Dossiê
Apresentação do Dossiê “Teoria do Discurso em debate e a possibilidade de interlocuções”
Presentación del Dossier “La Teoría del Discurso em discusión y la posibilidad de interlocuciones”
Presentation of the Dossier “Discourse Theory under discussion and the possibility of interlocutions”
Apresentação do Dossiê “Teoria do Discurso em debate e a possibilidade de interlocuções”
Simbiótica. Revista Eletrônica, vol. 6, núm. 1, pp. 01-05, 2019
Universidade Federal do Espírito Santo
A Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe tem revelado, cada vez mais, seu alcance teórico, metodológico e epistemológico no que diz respeito à compreensão dos fenômenos sociais contemporâneos de natureza complexa e dinâmica. Devido ao seu caráter pósfundacionalista e pós-estruturalista, com bases sustentadas em Marx, Lacan, Gramsci, Althusser, Derrida, Husserl, Heidegger, entre outros pensadores, a Teoria do Discurso se projeta como ferramenta analítica para as mais variadas correntes teóricas da filosofia, da sociologia, da ciência política, da antropologia ou da educação.
Por conta desse vasto cabedal interdisciplinar, a Teoria do Discurso se apresenta como alternativa à compreensão e explicação dos fenômenos que circundam nossa realidade. Muitos são os esforços de importantes pesquisadores no tocante à divulgação dos pressupostos laclaunianos e mouffeanos nas mais diversas áreas do conhecimento nas ciências sociais e humanas. Nesse sentido, se for verdade que a complexidade do mundo contemporâneo se mostra mais alentada e desafiante às lentes da teoria social, faz-se imperativo buscar novos e redobrados esforços com o
objetivo de lançar luzes ao tecido social que tem se configurado nas últimas décadas, com tamanha velocidade nunca vista em períodos anteriores na história humana. 2 Importar tabla
É com esse espírito que o dossiê “A Teoria do Discurso em debate e a possibilidade de interlocuções”, publicado pela Revista Simbiótica, da Universidade Federal do Espirito Santo (UFES), neste segundo semestre de 2019, foi pensado. O objetivo é reunir trabalhos que propõem um diálogo da estrutura conceitual da Teoria do Discurso com outros autores e pressupostos teóricos das mais variadas correntes epistemológicas, bem como apresentar novas reflexões a partir da própria teoria em debate.
Abrindo o dossiê, temos nada menos que Chantal Mouffe, uma das maiores representantes da Teoria do Discurso, juntamente com Ernesto Laclau. Em seu texto, “The populist moment”, a autora problematiza o que denomina de um “momento populista” na Europa Ocidental, cuja emergência está ligada à proliferação de movimentos anti-establishment e que apontam em direção à crise da hegemonia neoliberal. Mouffe argumenta que muitos movimentos de resistência insurgiram contrapondo-se à rejeição pós-democrática da soberania do povo e às graves consequências do processo de globalização de cunho neoliberal. Entretanto, conforme salienta a autora, tais resistências foram cooptadas pelos partidos de direita, os quais têm articulado as demandas populares em torno de um vocabulário nacionalista e xenofóbico. Portanto, com o objetivo de prescrever uma saída para esta situação, Mouffe afirma que se faz necessária uma resposta política progressista adequada para as demandas populares, a partir de um discurso que seja capaz de articular democraticamente os mais variados pleitos da nossa sociedade. Essa estratégia política, Mouffe denomina de “populismo de esquerda”.
No segundo artigo, intitulado “Estrategias políticas y emancipación. Laclau discutiendo con Rancière”, María Antonia Muñoz explora o argumento de que a tensão e o conflito produzidos por um determinado sujeito político questionador da ordem e a pré-inscrição do social apontam para uma leitura que visa aglutinar duas estratégias a depender do contexto histórico do ponto de vista geográfico, quais sejam: a multiplicação dos antagonismos democráticos e sua própria construção. Em Laclau e Mouffe, a princípio, há uma apreciação da pluralidade, mas posteriormente, os autores também reconhecem que a construção de um povo é a condição sine qua non do funcionamento democrático. Em vez disso, em Rancière, o momento do povo e da democracia parece estar reduzido ao momento da rebelião e da igualdade. A autora expõe que o debate laclauniano em
torno da estratégia política constituída à emancipação democrática, se conjugado segundo os pressupostos de Mouffe e Rancière, poderá ser amplamente útil para organizar essa contenda. 3 Importar tabla
Dando sequência, o artigo “Teoria do Discurso: possibilidades de análise dos sentidos da docência na política curricular (1996-2006)”, de Kátia Costa Lima Corrêa de Araújo, opera a Teoria do Discurso para compreender a ideia da docência como base à formação e à identidade dos trabalhadores da educação, produzida pela Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANPOFE). A autora destaca tal base como uma demanda hegemônica na arena de debates em torno da política curricular brasileira (1996-2006). Dessa maneira, a tônica do texto de Araújo é a Teoria do Discurso, enquanto apoio teórico para questionar os essencialismos e as tentativas de fechamento de sentido e de significação da política curricular, a qual é abordada pela autora como objeto de investigação.
No quarto artigo do dossiê, cujo título é “Del no-lugar a un exterior constitutivo indeterminado: Hacia un análisis de la posicionalidad de las juventudes en el contexto de la desestructuración”, os autores Rita Guadalupe Angulo Villanueva e Ricardo Barrios Campos salientam a relação da análise discursiva de Laclau e Mouffe com a de Alicia Alba, os conceitos de pós-modernidade e educação líquida de Bauman, além da noção de crise estrutural generalizada, também de Alicia Alba. Nesse sentido, os autores propõem uma determinada abordagem teórica que possa dar conta de compreender a posicionalidade dos jovens mexicanos num contexto de crise estrutural generalizada, apresentando, a partir disso, três metáforas referentes ao fenômeno da posicionalidade, quais sejam: “no-place”; “Mobius Strip”; e o jogo de quebra-cabeça chamado de “Diablotin”. Como destacam, a estrutura tem sido incapaz de manter a categoria social de juventude como um lugar de trânsito para a maioria dos jovens em determinados contextos sociais. Porém, ao mesmo tempo, argumentam que a categoria social de juventude não desapareceu, mas esta desestruturando e disseminando seus elementos para outros espaços e lugares da estrutura.
Na continuidade, o artigo de Alejandro Varas e Marcela Mandiola, intitulado “Antagonismos nodales: una alternativa al problema de la lucha de clases en Laclau y Žižek”, tem como mote a discussão entre o pensador argentino e o filósofo esloveno acerca da importância da luta de classes, compreendida como antagonismo. Os autores buscam chamar atenção para as lacunas de cada uma dessas duas perspectivas, evidenciando, segundo eles, um problema não resolvido por Laclau e Žižek sobre a articulação de antagonismos. Para tanto, Varas e Mandiola
relacionam os conceitos laclaunianos de significante vazio, ponto nodal e ponto de ruptura com o cabedal teórico žižekiano, propondo, a partir disto, a categoria de “antagonismo nodal” a fim de 4 Importar tabla
explicar o conjunto de antagonismos em torno de um antagonismo principal, que poderia ser o antagonismo de classe.
Fechando a seção de artigos, Marcelo Buttelli Ramos, no trabalho titulado “A hegemonia da resposta penal conforme as lógicas social, política e fantasmática de Glynos e Howarth: uma proposta de análise”, explora o potencial heurístico do modelo teórico-metodológico desses autores em relação a pesquisas que tenham por objetivo a análise da discursividade parlamentar, em particular, os debates em torno da Lei dos Crimes Hediondos e das suas subsequentes reformas. Segundo o autor, tais debates parecem ter, de um lado, abandonado por completo o ideal da ressocialização e, de outro, aderido, sem ressalvas, à pressuposição de que a única finalidade do cárcere é servir como instrumento de contenção (função aparente), quiçá de eliminação (função latente), de indivíduos considerados perigosos em função da sua aparente irrecuperabilidade.
Além dos artigos aqui brevemente apresentados, o dossiê também conta com a resenha de
Gabriel Coelho e Everton Garcia da obra “O legado transdisciplinar de Ernesto Laclau”, organizada por Léo Peixoto Rodrigues, Daniel de Mendonça e Bianca Linhares, publicada em 2017, pela editora Intermeios. O livro é produto das conferências, mesas e debates realizados no I Simpósio Pós-Estruturalismo e Teoria Social: o legado transdisciplinar de Ernesto Laclau, evento realizado entre os dias 16 e 18 de setembro de 2015, na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que contou com a presença de pesquisadores de diferentes lugares da América Latina. Nesta resenha, os autores abordam, sobretudo, as contribuições epistemológicas, teóricas e metodológicas dos textos publicados salientando o avanço dos estudos e pesquisas no âmbito da teoria do discurso.
Para encerrar, Michele Diana da Luz apresenta a tradução do texto de Chantal Mouffe publicado neste dossiê. O objetivo da tradução é potencializar o alcance das reflexões de Mouffe.
Ao fim e ao cabo, nós, os organizadores do dossiê, esperamos que o mesmo seja convidativo e instigante à leitura e à pesquisa tanto para quem está adentrando, quanto para aqueles que já possuem uma larga experiência nas incursões pela Teoria do Discurso. Esperamos, ademais, que os textos ora publicados sirvam para divulgação e consolidação dos pressupostos laclaunianos e mouffeanos, especialmente no Brasil, transformando-se, portanto, em mais uma ferramenta analítica capaz de compreender a complexidade dos fenômenos sociais que têm emergido nesta contemporaneidade.
A todos e a todas, uma boa leitura!