Introduction
Recepção: Dezembro , 18, 2016
Aprovação: 21 Fevereiro 2017
Publicado: 27 Fevereiro 2017
Pensar o presente como atitude crítica tem se colocado como tarefa urgente e necessária para aqueles que há muito abandonaram as polêmicas em torno da neutralidade científica e mergulharam nos desafios de uma pesquisa imanente. Nessa perspectiva o saber-fazer de quem pesquisa engendra e é engendrado nos percursos da investigação, sendo estes percursos investidos de potências geradoras de questões, imagens, afetos. Nesse modo de fazer, que também se apresenta num modo de dizer e de escrever, desdobras da investigação, as experimentações ganham o centro da cena e favorecem um movimento de aproximação prudente e inquietante em meio às práticas sociais no campo da educação.
Os campos de força que se enfrentam no âmbito da educação institucionalizada tomam visibilidade, nos artigos a seguir, nas relações diárias em espaços pedagógicos, em experiências de afirmação de recusas às intervenções que apostam no engessamento do pensar, do corpo, da vida, em movimentos ameaçadores que convocam a desconfiança e o denuncismo como princípio didático, em processos de experimentação nos modos de aprender, no sufocamento da formação continuada como dívida perpétua, nas produções subjetivas que convocam um fazer docente sob uma relação de autorização de si.
Escritos que trazem fragmentos de um cotidiano espraiado pelas diversas etapas e formas da chamada formação educativa que apontam para a ênfase do controle biopolítico e o dispositivo de governamentalidade ancorada na segurança. Tensão nos conteúdos curriculares, nas práticas de imposição/obediência, nos movimentos de revolta, na invenção de um fazer disruptor, na formatação de um corpo que se deixa escapar, em processos, em fim, de recusa ao aquartelamento do pensar, do sentir, do desejar. Invenção, coletivo, criação, experimentação, habitar-se, entre tantos outros modos de nomear forças insubordinadas, são horizontes que compõem as experiências ora em análise. Não há modelos a seguir, regras nas que acreditar, mas um encontro com o presente como possibilidade de interrogação.
Poderíamos dizer, nos arriscando no aligeirar das palavras, que tal atitude de pesquisa é problematizadora das práticas sociais e dos objetos que lhes correspondem – incluindo-se aqui as próprias práticas de pesquisa. O chamado problema social tem se circunscrito mais a práticas de interdição de formas de vida que à problematização de relações em sua multiplicidade. A multiplicidade, na sociedade contemporânea, tem se contraposto sistematicamente ao horizonte das possibilidades, instalando estados de exceção justificados pela crença em erros. O pensamento que subjaz às ordens hegemônicas, despreocupado com as práticas certas, orienta-se a “definir as condições nas quais o ser humano ‘problematiza’ o que ele é, e o mundo no qual ele vive” (Foucault, 2006, p. 14), buscando o entendimento sobre a forma como são produzidas as relações, o sentido que elas adquirem e, neste percurso, o processo por meio do qual vão sendo cristalizadas como referência moral. Tal aposta na problematização, em lugar de buscar respostas e princípios macropolíticos que expliquem e/ou regulem as práticas sociais, quer elaborar um domínio, questionar e colocar problemas para a política, a partir de movimentos educativos lidos como arenas de experimentações.
Encontramos numa entrevista de M. Foucault, no ano de 1984, essa operação de inversão que implode importantes pilares do paradigma problema-solução, tais como: o lugar da autoridade, a função da polêmica, o consenso como pressuposto e critério de validação (de quem fala e do que se fala), tão pregnantes entre nós. O modo da polêmica que, “a pretexto de um exame metódico, recusaria todas as soluções possíveis, exceto uma, que seria a boa” (Foucault, 2004, p. 228), instala a figura do polemista como autoridade inquestionável, transformando o interlocutor em inimigo a ser eliminado e inviabilizando qualquer possibilidade de uma investigação realizada em comum.
Na contramão de enunciar uma verdade na forma de julgamento, a problematização volta-se para a variabilidade presente na montagem de circuitos produtivos de sociabilidades, de sentidos, de conflitos, de ocupação dos espaços, de afetos, acessando a complexidade e convidando à desinstitucionalização entendida aqui como gestos elementares de deslocamentos cotidianos.
Os caminhos investigativos que apresentamos sob a forma de artigos encontram e convocam diferentes intercessores – alguns mais próximos da microfísica, outros da micropolítica ou, ainda, dos institucionalismos – para com eles dar visibilidade aos processos de ajuste, de controle e de recusa no campo da educação. Processos agonísticos e inacabados, que forçam a pensar nos encontros e na sua utilidade (imanente) como o que torna um corpo capaz de afetar e de ser afetado de muitas maneiras. Nessa entrada ética o julgamento é subordinado à multiplicidade de afetos implicados no conhecer e na potência de agir.
References
Foucault, M. (2004). Polêmica, Política e Problematizações. In M. B. Motta (Org.), Ditos e escritos. Ética, Sexualidade, Política (Vol. 5, pp. 225-233). Tradução de Elisa Monteiro e Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Foucault, M. (2006). História da Sexualidade 2. O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Edições Graal.