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OCDE, PISA e Avaliação em Larga Escala no Brasil: Algumas Implicações

OECD, PISA and Large-Scale Assessment in Brazil: Some Implications

OCDE, PISA y Evaluación a Gran Escala en Brasil: Algunas Implicaciones

Álvaro Moreira Hypolito
Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Tiago Jorge
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

OCDE, PISA e Avaliação em Larga Escala no Brasil: Algumas Implicações

Sisyphus — Journal of Education, vol. 8, núm. 1, pp. 10-27, 2020

Universidade de Lisboa

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Recepção: 29 Novembro 2019

Revised document received: 31 Janeiro 2020

Aprovação: 03 Fevereiro 2020

Publicado: 28 Fevereiro 2020

Resumo: No presente artigo será discutida a centralidade das políticas de avaliação externa e sua utilização como mecanismo de regulação tanto nacional quanto internacionalmente. Para tanto, o trabalho está dividido em quatro partes. A primeira parte discute a Nova Gestão Pública e o papel da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nas reformas educacionais. A segunda parte tem como foco o papel do PISA como instrumento de regulação. Na terceira parte a discussão detém-se sobre as políticas de avaliação no Brasil e seu alinhamento com a lógica de regulação apresentada. Na última parte a discussão está voltada para as influências desse modo de regulação nos currículos, que culminaram, por exemplo, na criação da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio no Brasil.

Palavras-chave: nova gestão pública, políticas de avaliação educacional, reforma curricular.

Abstract: This paper will discuss the centrality of external evaluation policies and their use as a regulatory mechanism both nationally and internationally. To this end, the article is divided into four parts. The first part discusses New Public Management and the role of the Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) in educational reforms. The second part focuses on the role of PISA as a regulatory instrument. In the third part, the discussion focuses on evaluation policies in Brazil and their alignment with the regulatory logic presented. In the last part, the discussion focuses on the influences of these orientations on curricula, which have culminated, for example, in the creation of the Common National Curriculum Base of High School in Brazil.

Keywords: new public management, educational assessment policies, curriculum reform.

Resumen: Este artículo discutirá la centralidad de las políticas de evaluación externa y su uso como mecanismo regulador tanto a nivel nacional como internacional. Para este fin, el trabajo se divide en cuatro partes. La primera parte discute la Nueva Gestión Pública y el papel de la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico (OCDE) en las reformas educativas. La segunda parte está centrada en el papel de PISA como instrumento regulador. En la tercera parte, la discusión se enfoca en las políticas de evaluación en Brasil y su alineación con la lógica regulatoria presentada. En la última parte, la discusión gira en torno a las influencias de estos modos de regulación en los planes de estudio, que culmina en la creación de la Base Curricular Nacional Común de la Escuela Secundaria en Brasil.

Palabras clave: nueva gestión pública, políticas de evaluación educativa, reforma curricular.

INTRODUÇÃO

A discussão sobre a centralidade das políticas de avaliação em larga escala na educação passa pela discussão acerca do movimento de reforma educacional e da criação de uma agenda educacional global, com problemas e prioridades similares, que são enfrentados e formulados a partir de uma abordagem gerencial muito semelhante. Responsabilização, padrões, descentralização e autonomia escolar são os principais princípios políticos adotados (Verger, Parcerisa, & Fontdevila, 2018). As avaliações nacionais em larga escala têm sido utilizadas, nesse contexto, como forma de monitorar currículos padronizados, a fim de reforçar a responsabilização de escolas, diretores e professores.

Tais reformas são baseadas no princípio da Nova Gestão Pública que visa organizar as políticas educacionais com os princípios da racionalidade econômica e financeira, buscam a eficiência e a eficácia e se apoiam nas orientações de organismos reguladores (ministérios ou agências) que reforçam as exigências de prestação de contas (Normand, 2018). Este acoplamento entre gestão e avaliação reforça a lógica da eficiência e eficácia, e, mais particularmente, a racionalização do custo da gestão de recursos humanos. Esta vinculação entre gestão e avaliação permite também dar maior legitimidade à descentralização dos orçamentos e à responsabilização dos educadores na escala local, o que endossa, por vezes, os sistemas de segurança-qualidade. A importância da discussão sobre essas reformas globais é levantada por vários autores que buscam estudar tal fenômeno ligado ao caso europeu (Grek, 2016; Normand, 2018; Pettersson & Molstad, 2016; Verger, 2019).

Conforme destacado por Oliveira (2018), o contexto latino-americano foi marcado, durante a década de 1990, por intensos processos de reforma estatal que se justificaram pelas necessidades de ajustes estruturais e alteraram a relação entre Estado e sociedade civil, com grandes mudanças na ação pública e o desenvolvimento de outros modos de regulação. Essas reformas tiveram como base a Nova Gestão Pública que, como se sabe, utiliza os critérios da economia privada para a gestão pública e promove o enfraquecimento da noção de público como bem comum e, consequentemente, de direito público, no qual se inscreve a educação.

No presente artigo será discutida a centralidade das políticas de avaliação externa e sua utilização como mecanismo de regulação tanto nacional quanto aquela incentivada por organismos internacionais. O texto se propõe a apresentar uma síntese sobre a temática servindo de subsídio para realização de uma análise de dados mais profunda em investigações mais amplas. Para tanto, o trabalho está dividido em quatro partes. Na primeira parte será discutida a Nova Gestão Pública e o papel da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nas reformas educacionais. A segunda parte tem como foco o papel do Programme for International Student Assessment (PISA) como instrumento de regulação. A terceira parte discute as políticas de avaliação no Brasil e seu alinhamento com a lógica de regulação. Na última parte a discussão volta-se para as influências dessa lógica de regulação nos currículos, com a criação da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio no Brasil.

A NOVA GESTÃO PÚBLICA E O PAPEL DA OCDE NA EDUCAÇÃO

Oliveira (2003) destaca que as reformas educacionais dos anos de 1990, implantadas em diversos países da América Latina, determinaram transformações na organização do trabalho escolar e na gestão. Estas transformações envolveram tanto a função social da escola quanto o perfil de seus alunos devido ao processo de universalização do acesso e, principalmente, o papel e a identidade dos professores.

Os princípios da Nova Gestão Pública impuseram-se por meio de um discurso reformador que se traduz em normas e procedimentos administrativos no âmbito do Estado e da educação. Esse discurso acaba por se tornar presente nas práticas profissionais no sistema educacional, com a determinação de novas lógicas de organização e gestão que se baseiam em resultados quantificáveis.

A Nova Gestão Pública pode ser caracterizada pelos seguintes princípios: dissociação das funções de execução e controle; fragmentação das burocracias e sua abertura às demandas e exigências dos usuários; concorrência de atores públicos com o setor privado e a terceirização dos serviços; reforço das responsabilidades e da autonomia dos níveis de execução da ação pública; gestão por resultados e contratos de gestão com o estabelecimento de metas e objetivos e formas de avaliação de desempenho; normalização, via padronização, baseadas em evidências, das práticas profissionais e em experimentos exemplares (Demazière, Lessard, & Morrissete, 2013).

A premissa para análise desse modelo de gestão é definida por Popkewitz (1996) a partir da compreensão das mudanças que ocorrem na profissão docente em um determinado contexto, por meio da ampliação do foco de visão para além da escola, a fim de perceber como as políticas educativas estatais sofrem influências de distintas ordens e são incorporadas pelos diferentes atores do sistema educacional. O autor procura situar o Estado como um ator central da problemática da regulação, cujas mudanças nas políticas educacionais são um exemplo de mudanças na regulação social e na relação entre atores de organismos estatais e a sociedade civil.

Pode-se dizer, portanto, que estas reformas trazem uma nova regulação educacional que pode ser evidenciada por vários fatores, tais como a centralidade que é atribuída à administração escolar nos programas relacionados à reforma (nesses programas, a escola é situada como núcleo do planejamento e da gestão); a regularidade e ampliação dos exames nacionais de avaliação, assim como mecanismos de avaliação institucional e gestão escolar baseados em arranjos locais e com mecanismos de participação da comunidade.

É destacado por Oliveira (2000) que esse processo apresenta uma dupla caracterização, em que a gestão e o financiamento são descentralizados, enquanto o processo de avaliação e controle do sistema apresentam um caráter centralizado. Observa-se tal centralização da avaliação pelo surgimento de exames padronizados, de modo que a autonomia da escola pode ser problematizada, uma vez que a instituição passa a ser monitorada de outra maneira.

O desenvolvimento das políticas públicas de educação com grande ênfase nos sistemas de avaliação, principalmente a avaliação de desempenho dos alunos como critério de avaliação das escolas e docentes, além de introduzir fatores de mercado no sistema educativo por meio da criação de rankings de escolas e utilização dos resultados dos testes padronizados como critério para a alocação diferenciada de recursos, traz em seu bojo um alto grau de responsabilização dos professores pelos resultados alcançados nos sistemas escolares.

Tenti Fanfani (2007) chama atenção para o fato de se atribuir um caráter multifuncional à escola. A escola passa a atender demandas diversas e até mesmo contraditórias, que não correspondem à qualidade dos recursos que possui. A consequência disso, segundo o autor, seria uma decepção e um desencanto social a respeito da escola, uma vez que a sociedade tende a esperar mais da escola do que ela é capaz de produzir. Este processo leva a uma sensação de decepção e mal estar no corpo docente, que se configuram como agentes centrais da escola.

No debate acerca da escola como espaço de promoção da justiça social, houve uma substituição da noção de igualdade pela noção de equidade, partindo do princípio de que pelo reconhecimento das diferenças alcançar-se-ia a igualdade (Derouet, 2009). Essa substituição levou a uma inclusão da diversidade na escola, o que pode ser observado pela adoção de políticas compensatórias e programas sociais focalizados a públicos mais específicos, o que acarreta uma dificuldade acerca do que seria a qualidade na educação, uma vez que proporciona mudanças com uma tendência à flexibilização, ao mesmo tempo em que ganham centralidade nos exames externos de avaliação que reduzem as medidas de desempenho a conteúdos mais específicos.

Outro aspecto, destacado por Tenti Fanfani (2007), é que a maior parte das políticas de profissionalização docente, adotadas juntamente com as reformas dos anos 1990, inspirou-se mais na racionalidade técnica e instrumental do que na racionalidade orgânica. Muitas dessas ações incluíam critérios de autonomia e accountability por parte dos docentes, e estavam associadas à adoção de um conjunto de dispositivos de medição da qualidade da aprendizagem por meio de avaliações sistêmicas. Tais mecanismos reforçaram o controle externo sobre o trabalho dos docentes.

As avaliações configuram-se como um importante instrumento de regulação sobre o trabalho docente, uma vez que responsabilizam os professores pelo desempenho dos alunos. Lessard (2006) comunga da mesma visão e chama a atenção para um modelo de regulação na educação de caráter econômico-burocrático. Este modelo, segundo o autor, relaciona-se com a exigência de resultados no campo das políticas educacionais, é operacionalizado por meio de indicadores quantitativos e de acompanhamento do desempenho dos alunos, dos professores, das escolas e até mesmo dos sistemas educacionais locais e nacionais. O modelo, conforme destaca Lessard, associa, de diversas maneiras, a alocação de recursos aos resultados alcançados, por meio de metas de desempenho a serem atingidas, o que tem repercussão direta sobre os docentes.

Nesse modelo, a relação entre os professores e a sociedade é caracterizada pela suspeita de ineficácia ou de incompetência, ou até pela desconfiança a respeito destes últimos, desconfiança que exige um acompanhamento rigoroso do trabalho docente. Essa desconfiança só pode ser dissipada pela demonstração de um valor agregado dos professores considerados não só individualmente, mas como um grupo pertencente a um estabelecimento. (Lessard, 2006, p. 148)

Outro aspecto da centralidade na avaliação externa e sistêmica é ressaltado por Apple e Jungck (1992) quanto à realidade dos professores dos Estados Unidos na década de 1980, mas que apresenta semelhanças com o que ocorre em diversos países, inclusive no Brasil. Para esses autores, a introdução dessa modalidade de avaliação externa tem impacto direto sobre a autonomia dos professores e suas práticas, uma vez que garante, de forma explícita, um direcionamento e um controle por meio de pressões sobre os professores para que sejam ensinados meramente os conteúdos dos testes padronizados. Assim, o processo de avaliação externa acaba por promover uma intensa desprofissionalização da função docente. O professor, de certa forma, deixa de ser “dono” dos seus próprios atos, perde autonomia profissional e transforma-se em um instrumento para se alcançar objetivos que são impostos de fora para dentro (Apple & Jungck, 1992, p. 135).

Essa dinâmica das reformas se insere em um contexto geral em que, conforme dito anteriormente, desenvolve-se em um movimento de reformas globais nas políticas educacionais. Tal dinâmica é demonstrada por estudos que analisam a influência das políticas de avaliação na Europa. O estudo apresentado por Grek (2010) discute a influência da OCDE na definição de políticas educacionais onde as noções de “habilidades” e “competências” ganham centralidade uma vez que a definição das políticas públicas na área de educação passa a ser delineada com base nos resultados das políticas de avaliação. Já Carvalho e Costa (2017) analisam a utilização dos resultados do PISA na definição de um espaço comum europeu de elaboração de políticas públicas em educação. Outro estudo que reforça as análises aqui apresentadas é o de Sellar e Lingard (2014) que demonstram como o PISA vem sendo utilizado como um instrumento para aumentar a influência da OCDE na definição de políticas públicas na Europa. Normand (2018) chama a atenção para a tendência, em toda a Europa, de políticas educativas de estabelecimento de metas, objetivos, medidas de performance ou de eficácia. Segundo o autor, mesmo com construções diferentes em cada país, a eficiência e a eficácia do corpo docente estão sempre vinculadas à melhoria dos resultados dos exames e dos testes dos alunos.

A Nova Gestão Pública se funda sobre os princípios da racionalidade econômica e financeira, visando a eficiência, a eficácia e se apoiando sobre organismos reguladores (ministérios e agências) que reforçam a exigência da prestação de contas (accountability). Este acoplamento entre gestão e avaliação serve para justificar o domínio da despesa pública em educação e, mais particularmente, a racionalização do custo da gestão de recursos humanos. (Normand, 2018, p. 18)

Essa tendência, observada também por Grek (2016) em relação à Europa, serve de modelo para a análise da região latino-americana. Nesse sentido, é possível observar que a UNESCO, que exerceu papel central na orientação das políticas educativas na América Latina durante os anos 1960 até os anos 1980, foi sendo substituída pela influência crescente do Banco Mundial no final dos anos 1980 e durante toda a década de 1990. Na atualidade a crescente participação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, por meio da prova PISA (Programme for International Student Assessment) e da pesquisa Teaching and Learning International Survey – TALIS, demonstra como as influências trazidas pelos organismos internacionais estão a serviço de produzir um espaço comum, tanto no sentido da comparabilidade e concorrência, quanto no sentido de integração e convergência a um projeto em escala internacional.

Tal papel desempenhado pela OCDE também é destacado por Pettersson e Molstad (2016). Para os autores, apesar da OCDE estar primeiramente preocupada com as políticas econômicas, a educação tem assumido cada vez mais um papel importante na sua agenda.

No caso do Brasil, a relação com a OCDE tem ocorrido, de forma continuada ao longo de diferentes governos, há mais de 20 anos. Na área da educação, o órgão interlocutor é o INEP. O Brasil é considerado um parceiro estratégico da OCDE (key partner) e pactuou com a organização, em 2015, um acordo de cooperação, com interesse em aprofundar ainda mais essa parceria.

O PISA COMO INSTRUMENTO DE REGULAÇÃO

O Programme for International Student Assessment (PISA), lançado no final dos anos 1990, é um instrumento internacional de avaliação comparada do desempenho dos estudantes, que se configura como um dos principais meios de ação da OCDE no campo da educação. Esta agência apresenta o PISA como um instrumento que pretende responder às exigências dos seus países membros, por meio da disponibilização de dados sobre o conhecimento e as competências dos seus alunos e, consequentemente, sobre o desempenho dos seus sistemas de ensino.

O PISA avalia estudantes com idade entre 15 anos e 2 meses e 16 anos e 3 meses (no momento da aplicação do teste), matriculados em uma instituição educacional. Avalia a sua aprendizagem por meio da escolarização, em relação aos conhecimentos e habilidades essenciais para a completa participação na sociedade moderna, e se estão preparados para os desafios do mundo atual. É uma avaliação trienal e foca três áreas cognitivas: ciências, leitura e matemática –, além da contextualização dos resultados por meio de questionários aplicados aos estudantes, diretores de escolas, professores e pais.

Carvalho (2009) ressalta que o PISA vai além desta proposta, configura-se como importante instrumento de regulação deste organismo internacional.

Encontramos no PISA as características de um “instrumento de acção pública” que reúne e entrelaça componentes técnicas (medida, cálculo, procedimento) e sociais (representações, símbolos) e que tanto é portador de representações e de problematizações específicas do universo educativo, como participa na organização das relações sociais específicas entre actores, introduzindo regras, normas, procedimentos que intentam dar estabilidade e previsibilidade à acção colectiva e individual no universo educativo. Assim, os indicadores da literacia matemática, científica, de leitura, entre outros, que o PISA providencia não são, nestas páginas, entendidos como sinalizadores da capacidade que os países avaliados têm para promoverem aprendizagens nos seus sistemas escolares. (...) [O que importa são] as regras e as normas que o PISA fixa ou induz; as formas “adequadas” de prover educação que põe em equação; o exercício de mútua observação em que coloca – regularmente – os decisores políticos num espaço “competitivo-cooperativo” mundial. (Carvalho, 2009, p. 1017)

Como instrumento de regulação, o PISA acaba por direcionar as expectativas sobre que tipo de força de trabalho deve existir e para que realidades do mercado de trabalho deve ser preparada. Outro aspecto que demonstra esse poder de regulação baseado nos resultados do PISA é a tendência crescente de uma justificativa externa para as políticas adotadas. Busca-se uma autoridade externa, a quem se recorra quando a competência interna não se mostrar suficiente para alcançar os objetivos. Carvalho e Costa (2017) destacam dois aspectos da influência do PISA nos processos políticos: a utilização dos resultados do PISA para a análise dos sistemas educacionais e definição de regras; a definição dos resultados do PISA como critério para a definição de qualidade dos sistemas educacionais. A adoção de determinadas políticas é justificada pelo modelo adotado externamente e com resultados satisfatórios baseados no PISA, uma vez que os rankings da OCDE são apresentados como uma espécie de modelo de racionalidade científica mensurável e facilmente acessível. Embora muitas vezes essa adoção se mostre tendenciosa e redutora, ela possibilita aos gestores das políticas educativas justificar suas ações e reformas de ensino junto ao público em geral. No caso do PISA, este processo tem início com a construção de testes de mensuração das aptidões dos alunos e a publicitação dos resultados por meio da imprensa e de seminários e congressos, nos quais a apresentação dos resultados estatísticos ignora o caráter científico, com os dados convertidos em tabelas classificadoras dos países, com base nos níveis médios alcançados e gerando, assim, definições de bons e maus sistemas educativos.

O que Pettersson e Molstad (2016) ressaltam é que a idéia do PISA vai além de um simples exame, uma vez que cria fundamentos sobre como ver e pensar a educação, bem como incentiva e realiza a comparação, tanto que a OCDE promove reuniões para discutir os seus resultados entre países e publica periodicamente relatórios globais e por países. Esse incentivo à comparação entre países acaba por ser questionável, uma vez que as situações de desenvolvimento socioeconômico, as formas de gerência dos serviços de estado, bem como as culturas das nações são muito diversas.

Apesar de tais ressalvas, Carvalho (2011) destaca que o PISA obteve, ao longo dos anos, uma consagração expressiva no campo educacional, pois tem servido para legitimar medidas políticas, e promover debates e pesquisas. É possível dizer que se trata de um objeto a que políticos, investigadores, especialistas e altos quadros da administração recorrem com frequência para problematizar ou apontar soluções para o setor da educação.

O PISA teve sua sétima edição em 2018, foi apresentado pela OCDE (2004) como sinalizador da capacidade de os governos desenvolverem ações que promovam a melhoria das aprendizagens em seus sistemas escolares. O que Carvalho (2011) chama a atenção é que são instrumentos que colocam os formuladores de políticas de cada país em um espaço competitivo-colaborativo mundial e servem para a fabricação, circulação e apropriação de tecnologia de conhecimento e política.

O Brasil é o único país sul-americano que participou de todas as edições do PISA desde sua primeira aplicação, em outubro de 2000. Segundo o documento disponível no site do MEC, intitulado “Brasil no PISA 2015. Análises e reflexões sobre o desempenho dos estudantes brasileiros” (BRASIL.MEC/INEP, 2016), os dados disponibilizados fornecem como principais tipos de resultados: a) Indicadores de um perfil básico de conhecimento e habilidades dos estudantes; b) Indicadores derivados de questionários que mostram como tais habilidades são relacionadas a variáveis demográficas, sociais, econômicas e educacionais; c) Indicadores de tendências que acompanham o desempenho dos estudantes e monitoram os sistemas educacionais ao longo do tempo.

De acordo com Villani e Oliveira (2018), no que se refere à produção dos dados do PISA, os resultados relativos ao sistema educacional brasileiro devem ser analisados de forma crítica, tendo em vista a realidade escolar brasileira que se apresenta de forma complexa, muito diversificada e com um nível de desigualdade econômica e cultural forte, não só entre estados, mas também entre municípios de um mesmo estado.

O que as autoras ressaltam é que ao ser adotado como modelo de referência tanto estatística quanto epistemológica de qualidade da educação, o PISA acaba por direcionar as ações governamentais e de gestores e formuladores políticos. Dessa forma, o PISA configura-se como um mecanismo de interferência da OCDE nas políticas educacionais do Brasil uma vez que produz uma transformação e uniformização do conceito de qualidade educativa que é incorporada e representa uma situação de poder sobre a política de educação no país (Villani & Oliveira, 2018).

Nesse sentido fica clara a utilização do PISA como um dispositivo de orientação e controle das ações governamentais na educação. No caso do Brasil, tal instrumento torna-se referência para o estabelecimento de metas de desempenho nas avaliações nacionais por meio do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Tais mecanismos de regulação passam a ter respaldo na legislação uma vez que o Plano Nacional de Educação (PNE), (BRASIL, 2014), que regulamenta a educação no país, com vigência por 10 anos (2014 a 2024), em sua meta 7, define os critérios para a qualidade da Educação Básica no país e propõe as metas nacionais para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), até 2021. Define também que deve ocorrer uma melhoria do desempenho escolar dos alunos da Educação Básica no programa PISA, ao definir, inclusive, em sua Estratégia 7.11, as projeções numéricas para as médias nacionais a serem obtidas nos exames PISA realizados durante o período de vigência do plano.

Evidencia-se com isso a presença de argumentos baseados no PISA e presentes nos documentos da OCDE para a educação nas reformas educacionais realizadas ou em curso no Brasil nos últimos anos, o que deixa evidente a influência desse organismo nas ações governamentais ligadas à educação.

AS AVALIAÇÕES EXTERNAS NO BRASIL

No tópico anterior foram apresentados alguns elementos do PISA como um instrumento de regulação da educação. Nesta seção serão apresentados os sistemas de avaliação da Educação Básica no Brasil, tendo em vista o alinhamento com a lógica de regulação apresentada ao longo dos tópicos anteriores.

A perspectiva da avaliação educacional associada à garantia de um padrão de qualidade e como um dos princípios básicos do ensino está presente na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 206. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (1996) referenda o papel da avaliação no sentido da melhoria de qualidade do ensino e assegura um processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior (Art. 9º, Inc. 6, Lei 9.394/1996). A LDBEN atribuiu para a União “a prerrogativa de estabelecer um processo permanente de avaliação do rendimento escolar e das instituições, pondo-se quase como agente externo deste processo, monitorando indicadores de desempenho” (Cury, 1997, p. 105).

As reformas educacionais dos anos 1990 no Brasil ocorreram a partir da construção de uma nova proposta de regulação estatal para as políticas públicas com foco na reestruturação econômica. Nesse sentido, fortaleceram-se as propostas de mudanças na ação estatal em que o Estado deixaria de desempenhar um papel histórico de produtor de bens e serviços para se transformar em Estado Regulador e Avaliador. Tratava-se, entre outros aspectos, de substituir controles burocráticos por uma nova cultura gerencial, que incorporava a política de avaliação como elemento estratégico da gestão pública (Duarte, 2005).

Com base numa lógica gerencialista da educação são integrados no vocabulário educacional conceitos como eficiência, eficácia, produtividade, indicadores, premiações, competências, dentre outros. O modelo gerencialista engendra no sistema educacional uma série de mecanismos de políticas de responsabilização (Hypolito & Ivo, 2013). Nessa perspectiva, a avaliação de políticas e programas públicos ganham um lugar de destaque, como meio para mensurar o desempenho e exercer a prestação de contas à sociedade. A avaliação aparece diretamente ligada ao desempenho, à suposta promoção de maior transparência e à criação de mecanismos de responsabilização (Bonamino & Sousa, 2012).

No caso do Brasil, pesquisas para avaliação do desempenho escolar se iniciaram a partir da consolidação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), na década de 1990, criado com o objetivo de coletar dados sobre o desempenho acadêmico dos alunos.

A partir de 2005, o SAEB sofre uma reestruturação (Portaria/ MEC n. 931), passando a ser composto por dois subsistemas: a Avaliação Nacional da Educação (ANEB) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), mais conhecida como Prova Brasil.

A ANEB é bianual e abrange a rede pública e privada de ensino. É direcionada aos estudantes do 5º ano e do 9º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio regular, tanto em áreas urbanas como rurais. As disciplinas avaliadas são Língua Portuguesa e Matemática. Os dados da ANEB são apresentados por unidades da federação (estados) e por regiões geográficas.

A ANRESC (Prova Brasil) tem como foco os estudantes do 5º ano e 9º ano do Ensino Fundamental da rede pública de ensino. Para participar, as escolas necessitam ter no mínimo 30 alunos matriculados nos anos avaliados. Trata-se de uma avaliação censitária bianual. A ANRESC tem como objetivo produzir diagnósticos em duas áreas de aprendizagem: Língua Portuguesa e Matemática.

Os instrumentos avaliativos da ANEB e ANRESC compreendem testes cognitivos e questionários contextuais.

Os resultados da Prova Brasil, a partir de 2007, passaram a integrar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que surge como um indicador métrico importante nesse contexto gerencialista. Tal índice toma como parâmetros o rendimento dos alunos, por meio da pontuação em exames padronizados de Língua Portuguesa e Matemática, além dos indicadores de fluxo, tais como taxas de promoção, repetência e evasão escolar. Com base nessas medidas, criou-se uma escala de 0 a 10. Ao se aplicar esse instrumento de medida aos alunos, em 2005, chegou-se ao índice médio de 3,8. Com base nesse índice, foram estabelecidas metas progressivas de melhoria, prevendo-se atingir, em 2022, a média de 6,0, valor obtido pelos países da OCDE que ficaram entre os 20 com maior desenvolvimento educacional do mundo. Observa-se, com isso, que o IDEB passa a se configurar como um importante instrumento de regulação da educação por parte do governo federal, uma vez que tanto o apoio técnico quanto o financeiro são oferecidos aos municípios com base em seus dados.

Essa centralidade dos sistemas de avaliação, no caso brasileiro, acompanha a tendência já descrita anteriormente, de outros países. Hypolito (2010) ressalta que essa expansão de elementos de mercado presentes na reestruturação educacional é construída em dois momentos importantes para a consolidação das políticas educativas neoliberais:

  1. 1. 1) o momento da introdução de um sistema bastante amplo centrado numa ideia de prestação de contas, baseado em testes padronizados, com a finalidade de identificar quem fracassa (estudantes e escolas) e de atribuir penalidades respectivas ao desempenho escolar, sem levar em conta o contexto social em que tais resultados são produzidos – este momento, embora vigente, foi mais característico do início dos anos de 1990;

    2) outro momento, mais recente – início dos anos de 2000 –, que enfatiza uma articulação mais concreta da educação e das escolas com o mercado e suas formas de gerência, a fim de proporcionar maior flexibilidade econômica e administrativa, com o fechamento de escolas improdutivas e o incentivo à parceria público-privada, submetendo as escolas, os estudantes e os docentes à lógica mercadológica, ao empreendedorismo e ao consumismo. A gestão democrática e o discurso da participação podem constituir parte do discurso oficial, com políticas de aparente incentivo à descentralização financeira e a uma autonomia, mais imaginada do que realizada. Todavia, o poder de decisão das comunidades e a interlocução com os sindicatos e docentes ficam cada vez mais comprometidos. (Hypolito, 2010, p. 1342)

As diretrizes educacionais adotadas pelos últimos governos, ao longo das últimas décadas, adotam uma série de ações que demonstram uma coerência consistente com tais políticas, caracterizadas por uma centralidade dos aspectos econômicos e de gestão, em detrimento dos aspectos políticos e sociais. A educação, neste contexto, é deslocada para a esfera econômica, tendo como característica a centralidade de técnicas gerenciais típicas do mercado.

Nesse contexto, cabe ressaltar também as mudanças no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Este exame foi instituído pela Portaria n.º 438/1998 (BRASIL, 1998), como uma ação integrada à política nacional de avaliação da Educação Básica, portanto, em um contexto de reforma da educação brasileira.

Segundo os documentos oficiais, este exame tem como função avaliar o rendimento dos participantes, por meio da aquisição de conteúdos, competências e habilidades desenvolvidas ao longo da Educação Básica (BRASIL, 1998). O foco nas competências e habilidades conduz a relações entre a organização curricular e os processos de avaliação, ou seja, as “competências se inserem em uma perspectiva curricular instrumental que tende a limitar o conhecimento ao saber fazer e ao desempenho” (Lopes & Lopez, 2010, p. 100).

Em 2009 foi apresentada pelo Ministério da Educação uma nova proposta para reformulação do ENEM (Portaria INEP nº 109/2009) e o seu uso como forma de seleção unificada nos processos seletivos dos Institutos Federais de Ensino Superior (IFES). O novo ENEM passou a ser composto por testes de rendimento em quatro áreas do conhecimento: linguagens, códigos e suas tecnologias (incluindo redação); ciências humanas e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; e matemática e suas tecnologias.

A partir da Portaria INEP nº 109/2009, o ENEM passou a ter como objetivos: democratizar as oportunidades de acesso às vagas federais de ensino superior; possibilitar a mobilidade acadêmica; induzir a reestruturação dos currículos do Ensino Médio; promover a certificação de jovens com mais de 18 anos, sendo mantida a perspectiva inicial de ser uma referência para autoavaliação e de ser um instrumento complementar de processos seletivos para o mundo do trabalho. As instituições de educação superior poderiam optar por aderir ao novo ENEM ou como fase única para seleção de estudantes, ou como a primeira fase do processo seletivo; ou combinar o ENEM e o vestibular realizado pela própria instituição; ou como fase única, para as vagas remanescentes do vestibular (BRASIL, 2009).

A edição do ENEM de 2010 passou a contar com novas finalidades. A primeira delas se refere ao Sistema de Seleção Unificada (SISU), aprovado mediante a Portaria nº 2, de janeiro de 2010, e a segunda, a exigência do ENEM para acesso ao Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). O discurso oficial para legitimara unificação do ENEM ao SISU justificava-se pela suposta democratização do acesso aos cursos de ensino superior no país, essencialmente para os estudantes em contexto de classe menos favorecida e estudantes de escola pública. No entanto, de acordo com estudo de Lourenço (2016), o ENEM ao preconizar a característica seletiva e classificatória, acaba por reforçar a meritocracia. Segundo este autor, frente à desigualdade de oportunidades existentes no país, o ENEM não consegue alterar a lógica que estava presente nos tradicionais vestibulares, como forma de ingresso nas universidades (Lourenço, 2016, p. 20).

A matriz de referência do ENEM, datada de 2012, apresenta cinco eixos cognitivos, que são: dominar linguagens (DL); compreender fenômenos (CF); enfrentar situações-problema (SP); construir argumentação (CA) e elaborar propostas (EP), comuns a todas as áreas de conhecimento, bem como as competências por área e objetos de conhecimento associados às Matrizes de Referência também divididos por área. (BRASIL, 2012).

Oliveira (2016) destaca que o ENEM ocasiona fortes implicações para o Ensino Médio, principalmente na estrutura curricular ao direcionar os conteúdos para o atendimento dos conhecimentos exigidos na prova.

Oliveira e Jorge (2015) ressaltam que o desenvolvimento das políticas públicas de educação com grande ênfase nos sistemas de avaliação, principalmente na avaliação de desempenho dos alunos como critério de avaliação das escolas e docentes, além de introduzir fatores de mercado no sistema educativo, por meio da criação de rankings de escolas e utilização dos resultados dos testes padronizados como critério para a alocação diferenciada de recursos, traz em seu bojo um alto grau de responsabilização dos professores pelos resultados alcançados nos sistemas escolares.

AVALIAÇÃO E CURRÍCULO

Conforme ressaltado anteriormente, a centralidade das políticas de avaliação na educação, bem como a criação de indicadores e o estabelecimento de metas como sinônimo de qualidade da educação acaba por trazer consequências para a organização do currículo.

Uma vez que as práticas pedagógicas são direcionadas para a busca por melhores resultados nos exames e melhores classificações nos rankings das escolas, a tendência é que os currículos passem a se moldar de acordo com as matrizes de avaliação dos sistemas de avaliação, no caso o IDEB e o PISA. Sendo assim, as disciplinas com seus conteúdos ligados à leitura e à escrita, bem como à matemática, passam a ter um papel central na escola, com uma carga horária maior e utilização de outras estratégias, como aulas de reforço para estudantes com desempenho abaixo do esperado como forma de não prejudicar o resultado da escola.

Segundo Hypolito e Ivo (2013), a reconfiguração curricular tem provocado a disjunção e hierarquização do conhecimento, uma vez que há quebra das conexões inerentes entre as mais diversas áreas, como história, geografia, sociologia, filosofia, artes, e outras. Ainda segundo os autores, outros elementos formativos passam a ser desconsiderados ou marginalizados, tais como os conhecimentos acerca do contexto da comunidade e do lugar onde a escola está inserida e as experiências educativas advindas de outros espaços. Os estudantes são tratados como sujeitos iguais, com as mesmas condições de aprendizagem, suas individualidades e os diferentes contextos escolares são negados ou negligenciados.

A discussão acerca das políticas curriculares passou, em 2018, a ter como foco a reconfiguração do Ensino Médio, de modo a adequar-se à Lei nº. 13.415/2017, que instituiu a reforma dessa etapa da educação no Brasil. Esta lei previu a ampliação progressiva da carga horária do ensino médio para 1.400 horas/ano, com a implementação da educação integral. No entanto, diminuiu a carga horária da formação geral dos estudantes para 1.800 horas, a serem desenvolvidas de acordo com a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCCEM), aprovada em 17 de dezembro de 2018.

Além disso, essa nova reconfiguração implanta um currículo flexível, por meio da oferta de cinco itinerários formativos: linguagem e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias; formação técnica e profissional. Estes itinerários serão implantados nas escolas, de acordo com suas condições de infraestrutura e disponibilidade orçamentária, podendo ser ofertado somente um deles. Somente as disciplinas de português e matemática são obrigatórias nos 3 anos de curso. Artes, Educação Física, Sociologia e Filosofia perdem o caráter de disciplina e devem ser incluídas no currículo como práticas ou estudos, mas não por todo o percurso, pois podem ocorrer em um único módulo (BRASIL, 2017).

Pinto (2018) ressalta que o novo formato curricular para o Ensino Médio aprimora o esvaziamento dos conteúdos de formação e direciona parcela significativa dos jovens, que se encontram na escola pública, a percursos que provavelmente não lhes permitirão o acesso ao mercado de trabalho formal, tampouco o prosseguimento de seus estudos em universidades públicas.

Conforme se observa no documento “Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Educação é a Base” (BRASIL, 2018), é notória a semelhança entre a forma como são descritas as competências e habilidades no documento citado e as previstas no PISA, como se pode ver a seguir:

O conceito de competência, adotado pela BNCC, marca a discussão pedagógica e social das últimas décadas e pode ser inferido no texto da LDB, especialmente quando se estabelecem as finalidades gerais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (Artigos 32 e 35). (...) O foco no desenvolvimento de competências tem orientado a maioria dos Estados e Municípios brasileiros e diferentes países na construção de seus currículos. É esse também o enfoque adotado nas avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA).

Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC. (BRASIL, 2018, p. 13)

Aliado a isso, deve-se levar em conta que, historicamente, o Ensino Médio se mostra de forma dual, ou apresenta uma formação para o mundo do trabalho ou para o prosseguimento dos estudos na educação superior. Esta dualidade vai estar presente na ordem legal em diferentes épocas históricas, em um ir e vir, e, mesmo quando a legislação não a impõe, a dualidade se coloca. Considerando a enorme desigualdade social existente no país, alguns têm condições de dar prosseguimento aos estudos, enquanto outros são obrigados a abandonar o ensino médio por necessidade de trabalho, ou por não verem sentido na sua continuidade, como forma de ascensão social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As avaliações em larga escala dos sistemas educativos são, de modo geral, criações de governos ou de órgãos e entidades nacionais e internacionais, que atuam no campo da educação, com a finalidade de conhecer as aquisições e os resultados escolares, bem como formular e ou intervir na política pública educacional. Não são instrumentos neutros de avaliação dos conhecimentos escolares e representam práticas principalmente forjadas no final do século XX, comuns em diversos países. Suscitam várias polêmicas científicas e acadêmicas e se constituem de modo geral em provas e exames padronizados, chamados de externos, uma vez que são concebidos e gerenciados fora do contexto onde se processa a escolarização.

As avaliações em larga escala e os currículos dependem das intenções políticas dos que as concebem e se tornam, por vezes, questionáveis, pois são impostos como instrumentos amplos de uma nova regulação educativa dos sistemas educacionais e, assim, exercem efeitos sobre os docentes que trabalham na educação pública.

Atualmente, vivemos em um emaranhado de testes e avaliações, tais como os programas internacionais PISA e TALIS, o teste ENEM e o ENCCEJA (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos), assim como o SAEB, constituído por várias modalidades de exames.

No caso do Brasil, essa lógica culminou com a criação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), motivo de embates e lobbies para sua criação, ou por interesses de mercado ou por interesses neoconservadores de controle do conhecimento escolar (Hypolito, 2019). De um modo ou de outro, servirá a BNCC para orientar todo o sistema de avaliação.

Os organismos internacionais desempenham papel central nesse contexto, na medida em que o alinhamento entre o que se avalia e o que se ensina é um projeto que não se atém apenas ao âmbito nacional, mas global, sendo a OCDE um dos principais agentes propulsores.

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Notas

[1] O SISU é uma ferramenta online que cruza os dados das vagas nas instituições de ensino com as notas dos alunos no Enem, é possível, por meio de apenas uma inscrição, pleitear vagas em instituições públicas de todo o país.
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