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COVID-19 e as revoltas maiúscula e minúscula: Albert Camus, Giorgio Agamben e Slavoj Žižek lidos em paralaxe
Murilo Paiotti Dias; Jaciana Marlova Gonçalves Araujo; Kátia Zanvettor Ferreira
Murilo Paiotti Dias; Jaciana Marlova Gonçalves Araujo; Kátia Zanvettor Ferreira
COVID-19 e as revoltas maiúscula e minúscula: Albert Camus, Giorgio Agamben e Slavoj Žižek lidos em paralaxe
COVID-19 and the upper and lower case revolts: Albert Camus, Giorgio Agamben and Slavoj Žižek read in parallax
COVID-19 y las revueltas mayúscula y minúscula: Albert Camus, Giorgio Agamben y Slavoj Žižek leídos en paralaje
Simbiótica. Revista Eletrônica, vol. 7, núm. Esp.1, pp. 21-38, 2020
Universidade Federal do Espírito Santo
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Palavras chave: Coronavírus, Camus, Agamben, Žižek

Keywords: Coronavirus, Camus, Agamben, Žižek

Carátula del artículo

COVID-19 e as revoltas maiúscula e minúscula: Albert Camus, Giorgio Agamben e Slavoj Žižek lidos em paralaxe

COVID-19 and the upper and lower case revolts: Albert Camus, Giorgio Agamben and Slavoj Žižek read in parallax

COVID-19 y las revueltas mayúscula y minúscula: Albert Camus, Giorgio Agamben y Slavoj Žižek leídos en paralaje

Murilo Paiotti Dias
UNIVAP, Brasil
Jaciana Marlova Gonçalves Araujo
FURG, Brasil
Kátia Zanvettor Ferreira
UNIVAP, Brasil
Simbiótica. Revista Eletrônica, vol. 7, núm. Esp.1, pp. 21-38, 2020
Universidade Federal do Espírito Santo
COVID-19 e as revoltas maiúscula e minúscula: Albert Camus, Giorgio Agamben e Slavoj Žižek lidos em paralaxe

Na primeira parte deste artigo, discorreremos sobre o pensamento filosófico-literário de Albert Camus em relação aos seguintes aspectos: suas influências intelectuais; os conceitos de “absurdo” e “revolta” para relacioná-los com os objetivos deste trabalho; uma apresentação de dois de seus textos literários, A peste (1947) e Estado de sítio (1948), dos quais destacaremos seus protagonistas, Dr. Rieux e Diego, respectivamente. Esses textos e suas personagens serão relacionados aos posicionamentos dos filósofos Giorgio Agamben e Slavoj

Žižek acerca da pandemia do novo coronavírus. Por fim, explanaremos sobre a paralaxe como método de investigação teórica valioso ao nosso texto. Acontecimentos relacionados à COVID-19 serão levantados ao longo do texto para contextualizarmos as posturas revoltosas das personagens fictícias e dos posicionamentos filosóficos com relação à doença que assola o mundo em termos de crise sanitária e política.

A segunda parte deste artigo traça um paralelo entre as particularidades das revoltas da protagonista de Estado de sítio, Diego, e as ideias do filósofo Agamben. Defenderemos que este filósofo italiano encara os efeitos catastróficos da COVID-19 da mesma forma que Diego 22 encarou a Peste. Diego e Agamben estão determinados a lidar com a doença como se ela fosse pretexto a uma forma totalitária de se instaurar o Estado de exceção.

A última parte do texto contém críticas às posturas revoltosas de Diego e Agamben em relação à atual crise pandêmica. Por fim, apresentaremos as revoltas da protagonista de A peste, Dr. Rieux, e de Žižek como mais adequadas ao atual contexto pandêmico.

Defenderemos que, em termos de revolta, o Dr. Rieux encara a peste de forma semelhante a Žižek em sua análise sobre a pandemia do novo coronavírus.

Absurdo e as revoltas maiúscula e minúscula

Allain Badiou escreveu em um livro recentemente publicado sobre a pandemia da COVID-19:

Uma epidemia se torna complexa pelo fato de ser sempre um ponto de articulação entre as determinações naturais e sociais. Sua análise completa é transversal: é preciso compreender os pontos em que as duas determinações se interceptam e tirar conclusões (BADIOU, 2002, p. 37).

Gostaríamos de proporcionar com este texto, senão uma leitura que contemple a

“análise completa” (de que fala Badiou), ao menos uma (re)elaboração das (in)certezas de

quem o lê por meio de uma análise que envolve elementos literários, afinal, “se o mundo fosse claro, não existiria a arte” (CAMUS, 2017c, p. 101). Esta garante outros pontos que fogem às determinações do natural e do social justamente porque as condensa e as sublima[1] para que possamos, enfim, captar o mundo2 e as nossas fantasias[2], ao invés de descrevermos os fenômenos e enumerá-los através de algumas interceptações (CAMUS, 2017c).

Assim, a Literatura – especialmente sob as lentes do arcabouço teórico que traremos – possivelmente também contribua com as “conclusões” que Badiou almeja, ao menos é o que se espera neste texto. Não consideramos o campo científico de importância menor, muito pelo contrário. Diz Camus (2017c, p. 33) a respeito da Ciência e dos cientistas: “Tudo isto é bom e espero que vocês continuem”, mas o mesmo Camus (1962) também nos avisa da importância de se escrever Literatura para elaborar uma Filosofia[3] que garanta um sentido à vida, mesmo que absurdo (irracional, mas descritível), de forma que a Ciência, por si só, não pretende e nem poderia constituir, afinal, “a incerteza se resolve em obra de arte” (CAMUS, 2017c, p. 33).

Apresentaremos agora uma curta introdução às bases epistemológicas de Albert Camus. Em seguida, acrescentaremos a problemática pandêmica da COVID-19, de forma que 23

possamos estabelecer aqui um diálogo entre Camus, Agamben e Žižek sobre o coronavírus. Estado de sítio e A peste são obras que podem proporcionar tanto a discussão como a compreensão de vários aspectos da crise sanitária. Entretanto, se queremos articulá-las aos posicionamentos de Agamben e Žižek acerca da COVID-19, será preciso reconhecer, em primeiro lugar, algum embasamento da Filosofia de Camus para, em seguida, extrairmos uma conclusão dialógica entre os três autores acerca do enfrentamento da pandemia do coronavírus ou de qualquer outra catástrofe futura semelhante.

Camus foi influenciado principalmente por Friedrich Nietzsche, Fiódor Dostoiévski e Miguel de Unamuno. Possuía uma forma autêntica da escrita filosófica que não emprestava os jargões mais recorrentes nas obras de seus contemporâneos. Com vários destes Camus travou debates e/ou estabeleceu colaborações que resultaram em formulações teóricas consagradas na história do pensamento intelectual do século XX. O maior exemplo, talvez, seja a

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Fenomenologia Existencial Humanista de Jean-Paul Sartre[4], este foi amigo de Camus e, em seguida, seu rival no âmbito político após o argelino publicar O homem revoltado (1951), já que tal livro teria criticado o regime soviético defendido por Sartre.

Embora estando enraizado no existencialismo francês, como ensaísta, autor de dramas e romances, [Camus] não é propriamente um filósofo existencialista. Apesar de certas origens comuns, não pode ser agrupado indistintamente entre os filósofos existencialistas de nosso tempo. Recebe e aceita suas influências, mas em decisiva e enérgica contraposição, toma e defende rumos próprios. Muito antes poder-se-ia agrupá-lo dentro da larga tradição de moralistas franceses (BERNDT, 1961, pp. 5354).

Interessa-nos agora discorrer acerca de dois conceitos chaves de Camus: absurdo e revolta. Há um desenvolvimento em toda a sua obra que passa do primeiro conceito ao segundo. O absurdo está imbricado ao Niilismo Humanista de Camus. Aldo Berndt (1961) aponta que o autor nunca negou que a inexistência de Deus – a recusa da infinitude transcendental na experiência religiosa – causasse mal-estar naqueles que, como o próprio Camus, as tomam como evidentes, ou mesmo duvidosas. Eis aqui o mal-estar que funda o seu absurdismo e que ganha teor literário em seu livro mais conhecido, O estrangeiro (1942), no qual o protagonista, Sr. Mersault, enfrenta com uma profunda indiferença situações capazes 24 de abalar o leitor, seja na falha de memória a respeito da ligação do asilo avisando sobre o enterro de sua mãe (que não sabe se foi “ontem” ou “hoje”); nas cenas íntimas com sua amante nas quais, quando indagado se ele a ama, a resposta é “que isto não queria dizer nada, mas que me parecia que não” (CAMUS, 2017d, p. 42), ou até mesmo quando se vê condenado à morte e xinga o padre por este rezar e lhe oferecer a extrema unção.

Se, por um lado, a Literatura de Camus nos apresenta o mundo como absurdo, apenas em sua Filosofia é que passamos a entender que seu absurdismo é a acusação das incessantes tentativas frustradas de racionalização do mundo, assim,

(...) para o homem absurdo, não se trata de explicar e resolver, mas de sentir e descrever. Tudo começa com a indiferença clarividente. (...) A explicação é inútil, mas a sensação perdura e, com ela, os incessantes chamados de um universo inesgotável em quantidade. Agora se entende o lugar que ocupa a obra de arte (CAMUS, 2017c, p. 98).

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Nesse cenário o conceito de revolta seria a resposta coletiva articulada acerca do sentimento do absurdo. A vida que o Sr. Mersault crê que “não vale a pena ser vivida” (CAMUS, 2017d, p. 118) só passa a ser valiosa com a revolta. O homem revoltado trata-se de uma genealogia deste conceito, elaborada por Camus. É preciso estar inconformado com o absurdo, “a revolta é, pois, a única resposta filosófica consequente” (BERNDT, 1961, p. 61) e

“o homem se revolta tanto contra a miséria quanto contra a opressão” (CAMUS, 2017a, p. 31). Assim,

(...) a revolta não nasce, única e obrigatoriamente, entre os oprimidos, podendo nascer também do espetáculo da opressão cuja vítima é um outro. Existe, portanto, neste caso, identificação com outro indivíduo. E é necessário deixar claro que não se trata de uma identificação psicológica, subterfúgio pelo qual o indivíduo sentiria na imaginação que é a ele que se dirige a ofensa. (...) Existem apenas identificação de destino e tomada de partido. Portanto, o indivíduo não é, por si só, esse valor que ele dispõe a defender. São necessários pelo menos todos os homens para abranger esse valor. Na revolta, o homem se transcende no outro, e, desse ponto de vista, a solidariedade humana é metafísica. Trata-se simplesmente, por ora, dessa espécie de solidariedade que nasce nas prisões (CAMUS, 2017a, pp. 31-32).

A peste (1947) e Estado de sítio (1948) são obras publicadas com cerca de um ano de diferença. A peste, que confere o nome à obra A peste, é anônima, com “p” minúsculo, uma 25 ameaça real que independe das significações que possam ser atribuídas a ela; a Peste de

Estado de sítio é uma personagem com “P” maiúsculo e traz consigo os objetivos da dominação autoritária. Ambas tratam de conteúdos semelhantes, mas a partir de perspectivas completamente diferentes. Poderíamos dizer, portanto, que se trata de uma elaboração em paralaxe, ou seja, uma elaboração que se fundamenta como uma forma de evidenciar as contradições que compõem uma mesma realidade, sem, para tanto, negar ou excluir alguma das posições em detrimento das demais, mesmo que elas sejam contrárias ou contraditórias.

A paralaxe não pode ser compreendida puramente como desconstrução. Esse conceito provém da Física e perpassa a filosofia de Kojin Karatani. Žižek (2015) se apropria deste conceito a fim de elaborar um método de investigação teórica que privilegie as diferenças, ao invés de verdades últimas, para

(...) deslocar-se em relação a um determinado objeto [A P/peste, ou a COVID-19, para citar exemplos], fazendo com que ele nos apareça de diferentes modos. [Assim, em paralaxe o mesmo fenômeno pode] assumir diferentes perspectivas espaciais, diferentes pontos de vista, participar do olhar de cada sujeito envolvido numa determinada cena, levando em conta as distorções subjetivas implicadas no olhar de cada um desses sujeitos (MARQUES, 2015, p. 91).

Deste modo, propomos ao leitor a distinção, em paralaxe, de uma revolta minúscula e outra Revolta maiúscula. A primeira está relacionada ao absurdo e ao mal-estar assumidos como uma doença que surte efeitos catastróficos, como em A peste; a segunda diz respeito ao absurdo e ao mal-estar provocados pelo abuso da utilização do Estado de exceção que toma a doença como pretexto para a dominação e o controle autoritários, como em Estado de sítio.

Não buscamos uma cosmovisão (Weltanschaung, em alemão) porque criticaremos respeitosamente a postura de Agamben e assumiremos a perspectiva žižekiana[5] em articulação com a obra de Camus, atentando às diferenças de ambos os autores, mas também experienciando o que podemos extrair dessas teorias quando comparadas. Defendemos que a revolta do Dr. Rieux – protagonista de A peste – diz muito sobre a revolta de Žižek, ao mesmo tempo que a revolta de Diego – protagonista de Estado de sítio – assemelha-se à revolta de Agamben.

A revolta maiúscula de Diego e Agamben

Estado de sítio é o título de um espetáculo escrito em três partes por Camus. Os acontecimentos mais esdrúxulos da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), fruto da invasão do fascista Francisco Franco e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ganham cariz literário 26 no espetáculo. Tudo se passa na cidade de Cádiz (Espanha). No início do livro são apresentados os administradores públicos e burocratas que se esforçam de forma conservadora para garantirem a estabilidade da cidade.

Um dia o governador da cidade de Cádiz recebe dois estrangeiros: a Peste – um homem que porta um uniforme oficial do tipo que passa a imagem de poder – e sua Secretária – uma mulher que se revela mais ao final da peça como a Morte. A Peste demanda do Governador o seu poder executivo para passar a governar a cidade a partir de suas novas leis próprias de um Estado de sítio. O Governador inicialmente rejeita, mas em seguida a Peste solicita à sua Secretária que assassine um de seus guardas a partir de uma radiação que garante três marcas no soldado; a primeira serve de alerta, a segunda adoece e a terceira mata. Ainda assim, o Governador só renuncia quando a Peste ameaça eliminar a aristocracia que apoia seu Governo.

O regime da Peste passa a burocratizar todas as instâncias da população de Cádiz. Certificados de existência passam a ser impressos a quem já possui um certificado de saúde, ou seja, os enfermos deixam de gozar da existência porque são eliminados aqueles que não

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possuem o certificado de existência. Assassinados através de um risco que a Secretária faz no nome de cada uma das trezentos e setenta e duas mil pessoas (372.000) que constam em sua caderneta elaborada a partir de uma coleta de dados promovida pelo novo Governo. A personagem Diego protagoniza uma Revolta contra a personagem Peste. Diego descobre, após dar um tapa na cara da Secretária, que o segredo para enfrentar a Peste e a Secretária (Morte) é não se amedrontar, nem ceder à sua Revolta. O preço que o protagonista paga é a morte, sacrifica-se em nome da Vitória, sua amada, e conquista a própria Morte que passa a amá-lo por ele tê-la acolhido sem temer ou hesitar frente ao seu ideal de uma vida livre.

Agamben, filósofo italiano que tem analisado a pandemia que vivemos atualmente, prioriza, em seus artigos publicados desde fevereiro (2020) até maio (2020) no site da editora Quodlibet, a liberdade da população em sua Revolta acerca do absurdo que vivemos a partir da crise pandêmica do novo coronavírus. Portanto, desconfia do controle da vida social, assim como faz a filosofia do autor que certamente mais o influenciou, Michel Foucault. Agamben Revolta-se contra a burocratização do que chamou de vida nua – culposa e passível de ser executada pelo Estado (AGAMBEN, 2010) – o que nos faz lembrar da própria Revolta de

Diego (personagem de Camus) e outras personagens quando passam a conhecer os 27 certificados de existência que reduzem as suas vidas a serviço da fria máquina burocrática, por exemplo.

O que define agora a minha identidade e a minha reconhecibilidade são os arabescos insensatos que o meu polegar coberto de tinta deixou numa folha de papel de um serviço de polícia. Ou seja, qualquer coisa da qual absolutamente nada sei e com a qual de maneira nenhuma posso identificar-me ou distanciar-me: a vida nua, um dado puramente biológico (AGAMBEN, 2010, pp. 65-66).

Retomando a obra de Camus, a Secretária conta a Diego o segredo para paralisar e fazer a máquina degringolar: coragem e Revolta. Agamben (2020b) anseia em nos revelar o mesmo que foi ensinado e propagado por Diego, assim, o filósofo afirma que os italianos – cegos por conta da vida nua – estão dispostos a sacrificar qualquer coisa pela segurança e saúde oferecida através da quarentena e demais políticas próprias do Estado de exceção. Ora, o mesmo ocorrera com a população de Cádiz até a Revolta de Diego contra a Peste.

Roger Berkowitz (2020) reconheceu a herança arendtiana no pensamento do italiano ao entender que a preocupação moderna já não é mais com a imortalidade da humanidade, mas com o cuidado de si, o zelo pela própria vida. Apenas gostaríamos de acrescentar que tal cegueira causada pela vida nua é fruto da centralidade que o trabalho – como condição humana que garante a continuidade da vida biológica – admitiu na vita activa moderna (ARENDT, 2019). Portanto, eis aqui o porquê de alguns líderes reacionários demandarem o fim da quarentena, como também faz Agamben. Este filósofo quer que percamos o medo de uma pandemia que ele entende como menos letal do que apresentam a mídia e os governantes interessados em nos controlar, enquanto que Presidentes como Trump e Bolsonaro querem flexibilizar a quarentena para que voltemos a nossos postos de trabalho e findem as políticas de auxílio emergencial. Eis o paradoxo da pandemia: o mesmo trabalho que possibilita que continuemos a viver, também coloca nossas vidas em risco.

É verdade que as medidas de quarentena são tomadas em Estado de sítio, inicialmente, pelo Governador, antes deste ceder seu posto de poder à Peste. Porém, lembremos aqui que o Governador – assim como muitos dos líderes políticos a respeito da COVID-19 – evitou ao máximo mudar a rotina da população, ainda que de forma cínica. Eis um diálogo entre o Governador e o primeiro alcaide:

(Governador) – Não, tudo vai se arranjar. O chato é que eu ia à caça. Estas coisas só acontecem quando a gente tem algo importante para fazer. (Primeiro alcaide) – Não, não deixe de ir à caça, deve dar o exemplo. Mostre à cidade a mesma fronte serena que sabe mostrar diante da adversidade (CAMUS, 2002, p. 55).

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Hannah Arendt (2019) é outra filósofa influente no pensamento de Agamben. São apresentadas, em A condição humana – obra publicada pela filósofa em 1958, dez anos após a publicação de Estado de sítio – três condições à existência humana: trabalho, obra e ação. Esta última é a única que se mostra plenamente humana, assim, a partir de influências da Filosofia Clássica, Arendt propõe estabelecer na admissão da pluralidade interacional – em um espaço propriamente público, que inclui a dimensão política, não somente a social –, mediações discursivas e exercícios dialógicos que superem os caminhos da violência.

A burocratização da vida moderna buscou racionalizar o conflito, mas os Estados totalitários utilizaram-se desses meios administrativos em prol de atrocidades que foram, segundo Arendt (1999), banalizadas por aqueles que praticavam o mal e apenas seguiam ordens. Não é esse, em partes, o papel da personagem Secretária quando diz ser “(...) uma simples executante” (CAMUS, 2002, p. 124) com direitos sob a população de Cádiz? Sua tarefa a mando da Peste é tão banalizada que ela se entedia[6] e sente falta, enquanto personificação da morte, de quando as pessoas não morriam enfileiradas, mas ao acaso.

Assim, não basta à Peste que o Governador renuncie frente ao poderio bélico dos invasores, também é necessário que ele o faça admitindo, à população de Cádiz, que tudo está sendo tramitado de forma burocrática, racional e com seu próprio consentimento.

A exclusão entre absolutismo e esfera política era clara na Antiguidade Ocidental (ARENDT, 2019). O fenômeno do nazi fascismo passa a subverter cinicamente a relação entre diálogo e violência, ordem e Niilismo. Não é sem razão que, em Estado de sítio, a personagem Nada (um niilista), é recrutada pela Peste em seu Estado de exceção, ou seja, tanto a burocratização apolínea quanto o niilismo dionisíaco levam à nadificação da pluralidade política priorizada por Arendt e, consequentemente, por Agamben. “Não há uma justiça, mas limites. E aqueles que pretendem não regulamentar nada, como aqueles que queriam regulamentar tudo, ultrapassam igualmente os limites” (CAMUS, 2002, p. 163). A Revolta de Agamben (2020a) culmina na pergunta acerca do limite das nossas renúncias frente ao Estado de exceção, mas não questiona o limite e os efeitos negativos da desregulamentação burocrática frente à pandemia da COVID-19.

A revolta minúscula do Dr. Rieux e Žižek 29

A peste tornou-se best-seller na Europa neste momento de pandemia do novo coronavírus. Raphael Araújo (2020) entende que o sucesso de vendas do livro está ligado ao seu potencial didático para com a nossa necessidade de refletir acerca do que significa essa

“guerra médica” tanto em termos existenciais, quanto em termos éticos. A peste também ganhara notoriedade décadas atrás, quando o filme La peste (1992), dirigido por Luis Puenzo, competiu na quadragésima nona edição do Festival Internacional de Cinema de Veneza, no mesmo ano em que foi lançado. Portanto, estamos tratando aqui de uma obra de grande influência artística e política.

A trama do livro é bem conhecida e trata-se de uma crônica longa. Tudo se passa na Argélia da década de 1940, mais especificamente na cidade aparentemente moderna de Orã. Os primeiros sinais da peste surgem durante a primavera, em Abril, quando ratos começam a surgir e cair mortos, e dura até dezembro do mesmo ano (8 meses), quando os portões da cidade reabrem.

O protagonista e narrador é o Dr. Rieux, um médico comprometido em combater a peste na guerra médica. O livro possui uma ordem cronológica dos fatos que o próprio Dr.

Rieux coleta através de “seu testemunho; em seguida, o de outros, visto que, pelo seu papel, foi levado a recolher as confidências de todos os personagens desta crônica; e, finalmente, os textos que acabaram caindo em suas mãos” (CAMUS, 2017b, p. 12). Há muito o que se aprender acerca da pandemia da COVID-19 a partir do livro, apesar da peste que assola Orã ser uma epidemia contida na própria cidade graças às forças nacionais que isolam o território. A Literatura de Camus é assustadoramente semelhante à nossa realidade global em diversos pontos que o autor destaca na vida de quem é esquecido em Orã e passa a ter consciência disso.

Camus desenvolve uma síntese valiosa que se torna possível através da Arte. Aquilo que seria um problema da alçada médica, dos infectologistas, da questão sanitária, funde-se nas entrelinhas das disputas históricas pelo poder durante o século XX. A peste, segundo consta nas palavras de Savvas Karydakis – que se encontram na contracapa do livro publicado em 2017 pela editora Record – é uma

Alegoria da condição humana, ‘A peste’ é também uma alegoria dos acontecimentos históricos ainda recentes. A cidade de Orã assolada pela epidemia lembra a França ocupada da Segunda Guerra Mundial e a infecção do Nazismo. Romance da resistência, portanto, em todos os sentidos da palavra.

A questão chave que Žižek (2020) elabora em seu livro sobre a pandemia[7] seria a de 30 como fomos pegos tão despreparados pelo coronovírus, mesmo após os cientistas terem nos alertado nas últimas décadas[8], incessantemente, acerca do risco de uma pandemia. O expresidente dos Estados Unidos da América (EUA), Barack Obama (2020), informou, em 2014, que provavelmente chegaria o dia em que uma pandemia causada por uma doença transmissível pelo ar chegasse. Daí ter demandado uma infraestrutura de saúde que fosse global, não somente estadunidense, para identificar, isolar e responder imediatamente à ameaça que poderia acontecer em cinco anos ou uma década, mas que aconteceu em seis anos.

O objetivo desse filósofo comunista é o de estabelecer novas propostas de rearranjos políticos e econômicos que minimizariam os desastres da guerra médica que vivemos e das que viveremos. Ora, não foi só Žižek (2020) que foi tocado por tal questão em termos semelhantes. Camus, décadas antes, além de descrever a expectativa tola dos cidadãos de Orã sobre a peste como temporária, comparou a doença à guerra:

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Houve no mundo igual número de pestes e de guerras. E, contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas. (...) Quando estoura uma guerra, as pessoas dizem: “Não vai durar muito, seria estúpido”. Sem Dúvida, uma guerra é uma tolice, o que não a impede de durar. A tolice insiste sempre, e nós a compreenderíamos se não pensássemos sempre em nós. Nossos concidadãos, a esse respeito, eram como todo mundo: pensavam em si próprios (CAMUS, 2017b, p. 40).

A vantagem de enxergarmos a pandemia como uma “guerra médica” é a de adotarmos certas medidas de cooperação internacional que foram estabelecidas em tempos de guerra entre nações. Não nos referimos aqui às corridas armamentistas ou às acusações racistas e paranoicas que visam a construir um inimigo político quando, por exemplo, se fala em “vírus chinês”, mas à delegação de poder executivo à Organização Mundial da Saúde, ou a garantia de poder supranacional a esse órgão em relação às decisões sobre as medidas a serem adotadas em função da pandemia, por exemplo (ŽIŽEK, 2020). Toda a corrida armamentista, assim como o racismo e a xenofobia, são, perante a peste e a pandemia, sombras inúteis que não nos ajudam a reconhecer aquilo que deveria ser reconhecido; isso porque o homem humanista, de que fala Camus – e que serve de referência ao ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em sua crítica disfarçada de elogio ao Presidente Bolsonaro[9] –, se sente 31 superior ao vírus e aos flagelos quando os imagina inferiores à sua existência humana e ignora as questões latentes de saúde pública e meio ambiente (CAMUS, 2017b).

Talvez essa seja a coisa mais perturbadora que podemos aprender com o decorrer da epidemia viral: quando a natureza nos ataca com viroses, isso é como se ela estivesse, de alguma forma, nos devolvendo a nossa própria mensagem. A mensagem é: o que vocês fizeram a mim, eu agora estou fazendo a vocês (ŽIŽEK, 2020, p. 81).[10]

Não nos admira que o atual Presidente da França, Emmanuel Macron, tenha declarado em março de 2020: “Estamos em guerra!” (EICHENBERG, 2020). Afinal, “quando se vê a

miséria e a dor que ela traz, é preciso ser louco, cego ou covarde para se resignar à peste” (CAMUS, 2017b, p. 120). Agamben (2020a) nos diz que não estamos em guerra com o vírus, o que seria absurdo12 (segundo o filósofo), mas em uma guerra civil conosco. Ora, o que são as dezenas de milhares de mortos graças à COVID-19? Entendemos a Revolta de Agamben ao falar em guerra civil, ao invés de guerra médica, mas seria esse o Estado de controle que

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vivenciamos quando assistimos o Presidente Bolsonaro espalhar o boato, já desmentido, de que faria um churrasco no mesmo final de semana que o Brasil registrara dez mil mortes pela COVID-19? Além de chamar os jornalistas que o criticaram pela decisão festiva de idiotas (FILHO, 2020).

Dez mil mortos são cinco vezes o público de um grande cinema. Aí está o que se deveria fazer. Juntar as pessoas à saída de cinco cinemas para conduzi-las a uma praça da cidade e fazê-las morrer em montes para se compreender alguma coisa. Ao menos poderiam colocar alguns rostos conhecidos nesse amontoado anônimo (CAMUS, 2017b, p. 41).

Não estamos nos resignando às nossas liberdades ao travarmos uma guerra que não existiria, como pensa Agamben (2020b) ao dizer que os italianos não são livres porque aceitam viver perenemente em um estado de emergência que extrairia da vida social a sua dimensão política e afetiva. Não sacrificamos a nossa liberdade por “razões de seguridade”, como afirmara o filósofo. Pelo contrário, estamos respondendo à altura da pandemia, dos flagelos, “e jamais alguém será livre enquanto houver flagelos” (CAMUS, 2017b, p. 41).

A reação de Agamben é apenas um exemplo extremo de uma instância geral da 32 esquerda que lê o “pânico exagerado”, causado pela disseminação do vírus, como uma mistura de um exercício de controle social combinado com elementos completamente racistas, como quando Trump se refere ao "vírus chinês". Contudo, essa interpretação social não faz a realidade da ameaça desaparecer (ŽIŽEK, 2020, p. 75).

Žižek (2020) insiste que não devemos criar expectativas de que nossas vidas tornarão ao “normal”, ou seja, que poderemos viver após a pandemia da COVID-19 como se nada tivesse acontecido, pelo contrário, precisamos lembrar dos efeitos catastróficos da pandemia do coronavírus para exercermos mudanças significativas nos sistemas de saúde do mundo inteiro. “Tudo o que o homem podia ganhar no jogo da peste e da vida era o conhecimento e a memória” (CAMUS, 2017b, p. 270).

A aproximação entre a análise žižekiana e a obra literária de Camus não é inédita.

Outros autores também a promoveram, como Sarah Kruse (2016) ao considerar a personagem Jean-Baptiste Clamence, em seus monólogos no livro A queda (1960), a partir “da importância da articulação narrativa do sintoma para a identidade e ideologia do protagonista” (KRUSE, 2016, p. 1). Além de Kruse, Michael Villanova (2017) discorreu sobre o modus operandi da ideologia conservadora – assim, resgatou o pensamento de Russel Kirk e Michael

Oakeshott – com relação à arte quando subalterna, a fim de proporcionar um meio de se

revoltar contra o status quo criando mudanças políticas que não aconteceriam através das pautas identitárias chamadas pelo autor de pós modernas.

Segundo Villanova (2017, p. 6), “aqueles que pertencem às classes mais altas sugam, como vampiros, a vida daqueles que criam cultura transgressiva”[11], já que pautas de movimentos identitários utilizam “das identidades subjetivas como um método possível de políticas emancipatórias, (...) [o que] é enraizado na premissa conservadora de identidade como algo importante e imutável na esfera sócio cultural” (VILLANOVA, 2017, p. 2).

Vimos anteriormente que importa à revolta – maiúscula ou minúscula – justamente a identificação metafísica – ao invés da imaginária identificação psicológica aqui descartada por Camus (2017a) e acusada de pós-moderna por Villanova (2017) nas pautas identitárias – porque é a única que propiciaria uma solidariedade radical à existência humana. Aqui há uma diferença entre Žižek e Camus. A Psicanálise que influencia Žižek não é um humanismo[12] que apela à solidariedade metafísica, isso não significa que deixe de desafiar o absurdo real da pandemia. Assim, Žižek (2020) critica toda forma de populismo nacionalista que propõe criar muros para uma crise que exige articulação internacional e políticas socialistas.

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Eu não sou um utópico aqui. Eu não apelo a uma solidariedade idealizada entre pessoas – pelo contrário, a crise presente demonstra claramente como a solidariedade e cooperação global são do interesse da sobrevivência de todos nós, como isso é a única coisa egoísta e racional a se fazer (ŽIŽEK, 2020, p. 68).

Um revoltado não é um revolucionário, segundo Camus (2017a). O segundo não hesita em defender regimes autoritários depois de ver sua ideologia acender como oficial em uma nação, seja na China atual, ou mesmo na totalitária União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). O revoltado não se impõe apenas em regimes totalitários e autoritários, mas também em Democracias. A R/revolta exige uma luta constante não só contra a miséria, mas também contra a opressão. Nesse sentido, Žižek (2020) é um revoltado quando critica os oficiais soviéticos que, em 1986, abandonaram e enganaram a população de Chernobyl durante o desastre radioativo, ao mesmo tempo que não se vê satisfeito perante os regimes democráticos que vivemos.

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Isso significa que o espaço vazio democrático e o discurso da plenitude totalitária são estritamente correlatos, dois lados da mesma moeda: não faz sentido jogar um contra o outro e advogar uma democracia ‘radical’ que evitaria esse complemento desagradável (ŽIŽEK, 2011, p. 116).

O Dr. Rieux é o grande revoltado de A peste. O protagonista não se conforma frente ao absurdo da crise sanitária que vivencia, revolta-se ao desafiar a peste, assim como grande parte da classe de trabalhadores da área da saúde que está combatendo a COVID-19. Portanto, o Dr. Rieux e os profissionais da saúde que citamos são “o Sísifo que, na sua honestidade e solidariedade, representa(m) um profundo e arduamente conquistado humanismo” (BERNDT, 1961, p. 64).

Já devem ter notado que Sísifo é o herói[13] absurdo. Tanto por causa de suas paixões como por seu tormento. (...) seu ódio à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício no qual todo o ser se empenha em não terminar coisa alguma. É o preço que se paga pelas paixões desta Terra. Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. No caso deste, só vemos todo o esforço de um corpo tenso ao erguer uma pedra, empurrá-la e ajudá-la a subir uma ladeira cem vezes recomeçada. (...) Sísifo contempla então a pedra despencando em alguns instantes até esse mundo inferior de onde ele terá que tornar a subi-la até os picos. E volta à planície. (...) Este mito só é trágico porque o seu herói é consciente. O que seria a sua pena se a esperança de triunfar o sustentasse a cada passo? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos 34 raros momentos em que se torna consciente (CAMUS, 2017c, pp. 122-123).

Pensemos agora nas consequências que os profissionais de saúde sofrem ao enfrentarem o absurdo da COVID-19. Muitos encontram no suicídio uma solução para o absurdo da crise sanitária (MAHBUBANI & MOSHER, 2020). Camus rejeita o suicídio como resolução do absurdo porque encara que “o que importa não é viver melhor, e sim viver mais” (CAMUS, 2017c, p. 65), ou seja, ao invés de resignar à vida frente ao absurdo, sua Filosofia pretende incitar as pessoas a se revoltarem e desafiarem o mal-estar provocado pelo sentimento do absurdo. Assim, Žizek (2020) considera o próprio Li Wenliang, médico pioneiro na descoberta da pandemia da COVID-19 – morto por conta do coronavírus, além de ter sido investigado pela polícia chinesa por estar supostamente espalhando boatos – um herói do nosso tempo. O filósofo esloveno tece elogios a heróis apesar de demandar de nós o egoísmo e a razão que nos tornaria pró ativos a futuras catástrofes. Portanto, eis aqui uma

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delicada aproximação com o Niilismo Humanista de Camus que reafirma o egoísmo ao mesmo tempo que elabora personagens heroicos.

Conclusão

O exercício em paralaxe, possibilitado através da Literatura de Camus, nos auxiliou a captar e distinguir as demandas e efeitos da Revolta – de Diego e Agamben – e da revolta –

Dr. Rieux e Žizek – no atual contexto pandêmico. Consideramos que Žižek e Agamben revoltam-se, cada um à sua maneira, contra facetas distintas do mesmo absurdo que enfrentam a partir das consequências da pandemia do novo coronavírus.

Neste artigo procuramos fazer considerações com base na Literatura e na Filosofia principalmente a partir do caso brasileiro, por se tratar do contexto no qual estamos inseridos. Mesmo citando alguns exemplos de atitudes de chefes de Estado, a intenção foi traçar propostas de compreensão da pandemia seguindo os diversos ângulos paraláticos proporcionados pelos autores. Não excluímos a possibilidade, e em alguns casos a necessidade, de uma Revolta – maiúscula – em contextos específicos, quando, por exemplo, 35 as políticas criadas em função da pandemia extrapolam os âmbitos afetados pela crise sanitária e servem para legitimar condutas autoritárias que não servem à população, mas somente a seus governantes. Apenas reafirmamos, com Camus e Žizek, a suma importância da revolta no caso brasileiro e global.

A Revolta pressupõe que os chefes de Estado querem nos acostumar a uma vida nua sufocada pelo controle e medo que tentam exercer sobre nós através da máquina burocrática. Para tanto, precisam que superestimemos os efeitos da doença. A Peste, de Estado de sítio, é o inimigo de Diego, tanto quanto poderia ser o de Agamben. Este filósofo italiano quer que não renunciemos à nossa liberdade, por isso Revolta-se contra a quarentena e outras políticas próprias do Estado de exceção. Porém, alguns políticos que, por exemplo, criticam a OMS e diminuem os efeitos da COVID-19, solicitam o mesmo que Agamben, apesar de não partilharem as mesmas intenções com essa Revolta. Se de um lado esses políticos defendem a Revolta e a perda do medo com vistas à retomada da produção econômica – retomada do trabalho – e extinção das políticas emergenciais de assistência, Agamben sustenta a Revolta como forma única de estimar corretamente os efeitos da doença e retomar o controle sobre nossas vidas, fora dos ditames do Estado.

A revolta (minúscula), por outro lado, ilumina os efeitos reais das vítimas do novo coronavírus. Ao invés de Žizek e o Dr. Rieux afirmarem que a quarentena e demais políticas próprias do Estado de exceção são as únicas cerceadoras da liberdade, eles negam que possa haver liberdade em crises sanitárias como a pandemia da COVID-19 e a peste que assolou a cidade de Orã na Literatura camusiana.

Agamben e Diego querem que nós possamos despertar com relação ao abuso do controle que exercem sobre nós. Žizek e o Dr. Rieux sabem da importância da quarentena e da articulação estatal e populacional eficiente, por isso, esperam que não nos esqueçamos dos efeitos catastróficos da crise sanitária porque sabem que novos desastres estão batendo à porta da população, tanto no contexto global, quanto na Orã de Camus.

O absurdo se apresenta a partir de múltiplas perspectivas. O que priorizamos com este artigo foi atentar, sob diferentes perspectivas revoltosas, a luta, o mal-estar e as alternativas frente à crise pandêmica do novo coronavírus. Assumimos: a necessidade de passarmos a elaborar políticas de saúde a nível global; as críticas aos chefes de Estado e demais agentes irresponsáveis e negligentes para com a saúde da população mundial; a importância da Literatura e da Filosofia como meios fundamentais para lidar com o mal-estar de forma revoltosa; a relevância das expressões artísticas como lócus de elaboração de cenários intrinsicamente políticos, que podem ser utópicos, distópicos ou realistas, dependendo do 36 ângulo em que são tomados em análise; a valorização da classe dos profissionais de saúde, honestos em sua profissão e solidários com aqueles que mais precisam.

Material suplementar
Referências
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