Resumo: O conceito de terroir, traduzido como “gut da terre”, tem sido debatido nas esferas da teoria da produção agrícola tradicional versus globalização da agricultura. Sem uma tradução clara, sua origem é antiga, mas consolidada na França, especificamente na viticultura e traz muitas questões quando aplicado a outras culturas. O artigo busca nas referências estrangeiras o conceito e as formas de manutenção do terroir denominado natural em contraposição do que convencionou chamar de terroir tecnológico, baseado na grande produção. Busca relacionar o terroir com o território com a categoria geográfica. Defende a pequena propriedade como exemplo para o terroir natural a partir das condicionantes físicas como solo e clima.
Palavras-chave: Terroir, Gosto da terra, Território, Globalização.
Abstract: The concept of terroir translated as "gut da terre" has been discussed in the spheres of traditional agricultural production theory as opposed to the globalization of agriculture. Although the concept does not have a literal translation, its origin is ancient but consolidated in France, specifically in viticulture and brings many questions in an attempt to apply to other cultures. The article searches in foreign literature the concept and forms of maintenance of the terroir called natural in contraposition to the conception of what it called technological terroir, based on a large production. The article defends the small property as an example of the natural terroir from the characteristics that involve the physical conditions such as soil and climate.
Keywords: Terroir, Taste of the earth, Territory, Globalization.
Resumen: El concepto de terroir, traducido como "gut da terre" ha sido debatido en las esferas de la teoría tradicional de la producción agrícola frente a la globalización de la agricultura. Sin una traducción clara, su origen es antiguo, pero consolidado en Francia, concretamente en la viticultura y trae muchas preguntas cuando se aplica a otras culturas. El artículo busca en refrences extranjeros el concepto y las formas de mantenimiento del terroir llamado natural en oposición a lo que ha convencido de llamar terroir tecnológico, basado en la gran producción. Busca relacionarse con el territorio con la categoría geográfica. Defiende la pequeña propiedad como ejemplo para el terroir natural de las condiciones físicas como el suelo y clima.
Palabras clave: Terroir, Gusto de la tierra, Territorio, Globalización.
O terroir como categoria geográfica: origem e abordagens conceituais.
Terroir as a geographical category: origin and conceptual approaches
Terroir como categoría geográfica: origen y enfoques conceptuales
Recepción: 31 Agosto 2022
Aprobación: 30 Octubre 2022
A pequena propriedade tem sido a grande responsável pela produção e oferta de alimentos com características particulares da região em que são produzidos e que apontam para uma agricultura tipicamente familiar que, a despeito da tentativa de aplicação das técnicas agrícolas modernas, ainda conserva características diferenciadas das plantations o que difere do que aqui é tratado como terroir.
Este artigo busca discutir o conceito de terroir, suas nuances e evolução a partir das referências que aponte para uma geografia do terroir com base na categoria território e que tem como fundamento básico a produção nas pequenas propriedades, com foco em produtos que expressem o conceito, que remete ao “gosto da terra” (gut da terre). É parte de ensaios sobre a implementação da Indicação Geográfica (IG) dos cafés que, embora envolva grandes propriedades, tem se firmado principalmente nas pequenas propriedades, particularmente nos estudos para a implementação das IGs da Chapada Diamantina e do Planalto da Conquista, no Estado da Bahia. A delimitação de terroirs para os “cafés especiais”, que apresentam um modo de produzir diferenciado e que aponta para uma história do local, além dos requisitos comoaqualidade do produto, areputação ea notoriedaderegional,envolve as características ambientais como oclima e o soloque,de certa forma,acaba se territorializado, uma vez que admite o processo de controle espacial da produção.
Do exposto, busca-se aqui a defesa da pequena propriedade que apresente características locais e que mantenha o que se convencionou chamar de “gosto da terra”. Assim, busca nas referências e nos aportes teóricos da literatura estrangeira, o referencial para discutir o conceito, a evolução e a manutenção do terroir como pequena propriedade produtora frente aos avanços da grande propriedade na busca de uma produção equivalente ao que se denomina “terroir tecnológico”.
O termo terroir tem despertado discussões em razão da sua aplicação em áreas produtoras de alimentos que se destacam por apresentar o que comumente se chamou de “gosto da terra”, oriundo do Francês “goüt de terroir”. Vinculado à produção de vinho desde a antiguidade clássica, seu significado tem sido tratado das mais diversas formas. Outra questão remete a qual campo de estudo pertence, uma vez que as ciências da terra e as ciências humanas, em especial aquelas relacionadas à cultura, tomam para si as discussões acerca do terroir. Desperta confusões quanto à interpretação do termo, pois já foi considerado como sujeira, sagrado, cultural entre outras. Embora a amplitude do tema tenha se evidenciado nos últimos anos em razão da busca por alimentos com qualidade diferenciada, chamados de especiais, alguns, oriundos de práticas naturais, geralmente atrelados a uma certificação ou um selo especifico para proteção da qualidade e comercialização dos produtos, como pela via das Indicações Geográficas, o tema ainda desperta ampla discussão.
Quanto à origem da palavra, Matthews (2015) registra que a compreensão do lugar do terroir tem estreita relação com a qualidade do vinho e requer um olhar para trás, cerca de cinco mil anos, no Egito, na Grécia antiga e na Itália Romana chegando à Borgonha medieval. Lembra, também, que os antigos egípcios, em torno do ano 300 a.C. já entendiam o terroir,que foi depois reconhecido na viticultura romana com registros feitos pelos gregorianos no ano 200 d.C.
A evolução temporal do conceito demanda do léxico, desde o renascimento, em busca por uma definição mais consistente. Matthews (2015) destaca o século XV como marco para a conceituação de terroir como registrado no dicionário Universal de 1690. Para o autor, o Dicctionnaire de l'Academy francaise, dedié au Roy (Dicionário da Academia Francesa, dedicada ao Rei) de 1694, traz conceito semelhante enquanto o dicionário franco-inglês de 1650, traz a definição de terroir como "sujo, estrume ou terra”. Paterson (2018) aponta como um termo moderno, originário do terrário latino, com registro no dicionário francês durante o Renascimento, tratado como "território" e no “O Teatro da Agricultura e a Gestão dos Campos” de Oliver Seres, de 1600, em que o terroir é elevado à categoria de espaço fundamental da cultura francesa.
O terroir, segundo Matthews, (2015) foi definido entre 1750 e 1843, nos dicionários como "solo" ou em goüt de terroir, sem indicar uma conotação positiva ou negativa destacando que em 1962, o dicionário francês de Cassell conceitua como solo, terra, Goût de terroir, racines e bateri no solo. Paterson (2015) lembra que que nesta edição o termo traz a definição de territoire. Para Trubek (2008) o Grande Dictionnaire universel du XIX e siècle de Pierre Larousse, do século XIX, aparece como terra para a agricultura e identificado como “le goût de terroir”, apresentado como o sabor ou odor do lugar em relação aos seus produtos, de forma particular ao vinho. Do XVII ao XX o terroir passa a ser discutido no campo da transliteração para outras línguas com a expansão da viticultura para outros continentes. Parker (2015) destaca que embora a origem da palavra tenha sido na Itália, derivado do termo Gayette, se consolida na França.
De concepção essencialmente europeia, o terroir é utilizado fora da Europa com tentativas de adaptação a outros continentes. Trubek, (2008, p. 54) destaca que o “Terroir possui múltiplos significados, mas todos eles se referem a um sistema de ordenação eclassificação de um determinado lugar”4,e assinalaqueo terroirtraz vários significados, mas que remete apenas um sistema de ordem e classe de um lugar como categoria de análise,o que lhe dá statusde um conceito provocativo por dificultar sua compreensão em ralação ao paladar e ao olfato, pelasuanaturezaorganoléptica.
O terroir, segundo Paterson (2018, p. 96-97)., ora apresenta complexidade, ora simplicidade e deve ser tratada de forma abrangente. Isto porque “Quase todos os livros de referência que consultamos oferecem uma definição para terroir. Embora muitos sejam semelhantes, alguns são limitados e simplistas, outros bastante abrangentes”5 A fim de definir uma origem, Parker (2015) lembra que o conceito é utilizado em outros países, mas sem termos equivalentes recorrendo, assim, ao uso da palavra francesa sem uma tradução clara e que a evolução do terroir, em muitos casos, como fenômeno moderno, se originou do reino da linguagem antes de ser trabalhando no campo da alimentação. Trubek (2008) destaca a dificuldade de traduzir dos franceses de forma que abarque todos os seus significados argumentando, num arroubo nacionalista do termo, que o terroir nunca pode realmente ser traduzido além da origem francesa. Assim, aponta que ao tentarem traduzir geralmente reduz ao solo, localidade ou parte do país. No entanto, aponta para a mutabilidade do conceito, o que faz com que os significados sofram variação de um lugar para outro, de uma situação para outra, ou entre pessoas, chamando de lugares fluidos ou múltiplos, embora reconheça que o “goût du terroir” vai além das fronteiras da França para tornar-se uma categoria internacional que remete a um gosto mais exigente.
Paterson (2018) aponta que a noção de terroir tem sido aplicada muito além do vinho, alcançando outros tipos de cultura. O conceito e a amplitude têm relação primitiva com o vinho e traz referências à terra e aos fatores físicos que a envolve. Destaca que,embora derivado do solo ou da terra (terre),oterroirnão se prende ao soloou aosubsolo, mas traz relações com o microclima precipitação, circulação doar e drenagemda água, elevação, luz solar e temperatura, enquantoTrubek(2008, p. 33)destaca que “O conceito nunca podeser capturado de forma linear: primeiro vem a rocha, depois o solo, depois as plantas, depois o sol, e assim por diante”.6
Dessa delimitação conceitual, e para além dela, deve-se ater para o fato de que o conceito de terroir implica em questões culturais que devem ser tratadas pelas várias ciências, saindo da abstração do termo, para elucidações cientifica. Trubek (2008), ao propor o terroir como “gosto do lugar”, traz descrições etnográficas e explicações de como essa ideia funciona nas práticas cotidianas das pessoas, na França e nos Estados Unidos, e vê o terroir como categoria de degustação de alimentos, além de ser uma categoria cultural típica da vida camponesa como identidade central dos franceses
Patterson (2018) trata o termo de forma tangível, materializada e passível de mensuração destacando que a discussão sobre o tema pode/deve suscitar investigação rigorosa que permita adotar validações cientificas, apesar das contestações diante da fragilidade do conceito, mas que não são contestadas. Para Parker (2015), o conceito, tal como conhecido hoje, é resultao de uma variedade de termos e influências e de origem complexa, pois a própria origem da palavra vai além das práticas agricolas. Sommers (2008), particulariza a questão ao fazer a ligação entre o sabor da comida e lugares admitindo que se há uma ligação entre eles por trás do conceito, pode se fazer o mesmo com o sabor.
A discussão parece reduzir a uma dualidade entre o terroir cultural e o terroir físico além do se denominou terroir tecnológico. Discute-se o conceito a partir da edafologia, como recorte territorial e ou geográfico. Carey (2005) chama de terroir material aqueleque traz os aspectostecnológicos e agronômicos da região eque apresentam potencialnatural de um determinado ambiente. Por outro lado,lembra que “o terroirespacial como o território geográfico que se cristalizou pelo povoamento, ou seja, pela geografia histórica da região; o terroirda consciência como identidade cultural da região”. (2005, p.33)7 Assim, as ciências procuram tratar o terroirrelacionadas às ciências da terra, à geografia política (com foco na categoria território) à geografia humana (quando trata da cultura da região).
A fim de definir um campo para a discussão, Paterson (2018) destaca que no século XIX o terroir foi classificada como área de terra valorizada especificamente para propriedades. Buscando no suporte físico para explicar, destaca que pessoas relacionam terroir ao solo e rocha, embora outras pessoas apontam outros fatores físicos como a topografia e o clima destacando que poucos fazem relação do humano ou cultura.
O conceito avança para outros campos como a culinária pois “A palavra terroir é hoje mais prevalente entre os entusiastas da culinária, que o usam para mapear um alimento ou vinho para o seu especifico local de origem.8 (PARKER, 2015, p.2) No campo das territorialidades, Tomasi (2013) lembra que o conceito apresenta uma longa história, como as delimitações geográficas de áreas e suas particularidades que serviram por séculos, na França, para descrever como flavor/sabor com características de um produto de acordo com sua região ou origem especificada. Manase et all (2017) e Arnold (2021) trataram de aspectos para além do “gosto da terra”, busacando explicar o terroir do ponto de vista da bebida e da psicanálise sem, contudo, fugir ao coneito original.
Um conceito geográfico de terroir pode ser percebido nas categorias chaves mais pertinentes à geografia quais sejam: espaço, região, paisagem, lugar e território. Sommers (2008) buscou na geografia francesa a relação da geografia com o terroirnas publicações do geógrafo Vidal de La Blache destacandoos estudos regionais como categoria fundamental para entende-lo. Trata da geografiado vinho e mostra como os geógrafos estudam os fatores que trazem uma compreensão mais profunda doseu significado. Para Sommers, citando Carl Sauer, geógrafo norte americano, ageografia da paisageme sua morfologiaremete à ideia do terroir, quando aplicado ao vinho, “Isso porque a morfologia da paisagem de Sauer é um paralelo geográfico com o estudo do terroir”.9(SOMMERS, 2008, p.23). Avança na questão da paisagem apontando a relação entre a morfologia da paisagem e a intepretação do conceito, uma vez quea morfologia mostra o que é visível na paisagem e é produto das forças ambientais. Nesse sentido, o terroir demonstra que as questões organolépticas é produto das forças ambientais, daí os geógrafos buscarem lastro no conceito.
Mas é a categoria território que mais se identifica com o terroir por apresentá- lo como como recorte geográfico. Autores clássicos associavam o que hoje é terroir ao conceito e território, embora não tenha a mesma concepção geográfica de território como categoria que apropria do espaço. Parker (2015) lembra alguns autores da antiguidade, entre eles Varro e Columella, que descreveram o territorium em um contexto agrícola mais limitado. Destaca também Virgílio, que utilizaram o conceito aplicado mais ao espaço social. Manasi et all, (2017, p. 11). analisaram a aplicação da palavra a partir do tropo, que aponta para o sentido figurado de palavra ou locução, “O tropo de terroir nomeia terra (terre) ou território sem presumir sua propriedade ou territorialização”. 10Assim, a questão remete ao sentido da palavra terroir - terra – território – sem que efetivamente se aplique a apropriação no senido lato ou que seja efetivamente territorializado.
Ainda no campo das territorialidades, as Indicações Geográficas (IGs) trazem a ideia de território na discussão do terroir por delimitar uma área para proteger o produto e sua comercialização. As IGs aparecem como definidora do território e do terroir pois é considerada uma “vertente de evidência para a associação de território e terroir é o desenvolvimento do próprio sistema de denominação”11. (PATTERSON, 2018, p. 118). O autor admite que as IGs têm utilizado o terroir, pois sustenta a demarcação geográfica das áreas viticulturais na França através do sistema Appellation d'Origine Contrôlée (AOC), traduzido como Indicação Geográfica Controlada. Carey (2005) lembra que as delimitações geográficas são importantes para manutenção dos terroirs uma vez que a Denominação de Origem (DO) traz fortes características do ambiente que sustenta o conceito.
A definição e o conceito de terroir passa, ainda, pela necessidade de reconhecimento, pois segundo Patterson (2018, p. 76) “Como a maioria dos conceitos humanos nascidos da observação e do reconhecimento, o terroir não existe tecnicamente a menos que seja percebido”12. Para ele, a popularização do conceito é uma necessidade, a despeito das intepretações, uma vez que envolve os aspectos culturais e físicos, independe de sua origem. Buscando sair da simplificação, Sommers, (2008), admite que para pessoas que não estão familiarizados com o conceito, terroir é de origem francesa para "terra" ou "solo", mas admite também, que é mais do que isso. O termo deve ser usado para descrever todas as características locais do meio ambiente e da sociedade, com foco no lugar, pois o terroir diz que o lugar é o o que importa. Trubek (2008, p. 241) lembra que “à medida que a organização se torna global e busca fazer argumentos convincentes sobre a importância do terroir científico e cultural, esses argumentos precisam ser inflexionadoscom os valores e práticas das culturas domésticas”13. O terroir carece, então,de mais evidência e requer avanços no campo cientifico tantodo meio fisicoquanto da cultura.
A relação do terroir no âmbito da geografia perpassa pela discussão sobre sua inserção em outros campos do conhecimento comos das ciências agrárias e da terra. De toda forma, embora seu conceito se refira originalmente ao gosto do produto, de certa forma cultural, abrange os aspectos físicos que implicam diretamente numa visão geográfica. Memso poque, a literatura está permeada de proposituras que levam entendimento do terroir para além das características organolépticas e daí, para o meio físico. Esta seção busca apontar a caracterização física pautada na questão ambiental, bem como a escala de delimitação do terroir, como recorte geográfico e o território como categoria geográfica.
A geografia, embora tenha avançado, ainda padece frente ao dualismo geografia física x humana que necessita de um esforço teórico para estabelecer essa relação com o terroir, uma vez que o ambiente tradicional europeu, de um lado, tende para a cultura, em face do tradicionalismo, muitas vezes resistente ao processo de tecnificação, e de outro lado o modelo globalizante da produção que na América chama de terroir tecnológico. Patterson (2018) ao abordar a questão nos EUA remete à questão geográfica e ao terroir, destacando a relação direta entre a geografia e o terroir. Para Gladstone (2011, p. 2)., a viticultura, que originalmente define o terroir, é definido por uma geografia ao declarar que o “Terroir, então, descreve a geografia única da origem de um vinho. Não é uma propriedade do vinho em si. O bom vinho efleteo terroirde sua origem”14.Assim, oterroir traz em seu bojo, mesmo diante da sua amplitude, uma proposição geográfica quer física, quer culutral.
A relação da geografia com terroir, como foi apontado, pode ser demarcada pela geografia regional tomando como marco a produção de Vidal de La Blache, ao descrever o terroir de Bolonha. Para Parker, (2015) La Blache, comumente conhecido como o "pai da geografia moderna" na França, descreve o terroir da Borgonha através que de denominou de psicogeografia borbulhante. Trubek (2008, p. 43) também destaca a influência de La Blache e da geografia francesa, referindo se à publicação de Tableau de la géographie de France, em 1903, ao registrar que “Alguns historiadores que examinam o surgimento de um interesse unificado em defender a relevância do terroir para a comida e agricultura francesa veem o geógrafo Paul Vidal de La Blache, que viveu de 1845 a 1909, como uma figura seminal.15”. Parker chega a concluir que o terroir forma, desde o renascimento, a nação francesa e lhe dá uma identidade geográfica, pois foi a partir do Renascimento, que os franceses descobriram a essência e o desenvolveram uma visão de nacionalidade e da categoria região em relação ao terroir, o que remete às características geográficas locais do país.
Mas é no âmbito da geografia física que a discussão do terroir se amplia, buscando nos fatores físicos sua explicação e conceituação que carece, antes, de uma noção de delimitação que remete à questão da escala.
Ao tentar definir a escala de um terroir o tema traz à tona o conceito principal bem como os parâmetros para sua delimitação que pode ter uma ou mais unidades ambientais. Patterson aponta que o conceito de terroir pode ser compreendido dentro de uma pequena área geográfica, que pode ser de apenas alguns metros ou de um ou dois quilômetros. Outras escalas que apontam para grandes distâncias devem ser tratadas a partir das diferençasdo macroclima enão do conceito de terroir,o que pode caracterizar o recorte doterroir em múltiplas escalas.Carey (2005) defende que a escala do terroir pode ser trabalhada peloagrupamento de unidades ambientais homogêneas, ou unidades doterroirnatural, com base na tipicidade dos produtos obtidos que devem ser identificados e caracterizados pelos parâmetros ambientais. Para Gladstone (2011), a escala e a dimensão do terroirvaria segundo os fatores naturais, pois a escala do terroirdepende de seus fatores de controle. Numa geografia plana e com pouca variação climática e,dependendo da geologia e do solo,pode variar por muitos quilômetros. O autor defende que, de forma mais ampla, pode abranger uma região inteira desde que apresentem solos e clima uniformes.Sommers(2008, p. 43)amplia o campo ao estabelecer a escala de trabalho envolvendo aspectos do clima e microclima,pois quando se fala de componentes do terroirneles estãoimplíticosa noção de escala. “Escala é um conceito geográfico comum[...] O que à distância parece ser regiões climáticas amplas se dividem a uma miríade de variações climáticas locais quando mudamos a escala”16.As variações climáticas localizadas, para o autor, formam os microclimas o que faz diferenças entre um terroir e outro possibilitando a formação de terroirs quando ocorrem estas variações
Por razões históricas, geralmente o terroir se associa ao solo como condição edáfica e pedológica e ao clima, seja macro ou micro, com nuances voltadas para a altitude, em menor grau. Nesse contexto, Carey (2005) tenta minimizar os problemas apontados para definir o método de caracterização do terroir trazendo a diferença entre terroir natural e terroir ambiental, destacando os métodos para sua delimitação em unidades de terroir vitícola. Com base nesta definição, propõe que cada estudo inclua dois estágios: a caracterização do ambiente e a identificação de unidades ambientais, que chamou de unidades naturais, desde que levam em conta os fatores naturais.
No campo da geomorfologia e morfologia da paisagem a concepção do terroir torna-se importante. Para Sommers (2008, p. 23), “A morfologia da paisagem nos diz que o que vemos no mundo ao nosso redor é um produto das forças ambientais e das decisões que as pessoas tomam nesse ambiente. Terroir nos diz também que o que provamos é um produto das forças ambientais”17 e conclui pontuando que é parte das decisões que as pessoas tomam e que é nesse aspecto os geógrafos juram pelo conceito. Recorda que há uma intima ligação entre solo e terroir bem como os demais componentes, como geologia, clima, topografia e cultura destacando que sua delimitação é fortemente baseada no solo. Tomasi, (2013) vai além da representação paisagística apontando que inclui o solo, a topografia, o clima, as características paisagísticas e da biodiversidade.
Para Matthews, (2015) o solo e o meio ambiente atuam como principal fator para definição de terroir para os produtores conservadores. Destaca que apesar da literatura popular e científica apresentar um certo consenso em torno de um sentido ampliado para o termo, mais como sinônimo de meio ambiente, os conceitos tradicionais referentes ao solo são apontados como aspecto mais importante. Na mesma direção, Petterson (2018, p. 102) alerta par o fato de tratar o terroir de forma dúbia e avalia “outra forma dessa reação, pois os elementos do terroir, seja qual for a definição, são justamente aquelas coisas sobre as quais ninguém pode fazer nada: solo, exposição, temperatura, chuva, a assim por diante”18.. Para tanto defende como principais componentes o solo, a topografia local e suas interações com o macroclima e suas escalas de meso e microclima, assim como Trubek (2008) ao apontar a influência do clima, do solo e por extensão da geografia local.
Para Gladstone (2011, p. 39), na caracterização do terroir, os efeitos das altitudes e amplitudes térmicas podem interferir na produção e, portanto, na sua qualificação uma vez que terroirs localizados em baixa latitude trazem efeitos opostas. “O sol quase vertical do meio-dia no verão e a mudança mais acentuada do dia para a noite levam a uma maior variabilidade de temperatura a curto prazo, além de climas subtropicais onde a chuva e a umidade de verão estão limitando os perigos”19.. Os apontamentos até aqui remetem à Europa, mas a tradução americana para terroir fica muito estreita, referindo se apenas ao solo o que reduz a questão em relação aos aspectos físicos mais amplos.
A geografia do terroir, tal como concebido na Europa e defendido em várias partes do mundo, se caracteriza pelo território produtivo com características do “gosto da terra” seja na forma de produção tradicional ou orgânico, com resultados dos chamados produtos “especiais”, com mercado diversificado, que vai desde a feira comum à venda de produtos certificados ou com selo, ou mesmo no caso das Indicações Geográficas. Essa geografia do terroir não se furtou das nuances produtivas em larga escala, lembrando as “plantations”, que os produtores chamam de terroir tecnológico. Nesse contexto, Trubek (2208) ressalta o problema da definição de terroir pela ciência e pela cultura o que levou a transnacionalização da sua definição, enquanto Torres (2006) relata o conflito entre a globalização da produção na agricultura entre a pequena e média empresa. Faz crítica à “mercadinização” e a privatização de espaços públicos produtivos marcando o conflito entre o mercado mundial e as culturas locais, em particular da cultura alimentícia frente à uniformização dos alimentos.
Este mercado mais amplo e internacionalizado, que sofreu resistência na Europa e em alguns lugares que buscam preservar a produção no âmbito típico do terroir tradicional ou natural, como apontado nas referências, lastreia na expansão dos produtos típicos para o mercado global. Analisa-se aqui a geografia do terroir, aquela da escala local, baseada na cultura produtiva do lugar e que busca sua manutenção em relação à produção globalizada e de mercados mais amplos, identificado como terroir tecnológico, que ganhou espaço para a ampla produção.
A globalização e a tentativa e formação do terroir tecnológico não se deu sem os conflitos diante da resistência, sobretudo francesa, frente às tentativas de agregação de terroirs produtivos, com a alta tecnologia. Nesse campo, Torres (2006), ao escrever sobre o que chamou de “a guerra do vinho” pelo grupo Mondavi, trata da tentativa de implementar o “terroir tecnológico” na França para a larga produção, relata o conflito entre a globalização da produção e a pequena e média empresa20. Lembra que o caso Mondavi é a ilustração da lógica do terroir versus a lógica da globalização. As resistências se dão das mais diversas formas pois a globalização da agricultura é vista de formas diferentes, geralmente diferenciados pela cultura e ao modo de produzir. Para Trubek (2008), os agricultores franceses percebem a globalização como uma ameaça, enquanto nos Estados Unidos se dá de forma diferenciada, sem os medos do mercado, o que faz com que a tradição agrária francesa fundada na cultura, tenha respondido à globalização de forma bem diferente da americana que é geralmente impulsionada pela força dos mercados.
A consolidação de um mercado para produtos do típicos do terroir, sobretudo o tecnológico, tem buscado na publicidade a sua expansão. A função do marketing, no entanto, tem sido considerada controversa uma vez que os mecanismos de mercado de produtos com características especiais esbarram na questão cultural. Na defesa deste modal, Patterson lembra que “O marketing tem um papel pesado na defesa deste modal, Patterson lembra que “O marketing tem um papel pesado na controvérsia do terroir. A ligação entre terroire lugar foi bem estabelecida. Uma determinada região que reivindica terroire usá-lo em sua comunicação de marketing externo poderia influenciar os consumidores”21(2018, p. 434). Trubek vai além e busca relacionar o terroirtradicional com as mudanças do mundo globalizado e do marketingao afirmarquea produção agrícola existe há séculos, mas a associação com o gosto e o lugar é mais recente,como forma de reagir ao mercado globalizado dos foods, mantendo uma agricultura voltada para a terra e para uma política de alimentos de qualidade. No contexto de uma produção globalizada torna-serelevante a imposição de padrões produtivos e o domínio do território ou dos terroirsque causa/causou resistência aos que mantem o terroirtradicional. Torres lembra que “Ao impor tais padrões, essas empresas visam criar seu próprio ecossistema de negócios que lhes permita exercer melhor seu controle22.(2006, p. 17). No entanto, a resistência na Europa ainda é muito forte pela agricultura local, quase sempre sob a proteção do Estado, principalmente na França.
Na defesa do terroir natural contra a globalização não faltam análises, sejam no âmbito da produção cultural seja no âmbito do mercado global. A ameaça da globalização e a resistência pelo viticultor que mantem seu terroir é tratada por Torres ao avaliar que “é fácil, portanto, entender por que a globalização parece uma ameaça, especialmente se induz uma lógica de mercado que não pode reconhecer tais barreiras no início23. (2006, p. 135). Para o autor, a manutenção dos vínculos com o terroir tem sido uma garantia contras os avanços da globalização da agricultura bem como das práticas desleais com os produtores tradicionais.
A defesa do terroir natural frente ao processo de globalização e na tentativa de implementar a formação do terroir tecnológico remete à linguagem e a fala, pois conforme Trubek (2008) a comida e a bebida vêm da terra e eles devem expressar através da forma de falar, de suas origens, ratificando que pode ser este o argumento universal do terroir e, no dizer de Torres, tal resistência à globalização implica em fortalecer as comunidades locais uma vez que a tentativa do que chamou de “demonização da globalização” traz efeitos em duas vertentes: a de lutar contra o que vem de fora e a de fortalecer quem produz dentro do pais. O que se depreende das análises é, até que ponto o terroir natural/cultural reage ao terroir tecnológico, de alta produtividade e, até que ponto este terroir guarda o “gosto a terra” tal como os tradicionais.
Debater sobre a qualidade dos produtos a serem oferecidos como “gosto da terra”, tem sido mais indicado nas IGs em razão dos critérios estabelecidos para o terroir e mais especificamente para a segurança alimentar. Patterson destaca que “o status de desenvolvimento do terroir refletia um sentimento geral de ansiedade sobre a segurança alimentar nascida nos dias de uma indústria de alimentos industrializada”24. (2018, p. 431). Embora a produção natural, orgânica, tenha mercado direto e com maior exigência na qualidade dos produtos, não se pode esquecer que muitos produtores e seus produtos seguem, mesmo sem essa indicação, uma produção típica do terroir natural.
Focando na Indicação Geográfica e as vantagens para a pequena propriedade que requer, além de um histórico de que aquela produção tem características locais, com certa reputação em relação ao produto, que o saber fazer seja diferenciado, que será protegido através de sua demarcação, o que indica uma territorialização da qualidade do produto, uma vez que “o conceito de terroirsustenta a demarcação geográfica das áreas viticulturais francesas: o sistema Appellation d'Origine Contrôlée(AOC), que se baseia em muitos anos. experiência do caráter e qualidade de vinhos individuais de áreas específicas”25. (PATTERSON, 2018, p. 108) ou como aponta Trubek (2008) que as raízes agrárias que resultaram na criação e proteção para o lugar bem como de seus produtos, tem sua a história do pautada na ideia do terroir.
É nesse contexto que as IGs europeias se afinam com a ideia de terroir desde a sua definição como na região da Dordonha, no Sudoeste a França, que define a partir de uma certa nostalgia do lugar, fora da área urbana, criando uma marca para o mercado. (TRUBEK, 2008) O que demonstra que, no âmbito das IGs, sejam Denominação de Origem, (DO) sejam Indicação de Procedência (IP) tais delimitações geográficas são importantes para manutenção dos terroir, pois conforme Carey estas “delimitações de denominações de origem são fortemente baseadas em características ambientais, mantendo o conceito de terroir em mente”26. (2005, p.32). Embora a discussão vá além de uma delimitação territorial de um produto especifico, com gosto de lugar, elaborado pelos produtores, essa porção territorial tem como defesa a manutenção da pequena e média propriedade, que produza na forma da cultura local, na modalidade do terroir natural. A discussão sobre a grande propriedade, globalizada, como o terroir tecnológico, seja para IGs ou não toma outro rumo.
É na defesa do um conceito como expressão do viver de um povo e da sua produção agrícola diferenciada, a partir de uma identidade territorial do local, que se define o espaço do terroir como espaço de vivência como anotado por Parker ao indicar que “[...]mais do que apenas criar identidade e expectativas em alimentos e pessoas, terroirfinalmente se tornou uma maneira de viver a nação”27.(2015, p .155) Ou daproposição deTrubek na defesa do terroircomo expressão da produção que envolve o pequeno produtor como categoria que tem raízes na questão agráriaao destacar que “As raízes agrárias do terroirexplicam melhor as origens e persistência dessa visão alimentar. Terroire goût duterroirsão categorias para enquadrar e explicar a relação das pessoas com a terra, seja ela sensual, prática ou habitual. (2008, p. 39).28Assim, consideraque maisdo que uma expressão, terroire goût du terroir seapresenta comocategoriasque remetem a percepçõese práticas dolugar que reverberampara umavisão de mundo ou uma visão alimentar.
Se, na forma de IG ou de propriedades que buscam produzir alimentos que envolvem aspectos físicos e com o “gosto da terra”, cabe ressaltar a proposição de Tomasi et all (2018) de que o terroir se caracteriza como entidade distribuída ao longo do espaço e do tempo, composta por elementos materiais de natureza fisica como o solo, o clima e as variedades de cultivares, ou de natureza imaterial como a história local, a cultura, as tradições e a reputação tanto da produção quanto do lugar no processo produtio. Para o autor, o conceito é a forma simplificada e eficaz que explica as condições genético-ambientais e por extensão as condições humanas.
Ainda na defesa do terroir natural, convém lembrar que a definição mais ampla do termo, considera tanto o lugar quanto a terra e vai além da de um recorte espacial, uma vez que o terroir é o todo. Daí a sua ampliação para além do vinho aplicando o conceito e a produção em outras culturas que trazem aspectos organoléticos apontados por Trubek (2008), no campo da degustação dos produtos da terra, indicando que degustar o terroir leva à questão da sensibilidade que permite adotar um conjunto de valores que dependem de práticas agrícolas e que resultam nos gostos fisiológicos.
A resistência ao terroir tecnológico, aos grandes conglomerados produtivos, ainda que eles existam na sua modalidade, busca reduzir a pequena e média produção à sua lógica. É nesse contexto que a ameaça da globalização e a resistência pelo viticultor, na Europa, e as possibilidades de estudo aqui na América do Sul, podem permitir a manutenção do terroir pois como ratifica Torres, “É fácil, portanto, entender por que a globalização parece uma ameaça, especialmente se induz uma lógica de mercado que não pode reconhecer tais barreiras no início”29. (2006, p. 135). Complementa apontando que o vínculo com o terroir acaba sendo uma garantia contra a globalização, bem como para práticas comerciais desleais. Defender uma produção lastreada na pequena e média propriedade com características locais, baseada no solo, clima e condicionantes físicas da região ou do território, deve levar para uma discussão de como estes proprietários de terra podem defender “seu torrão” e sua produção numa lógica de mercado que permita vender seus produtos com caractesiticas da cultura local e que garanta o “gosto da terra”.
O que se propôs no artigo, de natureza teórica foi apontar, na literatura estrangeira, embora referências nacionais discuta o terroir, sua origem conceitual e histórica, a caracerização a partir do meio fsiso e cultural e as ameaças ao terroir pelo modelo globalizante de produção, que descaracteriza o que se denominou “gosto da terra”. Buscou-se a defesa do terroir no âmbito da pequena propriedade e sua inserção, ou não, no formato das Inidcações Geográficas com o recurso de valoração e precificação dos produtos denominados especiais que permita a manutenção do pequeno produtor na forma de terroir,bem com o apontá-lo, até certo ponto, como catergoria geográfica.
Autor 2: Supervisão, análise final dos resultados e revisão do texto
Autor 3: Supervisão, análise final dos resultados e revisão do texto