Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
O legado transdisciplinar de Ernesto Laclau
Everton Garcia da Costa; Gabriel Bandeira Coelho
Everton Garcia da Costa; Gabriel Bandeira Coelho
O legado transdisciplinar de Ernesto Laclau
El legado transdisciplinario de Ernesto Laclau
The transdisciplinary legacy of Ernesto Laclau
Simbiótica. Revista Eletrônica, vol. 6, núm. 1, pp. 147-153, 2019
Universidade Federal do Espírito Santo
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Livro resenhado: Ernesto Laclau e seu legado transdisciplinar

Organizadores: Léo Peixoto Rodrigues; Daniel de Mendonça; Bianca Linhares Cidade: São Paulo

Editora: Intermeios Ano: 2017

Carátula del artículo

Dossiê

O legado transdisciplinar de Ernesto Laclau

El legado transdisciplinario de Ernesto Laclau

The transdisciplinary legacy of Ernesto Laclau

Everton Garcia da Costa
UFRGS, Brasil
Gabriel Bandeira Coelho
UFRGS, Brasil
Simbiótica. Revista Eletrônica, vol. 6, núm. 1, pp. 147-153, 2019
Universidade Federal do Espírito Santo

The Guardian, a vitória do Syriza foi diretamente influenciada pelo pensamento de Laclau: “O Syriza construiu sua coalização política exatamente como Laclau descreveu em seu livro fundamental de 2005, a Razão Populista” (HANCOX, 2015, online).

Dentre os principais livros de Laclau, sem dúvida, merece destaque Hegemonia e

estratégia socialista: por uma política democrática radical, publicado originalmente em 1985, juntamente com Chantal Mouffe – cuja versão em português foi lançada no Brasil em 2015, pela editora Intermeios em comemoração aos 30 anos desta importante obra para as ciências humanas e sociais. Muito recentemente, em 2017, a Intermeios publicou também outra relevante obra sobre a Teoria do Discurso laclauniana: Ernesto Laclau e seu legado transdisciplinar. Este, por sua vez, não se trata de um livro escrito pelo próprio pensador argentino, mas sim de uma coletânea, a qual reúne uma série de trabalhos elaborados por importantes pesquisadores em teoria laclauniana, tanto do Brasil, quanto de outros países da 148

América do Sul.

A coletânea foi organizada por Leo Peixoto Rodrigues, Daniel de Mendonça e Bianca Linhares, docentes do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).[1] Além dos organizadores, participaram da obra Paula Biglieri (Universidade de Buenos Aires), Nadir Lara Junior (Unisinos), Jean Jeison Fuhr (Unisinos), André Urban Kist (Unisinos), Céli Regina Pinto (UFRGS), Alice Casemiro Lopes (UERJ) e Aureo Toledo Gomes (UFU). O livro é resultado das conferências e discussões realizadas durante o “I Simpósio Pós-Estruturalismo e Teoria Social: o legado transdisciplinar de Ernesto Laclau” 2, evento realizado entre os dias 16 e 18 de setembro de 2015, na UFPel, que contou com a presença de pesquisadores de diferentes partes da América Latina. Segundo os organizadores da coletânea, os trabalhos nela contidos “não somente refletem e aplicam o pensamento de Laclau, mas demonstram o seu potencial heurístico, visto que os capítulos (...)

Importar imagen

estabelecem diálogos possíveis entre si, a partir dos elementos ontológicos, epistemológicos e políticos que norteiam o pensamento laclauniano” (p. 08).

Com o intuito de explorar de forma pormenorizada este livro, traçamos, a seguir, uma breve apresentação e discussão dos sete capítulos contidos nele, para que o leitor consiga captar a essência e a robustez teórica e epistemológica de cada trabalho.

O primeiro capítulo, “Da verdade metafísica à verdade antropológica: elementos filosóficos para a compreensão do pós-fundacionalismo”, de caráter introdutório, escrito pelos três organizadores, aborda significativos elementos filosóficos e epistemológicos acerca do pósfundacionalismo enquanto base de compreensão à teoria do discurso e ao pós-estruturalismo. Tal capítulo se encaixa minuciosamente no início do livro, uma vez que salienta questões teóricas e epistemológicas que são, sem dúvida, balizadoras para qualquer leitor que se aventure no campo da Teoria do Discurso laclauniana. O texto é de significativa importância, pois explora uma dimensão epistemológica pouco problematizada nas ciências sociais: a ideia de pós-estruturalismo/pós-fundacionalismo. Quase como um “tabu” nas ciências sociais, a premissa de que não existe um fundamento único e universal, absoluto e preenchido totalmente de sentido vem adentrando algumas lacunas deixadas pelos metarrelatos da tradição filosófica, 149 a qual tinha por pressuposto a verdade única e inabalável. Em síntese, se o tecido social tem reivindicado cada vez mais uma postura complexa, as teorias que lançam olhares a essa realidade não podem ser simplistas e reducionistas e é por esse motivo que o pósfundacionalismo surge como possibilidade de crítica ao conservadorismo epistemológico, teórico e metodológico há muito consolidado nas ciências humanas como um todo,

“esfarelando” qualquer noção de verdade total.

O segundo capítulo, de Paula Biglieri, intitulado “Populismo e emancipações: a política radical hoje, uma aproximação (com variações) ao pensamento de Ernesto Laclau”, versa sobre a ideia de política radical como o “fim da emancipação”, além de abordar a noção laclauniana de populismo. O texto apresenta uma breve referência biográfica sobre Laclau, sobretudo no que diz respeito a sua militância política, o que é muito relevante para se entender a novidade do conceito de populismo proposta pelo pensador argentino. Em um segundo momento, Biglieri salienta os principais argumentos que levaram Laclau e Mouffe a tornarem radical os pressupostos de Gramsci e Althusser, o que produziu, segundo a autora, a ruptura pós-marxista marcante na Teoria do Discurso. Este é um dos pontos seminais do capítulo, pois nos mostra como a teoria laclauniana sobre hegemonia rompe, de certo modo, com a perspectiva de hegemonia gramsciana e com a ideia essencialista e determinista althusseriana da economia. Por último, Biglieri lança luz aos conceitos laclaunianos de populismo e de emancipação, enfatizando algumas mudanças no que tange à categoria de “demanda”.

“Por que não seria o ‘lulismo’ populista?” é o capítulo assinado por Daniel de Mendonça. Neste texto, o autor problematiza e contrapõe-se ao ponto de vista negativo que

André Singer coloca ao populismo petista, o qual este último denomina de “lulismo”. Segundo Mendonça (p. 41) “em oposição a tal perspectiva vacilante de Singer, o lulismo é claramente uma forma populista de governar. Esta é a principal tese defendida neste capítulo”. Mendonça destaca os principais argumentos de Singer sobre o lulismo, para, em seguida, desconstruir o sentido negativo até então empregado ao conceito de populismo, bem como salientar as características populistas do discurso petista e do governo Lula. Mendonça conclui o capítulo enfatizando a tese de que o lulismo não seria outra coisa senão uma forma de populismo no poder. É importante ressaltar que o texto de Mendonça vai de encontro à ideia “senso comum”, a qual percebe o populismo como algo negativo e pejorativo. Para além desta definição impregnada de preconceitos, reproduzidos na retórica de políticos e até mesmo de muitos intelectuais das ciências humanas e sociais, Mendonça defende que o populismo, antes de tudo, 150 trata-se de uma doutrina política legítima, baseada nas demandas populares.

O quarto capítulo, de autoria de Nadir Lara Junior, Jean Jeison Fuhr e André Urban Kist,

“Diálogos possíveis entre a psicanálise lacaniana e a teoria do discurso”, enfatiza – a partir de uma robusta incursão teórica e epistemológica – as nuances entre Laclau e a psicanálise. Os autores não apenas mostram as profícuas interlocuções entre essas duas perspectivas, mas evidenciam o quanto a Teoria do Discurso está embebida pela psicanálise, sobretudo a lacaniana, a partir dos conceitos de significante e significado. Não podemos deixar de elencar, também, o percurso epistemológico que aos autores traçam para abordar a passagem da visão estruturalista à pós-estruturalista, a partir do rompimento, segundo eles, com a premissa de um espaço estruturante e totalmente constituído, preconizado pelo estruturalismo francês. Sendo assim, os autores afirmam que o objetivo do capítulo é contribuir com a reflexão da temática proposta no âmbito da pesquisa brasileira, salientando a relevância de Laclau e de Lacan para os estudos acerca da politica contemporânea.

Por seu turno, Céli Regina Pinto, no capítulo “É possível falar de um discurso feminista no século XXI?”, busca “identificar regularidades, ou não, nos diversos discursos expressos em movimentos que dão abrigo à existência do feminismo” (p. 86). Em outras palavras, a autora procura investigar aquilo que gera a unidade do discurso nomeado de “feminista”. Para tanto, ao invés de se basear nas teorias feministas existentes, Pinto lança mão da análise de discurso da Escola de Essex (Teoria do Discurso) com o objetivo de identificar como tem se construído os discursos feministas na segunda década do século XXI. Nesse sentido, a autora defende a tese de que há a possibilidade de muitos feminismos. Tal pressuposto de “vários feminismos possíveis”, o qual consubstancia o capítulo, retrata a própria noção laclauniana de que há uma infinidade de discursos, de sentidos possíveis no campo da discursividade. Não há, portanto, apenas uma verdade absoluta e totalizante ou “o feminismo”. Antes disso, existem “os feminismos”, os quais superam qualquer tentativa discursiva de preencher sentido à noção de feminismo, enquanto significante vazio. Tal argumento fica evidente se atentarmos para o cenário mundial, cuja fragmentação entre os grupos que defendem os direitos das mulheres é demasiadamente ampla.

Na continuidade, o capítulo 6, “Política, conhecimento e a defesa de um vazio normativo”, escrito por Alice Casimiro Lopes, versa, principalmente, sobre a precariedade/ impossibilidade de qualquer fundamento último, ou seja, a impossibilidade de estabelecimento de determinada verdade absoluta e universal. A autora declara de forma veemente que seu texto 151 possui caráter militante, adotando uma postura crítica e de militância contra a atual hegemonia da proposta de base nacional comum curricular: a conhecida BNCC. Para Lopes, o debate em torno da BNCC caracteriza-se como um exemplo “ou mesmo um pretexto para a defesa de um vazio normativo e para crítica aos fundamentos estáveis e plenos do social” (p. 109). Seu objetivo, logo, é questionar os fundamentos históricos e epistemológicos que se pretendem últimos e definitivos na política de currículos, utilizando a BNCC como objeto de análise. Além de contribuir para o entendimento da relação entre os pressupostos teóricos da Teoria do Discurso e a empiria, a tônica do texto são os questionamentos que a autora expõe quando da problematização sobre como lidar com o fato de não existir conhecimento legítimo (dimensão de fundamento) ligado a uma norma ética e a necessidade de descobrir o fundamento o qual sustenta a política. Lopes ainda faz o seguinte questionamento: mesmo que não haja fundamentos únicos, poderíamos, de certo modo, atuar através de fundamentos provisórios e consensuais em um determinado tempo-espaço? Esta questão leva-nos a entender – conforme a autora deixa explícito em suas conclusões – que seu texto está preocupado em como buscar uma construção discursiva, a qual proponha e construa uma sociedade de caráter menos excludente, mesmo que a partir de verdades precárias e contingentes.

Ao fim e ao cabo, o último capítulo, intitulado “Construção da paz e virada local: uma

proposta de leitura”, escrito por Aureo de Toledo Gomes, objetiva expor as relações entre a área designada atualmente de “estudos críticos sobre construção da paz” (peacebuilding) com os pressupostos teóricos da Teoria do Discurso. O autor nos convida à contenda sobre peacebuilding e a virada local, mostrando como a literatura crítica sobre o tema tem contribuído para o debate acerca da construção discursiva da “paz” após conflitos locais. Ademais, Gomes faz uso dos principais conceitos de Laclau, tais como hegemonia, discurso, articulação, significante vazio, dentre outros, sistematizando, nesse sentido, as bases conceituais que dão sustentação a seus argumentos. Trata-se de um capítulo relevante no que diz respeito à relação que o autor propõe entre teoria e empiria, aproximando o cabedal teórico da Teoria do Discurso das Relações Internacionais, a fim de explorar a geopolítica em torno da constituição de identidades em torno da “paz” e do “local”.

Diante da breve exposição que fizemos sobre cada um dos capítulos que compõem a coletânea Ernesto Laclau e seu legado transdisciplinar, nos parece manifesto que o título da obra não poderia ser outro. Dado a vasta formação dos pesquisadores que contribuíram para o livro, podemos argumentar que a Teoria do Discurso de Ernesto Laclau tem atravessado as 152 fronteiras estanques do modelo tradicional disciplinar. É possível perceber nos textos apresentados que eles transitam nas mais diversas áreas, tais como a sociologia, a ciência política, a filosofia, a história, a psicanálise, a educação, as relações internacionais. Portanto, a teoria laclauniana possui marcadamente um legado, uma trajetória transdisciplinar que muito tem contribuído para as pesquisas em diversas áreas do conhecimento. Uma teoria que há pouco vem conquistando seu espaço no cenário intelectual brasileiro, mas que já demonstra seu potencial epistemológico, teórico e metodológico para os estudos da sociedade contemporânea.

Indubitavelmente, Ernesto Laclau é um dos mais proeminentes intelectuais dos últimos 40 anos no Ocidente. O pensador argentino, que viveu mais de 30 anos na Inglaterra, é a principal referência teórica para os movimentos políticos contemporâneos, como Syriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha. Como destaca uma matéria publicada recentemente no jornal

The Guardian, a vitória do Syriza foi diretamente influenciada pelo pensamento de Laclau: “O Syriza construiu sua coalização política exatamente como Laclau descreveu em seu livro fundamental de 2005, a Razão Populista” (HANCOX, 2015, online).

Dentre os principais livros de Laclau, sem dúvida, merece destaque Hegemonia e

estratégia socialista: por uma política democrática radical, publicado originalmente em 1985, juntamente com Chantal Mouffe – cuja versão em português foi lançada no Brasil em 2015, pela editora Intermeios em comemoração aos 30 anos desta importante obra para as ciências humanas e sociais. Muito recentemente, em 2017, a Intermeios publicou também outra relevante obra sobre a Teoria do Discurso laclauniana: Ernesto Laclau e seu legado transdisciplinar. Este, por sua vez, não se trata de um livro escrito pelo próprio pensador argentino, mas sim de uma coletânea, a qual reúne uma série de trabalhos elaborados por importantes pesquisadores em teoria laclauniana, tanto do Brasil, quanto de outros países da 148

América do Sul.

A coletânea foi organizada por Leo Peixoto Rodrigues, Daniel de Mendonça e Bianca Linhares, docentes do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).[1] Além dos organizadores, participaram da obra Paula Biglieri (Universidade de Buenos Aires), Nadir Lara Junior (Unisinos), Jean Jeison Fuhr (Unisinos), André Urban Kist (Unisinos), Céli Regina Pinto (UFRGS), Alice Casemiro Lopes (UERJ) e Aureo Toledo Gomes (UFU). O livro é resultado das conferências e discussões realizadas durante o “I Simpósio Pós-Estruturalismo e Teoria Social: o legado transdisciplinar de Ernesto Laclau” 2, evento realizado entre os dias 16 e 18 de setembro de 2015, na UFPel, que contou com a presença de pesquisadores de diferentes partes da América Latina. Segundo os organizadores da coletânea, os trabalhos nela contidos “não somente refletem e aplicam o pensamento de Laclau, mas demonstram o seu potencial heurístico, visto que os capítulos (...)

Importar imagen

estabelecem diálogos possíveis entre si, a partir dos elementos ontológicos, epistemológicos e políticos que norteiam o pensamento laclauniano” (p. 08).

Com o intuito de explorar de forma pormenorizada este livro, traçamos, a seguir, uma breve apresentação e discussão dos sete capítulos contidos nele, para que o leitor consiga captar a essência e a robustez teórica e epistemológica de cada trabalho.

O primeiro capítulo, “Da verdade metafísica à verdade antropológica: elementos filosóficos para a compreensão do pós-fundacionalismo”, de caráter introdutório, escrito pelos três organizadores, aborda significativos elementos filosóficos e epistemológicos acerca do pósfundacionalismo enquanto base de compreensão à teoria do discurso e ao pós-estruturalismo. Tal capítulo se encaixa minuciosamente no início do livro, uma vez que salienta questões teóricas e epistemológicas que são, sem dúvida, balizadoras para qualquer leitor que se aventure no campo da Teoria do Discurso laclauniana. O texto é de significativa importância, pois explora uma dimensão epistemológica pouco problematizada nas ciências sociais: a ideia de pós-estruturalismo/pós-fundacionalismo. Quase como um “tabu” nas ciências sociais, a premissa de que não existe um fundamento único e universal, absoluto e preenchido totalmente de sentido vem adentrando algumas lacunas deixadas pelos metarrelatos da tradição filosófica, 149 a qual tinha por pressuposto a verdade única e inabalável. Em síntese, se o tecido social tem reivindicado cada vez mais uma postura complexa, as teorias que lançam olhares a essa realidade não podem ser simplistas e reducionistas e é por esse motivo que o pósfundacionalismo surge como possibilidade de crítica ao conservadorismo epistemológico, teórico e metodológico há muito consolidado nas ciências humanas como um todo,

“esfarelando” qualquer noção de verdade total.

O segundo capítulo, de Paula Biglieri, intitulado “Populismo e emancipações: a política radical hoje, uma aproximação (com variações) ao pensamento de Ernesto Laclau”, versa sobre a ideia de política radical como o “fim da emancipação”, além de abordar a noção laclauniana de populismo. O texto apresenta uma breve referência biográfica sobre Laclau, sobretudo no que diz respeito a sua militância política, o que é muito relevante para se entender a novidade do conceito de populismo proposta pelo pensador argentino. Em um segundo momento, Biglieri salienta os principais argumentos que levaram Laclau e Mouffe a tornarem radical os pressupostos de Gramsci e Althusser, o que produziu, segundo a autora, a ruptura pós-marxista marcante na Teoria do Discurso. Este é um dos pontos seminais do capítulo, pois nos mostra como a teoria laclauniana sobre hegemonia rompe, de certo modo, com a perspectiva de hegemonia gramsciana e com a ideia essencialista e determinista althusseriana da economia. Por último, Biglieri lança luz aos conceitos laclaunianos de populismo e de emancipação, enfatizando algumas mudanças no que tange à categoria de “demanda”.

“Por que não seria o ‘lulismo’ populista?” é o capítulo assinado por Daniel de Mendonça. Neste texto, o autor problematiza e contrapõe-se ao ponto de vista negativo que

André Singer coloca ao populismo petista, o qual este último denomina de “lulismo”. Segundo Mendonça (p. 41) “em oposição a tal perspectiva vacilante de Singer, o lulismo é claramente uma forma populista de governar. Esta é a principal tese defendida neste capítulo”. Mendonça destaca os principais argumentos de Singer sobre o lulismo, para, em seguida, desconstruir o sentido negativo até então empregado ao conceito de populismo, bem como salientar as características populistas do discurso petista e do governo Lula. Mendonça conclui o capítulo enfatizando a tese de que o lulismo não seria outra coisa senão uma forma de populismo no poder. É importante ressaltar que o texto de Mendonça vai de encontro à ideia “senso comum”, a qual percebe o populismo como algo negativo e pejorativo. Para além desta definição impregnada de preconceitos, reproduzidos na retórica de políticos e até mesmo de muitos intelectuais das ciências humanas e sociais, Mendonça defende que o populismo, antes de tudo, 150 trata-se de uma doutrina política legítima, baseada nas demandas populares.

O quarto capítulo, de autoria de Nadir Lara Junior, Jean Jeison Fuhr e André Urban Kist,

“Diálogos possíveis entre a psicanálise lacaniana e a teoria do discurso”, enfatiza – a partir de uma robusta incursão teórica e epistemológica – as nuances entre Laclau e a psicanálise. Os autores não apenas mostram as profícuas interlocuções entre essas duas perspectivas, mas evidenciam o quanto a Teoria do Discurso está embebida pela psicanálise, sobretudo a lacaniana, a partir dos conceitos de significante e significado. Não podemos deixar de elencar, também, o percurso epistemológico que aos autores traçam para abordar a passagem da visão estruturalista à pós-estruturalista, a partir do rompimento, segundo eles, com a premissa de um espaço estruturante e totalmente constituído, preconizado pelo estruturalismo francês. Sendo assim, os autores afirmam que o objetivo do capítulo é contribuir com a reflexão da temática proposta no âmbito da pesquisa brasileira, salientando a relevância de Laclau e de Lacan para os estudos acerca da politica contemporânea.

Por seu turno, Céli Regina Pinto, no capítulo “É possível falar de um discurso feminista no século XXI?”, busca “identificar regularidades, ou não, nos diversos discursos expressos em movimentos que dão abrigo à existência do feminismo” (p. 86). Em outras palavras, a autora procura investigar aquilo que gera a unidade do discurso nomeado de “feminista”. Para tanto, ao invés de se basear nas teorias feministas existentes, Pinto lança mão da análise de discurso da Escola de Essex (Teoria do Discurso) com o objetivo de identificar como tem se construído os discursos feministas na segunda década do século XXI. Nesse sentido, a autora defende a tese de que há a possibilidade de muitos feminismos. Tal pressuposto de “vários feminismos possíveis”, o qual consubstancia o capítulo, retrata a própria noção laclauniana de que há uma infinidade de discursos, de sentidos possíveis no campo da discursividade. Não há, portanto, apenas uma verdade absoluta e totalizante ou “o feminismo”. Antes disso, existem “os feminismos”, os quais superam qualquer tentativa discursiva de preencher sentido à noção de feminismo, enquanto significante vazio. Tal argumento fica evidente se atentarmos para o cenário mundial, cuja fragmentação entre os grupos que defendem os direitos das mulheres é demasiadamente ampla.

Na continuidade, o capítulo 6, “Política, conhecimento e a defesa de um vazio normativo”, escrito por Alice Casimiro Lopes, versa, principalmente, sobre a precariedade/ impossibilidade de qualquer fundamento último, ou seja, a impossibilidade de estabelecimento de determinada verdade absoluta e universal. A autora declara de forma veemente que seu texto 151 possui caráter militante, adotando uma postura crítica e de militância contra a atual hegemonia da proposta de base nacional comum curricular: a conhecida BNCC. Para Lopes, o debate em torno da BNCC caracteriza-se como um exemplo “ou mesmo um pretexto para a defesa de um vazio normativo e para crítica aos fundamentos estáveis e plenos do social” (p. 109). Seu objetivo, logo, é questionar os fundamentos históricos e epistemológicos que se pretendem últimos e definitivos na política de currículos, utilizando a BNCC como objeto de análise. Além de contribuir para o entendimento da relação entre os pressupostos teóricos da Teoria do Discurso e a empiria, a tônica do texto são os questionamentos que a autora expõe quando da problematização sobre como lidar com o fato de não existir conhecimento legítimo (dimensão de fundamento) ligado a uma norma ética e a necessidade de descobrir o fundamento o qual sustenta a política. Lopes ainda faz o seguinte questionamento: mesmo que não haja fundamentos únicos, poderíamos, de certo modo, atuar através de fundamentos provisórios e consensuais em um determinado tempo-espaço? Esta questão leva-nos a entender – conforme a autora deixa explícito em suas conclusões – que seu texto está preocupado em como buscar uma construção discursiva, a qual proponha e construa uma sociedade de caráter menos excludente, mesmo que a partir de verdades precárias e contingentes.

Ao fim e ao cabo, o último capítulo, intitulado “Construção da paz e virada local: uma

proposta de leitura”, escrito por Aureo de Toledo Gomes, objetiva expor as relações entre a área designada atualmente de “estudos críticos sobre construção da paz” (peacebuilding) com os pressupostos teóricos da Teoria do Discurso. O autor nos convida à contenda sobre peacebuilding e a virada local, mostrando como a literatura crítica sobre o tema tem contribuído para o debate acerca da construção discursiva da “paz” após conflitos locais. Ademais, Gomes faz uso dos principais conceitos de Laclau, tais como hegemonia, discurso, articulação, significante vazio, dentre outros, sistematizando, nesse sentido, as bases conceituais que dão sustentação a seus argumentos. Trata-se de um capítulo relevante no que diz respeito à relação que o autor propõe entre teoria e empiria, aproximando o cabedal teórico da Teoria do Discurso das Relações Internacionais, a fim de explorar a geopolítica em torno da constituição de identidades em torno da “paz” e do “local”.

Diante da breve exposição que fizemos sobre cada um dos capítulos que compõem a coletânea Ernesto Laclau e seu legado transdisciplinar, nos parece manifesto que o título da obra não poderia ser outro. Dado a vasta formação dos pesquisadores que contribuíram para o livro, podemos argumentar que a Teoria do Discurso de Ernesto Laclau tem atravessado as 152 fronteiras estanques do modelo tradicional disciplinar. É possível perceber nos textos apresentados que eles transitam nas mais diversas áreas, tais como a sociologia, a ciência política, a filosofia, a história, a psicanálise, a educação, as relações internacionais. Portanto, a teoria laclauniana possui marcadamente um legado, uma trajetória transdisciplinar que muito tem contribuído para as pesquisas em diversas áreas do conhecimento. Uma teoria que há pouco vem conquistando seu espaço no cenário intelectual brasileiro, mas que já demonstra seu potencial epistemológico, teórico e metodológico para os estudos da sociedade contemporânea.

Com isso, concluímos que os organizadores da obra obtiveram grande êxito nesta publicação, uma vez que ela servirá de base para pesquisas ulteriores que tratem dos temas abordados, ou que tenham a Teoria do Discurso como marco teórico-conceitual. Acreditamos, entretanto, que a coletânea carece de um capítulo voltado à análise do campo científico, visto que este está permeado por uma série de conflitos (políticos) na disputa por hegemonia e por poder. Tal ausência não compromete, no entanto, a qualidade da obra, apenas ressalta que numa próxima edição poderia ser acrescentado um capítulo que teorizasse a ciência à luz da Teoria do Discurso.

Referência

HANCOX, Dan (2015). Why Ernesto Laclau is the intellectual figurehead for Syriza and

Podemos. London: The Guardian. Acesso em: 14 junho 2018. Disponível em:

<https://www.theguardian.com/commentisfree/2015/feb/09/ernesto-laclau-intellectual figurehead-syriza-podemos>

__________________________________

[1] É importante destacar que a UFPel tem se configurado num importante polo de estudos em Pós-Estruturalismo e Teoria do Discurso. Há uma série de trabalhos (dissertações, teses, artigos, eventos) produzidos na Universidade em torno do pensamento de Ernesto Laclau. A instituição conta também com o Grupo de Pesquisa Ideologia e Análise de Discurso. Além disso, em 2013, o próprio Laclau esteve na Instituição como professor visitante. 2 O Simpósio foi organizado pelo Grupo de Pesquisa Ideologia e Análise de Discurso e realizado pelos Programas de Pós-Graduação em Ciência Política e Sociologia da UFPel.

Material suplementar
Notas
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc