Dossiê
A “complexidade” na capacitação do jovem aprendiz: entre a uni e a multidimensionalidade da formação técnico-profissional metódica
La “complejidad” en la capacitación del joven aprendiz: entre la uni y la multidimensionalidad de la formación técnico-profesional metódica
The “complexity” in the training of the young learner: between the uni and multidimensionality of methodical technical-professional training
A “complexidade” na capacitação do jovem aprendiz: entre a uni e a multidimensionalidade da formação técnico-profissional metódica
Simbiótica. Revista Eletrônica, vol. 7, núm. 2, pp. 92-109, 2020
Universidade Federal do Espírito Santo

Resumo: O conhecimento empregado nos mais diversos ofícios e profissões foi institucionalizado tendo na escola e nos cursos profissionalizantes os locais responsáveis por sua transmissão. O interesse do ensaio está na política voltada para inserção de jovens no mercado de trabalho, a chamada da Lei da Aprendizagem (Lei 10.097/2000). O referencial teórico do Pensamento Complexo permite questionar se as orientações sobre o conteúdo formativo presente na Portaria 723/2012 podem ser consideradas multidimensionais ou se continuam a ser unidimensionais. A unidimensionalidade emerge como orientação técnica e econômica que caracterizam uma ação simplificadora. A multidimensionalidade vai além da amplitude dos temas abordados. Requer que todo o processo formativo passe a envolver novos elementos que permitam a exaltação da racionalidade e não da racionalização.
Palavras-chave: Complexidade, Formação, Jovem Aprendiz, Multidimensionalidade, Unidimensionalidade.
Resumen:
El conocimiento utilizado en las más variadas profesiones y oficios se institucionalizó teniendo en la escuela y en los cursos profesionales los lugares responsables de su transmisión. El interés del ensayo radica en la política dirigida a la inserción de los jóvenes en el mercado laboral, la llamada Ley de Aprendizaje (Ley 10.097 / 2000). La referencia teórica de Pensamiento complejo permite cuestionar si las orientaciones sobre el contenido formativo presente en la Ordenanza 723/2012 pueden considerarse multidimensionales o si continúan siendo unidimensionales. La unidimensionalidad emerge como orientación técnica y económica que caracterizan una acción simplificadora. La multidimensionalidad va más allá de la amplitud de los temas abordados. Requiere que todo el proceso formativo pase a involucrar nuevos elementos que permitan la exaltación de la racionalidad y no de la racionalización. Palabra clave: Complejidad; Formación; Joven Aprendiz; Multidimensionalidad; Unidimensionalidad.
Abstract:
The knowledge used in the most varied job and professions was institutionalized having in the school and in the professional courses the places responsible for its transmission. The interest of the essay lies in the policy aimed at the insertion of young people into the labor market, the so-called Law of Learning (Law 10.097 / 2000). The theoretical reference of Complex Thought allows asking if the orientations on the formative content present in the Ordinance 723/2012 can be considered multidimensional or if they continue being unidimensional. Unidimensionality emerges as a technical and economic orientation that characterizes a simplifying action. Multidimensionality goes beyond the breadth of the topics covered. It requires that the completely formative process involves new elements that allow the exaltation of rationality and not rationalization. 109
Keywords: Complexity, Formation, Young apprentice, Multidimensionality, Unidimensionality.
Introdução
TAVARES FERNANDES, J.; FERREIRA DE BRITO, A. (2014), “A formação de aprendizes para o cotidiano profissional”. Observatorio de la Economía Latinoamericana, n. 201. Disponível em: http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/14/aprendiz.hmtl
A sociedade moderna dedica grande atenção à educação e às instituições educadoras, cujo papel de disseminadoras de ideologia não pode ser negligenciado. Não por acaso, a religião, a escola e a fábrica (empresa) possuem relações de proximidade dentro de um objetivo comum: propagar valores e regras de sociabilidade de um novo espaço global e mundializado.
O conhecimento acumulado pela civilização passa a ser institucionalizado e reconhecido como científico, encontrando na escola e na empresa espaços legítimos de sua disseminação e implementação. Grande parte do conhecimento empregado nos mais diversos ofícios e profissões foi institucionalizado em universidades, escolas e cursos profissionalizantes, locais responsáveis por sua transmissão. Anteriormente, os ofícios eram transmitidos em processos mais restritos, o artesão estava na posição de referência e detentor do conhecimento, bem como, das técnicas e das práticas para exercício de determinada atividade. A transmissão de todo artesanato era restrita à relação entre o mestre e o aprendiz. No processo de industrialização da sociedade moderna o conhecimento ganha a condição de científico. A profissionalização é exigida por pares e reconhecida pelo Estado que legitima as corporações detentoras de tal conhecimento e os locais para sua transmissão (Dubar, 2005; Gorz, 2007).
O conhecimento passou a ser multiplicado e fragmentado, o que causou certo afastamento de um pensamento integrador. As inúmeras áreas de conhecimento da formação humana e da técnica se desenvolveram na busca pelo reconhecimento em disciplinas que induziram uma hierarquização que, por sua vez, impulsionaram uma notória especialização. Essa necessidade de especialização desloca o entendimento para uma percepção disjuntiva, isto é, conhecimentos separados em blocos ou caixas que, estando conectados, ainda assim, perdem sua compreensão do todo ao centrar atenção nas partes.
O intelectual Edgar Morin (2013) se dedicou a analisar a transformação da sociedade moderna. Em uma de suas observações, realiza apontamentos sobre o processo de globalização. Morin reconhece como um passo importante para os avanços da ciência o desenvolvimento do transporte e da comunicação, que possibilitou as trocas de informações e de conhecimentos, assim como a descoberta do outro não europeu a partir das grandes navegações. No entanto, entende que desse processo resultou uma perda, pois o olhar ocidentalizado que se tornou hegemônico e dominador proporcionou uma visão de mundo equivocada.
Este olhar ocidental tem impacto na cognição da sociedade, na maneira de se relacionar com o mundo e consequentemente com a natureza. Primeiramente, a aceitação do domínio supremo sobre a natureza impõe uma condição que coloca a humanidade separada do ecossistema. Nossa necessidade de desenvolvimento e progresso legitimado pelo entendimento de domínio levou a uma condição desintegradora com o ambiente natural. Uma possibilidade para reverter essa situação é apontada por Morin (2013) como um projeto de religar. Este deve questionar o reducionismo, o binarismo, a fragmentação, a causalidade linear e o maniqueísmo. Sua proposta envolve um pensamento complexo que permita avaliar a dialógica dos processos da vida de maneira holística nas diversas ordens sociais, culturais, econômicas, educacionais, históricas, espirituais, políticas etc.
O desenvolvimento moderno está amparado no conhecimento empregado em atividades laborais e econômicas. O trabalho ganhou novo sentido na sociedade moderna ao indicar profissões que requerem energia física ou a força de trabalho daqueles denominados como trabalhadores. A expressão trabalho passa a significar todas as atividades profissionais valorizadas e relacionadas a uma dada ocupação. A divisão social do trabalho ampliou as formas de atividades profissionais que, por sua vez, sofrem com a disjunção, “O trabalho foi a vítima mais persistente da hiperespecialização” (Morin, 2013: 314). O processo de formação do sujeito priorizou uma visão unidimensional dedicada à condição física do homem. Em destaque está sua condição de apêndice no processo de industrialização e mecanização da produção. A aquisição das técnicas se reduz ao paradigma simplificador em que o homem completa a máquina.
No entanto, como podemos observar no processo social e histórico brasileiro, as atividades que empregavam o maior número de trabalhadores no primeiro momento estavam ligadas ao setor agrícola; já em meados do século XX, o contingente de operários industriais ganhou notoriedade e posteriormente o setor que na atualidade gera maior número de empregos está ligado ao comércio e à prestação de serviço. O esforço em abordar esse processo diz respeito às transformações necessárias para qualificar e capacitar os trabalhadores. Este tema tem importância à medida que Morin indica que a concepção taylorista do trabalho percebia o homem como uma máquina física, exaltando sua unidimensionalidade. O desenvolvimento das atividades profissionais exigiu pensar e atribuir multidimensões ao homem, considerando sua condição biológica, psicológica etc. O espaço laboral foi transformado e o homem também. O conhecimento capaz de proporcionar uma formação profissional precisou ser revisto de maneira constante
Na empresa, o vício da concepção taylorista do trabalho foi o de considerar o homem unicamente como uma máquina física. Num segundo momento, compreendeu-se que há também um homem biológico: adaptou-se o homem biológico a seu trabalho e as condições de trabalho a esse homem. Depois, quando se compreendeu que existe também um homem psicológico, frustrado pela divisão do trabalho, inventou-se o enriquecimento das tarefas. A evolução do trabalho ilustra a passagem da unidimensionalidade para a multidimensionalidade (Morin, 2005: 91).
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No primeiro momento a unidimensionalidade do trabalhador recebeu destaque no modelo de produção taylorista e fordista. No final do século XX, o trabalhador passou a realizar suas atividades no interior do toyotismo. Isso significa uma atuação em condições mais flexíveis nas garantias trabalhistas e no trabalho que requer o desempenho em multifunções, o que impulsiona a autoexploração. Portanto, paralelamente, duas vias se produziram: a primeira, despertou para as multidimensões do trabalhador que era afetado e impactado pelo ambiente laboral; no que se refere à segunda, as mesmas multidimensões do trabalhador passaram a significar competências para “desempenhar as atividades profissionais e ter a capacidade de discernimento para lidar com diferentes situações no mundo do trabalho” (MTE, 2009: 11).
O interesse deste texto1 está na política voltada para inserção de jovens no mercado de trabalho. Especificamente, trata da Lei da Aprendizagem comumente conhecida como a Lei do Jovem Aprendiz (Lei 10.097/2000). A Lei da Aprendizagem estipula que jovens entre 14 e 24 anos de idade sejam inseridos no mercado de trabalho formal na condição de aprendizes. Como pré-requisito, os jovens devem estar matriculados em algum sistema educacional até concluir o Ensino Médio. Mediante o Cadastro Brasileiro de Ocupações (CBO), o jovem deve ser contratado dentro de um arco ocupacional determinado e ter uma jornada de trabalho de 4, 6 ou 8 horas diárias, cinco dias por semana. A lei também indica que durante o período do contrato de aprendizagem o jovem deve desenvolver as atividades práticas na empresa e as teóricas em um curso de qualificação profissional organizado por entidades qualificadoras2.
Semelhante aos trabalhadores indicados como adultos, muitos programas3 de formação profissional foram concretizados ao longo do século passado para oportunizar aos jovens a instrução e a orientação necessárias para o desempenho de um determinado ofício. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) [atual Ministério da Economia] emitiu a Portaria 723 de 23 de abril de 2012, a qual orienta e indica diretrizes para os cursos de qualificação profissional do jovem aprendiz. O propósito da portaria é auxiliar às entidades qualificadoras, instituições que ministram os cursos de qualificação profissional, a desenvolverem uma “formação técnico-profissional metódica”. Tal formação deve ser “elaborada com conteúdo e atividades em grau de complexidade progressiva, obedecendo itinerários de conteúdo pré-fixado, com previsibilidade de começo e fim (...)” (MTE, 2009: 21).
A análise aqui presente busca compreender, apoiada no pensamento complexo, quais os limites e potencialidades de uma formação técnico-profissional metódica. O questionamento que norteia o texto procura perguntar: as orientações da Portaria 723/2012 podem ser consideradas multidimensionais ou continuam a ser unidimensionais? Procura tensionar a proposta apresentada pela Lei e a Portaria, bem como, verificar os seus objetivos para profissionalização do jovem aprendiz. Alerta-se que o exercício teórico proposto poderá conter equívocos ou limitações de caráter incipiente, mediante a responsabilidade de uma abordagem a partir do pensamento complexo. Tal observação se faz necessária, pois o próprio pesquisador precisa reformar o seu pensamento para compreender a magnitude da proposta de Morin (2005). Portanto, o esforço inicial para análise e desenvolvimento de hipóteses neste trabalho está relacionado a própria reflexibilidade de quem escreve, assim como, seu alcance interpretativo a partir do olhar orientado pelo paradigma da complexidade. Diga-se de passagem, um tremendo desafio!
O cenário brasileiro
Ao pensar sobre o desenvolvimento econômico do Brasil ao longo do século XX, podemos destacar um tema que sempre desperta atenção, a formação dos trabalhadores. O Brasil, no final do século XIX formalmente encerrou um longo período de escravidão. O país procurou entrar em um novo cenário republicano, consolidando suas instituições e, neste mesmo movimento, um suposto ideal de cidadania. A base da economia permaneceu por mais algumas décadas agrária e extrativista, mantendo a sua vocação de fornecer matéria-prima para a indústria mundializada.
A maior parte da população brasileira se concentrava na área rural, mas durante todo o século XX podemos perceber um movimento de êxodo para os centros urbanos. Estes soavam como promessa de uma vida mais afortunada e confortável. No entanto, problemas sociais, anomias ou patologias, também surgiam com a ampliação das cidades: a ocupação urbana desordenada, formação de bolsões de pobreza, delinquência, desemprego e falta de estrutura que permitisse acesso à saúde, educação etc. Outro grande desafio foi proporcionar trabalho a um contingente de pessoas que deixava o campo em busca de novas oportunidades ou pela exclusão provocada pelo uso de equipamentos e maquinário que diminuíram os postos de trabalho na área rural (Bava Jr., 1990; Carmo, 1998; Damatta, 2003; Cardoso, 2019; Kowarick, 1994).
Em meio aos novos tempos, o Brasil necessitou rever seu horizonte de perspectivas voltadas para o desenvolvimento econômico. O cenário mundial também influenciou de maneira decisiva, pois a Primeira Guerra Mundial serviu de alerta para a necessidade do país estar pronto para manter seus interesses e suprir as necessidades da nação (Kowarick, 1994). A Segunda Guerra Mundial foi decisiva para que o país então começasse a ampliar o parque industrial. A partir desse momento, viu-se acelerada a produção nacional e a formação de um operariado. Grandes empresas nacionais foram criadas nesse momento, além da chegada de outras do estrangeiro. Os programas de educação ganharam caráter universal, bem como, as escolas técnicas profissionalizantes foram incentivadas em razão da necessidade de se ter profissionais aptos a desempenhar as diversas ocupações. Nos anos 1970, a expansão acontece atrelada ao avanço da automação das indústrias que atinge seu auge nos anos de 1980 e 1990 (Paccola, 2014). Paralelo ao desenvolvimento observado no setor industrial, o setor de comércio e prestação de serviços também ganha maior diversificação, com a criação de inúmeros postos de trabalho, sinalizando um outro momento nas relações de trabalho e no sentido atribuído a ele. Se no final do século XIX e início do XX a maioria dos trabalhadores estava ligada às atividades agrícolas, promovendo em meados do século um deslocamento para atividade industrial, chegando ao século XXI com um maior contingente de trabalhadores ligados ao setor de comércio e prestação de serviços (Oliveira, 2009; Catapan; Thomé, 1999).
Eis aqui um breve resumo sobre o processo histórico e social do trabalho no Brasil. Um relato superficial, no qual podemos observar uma linearidade cronológica que se apresenta como processo com marco inicial e que segue certa continuidade. No entanto, a partir da abordagem do pensamento complexo de Morin (2005), podemos questionar tal linearidade. O paradigma da complexidade apresenta uma forma relacional circular ou espiral. As dinâmicas internas inerentes ao desenvolvimento do trabalho e seus ofícios seguem um ordenamento de sistema aberto, de acordo com um tripé entre ordem, desordem e organização que constantemente são retroalimentados. A perspectiva de Morin (2005) não parte de base dialética em que as forças contrárias produzem uma síntese proveniente de seu conflito. Sua análise tem base dialógica, com a qual descreve as muitas forças e agentes presentes no contexto em que acontece a efetivação dos processos sociais.
A sociedade, por exemplo, é produzida pelas interações dos indivíduos que a constituem. A própria sociedade, como um todo organizado e organizador, retroage para produzir os indivíduos pela educação, a linguagem, a escola. Assim os indivíduos, em suas interações, produzem a sociedade, que produz os indivíduos que a produzem. Isto se faz num círculo espiral através da evolução histórica (Morin, 2005: 87).
O mercado de trabalho ou o desenvolvimento profissional seguiria, então, tal interação, influenciando e sendo influenciado pela sociedade. Os muitos tipos de formação profissional que podem ser identificados e que atribuem novos sentidos para o trabalho são exemplos práticos dessa interação constante. Os programas de formação profissional desenvolvidos pelas entidades qualificadoras de jovens aprendizes, quando analisados os seus conteúdos formativos, pode-se identificar objetivos que são a expressão dessas muitas transformações.
Lei para os jovens trabalhadores
Formar o trabalhador para novas oportunidades profissionais foi um dos objetivos das muitas políticas regulamentadas para tal propósito (Oliveira, 2009; Duarte, 2018). Uma das primeiras ações com a suposta universalização da educação já na Primeira República, ressaltou a necessidade de erradicar o analfabetismo. Atrelado a essa necessidade de letramento, as instruções sobre um “saber fazer” eram necessárias para que técnicas fossem transmitidas. Outra questão importante era proporcionar uma mudança no próprio trabalhador que, anteriormente, escravo, trabalhava na vontade do senhor. No cenário de trabalho livre, o trabalhador precisa “da aceitação de se submeter a trabalhar para outrem em troca de alguns vinténs” (Carmo, 1998: 106). A educação para o trabalhador almejava incutir o novo ideal burguês, o qual era contrário à alegada preguiça e desordem. Era necessária a criação de novos hábitos de trabalho por meio da repressão ou da valorização de atividades desenvolvidas com um caráter de ordem moral (Carmo, 1998).
O desenvolvimento do sentido que o trabalho, ou melhor, a noção de trabalho proveniente da experiência antropossocial adquiriu no interior da sociedade uma base organizacional pautada em relações complementares e antagônicas ocorridas ao mesmo tempo (Morin, 2005). As sociedades desenvolveram de modo original sua organização do trabalho, porém sempre voltam a encontrar problemas com sua auto-organização (Morin, 2015). O ordenamento das ações dentro de valores rígidos é aprendido como uma nova ética do trabalho, no entanto, os trabalhadores também elaboram subterfúgios para afrouxar os ditames da autoridade. Na ambiguidade entre ordem e desordem pode surgir adaptabilidade e inventividade ou decomposição e até mesmo a morte (Morin, 2005).
A empresa faz parte de um ecossistema (Morin, 2015) no qual interage com inúmeros agentes dentro do mercado produtivo de bens e serviços, produzindo ordem e desordem. Os momentos de tensões, crises, desordens, estimulam trocas aceitáveis em sistemas abertos. Isto é, toda agitação é uma forma calorífica de energia, uma entropia, que produz degradação contribuindo para transformação. A empresa ou as empresas pertencem a um ecossistema. O qual evidenciam transformações de maneira contínua por meio de egoísmos, antagonismos, competições e canibalismos (Morin, 2015). A busca por inovação e aperfeiçoamento de seus objetivos produtivos tensionam, constantemente, as crises de identidades inerentes ao mercado de trabalho (Dubar, 2009).
O grande desafio é perceber esses momentos em que novos ordenamentos surgem do caos. A formação de jovem aprendiz pode ser encarada como resultado de um calor que provocou a regulamentação do Estatuto da Criança e Adolescente frente à necessidade de erradicação do trabalho infantil e da meta de inserção de jovens no mercado de trabalho. Tal afirmação surge ao se pesquisar esse ecossistema e a respectiva interação participativa da sociedade civil, das empresas e do poder público, na formulação de políticas públicas para juventude. Não posso esquecer que o jovem aprendiz possui papel importante na sociedade, sua juventude significa a perpetuação da espécie, da cultura, dos valores etc. A juventude também se caracteriza por uma plasticidade, a capacidade de aprendizado, de adaptação, um momento de idealizações, de desprendimento e coragem para correr riscos. Logo, essas características no mercado de trabalho atual são cada vez mais reconhecidas como primordiais para que os trabalhadores apresentem-se como empreendedores (Pais, 2001; Sennett, 2012).
A escola e a empresa como instituições possuem a missão de transmitir o conhecimento capaz de resolver enigmas e revelar mistérios (Morin, 2015: 28). Os programas educacionais e formativos devem “contribuir para autoformação da pessoa (ensinar a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão” (Morin, 2003: 65). A inserção do jovem no mercado de trabalho por meio da Lei da Aprendizagem idealiza um itinerário formativo capaz de assegurar uma formação profissional por meio de “atividades teóricas e práticas metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no âmbito do trabalho” (MTE, 2009: 46). O programa de aprendizagem de formação técnico-profissional metódica deve ser compatível com o desenvolvimento físico, moral e psicológico do jovem (MTE, 2009). No primeiro momento, ao destacar as multidimensões do jovem, a unidimensionalidade parece estar descartada. No entanto, quando se analisa a proposta formativa, ela parece estar calcada no “princípio da redução que leva naturalmente a restringir o complexo ao simples” (Morin, 2000: 42).
A Lei da Aprendizagem foi regulamentada no ano 2000 com o objetivo de incentivar a entrada de jovens no mercado de trabalho. O contrato de trabalho do jovem aprendiz é realizado por tempo determinado, com no máximo 24 meses. Os jovens são contratados sob uma modalidade especial de vínculo que assegura os direitos do trabalhador, impondo restrições de atividades perigosas e insalubres para os menores de 18 anos. Os jovens realizam as atividades práticas durante suas atividades profissionais na empresa, e as teóricas ficam a cargo da entidade qualificadora que deve desenvolver o conteúdo formativo com base na Portaria 723 de 23 de abril de 2012. A Portaria foi instituída, como podemos ler em seu Artigo 2°, com o objetivo de “orientar e padronizar a oferta de programas de aprendizagem profissional, em consonância com a Classificação Brasileira de Ocupações - CBO”. O conteúdo a ser ministrado deve seguir os temas indicados em seu Artigo 10°.
Art. 10. Além do atendimento aos arts. 2° e 3° do Decreto n° 5.154, de 23 de julho de 2004 e demais normas federais relativas à formação inicial e continuada de trabalhadores, as entidades ofertantes de programas de aprendizagem em nível de formação inicial devem se adequar ao CONAP e atender às seguintes diretrizes: I - Diretrizes gerais:
a) qualificação social e profissional adequada às demandas e diversidades dos adolescentes, em conformidade com o disposto no art. 7°, parágrafo único, do Decreto n° 5.598, de 2005; b) início de um itinerário formativo, tendo como referência curso técnico correspondente; c) promoção da mobilidade no mundo de trabalho pela aquisição de formação técnica geral e de conhecimentos e habilidades específicas como parte de um itinerário formativo a ser desenvolvido ao longo da vida do aprendiz; d) contribuição para a elevação do nível de escolaridade do aprendiz; e) garantia das adequações para a aprendizagem de pessoas com deficiência conforme estabelecem os arts. 2° e 24 da Convenção da Organização das Nações Unidas - ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto n° 6.949, de 25 de agosto de 2009, e os arts. 28 e 29 do Decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999; f) atendimento às necessidades dos adolescentes e jovens do campo e dos centros urbanos, que exijam um tratamento diferenciado no mercado de trabalho em razão de suas especificidades ou exposição a situações de maior vulnerabilidade social, particularmente no que se refere às dimensões de gênero, raça, etnia, orientação sexual e deficiência; e g) articulação de esforços nas áreas de educação, do trabalho e emprego, do esporte e lazer, da cultura e da ciência e tecnologia;
II - Diretrizes curriculares:
a) desenvolvimento social e profissional do adolescente e do jovem, na qualidade de trabalhador e cidadão; b) perfil profissional, conhecimentos e habilidades requeridas para o desempenho da ocupação objeto de aprendizagem e descritos na CBO; c) Referências Curriculares Nacionais aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação, quando pertinentes; d) potencialidades do mercado local e regional de trabalho e as necessidades dos empregadores dos ramos econômicos para os quais se destina a formação profissional; e) ingresso de pessoas com deficiência e de adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social nos programas de aprendizagem, condicionado à sua capacidade de aproveitamento e não ao seu nível de escolaridade; e f) outras demandas do mundo do trabalho, vinculadas ao empreendedorismo e à economia solidária;
III - conteúdos de formação humana e científica devidamente contextualizados:
a) comunicação oral e escrita, leitura e compreensão de textos e inclusão digital; b) raciocínio lógico-matemático, noções de interpretação e análise de dados estatísticos; c) diversidade cultural brasileira; d) organização, planejamento e controle do processo de trabalho e trabalho em equipe; e) noções de direitos trabalhistas e previdenciários, de saúde e segurança no trabalho e do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA; f) direitos humanos, com enfoque no respeito à orientação sexual, raça, etnia, idade, credo religioso ou opinião política; g) educação fiscal para o exercício da cidadania; h) formas alternativas de geração de trabalho e renda com enfoque na juventude; i) educação financeira e para o consumo e informações sobre o mercado e o mundo do trabalho; j) prevenção ao uso de álcool, tabaco e outras drogas; k) educação para a saúde sexual reprodutiva, com enfoque nos direitos sexuais e nos direitos reprodutivos e relações de gênero; l) políticas de segurança pública voltadas para adolescentes e jovens; e m) incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, com enfoque na defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania (MTE, 2012, on-line)
Os temas guardam sua relevância e mostram uma necessidade formativa com base em elementos técnicos para o desenvolvimento laboral, além de ter foco nas relações humanas. Isto é, propõe a construção de um cidadão consciente de seu papel social como trabalhador, filho, estudante, futuro pai/mãe etc. A articulação dos temas deve seguir um itinerário formativo que permita o desenvolvimento do cidadão e a compreensão do mundo do trabalho. Se faz necessário garantir alternância e a complexidade progressiva das atividades vivenciadas na empresa. Embora deva haver uma nítida valorização da formação cidadã, as entidades qualificadoras não podem esquecer os conteúdos e habilidades necessárias para o desempenho das ocupações descritas no CBO, objeto da aprendizagem profissional (MTE, 2012).
O desenho da Portaria 723, quanto ao desenvolvimento formativo, parece apontar para multidimensionalidade do jovem, porém na maneira como se constroem os projetos pedagógicos a unidimensionalidade volta a adquirir maior aderência. A mudança para um pensamento complexo exige uma transformação na estruturação do ensino e das relações que são apresentadas no aprimoramento e na qualificação dos jovens. Para entender melhor esta posição, é preciso destacar as quatro palavras que servem de referência para Lei da Aprendizagem, “formação técnico-metódica profissional”.
O significado da palavra “formação” indica o ato ou efeito de se formar; conjunto de valores ou qualidade moral; o resultado da educação; constituição; conjunto de conhecimentos específicos que são ministrados ou adquiridos. A expressão “técnica” significa que pertence ou é relativo a uma profissão; ensino prático; próprio de uma arte ou ciência; perito em uma arte ou ciência; pessoa que conhece a fundo uma profissão ou profissional especializado. “Metódico” por sua vez significa que tem um método; algo que segue um ordenamento; modo de proceder; processo ou técnica de ensino, ou ordem que se segue na investigação de verdade. “Profissional” possui o significado relacionado com uma dada profissão; pessoa que faz uma coisa por ofício ou quem revela profissionalismo (Bueno, 2000).
A expressão “técnico” remete ao conhecimento especializado. No caso da expressão profissional, identifica um reconhecimento legitimado e institucionalizado. Este possui referência no Cadastro Brasileiro de Ocupações (CBO)4, que estabelece restrições às atividades e os conhecimentos que compõem determinado ofício ou função. A expressão metódica indica um método que destaca a soma ou acumulação de conhecimentos por meio de atividades que ganham complexidade de desenvolvimento como camadas sendo sedimentadas uma sobre a outra.
A primeira observação está no objeto da lei e no resultado esperado. Como posso elencar a partir das expressões “formação técnico-profissional metódica”, indicam uma qualificação orientada para o mercado de trabalho e voltada à execução das atividades laborais de acordo com determinado ofício. No outro lado, o resultado esperado procura articular as dimensões teóricas e práticas com o desenvolvimento, no jovem, da sua cidadania e compreensão do mundo do trabalho. Portanto, o objetivo da lei procura promover uma especialização e uma hierarquia, ambas centralizadas na formação profissional. Já os resultados esperados, por sua vez, tendem a indicar uma formação que possibilite ao jovem desenvolver experiências antropossociais. Isto é, a unidimensionalidade emerge como orientação técnica e econômica que caracteriza uma ação simplificadora, identificada no objetivo. A multidimensionalidade vai além da amplitude dos temas abordados, significando o resultado esperado. Para mudar essa realidade disjuntiva, todo o processo formativo deve passar a envolver novos elementos que permitam a exaltação da racionalidade e não da racionalização. Um processo que se estende na ampliação do conhecimento e da informação transmitida. A partir desse novo processo, o sujeito pode por meio do exercício reflexivo compreender seu lugar no mundo e seu propósito.
Em outras palavras, a trindade complementar que envolve indivíduo, sociedade e espécie em suas contradições antagônicas é separada quando a formação passa a ser oferecida de maneira fragmentada, isto é, um conhecimento transmitido dentro do modelo acumulativo e de carácter linear não permite a circularidade ou reflexibilidade. Dessa maneira, prevalece a educação bancária, ato simplificador de depositar os comunicados e as informações (conteúdos formativos). Em outras palavras, os jovens recebem os depósitos, os guardam, os arquivam e depois repetem (Freire, 1987). Nessa concepção de formação o educador detém o conhecimento que deve ser distribuído com os que nada sabem e necessitam, por isso, como um recipiente armazena para posteriormente reproduzir o que foi comunicado a ele. Tal situação e sua superação pode ocorrer a parti do entendimento de que “só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros” (Freire, 1987). Assim, a formação guarda múltiplas dimensões relacionais com o indivíduo. “A noção de desenvolvimento é multidimensional e, como tal, deve ultrapassar ou destruir os esquemas não só econômicos, mas também da civilização e da cultura ocidental que pretende fixar seu sentido e suas normas” (Morin; Ciurana; Motta, 2003: 102). No modelo formativo vigente, parece existir pouco espaço de manobra para a aplicação do paradigma da complexidade. A reforma do pensamento e sua transformação esbarram na constante linearidade e acumulação do conhecimento fragmentado e disjuntivo. “O conhecimento deve saber contextualizar, globalizar, multidimensionalizar, ou seja, ser complexo” (Morin, 2013: 187).
A Portaria 723 de 2012 possui a intenção de avançar ou ampliar a formação ofertada durante a capacitação do jovem aprendiz. No entanto, o desenvolvimento da formação técnico-metódica profissional supõe o subdesenvolvimento dos desenvolvidos, pois seu foco favorece o crescimento de um desenvolvimento de orientação tecnoeconômico. Enquanto a formação estiver pautada na competição e seleção dos melhores, o egoísmo aumenta, diminuindo o sentido de comunidade, liberdade e ego (Morin; Ciurana; Motta, 2003). Para uma formação dentro do paradigma da complexidade o desenvolvimento pressupõe a ampliação da autonomia individual que tem como consequência o crescimento da participação comunitária. Por essa razão, Morin (2003: 65) diz que a “educação [ou qualquer processo formativo] deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão”.
O ordenamento entre a vida coletiva e o lugar no mundo frente à individualização produz um estado de tensão, o que dificulta a busca por assimilar a identidade planetária. O processo de qualificação profissional, por mais bem-intencionado, tropeça ao centrar sua orientação na formação profissional com elementos de cidadania, isto é, regras de sociabilidade aplicadas para uma socialização profissional específica. As características e atitudes comportamentais são transformadas em competências que distinguem os melhores dos piores trabalhadores. A formação preza pela polivalência dos trabalhadores e o reconhecimento de sua capacidade em realizar multitarefas, o que não significa atender sua multidimensionalidade.
A complexa formação
O paradigma da complexidade só pode ser concebido a partir de uma reforma do pensamento. Seus axiomas indicam a dificuldade em realizar a mudança cognitiva necessária para compreensão das propriedades do conjunto e suas partes. O primeiro axioma, um todo é mais que a soma das partes que o constituem. Segundo, o todo é então menor do que a soma das partes. Terceiro, o todo é, ao mesmo tempo, mais e menos do que a soma das partes. Na tapeçaria da vida social e comunitária, os muitos fios que entrelaçados apresentam a imagem e o sentido do trabalho na sociedade hodierna, uma experiência antropossocial, observa-se que para sua total percepção não basta apenas a indicação de um conjunto de temas. Portanto, ao identificar o trabalho, ele pode ser decomposto e apresentado em inúmeras profissões, na situação de subserviência e dependência, de dirigente, de autônomo ou profissional liberal, além de ser perigoso, penoso, fastidioso, sem interesse, tampouco satisfatório e criativo.
Essa observação se faz interessante, pois será possível uma formação multidimensional a partir do trabalho que sofre com a especialização e singularidades de sua diversidade de ofícios e funções? Morin (2003: 99) responde indicando um duplo bloqueio promotor de um impasse: “não se pode reformar a instituição sem uma prévia reforma das mentes, mas não se podem reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições”. Mais uma vez, não se apresenta um processo linear de causa e efeito, a reforma do pensamento precisa ser dialógica para permitir uma transformação do trabalho e da formação para seu exercício.
A formação ou educação dentro do paradigma da complexidade possui cinco finalidades ligadas entre si e que se retroalimentam. As quais permitem uma cabeça bem-feita, elas são: “aptidão para organizar o conhecimento, ensino da condição humana, aprendizagem do viver, aprendizagem da incerteza e educação cidadã” (Morin, 2003: 103). A Portaria 723 parece propor a educação cidadã e uma aprendizagem do viver. Portanto, das cinco finalidades, atende superficialmente duas, pois mesmo no esforço de integração dos conteúdos e sua contextualização, isso é feito sob um pensamento mutilador, fragmentador e simplificador.
(...) Não basta inscrever todas as coisas e os acontecimentos num “quadro” ou “horizonte” planetário. Trata-se de buscar sempre a relação de inseparabilidade e de inter-retro-ação entre todo fenômeno e seu contexto, e de todo contexto com o contexto planetário (Morin, 2002: 159).
A possibilidade de superação desse obstáculo só é possível com a religação de duas culturas separadas, a da ciência e a das humanidades. “Religação nos permite contextualizar corretamente, [e problematizar] assim como refletir e tentar integrar nosso saber na vida” (Morin, 2007: 70). Com a meta de religar, se faz necessário compreender os sete obstáculos que devem ser superados. Iniciamos pelo conhecimento, especificamente, o erro e a ilusão se caracterizam como o primeiro obstáculo. O conhecimento pertinente, aparece como segundo, pois não falamos de quantidade de informação, mas da organização da informação. Terceiro, nossa condição humana ou identidade de ser humano. Quarto, a compreensão humana, isto é, por meio da empatia e projeção compreender uns aos outros. Quinto, a incerteza já que apenas ensinamos certezas. Sexto, o entendimento da era planetária ou os tempos modernos. Sétimo, a antropoética, a ética em escala humana.
Os obstáculos apresentados para reforma do pensamento exigem um empenho de grande magnitude. Seu efeito impacta na cognição de um tempo, reorganiza as bases que promoveram a ciência e o olhar sobre a humanidade a partir da mundialização. A mudança de paradigma simboliza uma reforma não só da educação, mas também da civilização, da política etc. Um movimento dialógico que exige que os educadores sejam formados nesse novo pensamento, assim como deve acontecer com a sociedade. Se educadores ou a sociedade não forem transformados juntos, continuaremos caindo na linearidade que se apresenta simplificadora e disjuntiva.
No processo de secularização a educação (formação) desenvolve-se com um projeto racionalista e atualmente possui seu foco na formação tecnicista. É necessário alertar para fragmentação do conhecimento e a falta de percepção da complexidade nas interações que o sujeito realiza. Mais do que ser um sujeito único no sentido de sua individualidade, o jovem também é um holograma da sociedade da qual faz parte. Suas ações são integradas e integrantes de uma complexidade maior do que a observada pelo sujeito. Este é o desafio da educação (formação) do futuro, despertar nos sujeitos a compreensão do que pode ver com seus próprios olhos e do lugar onde se encontra.
Conclusão
O panorama histórico relacionado ao processo de mundialização e importância que o trabalho passa a receber dentro da sociedade moderna capitalista foram brevemente abordados. O objetivo foi descrever parte das transformações que têm ocorrido no mercado de trabalho. No Brasil observamos que a formação dos profissionais segue orientações dos setores produtivos com cursos de qualificação profissional que buscam formar o trabalhador de acordo com seu momento histórico.
A observação sobre a qualificação de jovens aprendizes pareceu pertinente, mediante a Portaria 723 de 2012, que apresenta diretrizes e orientações para formação do jovem trabalhador. O texto buscou responder, com base no pensamento complexo de Edgar Morin, o quanto a proposta da Portaria 723 pode ser considerada multidimensional ou se continua sendo uma expressão unidimensional. Conclui-se que o objetivo da portaria em realizar aprendizagem por meio da formação técnico-profissional metódica não se coaduna com o resultado esperado de desenvolver cidadania e compreensão do mundo do trabalho.
A Portaria 723 de 2012 destaca a multidimensionalidade do jovem aprendiz, reconhecendo seu momento de desenvolvimento físico, psicológico e moral. As sugestões de conteúdo programático, inclusive, parecem se aproximar da humanização, isto é, um aprendizado que permita maior empatia, reflexibilidade e reconhecimento do outro. No entanto, o objetivo da referida portaria está direcionado para aquisição de competências que garantam a empregabilidade do jovem. A construção de um itinerário formativo marca um início e um fim para o processo de aprendizagem que acaba por reproduzir a fragmentação, redução e simplificação dos conteúdos, quando não articulados dentro de um contexto amplo.
O dilema para mudança substancial dos programas de aprendizagem passa pela reforma do pensamento que possa não estar isolado ao ecossistema empresarial. A sociedade como um todo deve almejar a mudança de paradigma de forma interdependente
Devemos estar conscientes, também, do limite das reformas. O Homo não é apenas sapiens, faber, economicus, mas também demens, mitologicus, ludens. Não se poderá jamais eliminar a propensão delirante do Homo demens, não se poderá jamais racionalizar a existência (o que iria normalizá-la, padronizá-la, mecanizá-la) (Morin, 2013: 381).
Portanto, a cultura humanística busca libertar o que há de melhor no sujeito, seus sonhos, aspirações, preocupações e solidariedade. Por outro lado, a cultura científica separa e fragmenta as partes, isolando-as em caixas de conhecimento. Em contrapartida também amplia as possibilidades humanas, mas infelizmente acaba por não refletir sobre o destino humano. Sua ênfase se encerra na frase: “a reforma do ensino deve levar a reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar a reforma do ensino” (Morin, 2003: 20). Isso representa uma cabeça bem-feita e não uma cabeça bem cheia; tal possibilidade traz a capacidade de melhor organizar os conhecimentos, não apenas isolando com o intuito de acumular, já que seu objetivo é a ampliação de horizontes por meio do qual o sujeito percebe o alcance de suas mãos, ou melhor, suas ações. Pois cada ação se reflete no todo, mesmo que a ação possa parecer isolada ao desempenhar sua atividade profissional no ambiente de trabalho
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