Dossiê

A complexidade como alternativa epistemológica: Considerações a respeito de ciência e ética

La complejidad como una alternativa epistemológica: Consideraciones científicas y éticas

Complexity as an epistemological alternative: Considerations about science and ethics

Gabriela Allein
UFPR, Brasil
Sandra Cristina Martini Rostirola
IFC - Instituto Federal Catarinense, Brasil
Kariston Pereira
UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), Brasil

A complexidade como alternativa epistemológica: Considerações a respeito de ciência e ética

Simbiótica. Revista Eletrônica, vol. 7, núm. 2, pp. 62-74, 2020

Universidade Federal do Espírito Santo

Resumo: O presente ensaio, de abordagem bibliográfica, versa sobre a ética na produção do conhecimento, sob o baluarte da Teoria da Complexidade, considerando o ser humano como valor supremo. O texto procura explorar brevemente a biografia do filósofo, epistemólogo e político francês David-Salomon Nahum, ressaltando sua origem, suas curiosidades, sendo vistas por ele em alguns momentos como necessidades profundas, apresenta suas principais atividades desenvolvidas até então, e o porquê da adoção do codinome Morin, como é conhecido mundialmente. Além disso, apresenta a compreensão de Morin sobre a ciência na pós-modernidade, assim como, os princípios que regem a complexidade e que explicam a sociedade na perspectiva de uma integração orgânica.

Palavras-chave: Complexidade, Ciência, Ética, Morin.

Resumen: Este ensayo, con un enfoque bibliográfico, aborda la ética en la producción de conocimiento, bajo el baluarte de la teoría de la complejidad, considerando al ser humano como el valor supremo. El texto busca explorar brevemente la biografía del filósofo, epistemólogo y político francés David-Salomon Nahum, destacando su origen, sus curiosidades, siendo visto por él a veces como necesidades profundas, presenta sus principales actividades desarrolladas hasta entonces, y por qué la adopción del nombre en clave Morin, como se le conoce mundialmente. También presenta la comprensión de Morin de la ciencia en la posmodernidad, así como los principios que rigen la complejidad que explican la sociedad desde la perspectiva de la integración orgánica.

Palabras clave: Complejidad, Ciencia, Ética, Morin.

Abstract: This essay, with a bibliographical approach, deals with ethics in the production of knowledge, under the bulwark of Complexity Theory, considering the human being as the supreme value. The text seeks to explore briefly the biography of French philosopher, epistemologist and politician David-Salomon Nahum, highlighting his origin, his curiosities, being seen by him at times as profound needs, presents his main activities developed so far, and why the adoption of the code name Morin, as it is known worldwide. It also presents Morin's understanding of science in postmodernity, as well as the principles governing complexity that explain society from the perspective of organic integration.

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Keywords: Complexity, Science, Ethics, Morin.

Introdução

Uma teoria que explique as formas como a sociedade produz conhecimento é primeiramente uma forma de ilustrar o paradigma social vigente, pois o conhecimento e o conjunto de ações para obtê-lo, são intrínsecos à realidade social e reflete suas necessidades e padrões.

Nesse sentido, o conhecimento na sua forma linear - cartesiana, não mais responde aos sistemas que se verificam na sociedade. Levava-se décadas para que ocorresse uma transformação que provocasse alterações sociais notáveis, porém a partir da segunda metade do século XX, novos conhecimentos aparecem de forma exponencial:

O desenvolvimento das informações era lento. A duração do conhecimento era medida em décadas. Hoje, esses princípios de origem foram alterados. O conhecimento está crescendo exponencialmente. Em muitas áreas a duração do conhecimento é agora medida em meses e anos (Siemens, 2004: 1).

Alguns aspectos da história da ciência, iniciando das entranhas da cosmogonia grega até chegarmos aos padrões da pós-modernidade, demonstram o que Magalhães (2016) aborda como o desenvolvimento no tempo do conhecimento humano - a história do homem e de suas instituições no esforço de compreender e usar a natureza. Nesse sentido, todas as teorias científicas são convergentes aos fatos sociais, ou nas palavras de Morin (2005: 9): “Assim, a ciência é, intrínseca, histórica, sociológica e eticamente complexa. Essa complexidade específica que é preciso reconhecer.”

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Morin (2005) revisita as concepções sociais de nosso tempo para clarificar, sob a égide da Teoria da Complexidade, as formas como o conhecimento científico é construído e como tais facetas culminam por modificar as relações sociais vigentes:

A ciência tem necessidade não apenas de um pensamento apto a considerar a complexidade do real, mas desse mesmo pensamento para considerar sua própria complexidade e a complexidade das questões que ela levanta para a humanidade (Morin, 2005: 9).

Estamos no limiar de uma transição paradigmática. A pós-modernidade nos traz novos interesses e formas de entender o mundo e de agir sobre ele. É imprescindível buscarmos explicar o novo contexto social, entendendo o momento de transição, não mais no contexto cartesiano, mas alicerçado em uma proposta concebida como uma crítica ao modelo atual, integrando uma visão ética e sistêmica de ciência.

Buscando contribuir para romper com o enraizado mecanicismo cartesiano, este ensaio, de aporte bibliográfico, retira dos escritos de Edgar Morin, as concepções necessárias para anunciar a complexidade como novo padrão científico - que entenda o homem e sua condição humana, enfrentando as incertezas do novo milênio com ética e compreensão solidária.

Edgar Morin

David-Salomon Nahum, conhecido publicamente como Edgar Morin, nasceu em 8 de julho de 1921, em Paris, na França. O renomado filósofo, epistemólogo e político francês.

Intitula-se como “um contrabandista dos saberes” por transgredir, perpassando as diversas áreas e por estabelecer diálogo entre as ciências e as humanidades. Tece, como numa tapeçaria de vários fios, as relações entre os múltiplos tipos de pensamentos (Petraglia, 2008: 17).

De origem sefardita e filho único do casal Vidal Nahum e Luna Beressie, Morin recebeu da família os ensinamentos referentes ao mediterrâneo, a cultura de cançonetas, de café-concerto e de óperas italianas. Seu pai, que foi com quem mais conviveu, sempre procurou transmitir-lhe sua moral e seus valores fundamentados em sua experiência enquanto um modesto comerciante (Santos; Hammerschmidt, 2012; Petraglia, 1995). E na escola aprendeu sobre a França, o que lhe fez tornar-se filho da pátria e absorver sua história. (Petraglia, 2008).

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Teve sua infância marcada por inúmeras “dúvidas e angústias referentes à vida, ao futuro e à sua pátria” (Petraglia, 1995: 19). Antes dos 10 anos de idade, vivenciou a perda de sua mãe, o que lhe marcou profundamente.

De acordo com Petraglia (2008: 18), com a morte da mãe começou “a entender o significado da contradição vida e morte, alegria e tristeza, esperança e desesperança”. Uma constante fonte de reflexão, responsável pela construção de uma das suas bases antropológicas que resultou na teoria da complexidade, desenvolvida por ele mais tarde.

Se interessando já na infância pela literatura, como uma fuga e como preenchimento do seu vazio emocional, Edgar como chamado por seus pais, chegou à adolescência com inúmeros escritos e ensaios inacabados refletindo todas as angústias e contradições já vivenciadas por ele.

Na sua adolescência, viveu desde a esperança da revolução que estava por acontecer, a confusão desse período, e a dor e amargura da guerra que trouxe o fim da República (Petraglia, 1995). Vários de seus estudiosos descrevem que Edgar percorreu o caminho do autodidata, em virtude das suas curiosidades, que se configuram pra ele como necessidades profundas.

Entre os 19 e 20 anos, filiou-se ao partido Comunista, período em que adotou o nome Morin. Há quem afirme que este codinome surgiu em virtude da sua origem Judaica, mas o que se sabe é que Edgar fez parte do partido por dez anos e que acabou se afastando por discordar do dogmatismo stalinista (Petraglia, 2008).

Neste mesmo período, Edgar ingressou na faculdade desejando obter o máximo de conhecimento possível sobre as ciências sociais, informações que pudessem sanar suas dúvidas, angústias e curiosidades, comum desde a infância e cada vez acrescia ainda mais. Para isso frequentou simultaneamente os cursos de História, Geografia, Direito e algumas disciplinas de Ciências Políticas, Sociologia e Filosofia.

Estas incertezas mais tarde resultam na complexidade explicada pelo autor em diversas áreas. Para ele a complexidade aparece “não como um inimigo a ser eliminado, mas como um desafio a ser enfatizado, traz uma noção ampla, leve, que guarda a incapacidade de definir e de determinar” (Morin, 2005: 8).

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Dentre várias atividades desenvolvidas por ele, cabe destacar que foi pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica e fundador do Centro de Estudos Transdisciplinares da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Durante sua trajetória sofreu influência de diversos pesquisadores, tais como: Gaston Bachelard, Pascal, Castoriadis, Husserl, Popper, Marx, Hegel, Lakatos, Feyerabend, entre outros (Ribeiro, 2011).

Atualmente, aos 96 anos Edgar possui mais de 50 obras, as quais retratam a “imagem de um intelectual inquieto, intrigado, cético, e ao mesmo tempo crente, capaz de se indignar frente ao conjunto de situações ricamente historiadas nas múltiplas dimensões abordadas” (Santos; Hammerschmidt, 2012: 562).

Almeida (2004: 4) define Edgar como:

Um pensador que expõe suas incertezas, acredita na boa utopia, [...] que defende publicamente suas polêmicas posições diante dos conflitos e das guerras, que se rende à democracia do debate para rever suas posições e argumentos, porque se opõe frontalmente à polícia do pensamento.

Tendo esta descrição, condiz a Edgar Morin a teoria da complexidade exatamente como ela é, uma teoria que “incorpora as contradições e a complementariedades de elementos de um sistema, buscando no diálogo entre as oposições, a possibilidade de uma novidade, ou emergência capaz de reorganizar o pensamento” (Pereira; Nista-Piccolo, 2013: 62).

Para ele tudo se articula em complexidade, sem a necessidade de se fragmentar. Prova disso, é a sua visão a respeito de ética, compreendida juntamente com a moral. Ele “articula os dois conceitos de modo uno e múltiplo, ao mesmo tempo” (Pereira; Nista-Piccolo, 2013: 61). Considerando assim, que ser ético compreende desde as ações para uma convivência em harmonia até as ações que se realiza no âmbito da dinâmica da produção do conhecimento no bojo da sociedade.

Quanto à ciência, também discutida com maior ênfase nos tópicos a seguir, Morin considera que a mesma tem um lado positivo e um lado negativo, mas que é necessário acabar com essa divisão, buscando compreender as dúvidas, e a complexidade que se encontra na essência da ciência, ou seja, nada deve ser separado ou dividido, tudo deve ser estudado de forma composta

A teoria

Antes de uma abordagem quanto aos aspectos da Complexidade na Ciência, é imprescindível conhecer alguns aspectos relacionados ao seu próprio conceito e as bases epistemológicas que a fundamentam, bem como os princípios formulados por Edgar Morin.

• Conceito de complexidade

A Teoria da Complexidade proposta por Morin é uma linha filosófica, com domínios na dialética hegeliana, que compreende que os acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos - o nosso mundo fenomenal; é constituído por elementos heterogêneos, inseparavelmente associados.

Segundo Morin (2011: 36):

Complexus é o que foi tecido junto, de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo e o mitológico) e, há um tecido interdependente, interativo e interretroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes, e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade.

Desse modo, ele propõe o rompimento com o pensamento linear cartesiano, ou seja, refletir sobre os fenômenos, sem simplificá-los. Morin (2002) explica que o pensamento complexo é uma viagem em busca por um modo de pensar que respeite a multidimensionalidade que se impõe a todo objeto de conhecimento. O pensamento complexo, neste sentido, é integrador.

Morin (2008) vem definir a complexidade como um fenômeno de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados. Isto é, o todo é formado pelas partes, mas essas são indissociáveis. Para este epistemólogo, a realidade precisa ser entendida como um todo que mantém entre si uma relação de interdependência, suscitada pela incerteza e pela contradição.

Em Ciência com Consciência (2005), Morin exemplifica a questão da interconexão das partes:

Assim podemos ver bem como a existência de uma cultura, de uma linguagem, de uma educação, propriedades que só podem existir no nível do todo social, recaem sobre as partes para permitir o desenvolvimento da mente e da inteligência dos indivíduos (Morin, 2005: 180).

A Complexidade compreende que para se conhecer o todo, devemos entender suas partes, considerando a interdependência e a relação sistêmica que se mantém entre partes-partes e partes-todo. Isto gera dificuldade, pois a realidade social é confusa, muitas vezes contraditória e ainda dicotômica. Petraglia, na década de 1990, indicava em seus estudos, o problema da multiplicidade de fenômenos existentes para um mesmo objeto:

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A dificuldade do Pensamento Complexo é justamente ter de enfrentar a confusão, a incerteza e a contradição e, ao mesmo tempo, ter que conviver com a solidariedade dos fenômenos existentes em si mesmo. Tal qual o humano que é um ser complexo, pois concentra fenômenos distintos e diversos capazes de influir em suas ações e transformar-se, sempre, assim também é o conhecimento (Petraglia, 1995: 47).

A Teoria da Complexidade analisa e distingue, estabelecendo conexões entre o objeto e o sujeito, considerando que um e outro comportam contradições e possuem dimensões inseparáveis em seus contextos de origem e na sua relação entre si (Paderes; Rodrigues; Giusti, 2005). A realidade é um todo integrado dialogicamente por múltiplas micro realidades.

• Fundamentos da complexidade

A Complexidade, para Morin (2008), é um desafio, um questionamento e não uma formulação universal. Ela inclui a imperfeição, é relativa e globalista. Para que ela nascesse, enquanto teoria, procurou raízes em Teorias como a Sistêmica, A Auto-Organização, a Organização e a Informação, unindo as suas ideias, pressupostos epistemológicos que vieram a compor sua base principiológica.

Dessa maneira, podemos identificar certas intersecções entre as Teorias citadas e a Complexidade. Senão vejamos:

A importância da Teoria Sistêmica para a complexidade avalia Morin (2008), foi a inserção de unidades complexas, a noção de que um todo não se reduz à soma das partes.

Quanto à Teoria Informação, é uma noção nuclear, pois exprime uma impressão inicial, condição sem a qual não há entendimento nem mesmo meramente conceitual. A Teoria da Informação trouxe para a Complexidade o conceito de incerteza.

O entendimento Complexo de que a sociedade é um organismo que obedece a leis e a padrões não lineares, é uma ideia advinda da Teoria da Organização. “O Organicismo é um conceito, sincrético, histórico, confuso, romântico” (Morin, 2008: 41). Assim, é possível um entendimento de Sociedade como um organismo cujas relações harmônicas em seu interior são definidas dialeticamente.

A Auto organização, segundo Morin (2008), tem sua abordagem no patamar da dinâmica dos sistemas, as quais são submetidas a fatores endógenos e exógenos. Ou seja, a sociedade auto organizada, se modifica a partir da desordem e é dependente das subjetividades de suas partes.

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Ante às análises, é possível identificar três unidades fundamentais que figuram entre as raízes da Complexidade, conforme pode ser observado na figura 1:

As Unidades Fundamentais da Complexidade
Figura 1
As Unidades Fundamentais da Complexidade

A informação -que traz a incerteza, a contradição e dúvida.

Unidades Complexas -noção em que o todo é determinado pelas partes, sendo a recíproca válida

Sociedade Organicista -organismo auto organizado \ dialetlcamente

Os autores

• Os três princípios

a) Dialógico: trata-se da associação entre opiniões complementares e concorrentes, no entanto, inseparáveis na compreensão de um dado fenômeno. A dialogicidade permite, segundo Morin manter continuamente a comunicação relacional. O princípio dialógico nasce da ordem e da desordem e estes dois polos são intrínsecos à complexidade.

A ordem e a desordem são dois inimigos: uma suprime a outra, mas ao mesmo tempo, em certos casos, colaboram e produzem organização e complexidade. O princípio dialógico permite-nos manter a dualidade do seio da unidade. Associa dois termos complementares e antagônicos (Morin, 2008: 52).

b) Hologramático: evidencia o todo e as partes. Este princípio indica que “não apenas a parte está no todo, mas o todo está nas partes” (Morin, 2008: 108).

c) Princípio da Recursão Organizacional: é um processo em que os produtos e os efeitos são, ao mesmo tempo, causa e produtores daquilo que os produz. Assim, a humanidade é causa da sociedade, mas ao mesmo tempo é produto, pois a sociedade lhes dá os artefatos (linguagem, cultura) para serem homens. Conforme aborda Morin:

Somos simultaneamente, produzidos e produtores. A ideia recursiva é, portanto uma ideia de ruptura com a ideia linear de causa/efeito, de produto/produtor, de estrutura/superestrutura, uma vez que tudo o que é produzido volta sobre o que produziu num ciclo ele mesmo constitutivo, auto-organizador e autoprodutor. (Morin, 2008: 108).

Estes três princípios, segundo Morin (2008), são adjacentes, uma vez que a ideia hologramática está ligada à recursiva, que está ligada à dialógica. E essa relação, permite entender a sociedade, como um sistema complexo, em constante mudança, que considera um todo formado por partes, dialeticamente estruturadas, numa compreensão fractal do universo. Essa compreensão se faz integradora da compreensão da Ciência na Sociedade hodierna.

Complexidade, ciência e ética

“As ciências não tem consciência que lhes falta uma consciência” (Morin, 2005).

O termo “Ciência” vem do grego, epistéme, por ser o berço da racionalidade científica,

porém encontra-se no latim o termo, Scientia, significando também, conhecimento. Seu significado difuso é de um conjunto de conhecimentos que explica a realidade de forma racional.

A ciência, em sua perspectiva moderna nasceu na Renascença - época de transição de padrões da idade média, para o promissor mundo renascentista, no qual o conhecimento passa ter significado, inclusive na esfera política.

Neste momento cultural, em que era necessário explicar o mundo, sem recorrer ao espiritual ou metafísico, o entendimento de ciência passou a ter uma concepção dual: um conhecimento racional, dedutivo e demonstrável, numa linha racionalista e, em uma linha empirista, a ciência como uma interpretação indutiva dos fatos baseada em observações e experimentos (Germano, 2011). Ambas as abordagens, desconsideravam a multiplicidade de fenômenos inter-relacionados e a própria subjetividade do sujeito ou do objeto.

Em uma abordagem histórica, a ciência esteve ligada à produção de conhecimentos que servissem à sociedade, seja na forma de teorias ou produtos de tecnologia. Assim, a “Regra do Jogo”, segundo Morin (2005), é que a ciência assume uma posição de verificação e observação que desconsidera qualquer subjetividade. Uma acumulação de verdades irrefutáveis.

Ciência não tem verdade, não existe uma verdade científica, existem verdades provisórias que se sucedem, onde a única verdade é aceitar essa regra e essa investigação. Portanto, existe uma democracia propriamente científica, como funcionamento regulamentado e produtivo da conflituosidade (Morin, 2005: 56).

Nesse ínterim, é que Morin nos traz o “lado bom” e o “lado mau” da Ciência. O lado bom é aquele que mostra a ciência,

(...) elucidativa (resolve enigmas, dissipa mistérios), enriquecedora (permite satisfazer necessidades sociais e, assim, desabrochar a civilização); é, de fato, e justamente, conquistadora, triunfante (ibidem: 16).

A Ciência tem, assim, seu lado bom - ético - que permite ao homem se integrar ao todo social, aproveitando da ciência para prover seu próprio desenvolvimento. Na perspectiva da Complexidade seria uma quebra com a singularidade que herdamos do Cartesianismo para assumir uma posição multidimensional focada na ciência para o homem, em termos éticos. Seria uma interpretação científica voltada para a compreensão orgânica do ser humano e de sociedade, pois, pela Teoria da Complexidade, considerando o princípio hologramático, o todo e as partes são interdependentes dentro de uma realidade caótica e auto organizada.

Aquela ciência que despreza a ética e nossa condição humana, Morin (2005) nomeia como o “lado mau” da ciência, fazendo uma análise que demonstra num viés sócio crítico, o quanto a ciência tem o potencial de aniquilar e de produzir o sofrimento, inquietação e exclusão.

A ciência dicotômica nos traz os inconvenientes da superespecialização que leva à fragmentação do saber. E dessa, surge o desligamento das ciências do homem, excluindo do fazer científico o espírito e a cultura social. O homem é reduzido a um coadjuvante do conhecimento e os saberes deixam de ser integrados para serem separados e acumulados em banco de dados (Morin, 2005). O próprio conceito de homem perde-se ante à “trituração” do saber potencializado pela ciência a moderna.

Estes são os aspectos epistemológicos, a que a concepção singular de Ciência evoca. A questão que mais inquieta é a ciência a serviço do modelo econômico e político, desvalorizando e subjugando a espécie humana:

Sabemos cada vez mais que o progresso científico produz potencialidades tanto subjugadoras ou mortais quanto benéficas. Desde a já longínqua Hiroxima, sabemos que a energia atômica significa potencialidade suicida para a humanidade; sabemos que, mesmo pacífica, ela comporta perigos não só biológicos, mas, também e, sobretudo, sociais e políticos. Pressentimos que a engenharia genética tanto pode industrializar a vida como biologizar a indústria. Adivinhamos que a elucidação dos processos bioquímicos do cérebro permitirá intervenções em nossa afetividade, nossa inteligência, nosso espírito (Morin, 2005: 18).

Nesse âmbito, a discussão está encaminhada ao terreno dos interesses de econômicos e da própria responsabilidade ética do pesquisador. No mundo globalizado, em que a noção de distância é relativa e que a informação é interconectada em redes de conhecimento, tem-se ainda interesse na morte de milhares como forma de evidenciar o poderio militar ou econômico.

Entramos na era planetária onde todas as culturas, todas as civilizações estão doravante em comunicação permanente. E ao mesmo tempo, indica que apesar das intercomunicações, se está numa barbárie total nas relações entre raças, entre culturas, entre etnias, entre potências, entre nações, entre superpotências (Morin, 2008: 172).

Na compreensão da Complexidade em que cada parte é uma particularidade do todo, e na qual o indivíduo é produto e produtor do toda, a ética, a solidariedade e a condição terrena ainda estão longe de serem inerentes à ideia de ciência. Neste sentido, que Morin, nos fala que estamos na barbárie e na cegueira da inteligência (Morin, 2008).

Acho que só podemos respeitar verdadeiramente a vida humana se respeitarmos, ao máximo, a vida em geral, mesmo sabendo tudo o que comporta de crueldade e de barbárie uma vida humana em relação ao mundo vivo (Morin, 2005: 133).

A bomba atômica ameaça destruir nossa civilização, doenças que há muito a cura já é conhecida em países desenvolvidos ainda matam milhares nos países mais pobres, convivemos com a exclusão e a incompreensão (frutos da fragmentação do saber) prova-se a ignorância científica que vivemos no momento atual marcado por falsas percepções que vêm do modo de organização do nosso saber em sistema de ideias preponderantemente estanques (Morin, 2008: 14).

Diante disso, a Complexidade, não vem como uma receita, mas um apelo à civilização, que interprete as ideias por um prisma que considere a multiplicidade nas relações, a interconexão, a interdependência. A Complexidade, mais que uma teoria epistemológica tem seus fundamentos na tomada de consciência pelo ser humano de que somos um organismo, uma totalidade.

Morin acredita na evolução da consciência e da razão. Estamos na pré-história da espécie humana, nossos valores e nossa forma de produzir conhecimento vão evoluir. A ciência somente será elucidativa, se considerar como um de seus constituintes a Complexidade, que não pode ser vista como uma resposta, mas, uma ideia que quebra com o reducionismo cartesiano e reconhece a incerteza, a contradição, as inter-retroações e a imperfeição como parte do caminho evolutivo da espécie humana.

Considerações finais

Edgar Morin, sua vida e obra trazem como marca a inquietação perante às formas como se produz conhecimento o qual desconsidera a complexidade do indivíduo e, o todo social, enquanto organismo. Também traz a esperança na compreensão ontológica do que é a realidade.

Essa inquietude fez nascer a Complexidade que não é uma fórmula. Sua própria concepção teórica nos permite verificar que se trata de uma ideia que demonstra uma concepção libertadora onde impera a necessidade de sairmos da pré-história humana, da barbárie e evoluirmos eticamente, evoluirmos nossa consciência.

A sociedade atual, que muito se orgulha de uma ciência enriquecedora, potencializa o vício da opressão, da exclusão trazendo inclusive a possibilidade do aniquilamento. A ética deve retirar o lado mau da ciência. Esta deve ser multidimensional, integradora e considerar o ser e o saber numa perspectiva ontológica de humanidade.

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