder é segundo assertivas desse trabalho, seria redução da pobreza em seus aspectos substantivos por possibilitar a criação de novas formas de acesso ao poder com mira ao protagonismo dos agentes excluídos. Na medida em que haja a redução da pobreza em seus aspectos substantivos operaria em direção proporcional a ampliação do acesso aos mecanismos de poder no espaço por parte das populações vulneráveis.

Do ponto de vista da vivência do espaço nos centros urbanos em países como o Brasil com sucesso recente na redução da pobreza e na perspectiva socioespacial a qual esse trabalho se dedica, o incremento de poder pela população com maiores possibilidade de consumo manifestar-se-ia na ampliação da sua participação nos mecanismos democráticos disponíveis nas cidades. Manifestando-se esse incremento de poder por meio também de: 1) Maior capilaridade nas vias de acesso urbano que interliguem as zonas periféricas aos centros urbanos; 2) Maior compartilhamento de espaços públicos antes restritos a determinados estratos de renda e 3) Influencia nas decisões de planejamento urbano por parte dos movimentos sociais e iniciativas espontâneas de manifestação.

Ao lado da redução da pobreza e melhoria da qualidade de vida das populações urbanas, esses três fatores indicariam senão uma inversão de poder em favor dos outsiders, ou pelo menos um início de uma transformação mais profunda e ainda não muito clara que estaria em curso no Brasil. Por isso, que, a consideração da dimensão da vivência do espaço urbano nas análises dedicadas a eficácia dos programas sociais no Brasil entre 2003 e 2014, além de reveladora do maior poder de consumo das populações favorecidas, é reveladora também do maior ou menor empoderamento social por essas faixas experimentado. O conceito de segregação apesar de distintamente separado da noção de desigualdade, guarda para esse artigo, relações muito próximas.

Obviamente, que a noção de segregação, assim como define Sposito (2013), redefine-se no tempo e se sujeita a história. O desafio nesse sentido é, sobretudo a operacionalização dessa abordagem no estudo dos espaços urbanos, e de como relacionar essa abordagem a evolução dos indicadores de pobreza e desigualdade no Brasil e no nordeste.

O que constitui para esse trabalho uma linha importante nessa discussão passará, portanto pela noção de que a persistência das desigualdades sociais nos espaços urbanos manifesta-se na redução dos espaços públicos e na ampliação paradoxal dos espaços privados de consumo. Ou seja, a pobreza que se reduz possuiria sua correspondência espacial na expansão dos espaços de consumo assim como a persistência das desigualdades reflete-se na privação da vivência da cidade desses mesmos sujeitos tidos como emancipados.

Consequências importantes para a fragmentação e/ou mesmo, privação da vivência dos espaços públicos nas grandes cidades e suas áreas de influencia é que se devem analisar. Ou seja, a pobreza e a desigualdade, além de manifestar-se no campo das relações abstratas, refletem-se no uso dos espaços citadinos. A fruição do espaço nesse sentido é também uma dimensão que deveria ser considerada ao se fazer avaliações acerca dos efeitos das políticas sociais.

Considerações preliminares e questões para pesquisa futura

A urgência do debate orbita em torno das questões da desigualdade, pobreza no Brasil faz-se atualmente acompanhada por um interesse também nas categorias de espacialidade dos fenômenos sociais, que têm sido mobilizadas para seu entendimento. Há em meio a essa discussão um interesse renovado pela dimensão espacial desses fenômenos (SCHNEIDER, 2004).

Renovação de interesse que pode ser justificada pelo fato de que tais noções espaciais abrigariam a base de projetos e o direcionamento de políticas (Albuquerque junior, 2009).Movimentos feitos pela sociedade, suas idiossincrasias, sua produção simbólica, significações, representações de si e de seu entorno, entre outras componentes, são condicionantes também do modo como os agrupamentos humanos se relacionam com a natureza, modificam seu substrato e exercem protagonismo.

Castro (2002) firma ainda o entendimento de que:

Paralelamente à prática social que organiza o espaço, desenvolve-se um imaginário fundado nesta prática que tem no discurso cientifico literário e político uma forma de expressão e visibilidade (CASTRO, 2002, p.67).

A sociedade que por meio de seus agentes protagoniza suas ações no espaço, não o faz evidentemente em uma realidade etérea e impalpável de sua existência. Requerem-se materialidades para sua consecução. Assim, deve-se atentar nesse sentido que, o espaço é face vivida do poder e por isso importaria estudá-lo também do ponto de vista de seus agentes. Tanto essa identificação com o espaço físico quanto a associação com o Estado, como único poder soberano, têm encontrado nas últimas décadas do século vinte, dentro da própria geografia, movimentos de reação referentes à unidimensionalidade atribuída a essas categorias (Souza, 1995) e a sua exclusiva relação com esse agente falsamente chamado de “universalizador de direitos ” .

No espaço, não haveria apenas a manifestação do poder do estado, mas também a manifestação de outras formas de poder, dispostas em uma multivariada origem de pontos de emanação (FOUCAULT, 1984). Há, além dos conflitos entre Estados-nações, outros conflitos (RAFESTIN, 1993) que foram convenientemente encobertos por essa idéia totalizante do único poder central. Idéia útil inclusive à expansão do capital nos espaços nacionais. Importa, portanto considerar que, ladeando todos os resultados advindos das políticas de Estado no Brasil ou em qualquer outra espacialidade no planeta, a dimensão espacial deve ser incorporada para fins de suas respectivas análises.

Nesse aspecto, passar a considerar a ação do Estado na criação das condições estruturais que favoreçam a institucionalizações de segregações nos centros urbanos pode ser tida como uma das principais consequências dessa incorporação proposta. Em países como o Brasil que comprovadamente possuem ainda altas taxas de concentração de renda e proprietária, essa operação constitui-se para esse trabalho, em poderosa ferramenta de instrumentalização para exercício do protagonismo político dos estratos favorecidos pelo aumento da renda ocorrido nos últimos doze anos. Nesse ponto é possível, portanto confirmar o afirmado no início desse trabalho acerca do caráter político sempre presente em formulações supostamente desprovidas de intenção ideológica.

O fato de não se ter - pelo menos de modo predominante – incorporada a dimensão espacial nas avaliações sobre as politicas de combate a pobreza empreendidas pelo Estado brasileiro pode significar nesse sentido não em uma deficiência técnica, mas em escolha deliberada. Conformando-se com a expansão dos espaços privados de consumo a esses destinados, a expansão dos espaços públicos termina posta em posição secundária nas agendas de políticas urbanas em curso.

Ao não considerar os efeitos da redução da pobreza e persistência das diversas formas de desigualdade nos centros urbanos brasileiros, operar-se-ia, portanto a legitimação do modo de pensar - hegemônico - de tais centros como fragmentados entre espaços de vivência destinados aos estratos mais favorecidos –Establishment -e espaços destinados à parcela agora com maior renda, mas ainda assim outsiders.

Material suplementario
Referências
ALBUQUERQUE JÚNIOR, DURVAL MUNIZ DE. O objeto em fuga: Algumas reflexões em torno do conceito de região. Revista Fronteiras, Ano 10, Dourados, n.17, p.55-67, Jan. /Jun 2009.
BARBOSA, David Tavares. Novos recifes, velhos negócios política da paisagem no processo contemporâneo de transformações da bacia do Pina – Recife/PE: UMA ANÁLISE DO PROJETO NOVO RECIFE. Dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-graduação em geografia da Universidade Federal de Pernambuco, 2014. 254 p.
BOURDIEU, Pierre. Introdução à uma sociologia reflexiva p. 17-57. In O poder simbólico, Memória e Sociedade. São Paulo, Editora DIFEL., 1972.
CASTRO, Iná Elias de. "A região como problema para Milton Santos". In El ciudadano, la globalización y la geografía. Homenaje a Milton Santos. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales, Ano VI, Barcelona, núm. 124. 2002.
ELIAS, Norbert. Os Estabelecidos e os outsiders: Sociologia das relações de poder. São Paulo, Editora Zahar, 2009.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 4. Ed. Rio de Janeiro, Editora Graal, 1984.
INTERNATIONAL POLICY CENTRE FOR INCLUSIVE GROWTH . Evolução dos gastos sociais e transferência de renda no Brasil: Reflexões sobre o Programa Bolsa Família. IPCIG, 2008.
MARTINS, José de Souza. A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. Rio de Janeiro, Editora Vozes., 2003.
RAFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo, Boitempo, 1993.
SCHNEIDER, Sérgio. A abordagem territorial do desenvolvimento rural e suas articulações externas. Sociologias, ano 6, nº 11, Porto Alegre jan/jun, p. 88-125. 2004
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo, Companhia das letras, 1999.
SOUZA, Marcelo Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In Geografia, conceitos e temas. Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 1995.
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Segregação socioespacial e centralidade Urbana. In A cidade contemporânea: Segregação socioespacial Org.: Vasconcelos, Pedro de Almeida; Corrêa, Roberto Lobato e Pintaudi, Silvana Maria. São Paulo Editora Contexto, 2013.
VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Contribuição para o debate sobre processos e formas socioespaciais nas cidades In A cidade contemporânea: Segregação socioespacial Org.: Corrêa, Roberto Lobato e Pintaudi, Silvana Maria. São Paulo, Editora Contexto, 2013
VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: Desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Garamond Universitária, 2006.
Notas
Notas
1 Universidade Federal de Alagoas-Arapiraca Alagoas, Brasil, karloniufal@gmail.com
Tabela 1
Evolução da taxa de pobreza absoluta no Brasil, Recife/PE e Natal/PE entre 1991 e 2010.

Autor com base em dados do atlas de desenvolvimento humano 2016 (2020)

Gráfico 1
Gráfico com os dados de variação percentual da redução de pobreza absoluta, aumento de renda proveniente do trabalho e redução da concentração de renda entre 1991 e 2010 no Brasil, Recife/RN e Natal/RN
CRUZ (2020)
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