Investigación

Recepção: 01 Maio 2017
Aprovação: 01 Junho 2017
Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar os procedimentos de leitura identificados nas questões do ENEM retiradas de quatro versões 1998/1999 e 2009/2010. Tal objetivo justifica-se pela projeção de crescimento dos exames no Brasil, seja como instrumentos para aferição da qualidade do ensino ou como função para ingresso no Ensino Superior. Realizou-se uma revisão teórica e uma análise de 20% das questões das provas de 1998/1999 e 2009/2010 selecionadas aleatoriamente. Conclui-se que reconhecimento de informações, inferência, ativação do conhecimento prévio, conhecimento escolar, mobilização de conceitos e cálculo, correlação de informações e relação entre textos de semioses diversas são os procedimentos de leitura requeridos nas questões do ENEM, tanto nos exames com finalidade autoavaliativa quanto seletiva. Logo, pressupõe-se um leitor/candidato passivo que identifica e relaciona informações de um determinado texto, porém não se posiciona. Trata-se de um modelo descendente de leitura, pois a compreensão das questões depende da capacidade cognitiva do leitor.
Palavras-chave: avaliação, competência leitora, ENEM, capacidade, compressão.
Abstract: This article aims to analyze the reading procedures identified in the ENEM editions, extracted from four versions of 1998/1999 and 2009/2010. This objective is justified by the projection of the exams in Brazil, both the instruments for measuring the quality of teaching and the function of enrollment in Higher Education. Was held a theoretical review and a 20% analysis of the exams questions of 1998/1999 and 2009/2010 were randomly selected. It is concluded that the recognition of information, inference, activation of prior knowledge, school knowledge, mobilization and calculation of concepts, correlation of information and relation between texts of several semioses are required reading procedures in ENEM. Therefore, it is assumed that a passive reader / candidate identifies and relates the information of a particular text, but does not position itself. It is a descendant model of reading, since the understanding of the questions depends on the cognitive capacity of the reader.
Keywords: evaluation, reading competence, ENEM, capacity.
Manifestação da competência leitora no Enem: os procedimentos de leitura e as finalidades do exame.
Introdução.
Neste artigo foi proposto responder que características da competência leitora no ENEM são identificadas nas versões 1998/1999 e 2009/2010, nas quais o exame tem, respectivamente, de modo preponderante, caráter autoavaliativo e seletivo. Para responder a este questionamento pretendeu-se descrever os procedimentos de leitura identificados nas questões do ENEM, a partir da sumarização feita por Rojo (2009). É importante destacar que além dos procedimentos apresentados por essa autora, no decorrer da análise, foram identificados outros, que aqui estão descritos.
O ENEM atribui expressiva relevância à leitura, de forma que esta é tratada como a arquicompetência (BRASIL, 2005), porque dela depende a compreensão de todas as questões que compõem o exame envolvendo as diferentes áreas de conhecimento. Nesse sentido, é possível verificar que, no quadro de competências gerais definido pela Matriz para a elaboração do exame, a leitura se mostra presente nas cinco competências norteadoras. Daí a importância de realizar um estudo focando nos procedimentos de leitura recorrentes nas questões do ENEM, seja nas finalidades autoavaliativa ou seletiva. Para realizar esse estudo foi feita uma análise de fonte documental, uma vez que as questões das provas do ENEM, nas versões 1998/1999 e 2009/2010, foram utilizadas como instrumento de análise e interpretação.
Para investigar a competência leitora em questões das provas de 1998/1999 e 2009/2010, foram aleatoriamente selecionadas 20% das questões para compor o corpus, uma vez que temos nestas quatro edições dois pólos de um processo: de um lado, implantação e de outro, a suposta consolidação de um exame com finalidades distintas.
Julgou-se conveniente selecionar os exames referentes às edições de 1998/1999, tendo em vista que, mesmo com outras finalidades, nestes dois primeiros anos, a ênfase maior é na autoavaliação. Já a escolha referente à seleção das edições de 2009/2010, justifica-se por constatar que nesses dois últimos exames, além da autoavaliação, a prova assume também um caráter seletivo, visto que passou a ser usado, a partir de 2009, como instrumento para a seleção das universidades públicas federais.
Feita a escolha das provas, tinha um universo de 486 questões. Considerando a variável recorrência, julgamos conveniente selecionar apenas 20%, somando um total de 98 itens. A seleção dessas questões foi feita aleatoriamente por sorteio. Dessa forma, foi feito o sorteio considerando 20% das questões de cada uma das provas selecionadas. Os exames de 1998/1999 têm um total de 126 questões objetivas dentre elas foram escolhidas 26, sendo 13 de cada ano. As versões de 2009 e 2010 contemplam juntas 360 questões, pois cada edição é composta por quatro provas com 45 questões cada, mais uma redação. Destas foram selecionados 9 itens de cada área do conhecimento (Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias e Ciências da Natureza e suas Tecnologias), somando um total de 36 questões por edição.
A primeira versão do ENEM foi regulamentada pela Portaria do MEC nº 438, de 28 de maio de 1998. De acordo com o artigo 1º, possui os seguintes objetivos:
I – conferir ao cidadão parâmetro para auto-avaliação, com vistas à continuidade de sua formação e à sua inserção no mercado de trabalho;
II – criar referência nacional para os egressos de qualquer das modalidades do Ensino Médio; III – fornecer subsídios às diferentes modalidades de acesso à educação superior;
IV – constituir-se em modalidade de acesso a cursos profissionalizantes pós-médio (BRASIL, 1998b).
Como se pode perceber, o ENEM além de conferir ao cidadão parâmetro para autoavaliação tem o objetivo de criar uma referência nacional, ou seja, aplica-se uma única prova em todo país para que as instituições de Ensino Médio tenham um parâmetro a ser seguido.
A preparação desta prova, conforme está posto no artigo segundo da Portaria 438, baseia-se em uma matriz de referência, a qual estrutura-se a partir dos conceitos de competência e de habilidade associadas aos conteúdos do ensino fundamental e médio. São cinco as competências globais que orientam a elaboração do exame:
I – dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das diferentes linguagens: matemática, artística e científica;
II – construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas;
III – selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representadas de diferentes formas, para enfrentar situações- problema segundo uma visão crítica, com vistas à tomada de decisões; IV – relacionar informações representadas de diferentes formas e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentações consistentes;
V – recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade, considerando a diversidade sociocultural como inerente à condição humana no tempo e no espaço (BRASIL, op. cit.).
Em 2009, elabora-se o novo ENEM, com a finalidade de utilizar seus resultados para subsidiar o processo seletivo das IES que aderiram à proposta do MEC (BRASIL, 2009).
Com essa nova finalidade, o INEP/MEC propõe uma reestruturação metodológica do exame. Assim, na nova prova, regulamentada pela Portaria nº 109 de 27 de maio de 2009, o ENEM apresenta os seguintes objetivos:
I - Oferecer uma referência para que cada cidadão possa proceder à sua auto-realização com vistas às suas escolhas futuras, tanto em relação ao mundo do
trabalho quanto em relação à continuidade de estudos;
II - Estruturar uma avaliação ao final da educação básica que sirva como modalidade alternativa ou complementar aos exames de acesso aos cursos profissionalizantes, pós-médio e à Educação Superior; III - Promover a certificação de jovens e adultos no nível de conclusão do ensino médio;
IV - Promover avaliação do desempenho acadêmico das escolas de ensino médio, de forma que cada unidade escolar receba o resultado global;
V - Promover avaliação do desempenho acadêmico dos estudantes ingressantes nas Instituições de Educação Superior (BRASIL, 2009b).
1.-Procedimentos de leitura encontrados nas questões do Enem.
1.1.-Reconhecimento de informações
O reconhecimento de informações é um procedimento que está ligado ao modelo ascendente de leitura. Ou seja, trata-se de uma leitura linear das informações presentes no texto, o qual é tratado como um objeto cuja apreensão de significados cabe ao leitor. Neste caso, não é o leitor quem constrói sentido, ele apenas extrai o significado que está posto no texto.
Nas duas primeiras edições do ENEM, considerando o corpus selecionado que é de 26 questões, o reconhecimento de informação é requerido em 5 questões, o que corresponde a 19% da amostra analisada. Em 2009/2010, esse procedimento é observado em 12 questões que correspondem a 16% do corpus analisado.
Localizar ou reconhecer informações “é uma estratégia básica em muitas práticas de leitura” [...] (ROJO, 2009, p. 78), desde que essa não opere sozinha, sem a contribuição de outros procedimentos.
1.2.-Inferência
Segundo Marcuschi (2008, p. 249), “inferências são processos cognitivos nos quais os falantes ou ouvintes, partindo da informação textual e considerando o respectivo contexto, constroem uma nova representação semântica”. Neste caso, admite-se que o autor do texto deixa pistas para que o leitor, a partir do seu conhecimento de mundo ou enciclopédico, possa construir sentido(s) para o texto. Este procedimento está atrelado à perspectiva cognitiva de leitura, uma vez que o foco é o leitor. Ou seja, o significado não está totalmente expresso no texto, mas é fruto da interação do leitor com o material escrito. Tal interação ocorre na medida em que o universo cognitivo do leitor participa ativamente do processo de compreensão.
É importante esclarecer que o processo inferencial traz um avanço em relação ao reconhecimento de informações, tendo em vista que, neste caso, o leitor apenas identifica as ideias do texto. No processo inferencial embora a leitura dependa do leitor, a construção do conhecimento leva em consideração as informações do texto e o seu conhecimento de mundo ou enciclopédico.
Os dados fornecidos pela análise das questões revelaram que nos exames de 1998/1999, das 26 questões, 57% exigem do leitor o procedimento inferencial. Situação semelhante ocorre nas provas de 2009/2010, do total de 72 questões, 34 devem ser respondida baseada neste procedimento de leitura, ou seja, 47% das questões.
Assim, podemos afirmar que a inferência é o procedimento com maior recorrência dentre as questões analisadas. Talvez essa recorrência seja justificada pelo fato de a inferência estar em consonância com a proposta da fundamentação teóricometodológica do ENEM, cujo modelo de avaliação foi elaborado com ênfase na abordagem cognitiva.
Vejamos:
O modelo de avaliação do Enem foi desenvolvido com ênfase na aferição das estruturas mentais com as quais construímos continuamente o conhecimento e não apenas na memória, que, importantíssima na constituição dessas estruturas, sozinha não consegue fazer-nos capazes de compreender o mundo em que vivemos. Há uma dinâmica social que nos desafia, apresentando novos problemas, questiona a adequação de nossas antigas soluções e exige um posicionamento rápido e adequado ao cenário de transformações imposto pelas mudanças sociais, econômicas e tecnológicas com as quais nos deparamos nas últimas décadas (BRASIL, 2005, p. 7).
Seguindo a citação, é notável a importância atribuída aos aspectos cognitivos na construção do conhecimento segundo o documento norteador do ENEM. Embora reconheça e valorize esse aspecto, o documento reconhece que o desenvolvimento das estruturas mentais sozinhas não nos faz capaz de compreender o mundo. Assim, fica explícita a ideia de que o desenvolvimento cognitivo depende também de outros fatores, dentre eles, o social.
1.3.-Ativação do conhecimento prévio
Na visão de Kleiman (1997, p. 13), a compreensão de um texto é um processo que requer a utilização de conhecimento prévio. Segundo a autora, é mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir sentido para o texto.
Esta perspectiva não nega a importância dos aspectos cognitivos, uma vez que eles são acionados na medida em que o leitor recorre constantemente aos seus conhecimentos de mundo “que se encontram armazenados na memória como se tivéssemos uma enciclopédia na mente” (KOCH; ELIAS, 2010, p. 41).
Assim como ocorreu com o reconhecimento de informações, esse procedimento de leitura aparece em 5 das 26 questões das provas de 1998/1999 e em 12 das 72 questões de 2009/2010. Dada a importância do conhecimento prévio no processo de compreensão, uma incidência de 19% nas provas da década de 90 do século passado e de 16% nas da década de 2000 nos leva a pensar que a competência leitora requerida pelo ENEM o valoriza tanto quanto valoriza o reconhecimento de informações. No entendimento de Machado (2002), a mobilização destes conhecimentos, que ela denomina de recursos, é uma característica importante da noção de competência e refere-se à capacidade de recorrer ao que se sabe para realizar o que se deseja, o que se projeta. Esse conceito se aplica as questões analisadas, uma vez que para respondê-las o candidato precisa recorrer aos seus conhecimentos enciclopédicos, buscando informações externas ao texto.
Relacionando este procedimento de leitura e os outros dois à finalidade do exame quando de sua implantação (1998/1999) e de sua reestruturação (2009/2010), vemos que para as finalidades distintas o reconhecimento de informações e o conhecimento prévio têm a mesma importância, já que aparecem em percentuais idênticos 19 e 16% respectivamente, embora sejam procedimentos diversos quanto à sua natureza, pois o primeiro centra-se na decodificação e, portanto, os elementos dados na prova são suficientes para a resolução da questão, e o segundo leva em consideração elementos externos à prova. Por outro lado, a presença de percentuais altos de inferência, 57 e 47%, respectivamente, faz com que a importância dada à resolução de questões centradas nas informações apresentadas na prova ganhe mais relevo. Ou seja, os três procedimentos de leitura aqui apresentados, quando lidos com foco na ação desenvolvida, vemos que formam dois blocos, pois o reconhecimento de informações e a inferência são procedimentos que precisam de elementos dados na prova, com isso temos uma tendência à padronização das respostas e à suposição de que a competência leitora requerida para a resolução da prova se define pela capacidade de reconhecimento textual, seja das informações explícitas e implícitas.
1.4.-Conhecimento escolar, mobilização de conceitos e cálculo
Embora possa evocar semelhanças com a anterior, esta categoria tem uma especificidade que a faz diferente. Dentre os procedimentos de leitura, a mobilização de conhecimento escolar, de conceitos e a utilização de cálculo dizem respeito à mobilização de um saber construído na escola a partir da didatização dos conteúdos aí apresentados. Nesse sentido, é diferente da categoria anterior, uma vez que a mobilização de conhecimento prévio é um procedimento de leitura mais amplo, que envolve conhecimentos gerais, não necessariamente os ensinados na e pela escola. Esta nova categoria dá relevo ao que é escolar, tendo em vista que os dados em análise emanam de um exame nacional aplicado no fim da escolarização básica.
Podemos definir o conhecimento escolar como sendo um conjunto de saberes sistematizados e cientificamente comprovados. Schön (1997 apud DUARTE, 2003, p. 616) caracteriza esse conhecimento como sendo categorial por trabalhar com estruturas lógicas e classificatórias. O conhecimento escolar se faz necessário, uma vez que o conhecimento tácito não é suficiente para explicar determinados fenômenos. Na prova do ENEM, por exemplo, muitos dos conceitos que precisam ser mobilizados para que a questão seja compreendida advêm do conhecimento escolar. A mobilização de conceitos é, portanto, um procedimento de leitura em que o leitor busca na memória conceitos apreendidos ou construídos na escola.
O cálculo é um conhecimento escolar específico e que exige um procedimento de leitura complexo porque requer, além do desenvolvimento do raciocínio lógico e do conhecimento básico das operações fundamentais, a capacidade de compreensão, principalmente quando se trata de situações-problema que apresentam todo um contexto e, em seguida, solicita-se o cálculo.
Ao analisarmos os dados desta pesquisa, constatamos que, em relação ao número de ocorrências destes três procedimentos de leitura, há uma disparidade entre as provas de 1998/1999 e 2009/2010. Nas duas primeiras, a mobilização de conceitos aparece apenas uma vez, que corresponde a 3,8 %, o conhecimento escolar duas, ou seja, 7,8% e o cálculo três vezes, equivalente a 10%. Nas duas últimas versões, esse número aumentou consideravelmente, a mobilização de conceitos foi exigida em 12 questões, isto é, 16%, o conhecimento escolar em 10, ou seja, 13,88% e o cálculo em 11, igual a 15%. Essa diferença talvez esteja relacionada à organização estrutural da prova, visto que as duas primeiras versões estão organizadas de forma interdisciplinar, enquanto os exames de 2009/2010 estão divididos em quatro áreas de conhecimento. Essa fragmentação, a nosso ver, contribui para valorização dos procedimentos acima citados. A análise de dados demonstra que o cálculo é mais frequente na área de Matemática e suas Tecnologias. Em 2009, por exemplo, registramos três ocorrências e, em 2010, seis. A mobilização de conceitos e o conhecimento escolar são mais requeridos nas questões de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, em 2009, foram identificadas oito ocorrências, sendo três de conhecimento escolar e cinco de mobilização de conceitos. Em 2010, o primeiro procedimento aparece quatro vezes e o segundo duas vezes.
A análise dos dados nos mostrou que esses três procedimentos de leitura, ora aparecem aliados a outros procedimentos na mesma questão, ora aparecem como sendo a única competência exigida.
Relacionando este procedimento de leitura à finalidade do exame, quando de sua elaboração e de sua reestruturação, vimos que o perfil do exame passa a ser modificado com a presença de mais questões deste tipo porque o caráter do exame seletivo parece se acentuar quanto mais esse procedimento é exigido, o que nos leva a concordar com Kemiac (2011), quando afirma que o ENEM parece ser um novo vestibular, não obstante não queira se assumir como tal.
1.5.-Relação entre textos de semioses diversas
Estabelecer relação entre textos de semioses diversas é um procedimento de leitura complexo porque exige a comparação de informações apresentadas de formas diferentes, logo é um procedimento analítico.
Entendendo que os letramentos multissemióticos são cada vez mais necessários na sociedade contemporânea, julgamos muito restrito o número de questões que exige do leitor esse tipo de procedimento. Nos exames de 1998/1999, dentre as questões selecionadas, nenhuma propõe a leitura de textos de semioses diversas. Já nas outras duas edições do corpus analisado, cinco questões propõem esse procedimento de leitura. Mesmo sendo um índice baixo de ocorrências, consideramos um passo positivo dos elaboradores, uma vez que a leitura de diversas linguagens e semioses são frequentes nos textos contemporâneos, já que o impresso e o papel deixaram de ser a principal fonte de informação e formação (ROJO, 2009).
Ao relacionar esse procedimento de leitura com a finalidade da prova, entendemos que sua presença, no novo exame, é um indicador de que o candidato saiba ler também a multimodalidade.
1.6.-Correlacionar ou associar informações
Correlacionar informações é um procedimento que requer do leitor a competência para relacionar mutuamente as informações entre textos. Nos exames analisados, a recorrência varia. Nas provas de 1998/1999, só aparecem em duas questões, nas de 2009/2010, esse número aumenta para oito questões. Esse procedimento requer um movimento de leitura que exige conhecimento linguístico e textual, visto que o leitor vai lidar com informações diferentes, mas em textos impressos, diferentemente da categoria anterior. Não deixa de ser uma proposta interessante se levarmos em conta que o leitor não vai apenas extrair a informação dos textos, mas reconhecê-la e relacioná-la.
Conclusão.
Na investigação constatamos que, em relação às competências gerais que orientam a elaboração do ENEM, o aspecto cognitivo se acentua, confirmando, assim, a posição assumida na fundamentação teórico-metodológica do ENEM (BRASIL, 2005), a qual afirma que esse modelo de avaliação tem como foco a ênfase nas estruturas mentais.
No que tange a competência leitora, identificamos que as questões do ENEM requerem do leitor/candidato os seguintes procedimentos de leitura: reconhecimento de informações, inferência, ativação do conhecimento prévio, conhecimento escolar, mobilização de conceitos e cálculo, correlação de informações e relação entre textos de semioses diversas. Ressaltamos que esse último procedimento foi encontrado apenas nos exames de 2009/2010, com um índice não muito significativo, apenas cinco ocorrências, ou seja, 6,11% para um universo de 72 questões. Essa constatação revela que a competência leitora requerida no ENEM prioriza o texto verbal. Com essa caracterização, o ENEM requer um leitor/candidato que seja capaz de mobilizar conhecimentos linguístico e textual para resolver questões de natureza escolar, isso implica dizer que a competência leitora se mantém no nível de pouca complexidade.
Logo, pressupõe-se um leitor/candidato passivo que identifica e relaciona informações de um determinado texto, porém não se posiciona, nem avalia a opinião alheia. Esse modelo de leitor, preconizado pelo ENEM, está em consonância com o modelo descendente de leitura, uma vez que a compreensão das questões depende da capacidade cognitiva do leitor.
Mostramos no estudo que, embora haja diferença em relação ao grau de ocorrência dos procedimentos de leitura nas quatro versões analisadas, de modo geral, os dados revelam que a competência leitora tem características similares nos exames de 1998/1999 e 2009/2010. Ou seja, os procedimentos de leitura são os mesmos para o exame com finalidade autoavaliativa e seletiva. Ou seja, a competência leitora se manifesta da mesma forma, independentemente dos objetivos do exame.
Esse resultado traz implicações relevantes em relação ao perfil do leitor/candidato egresso do EM e o daquele que pleiteia uma vaga nas universidades. Como vimos, os dados desta pesquisa indicaram que a competência leitora requerida no ENEM fica restrita a uma leitura de reconhecimento que não exige do leitor uma postura crítica diante do texto. Sendo assim, em relação à finalidade autoavaliativa, que tem como foco obter informações a respeito das competências que o aluno domina ou não, observamos que há uma contradição entre essa finalidade e o modelo de questão que o ENEM disponibiliza. Ora, se o ENEM avalia o ensino, deveria focalizar diferentes aspectos da complexidade da leitura já que a elegeu como a arquicompetência.
O que os dados demonstram é que a leitura é tratada de forma superficial, ou seja, não se leva em consideração as perspectivas discursivas e sociais. No nosso entendimento, esses aspectos precisam ser enfatizados, uma vez que a proposta do EM é desenvolver as competências e habilidades necessárias ao exercício pleno da cidadania. Neste caso, cabe questionar como seria formar cidadão que ler um texto e compreende a mensagem, mas não consegue se posicionar diante das ideias que ele expressa. Dessa forma, detectamos uma lacuna: como saber se o aluno desenvolveu sua leitura crítica se a prova não apresenta questões que testem tal competência? Assim sendo, temos um circuito de retroalimentação: o exame focaliza os procedimentos básicos de leitura, consequentemente candidatos têm um horizonte limitado.
No tocante à finalidade seletiva, entendemos que o perfil de um ingressante no Ensino Superior requer mais do que o reconhecimento de informações em textos verbais. Portanto, no nosso entendimento, requisitar apenas isto é, de certa forma, operar uma espécie de exclusão a médio prazo, pois os desafios iniciais de um curso de graduação no tocante à leitura, se não superados pelos alunos, podem conduzir à evasão e à desistência. Em outras palavras, a facilidade com que supostamente o ENEM insere os egressos do EM no Ensino Superior talvez não seja a mesma que faz com eles permaneçam nesse nível de ensino e o concluam. Outro fator bastante grave diz respeito ao fato de o ENEM explorar uma leitura típica de outro momento histórico de submissão em que não se estimulava o leitor a se posicionar, mas apenas a reconhecer e relacionar informações explícitas e implícitas do texto impresso.
As discussões realizadas ao longo deste trabalho nos permitiram inferir que a competência leitora, requisitada nas questões do ENEM, se define pela capacidade de reconhecimento textual, seja das informações explícitas e implícitas.
Em suma, a competência leitora no ENEM está relacionada ao saber agir e acreditase que o sujeito está preparado para tal. No entanto, as discussões a respeito das concepções de leitura e a análise dos dados nos permitiram entender que a competência leitora é um processo complexo, multifatorial e inacabado, visto que o leitor não está pronto para agir, mas ele se realiza na ação, ou seja, são as situações de leitura vivenciadas pelo sujeito que o permite se posicionar de uma forma ou de outra. Para isso, é necessário levar em consideração que a competência leitora envolve a decodificação linguística, a composição textual e a percepção discursiva.
Referências
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