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Após Prometeu: Quando a máquina expele o maquinista
Después de Prometeo: cuando la máquina expele el maquinista
After Prometheus: when the machine ejects the engine driver
Simbiótica. Revista Eletrônica, vol. 7, núm. 2, pp. 198-219, 2020
Universidade Federal do Espírito Santo

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Resumo: Este artigo objetiva realizar uma breve reflexão sobre os elementos da produção de bens simbólicos, informações e comunicação na interface das mídias, tanto no sentido de estrutura tecnológica como também nos seus sucedâneos na incisão das relações sociais. Para tanto, faz-se esta crítica por meio do método dialético-reflexivo-analítico e percebe-se que há, mesmo com avanço dos elementos tecnológicos dos sistemas de informação, o desafio cada vez maior de comunicar-se. As fronteiras invisíveis entre informação e comunicação se mostram como muros intransponíveis à medida em que a informação se acomoda em um sistema técnico-mercadológico, como sinônimo de poder, individualismo e manipulação; e comunicação é entendida como intersubjetividade e identidade, direito humano inalienável, participação e solidariedade.

Palavras-chave: Comunicação, Direito, Informação, Intersubjetividade, Tecnologia.

Abstract: This paper aims to conduct a brief reflection about the production elements of symbolic goods, information and communication on the media interface, both in the sense of technological structure as in their substitutes in the social relations incision. Therefore, this critical is done by the dialectical-reflective-analytical method and it is possible to realize that there is, even with the advancement of technological elements of information systems, an increasing challenge of communicating. The invisible boundaries between information and communication appear as insurmountable walls insofar the information is accommodated in a technical-marketing system, as synonymous of power, individualism, and manipulation. Thereby, communication is understood as intersubjectivity and identity, inalienable human right, participation and solidarity.

Keywords: Communication, Information, Intersubjectivity, Technology.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo realizar una breve reflexión sobre los elementos de la producción de bienes simbólicos, informaciones y comunicación en la interfaz de los medios, tanto en el sentido de la estructura tecnológica, así como en sus sucedáneos en la incisión de las relaciones sociales. Para ello, se hace esta crítica por medio del método dialéctico-reflexivo-analítico y se percibe que hay, incluso con avance de los elementos tecnológicos de los sistemas de información, el desafío cada vez mayor de comunicarse. Las fronteras invisibles entre información y comunicación se muestran como muros infranqueables a medida que la información se acomoda en un sistema técnico-mercadológico, como sinónimo de poder, individualismo y manipulación; y la comunicación es entendida como intersubjetividad e identidad, derecho humano inalienable, participación y solidaridad.

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Palabras clave: Comunicación, Derecho, Información, Intersubjetividad, Tecnología.

Introdução

Diante dos avanços tecnológicos na vida social contemporânea e do poder mercadológico das empresas que operam as tecnologias, cabe perguntar: a era da informação é a era da comunicação? A dúvida está ligada intimamente à contemporaneidade e ao processo de construção das subjetividades atuais, dado que o sujeito hodierno se torna mais cosmopolita e nisso concebe a si e ao resto da humanidade de uma forma diferenciada, em um universo extraordinário de liberdade e de potência. Somada a essa perspectiva, a economia de mercado no mundo globalizado passa por mudanças estruturais constantes, gerando crises que se desdobram em instabilidade político-social.

A nova era do mercado após a queda do muro de Berlim se apresenta como a era da hegemonia neoliberal em que os cidadãos são tratados como público consumidor, gerando privações para muitos e abundância para poucos, em ciclos de crises cada vez mais constantes e perigosos para a vida no planeta e o bem-estar social. A conquista dos públicos proporciona, por sua vez, a criação de um ecossistema favorável a mobilização de seus receptores, visando a formação de consensos políticos favoráveis a manipulação do próprio sistema social. A informação não só se caracteriza como mudança técnica, mas também como mudança nos modos de produção-armazenagem-difusão de bens culturais, e que hoje estão ligados ao constante uso dos dados informativos para fins de manipulação política como o uso do Big Data, por exemplo. “A prometida riqueza das redes foi substituída por uma sociedade de segredos (black box society) na qual trolls, bots e até mesmo governos internacionais autoritários produzem a distorção das informações no Twitter, Facebook, Google News, Reddit e outros sites de redes sociais digitais”. (Pasquale, 2017: 18). Esse processo leva ao espectro do perigo de manipulação da informação, da uniformização do pensamento em que os sujeitos sociais passam a acessar uma visão da realidade.

Além disso, essa manipulação do Big Data torna-se mais coerente com o uso das tecnologias, formando uma máquina robusta com seus subsistemas1. Cria-se uma narrativa triunfalista para os usos das informações em grande escala, uma metáfora, a máquina que se controla2, autômato sem seu criador, ou melhor uma engrenagem que se apresenta sem piloto, um trem. Finalmente a máquina expele o maquinista, não se veem mais rostos humanos, mas consumidores operacionalizados pela máquina. Há outras máquinas trituradoras e processadoras de informações que impulsionam consumo de bens culturais que guiam os usuários operativos de artefatos (tablets, smartphones, smartband). Tudo isso gera a promessa de que cada vez mais o sujeito contemporâneo irá se informar e se moldar aos ditames de corpos perfeitos e monitorados para uma saúde perfeita.

Seria um tempo após Prometeu? Em alusão ao mito do titã que roubou o fogo dos deuses e o dá aos homens. Os resultados estão presentes: a) a concentração do poder da informação como instrumento de dominação; b) a negação dos direitos fundamentais, inclusive do direito à comunicação; c) a lacuna das relações políticas e dos falsos entendimentos em que as informações são manipuladas em prol da hegemonia do capital e em detrimento dos processos políticos e de bem-estar social. Em que sentido a figura de Prometeu - frequentemente associada à invenção tecnológica - estaria sendo superada? Após receber a tecnologia como dádiva a figura humana deixa-se ao lado, a máquina expulsa a figura humana. Assim, observa-se o aumento de problemas tais como: 1) concentração de informações (Parra, 2016: 2) manipulações políticas e econômicas por meio de tecnologias de algoritmos (Pasquale, 2017), (Nobre, 2018). As promessas de Prometeu não são cumpridas. No entanto, as promessas não alcançadas proporcionam uma dicotomia entre o que se tem e o que se espera das novas tecnologias: confunde-se informação3 com comunicação.

Assim, objetiva-se com essa reflexão fazer uma crítica à confusão teórico-política em igualar informação à comunicação. Ou seja, neste trabalho, deseja-se questionar a perspectiva fria, distante, abstrata e matematizada do conceito de informação como fundamento da experiência da comunicação, levando em conta as instrumentalizações ideológicas neoliberal que apontam as tecnologias como sucedâneos humanos em uma realidade distópica sem diretos fundamentais como emprego, renda, educação, saúde e direito à comunicação.

Portanto, tem-se neste artigo a concepção de comunicação como patrimônio, que não se reduz à técnica de transmissão e recepção de informações, mas uma experiência em que se supera os funcionamentos das máquinas e suas interfaces. Ou seja, concebe-se a comunicação como elemento interativo humano, social, político e econômico, integrando valores que afetam os indivíduos e as comunidades que os cercam, formando intersubjetividades e relações sociais. Em outras palavras, pretende-se ir além de um instrumental capitalista de produção de bens simbólicos, mas como bem do patrimônio da humanidade, como destacado: “(...) reabilitar a comunicação como patrimônio teórico essencial do pensamento ocidental; evitar reduzi-lo a sistema técnico; não se equivocar na hora de interpretar o sentido das mudanças que as afetam” (Wolton, 2000: 131, tradução nossa).

Por isso, deseja-se defender a comunicação como algo abrangente, que implica as linguagens humanas em uma convivência que capacite as pessoas para viver no mundo - processo de abstração e de racionalidade, de emoção e de sociabilidades. Assim, concebe-se, neste artigo, a comunicação como base das relações humanas, mediação valorativa: culturais, a economia, os padrões coletivos e individuais, a impressão da realidade social. A comunicação é algo vivo, está no cotidiano, nas múltiplas interações do viver em comunidade com seu modo de vida plenos, construtor de identidades (Sodré, 2014). Esse processo de comunicação se distancia do discurso triunfalista, critica as manipulações mercadológicas e busca ampliar os horizontes mediados pelos artefatos. Ou seja, os artefatos tecnológicos são mediações, não finalidades em si como centralizadores das relações sociais. Ao contrário a informação está à serviço da comunicação.

Esse artigo assume o método típico dialético-reflexivo-analítico realizando uma breve reflexão acerca dos elementos da produção de bens simbólicos com as interfaces da mídia e das consequências dos usos dos artefatos, tanto no sentido de estrutura tecnológica como também na incisão das relações sociais decorrida do triunfalismo da máquina. Desse modo, os elementos tecnológicos dos sistemas de informação não justificam o desafio de se comunicar. Porque a comunicação não deve ser confundida com a transmissão de informações e uso de artefatos atrelados à lógica funcional técnico-mercadológica centrada na ideia de informação.

As fronteiras invisíveis entre informação e comunicação se mostram muros intransponíveis à medida em que a informação se acomoda em um sistema técnico-mercadológico como sinônimo de poder, individualismo e manipulação, e a comunicação é intersubjetividade e identidade entendida como direito humano inalienável, participação, solidariedade e ação social emancipatória.

Quando a máquina expele o maquinista

O desenvolvimento das novas tecnologias da informação e da comunicação teve uma nítida aceleração a partir da década de 1970, principalmente na informática como algo que muda e transforma a lógica: velocidade do sistema, habilidade tecnológica, terceirização da análise, o comentário e a interpretação da informação dentro das novas formas de socialização ou novos padrões sociais. Esse processo como revolução tecnológica dos últimos 40 anos se fez em um contexto de restruturação global do capitalismo, ou seja, entre os sistemas de produção e a experiência humana mais o poder das tecnologias:

O processamento da informação é focalizada na melhoria da tecnologia como fonte de produtividade, em um círculo virtuoso de interação entre as fontes de conhecimentos tecnológicos e a aplicação da tecnologia para melhorar a geração de conhecimentos e o processamento da informação (Castells, 2002: 54).

Dessa maneira, o acontecimento tecnológico de forma cumulativa se desdobra em novos conhecimentos, em uma perspectiva de desenvolvimento do capitalismo e para aplicação do processo de consumo de bens variados, sustentados por redes integradas no mundo global. Essas conquistas vão se reportar contextualmente com a transformação da cultura e a base tecnológica das descobertas científicas entre áreas como microeletrônica, computação (software/hardware), telecomunicação/radiodifusão e optoeletrônica. Uma interface entre campos e que foi mediada pela linguagem digital que possibilitou: geração, armazenagem, recuperação, processamento e transmissão que se acumulou e se reorganizou em sucessivas inovações e usos: criação dos Pcs, aplicativos e rede mundial WWW (world wild web), HTML (hypertext markup language), HTTP (hypertext transfer protocol) e URL (uniform resource locator):

(...) esse sistema tem sua própria lógica embutida, caracterizada pela capacidade de transformar todas as informações em um sistema comum de informação processando-as em velocidade e capacidade cada vez maiores e com custos cada vez mais reduzidos em uma rede de recuperação e distribuição potencialmente ubíquo (Castells, 2002: 54).

As potencialidades ubíquas nas interações constantes criaram um mecanismo de flexibilidade dos processos de produção de informação, marcando as tecnologias e toda sociedade, dentro dos limites especificados pelo sistema de produção:

a) a informação como matéria-prima: tecnologias que agem sobre a informação;

b) penetrabilidade das novas tecnologias e as novas formas de vida moldadas por essas mesmas tecnologias;

c) lógica de redes em que as interações se fazem junto com a flexibilidade;

d) flexibilidade como paradigma dessas novas tecnologias;

e) convergência das tecnologias em sistemas integrados: microeletrônica, telecomunicação e computação;

f) simultaneidade das relações entre plataformas e informação, armazenamento e memória, velocidade e combinação e transmissão.

Nessa perspectiva, formou-se o processo constante de produção e distribuição das formas digitais em sistemas computacionais binários (0 e 1), integrando subsistemas em redes conectadas. Criou-se protocolos de linguagens visíveis em tela e que usam códigos binários, transmitidos em velocidade e em grande magnitude. Como destaca Santaella (2004: 45), surgiu um universo que se conecta em redes, em elementos de linguagem hipermidiática, baseada em hibridização sígnica, desdobrando-se em convergências e aplicações práticas de hipertextos, fragmentos, hiperconexões, interatividades da informação: “Qualquer espaço informacional multidimensional que dependente da interação do usuário, permite a este o acesso, a manipulação, a transformação e o intercâmbio de seus fluxos codificados de informação”. Essa constante atuação técnico-científica é marca da inovação humana que se apresenta com diversas funcionalidades na comunicação social.

Nesse contexto, por exemplo, as grandes corporações midiáticas movimentam os mercados culturais, incorporando velhas práticas de produção de bens simbólicos às inovações tecnológicas. Fusões, especulações e investimentos de risco dessas corporações implementam seus valores mercadológicos em contraponto aos direitos à comunicação e à livre circulação de informação.

Com a crescente concentração das informações digitais nas mãos de poucos atores corporativos e estatais, as práticas de abertura e livre disponibilização de dados combinam-se à emergência do big data, num contexto de distribuição assimétrica no poder comunicacional (propriedade dos meios, infraestrutura, aplicativos etc.) (Parra, 2016: 41).

Tem-se, mediante aos conglomerados de mídia o domínio de elementos decisivos na transmissão de bens culturais, o controle de mercado das tecnologias e dos conteúdos, mas sem a diversidade de ideias, liberdade e solidariedade idealizadas para a comunicação.

Time Warner, Disney, Sony, New Corporation, NBCUniversal e Bertelsmann - cuja concentração econômica se traduz em um poder cada dia incontrolável de fusão dos dois componentes estratégicos, os veículos e os conteúdos, com a consequente capacidade de controle da opinião pública mundial e a imposição de moldes estéticos cada dia mais 'baratos'; segunda, a que foi introduzida pelos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, carregada de controles e ameaças às liberdades de informação e expressão até a ponto de colocar em sérios riscos os mais elementares direitos civis nesse campo, ao mesmo tempo que se legitimam por meio dos imperativos da 'segurança', na verdade as mais brutas e descaradas formas de manipulação e distorção informativas (Martín-Barbero, 2014: 8-9).

Além desse exemplo, pode-se citar o surgimento de empresas de tecnologias, redes sociais e de serviços de streaming online como a Netflix que usa das tecnologias de algoritmos para produzir conteúdo e transmitir, dominando toda a cadeia produtiva de produção-armazenagem-difusão de entretenimento, seguindo essa lógica de implementação da informação em um mercado global4. A cultura comercial da mídia Mainstream utiliza das inovações tecnológicas para propagar informações em um ritmo cada vez maior e em níveis cada vez mais individuais. Em outras palavras, há uma integração e uma coexistência das tecnologias de informação com as demandas de um mercado que se reorganiza em torno de plataformas que garantam o lucro e limitem os processos dissonantes dos sistemas como salientado por Jenkins et. al. (2014). A liberdade e as ideias são controladas por uma série de protocolos e infraestruturas que possibilitam a manutenção das “relações-informações” como negócio.

Com a universalização da informação sob controle de meia dúzia de corporações, as relações humanas se retraem e são confundidas em um processo de manipulação, sedução, consenso e poder, capaz de criar novos desejos e iludir ou mesmo reconstruir novas realidades, monitorando e editando os direcionamentos culturais, políticos, econômicos e sociais. “Nessa perspectiva, o que está em jogo é muito mais a capacidade de produzir e gerenciar uma infinidade de perfis, de criar cenários e produzir futuros”. (Parra, 2016: 41). Redes sociais que se organizam como especialistas nos tratamentos de dados, formam um Big Data5, usam essas informações para fins comerciais, políticos e culturais. Para Nobre (2017), esses dados direcionam ideologias, constrói gostos, formam ideias e transformam as informações em bens valiosos para venda e comercializações, mudando as conjunturas culturais na atualidade, inclusive influenciando ações políticas no mundo6 e no Brasil.

Um exemplo de empresa que atua nesse ramo é a Cambridge Analytica, que ficou conhecida em março de 2018 após ser descoberta a suposta relação com o Facebook para a captura e utilização de informações dos perfis de milhões de pessoas ao redor do mundo e que, munida dessas informações, produziu propagandas que facilmente apelavam para os aspectos afetivos dos sujeitos em torno de uma dada questão, alterando, por exemplo, os resultados de eleições presidenciais, inclusive no caso do Brasil, nas eleições de 2018 para Presidente da República (Nobre, 2017: 79).

Esse exemplo da informação como mercadoria é destacado por Marcondes Filho (2009) ao fazer uma crítica nas relações e processos de tessitura da produção midiática, principalmente das notícias, independente das plataformas e dos avanços e aceleração da informática nos últimos 40 anos. Para o pesquisador, “Notícia é a informação transformada em mercadoria, como todo os seus apelos estéticos, emocionais e sensacionais, para isso a informação sofre um tratamento que adapta às normas mercadológicas de generalização, simplificação e negação da subjetividade” (Marcondes Filho, 2009: 78). Essas normas do mercado assim, como destacado, usam a informação como mecanismo de manipulação e no contexto atual consolida-se cada vez mais como um subproduto da “máquina” a ser capitalizado independente da forma, modelo e estrutura canônica de uma notícia, cada vez mais é uma arma eficiente de construção de consciências e de apelos políticos. Como vemos na atualidade do Brasil.

Já se sabe como o então candidato à presidência da República - Jair Bolsonaro -, empresários que o apoiavam e outros agentes utilizaram o Facebook e o WhatsApp para difusão das chamadas Fake News, corroborando para a sua vitória em detrimento de Fernando Haddad (do PT), um caso, dentre outros ao redor do mundo, que expressa concretamente o fenômeno da Pós-Verdade (Nobre, 2017: 79).

Assim, as forças políticas avançam utilizando e divulgando conteúdos, que independem dos fatos e de sua veracidade, baseiam-se em categorias e métricas como “número de visualização, curtidas e compartilhamentos” (Pasquale, 2017: 19). Essa lógica adotada na política brasileira é geradora de produções midiáticas, construídas a partir das informações compradas de empresas especializadas. Uma ação decorrente do processo adotado pelo marketing de perceber as necessidades do público consumidor e em seguida criar produtos adequados a essa necessidade. Uma lógica de negócios que é sustentada a partir do sistema de oferta e procura, baseando-se na economia de mercado de produção de bens: “Novas necessidades exigem novas mercadorias, que por sua vez exigem novas necessidades e desejos (...)” (Bauman, 2008: 45). Assim, o marketing na era da informação toma uma eficácia sob uma ideologia que uniformiza a informação e distribui de forma a atingir o maior número possível de pessoas, grupos e até indivíduos particularmente, sob uma ação esquematizada por máquinas de produção, armazenamento de inteligência artificial.

Decisões anteriormente realizadas por humanos são agora feitas por algoritmos voltados à maximização de lucro. Além disso, os agentes intermediários digitais permitem a seleção de conteúdo segundo interesses financeiros de agentes propagandistas públicos e privados perigosos (Marwick; Lewis, 2017 apud Pasquale, 2017: 19).

No campo da produção de bens culturais, como exemplo, tem-se o modelo de vida norteamericano transmitido através de uma propaganda poderosa e o controle da informação e do marketing. Ademais ignora-se as culturas locais diante de uma política que privilegia a cultura mundializada em um marketing controlado que transmite uma falsa noção de necessidades humanas e sociais, criadas artificialmente como desejo de venda.

(...) a mídia eletrônica (internet e suas derivações), biombo ideológico do capitalismo financeiro, institui-se em arquivo mundial do saber, com foco cultural na sincronização dos afetos em escala global. A palavra de ordem é velocidade, e não espírito republicano. Desde a década final do século passado, a tecnologia digital passou a impulsionar e consolidar a fragmentação dos públicos da mídia anterior sob as formas de individualidades comunicantes ou interativas. A antiga interação, regida pelo modelo de uma 'massa' anônima e heterogênea, dá lugar à interatividade, que implica um processo gradativo de apropriação da tecnologia da comunicação pelos usuários. O fundo coletivista do modelo de massa anônima transforma-se no de um individualismo de massa. O que conta aqui não é a opinião argumentada, mas a opinião emocional ou afetual (Sodré, 2014:1).

Essa lógica permanece ainda no escopo de produção da informação que circula como mercadoria, em um contexto de criação em série, descobertas de novos mercados e estímulo de desejos. Em uma produção de bens simbólicos, os sentidos da realidade social cada vez mais são descartáveis, proporcionando uma cultura líquida, fluida, cheia de dissensão, esquecimentos e descontextualizações. Enfim, seguem os métodos do marketing, sob uma perspectiva e forma de uma técnica mercadológica de relações padronizadas provocando consequências no campo social em um contexto de consumo que marca a diferenciação social e cultural a partir do que é consumido, dentro do mercado que cria segmentações variadas (tempo/dinheiro) e (renda/educação), menos democráticas e justas.

Sendo que a valorização econômica de formas simbólicas mediadas pelos meios pode depender crucialmente da natureza e extensão da recepção, as pessoas envolvidas empregam, claramente, uma variedade de estratégias para dar conta dessa indeterminação. Eles se apoiam na experiência passada e usam-na como uma orientação para prováveis resultados futuros. Empregam fórmulas já testadas que possuem certo apelo previsível sobre audiência; ou tentam obter informação sobre os receptores através da pesquisa de mercado, ou através do monitoramento rotineiro só tamanho e da resposta da audiência. Estas e outras técnicas são mecanismos institucionalizados que possibilitam às pessoas reduzir a indeterminação que brota da ruptura entre produção e recepção, e fazem isso de uma maneira que se coaduna com os objetivos gerais das instituições interessadas (Thompson, 2009: 290).

Esse processo de criação de bens simbólicos se desdobra em uso da cultura como estruturação social e marca as identidades, destacando novas formas de pensar o local e interação social do cotidiano. Os valores se reconfiguram em novas conformidades como interesses, afinidades e individualismo. Fortalece, daí, a ideologia do progresso técnico-científico com seus desdobramentos sociais, políticos, culturais e éticos.

Como destaca Schaff (1995: 83), as repercussões da transmissão torrencial de informações se fazem na transmissão da cultura, nos sistemas educacionais, causando uma revolução no sistema de ensino, alterando o controle da memória do uso desta na ação de interatividade social, invenção e manutenção dos valores e compreensão cognitiva. Cria-se um déficit cultural imenso, dado que o controle e propagação das informações se limita drasticamente, causando mudanças profundas em um curto período de tempo, impedindo uma profunda reflexão: “Agora o ritmo dos acontecimentos será diferente, algumas décadas representarão muitos séculos (...)”. A cultura simbolizada pela educação se transformou, fala-se em uma evolução causada na cultura de informação. Não existe mais um mecanismo uníssono capaz de relacionar a educação tradicional com os mecanismos tecnológicos, que pretende "substituir" a formação escolar e acadêmica por um processo célere de aprendizado, sem relações profundas e mesmo conflitos humanos. A hegemonia e legitimação dos novos paradigmas passam, no momento, à mídia de massa e às plataformas online. Forma-se uma rede de sistemas integrados e capitaneados pelas mídias.

Com o avanço desses meios e sua intrínseca relação com a geração presente (jovens) se percebe uma nova inteligência “tissular”, fazendo-se compreender no mundo diferentemente daqueles vivenciados no século passado. Pode-se dizer que a reflexão parece uma demência crítica em que a realidade é sentida como algo emocional e sensacional. A cultura passa a ser informativa, tecnológica, mercadológica. Uma construção psicológica para o prazer. A interatividade interessa pela vida privada em descartáveis e antiburocráticos sistemas que faz com que haja a diminuição das distâncias a partir dos conglomerados de redes sociais autônomos.

Há, portanto, uma nova perspectiva de visão da cultura. As raízes da cultura tradicional paulatinamente estão se fragmentando em um uníssono sistema de informação, e ainda o usando para sua promoção cosmopolita. As expressões da cultura popular por parte da mídia constituem uma lacuna, ora rejeitada, ora empacotada e transmitida industrialmente como um enlatado, consumido de forma exacerbada, até se esgotar. Passa do processo de produção-armazenagem-difusão cultural e imagem para as formas digitais; contrata-se elementos sem fixação, torna-se virtual no sentido de simulacro daquilo que é físico, por isso logicamente desreferenciado:

Com advento dessa nova forma de comunicação desaparecem os suportes físicos da comunicabilidade, muda os sistemas de armazenamento (de analógico para digital), quebra-se o caráter compacto dos produtos culturais que, a partir daí, tornam-se livremente manipuláveis e moldáveis, instalando-se, com isso, uma cultura de dissolução, recombinação e volatilidade dos dados. A aceleração das inovações tecnológicas propicia, também, a contínua substituição dos suportes físicos (hardware) dos sistemas de tratamento de dados (Marcondes Filho, 2013: 17).

Do hard ao soft, as novas tecnologias permitem um gozo e se tornam o grande depurador das frustrações humanas, e além disso, torna-se grande repetidor dos sistemas informativos ao emitir sinais, tendendo a substituir os meios obsoletos que não resolveram os problemas pontuais da comunicação em seus aportes físicos e elitistas (revista e jornais por exemplo). Para Marcondes Filho (2013: 88), as tecnologias e os meios de comunicação invisibilizam os traços humanos do fenômeno comunicacional: “(...) já que a revolução não vingou, já que as esperanças de transformação da humanidade estão fora da moda, o homem ainda tem uma chance, pode se depurar nas tecnologias”. E ainda, emenda a crítica, o digital apaga as noções de tempo/espaço, nova temporalidade, ausência de territorialidade, de referencial físico.

Assim, socialmente, o ser humano perde referência espacial e identidade como uma "desterritorialização" do sujeito nos processos que ele não consegue acompanhar. Tudo é muito rápido e abstrato (Bauman, 2003). A solidificação das relações sociais se esvai, como um amor de veraneio, ou mesmo nem chega se tornar amor, mas um click, que passa, se dissolve sem nenhuma maior aderência, consideração ou permanência. Os sistemas de informação, em convergência por plataformas e sites, celulares, tablets e plays diversos proporcionam um sistema de rede que não permitem estabilidade alguma:

Quando as redes de comunicação eletrônica penetram no habitat do indivíduo consumidor, estão equipadas desde o início com um dispositivo de segurança: a possibilidade de desconexão instantânea, livre de problemas e (presume-se) indolor de cortar a comunicação de uma forma que deixaria partes da rede desatendidas e as privaria de relevância, assim como de seu poder de ser uma perturbação (Bauman, 2008: 137).

O velho esquema da vivência territorial, regional ou nacional perde-se sob a tendência de viver-se numa aldeia global. Não existe, a partir das conexões informacionais, um limite de fronteiras, mas uma universalidade territorial e em paradoxo uma segmentação que permite as pessoas se identificarem também como parte de um grupo, uma cultura, uma religião, algo que possa garantir um nicho no mar da globalização. O que está em jogo é exatamente o desenvolvimento da alteração tempo e espaço e suas consequências, tais como uma simultaneidade que deixa indefinido as relações sociais, alterando suas características de interação humanas e comportamentos, a partir de um local (Thompson, 2009).

Dessa maneira, permite-se um individualismo exacerbado, bem como um excesso contínuo de falta de tempo e uma overdose de informações em consenso com as manipulações. Em outras palavras, o acesso às novas tecnologias não significa o desdobramento social para emancipação cultural. Porém, é na cultura, educação e política que há base contextual para transformar a sociedade para compreender e construir a comunicação.

Construindo a sociedade da comunicação

O contexto de formação das novas tecnologias destaca os aspectos utópicos da liberdade oferecida pela sociedade como valor último dos sistemas humanos (Wolton, 2000). Cria-se bancos de dados e um incentivo à criação livre aplicada ao cotidiano, usufruindo de uma infinidade de ofertas informacionais, divertimentos, lazer e entretenimento. Um conhecimento fixado em larga escala e de uma forma pontual, desconexa e fragmentada. Assim, a comunicação é um espaço de conflito, resistência estratégica que pode transformar os sistemas e os processos de modulação da sociedade.

(...) os processos comunicativos não podem ser compreendidos pura e simplesmente como processos de relacionamento pessoal: eles constituem realidades históricas, que estabelecem determinadas relações sociais, definem certos padrões de linguagem e criam uma pauta de conversação, profundamente comprometida com a estrutura de poder, o modo de produção vigentes na sociedade (Rüdiger, 2011: 83).

Os meios de comunicação proporcionam um controle que altera consideravelmente o contexto social. Os avanços tecnológicos não significam uma respectiva evolução social e cultural, uma mudança estrutural nos níveis de valores. Porém, na realidade, ter acesso a informação como grande conquista humana é pharmakon para os males humanos, e não proporciona mudanças nas estruturas sociais de injustiça e de desigualdade. Por isso, rever a comunicação é apontar para além do progresso técnico: “(...) pois este progresso técnico não basta para que possamos considerar que se iniciou um progresso na comunicação” (Wolton, 2000: 131, tradução nossa). Porque o contexto das tecnologias não alterou essa funcionalidade social. Em outros termos, a mediação na cultura contemporânea suplantou formas orais e presenciais, dando lugar às mídias e suas versões eletrônicas que nos mais das vezes impossibilitou as autenticidades culturais, indo contra os objetivos de comunicação humana e a interrelação socioantropológica.

Assim, sob o entendimento que a comunicação é uma realidade antropológica e política, não apenas tecnológica, deve-se levar em conta que o fenômeno da comunicação envolve valores, interesses sociais, por isso é o fundamento para democracia, daí compreende-se que a comunicação perpassa os elementos: a tecnologia, o sistema político e a ação econômica. Desse modo, não se pode encerrar a comunicação sob os aspectos de uma técnica, ou mesmo determinar um fenômeno social apenas à adequação humana ao uso tecnológico. Ela deve trazer elementos de experiências em um contexto concreto de envolvimento, afetos, emoções, razão, situações humanas em que há percepção e interpretações das coisas do mundo em interação que marcam as intersubjetividades. Pensa-se aqui no extrato das experiências humanas como as condições de cultura, as produções materiais, a sensibilidade artística, os coletivos jovens e as comunidades de resistências.

Os indivíduos se comunicam a partir de um compartilhamento de campo comum, um conjunto de conhecimento que permite uma visão de mundo comum no grupo social. Por isso, os sistemas sociais se constituem, sob essa perspectiva, com base na comunicação (Rüdiger, 2011). Por exemplo, as visões de mundo são comunicáveis, acontece por diálogos em atmosferas, cenas, climas que vão além das palavras e envolvem interesses, sensações, desejos, intuições e percepções (Marconde Filho, 2009). Desse modo, na comunicação cada pessoa é uma unidade referencial com o espaço e a consciência do mundo se estrutura em um sistema de signos criado individualmente a partir da interação sociossemiótica do movimento das interações, porque o conhecimento do mundo se faz mediado pela linguagem e pela comunicação.

Neste caso, concorda-se com Rüdiger (2011) quando ele destaca que o fenômeno comunicacional é uma dimensão constitutiva da vida social, antropomórfica e cultural. Desse modo a função da comunicação é socialização das consciências, expansão do conhecimento, desenvolvimento do indivíduo em uma coletividade. O sujeito social é capaz de desenvolver competências socioculturais, mediante a linguagem (manipulação simbólica e estabelecimento de consensos e criatividades). O desenvolvimento dessa perspectiva proporciona interação que capacita o viver no mundo, desenvolvendo o processo de abstração e racionalidade, emoção e sociabilidade. Por isso, toda experiência humana deve passar pela comunicação (Berlo, 2003).

O poder da comunicação é algo que só se explica como estado de ser humano e de sociedade. Observa-se a celeridade das interações indivíduo-tecnologia, mas não houve uma melhora dos problemas sociais, ao contrário, observa-se um ofuscamento desses problemas (Wolton, 2000). Assim, o entendimento teórico sobre a comunicação, enquanto funcional e normativo, aponta para uma crítica à tecnocracia e ao individualismo como um fenômeno de mundialização tecnológica, mas não comunicacional.

As tecnologias como técnica pura não geram comunicação porque não significam desenvolvimento e acesso à verdade do sentido comunicacional. A elas faltam uma base contextual: apresentar um projeto de emancipação política social do ser humano. Assim, as tecnologias só podem fazer parte do progresso humano se elas possuírem uma acoplagem com os direitos fundamentais das liberdades conquistadas nos últimos séculos. Daí a ideia de comunicação como direito em que os sujeitos sociais não podem ser apenas um consumidor passivo de informações dentro de uma mecânica de estímulo resposta, em campos econômicos de conglomerados midiáticos e alienados da liberdade de expressão, cidadania, emancipação, pluralidade e democracia.

(.) a possibilidade de comunicar e de receber comunicação é um bem social que deve estar disponível igual e universalmente [ou, no mínimo, distribuído de maneira justa, de acordo com padrões de justiça aceitos]; os processos políticos democráticos criados para aumentar o bem-estar público e a equidade também necessitam dos serviços dos canais de comunicação pública; o conceito integral de cidadania pressupõe a existência de um corpo de cidadãos participante e informado (Golding, 1990 apud Mcquail, 2012: 78).

Tem-se como certo o esforço de fazer uma nova comunicação capaz de rever seus próprios processos comunicativos no microcosmos que lhe couber viver. O problema da comunicação hoje não se limita à ordem tecnológica, abrange muito mais como o relacionamento humano e interação na sociedade. Na comunicação, nesse contexto apresentado, acredita-se, aqui neste artigo, que o maior problema seja o fundamentalismo da informação, pois ele simplifica o fenômeno em uma função limitada unidirecional e monodimensional. Comunicar, assim, está relacionado ao coletivo social, como função, em que a própria sociedade só pode existir por conta do fenômeno comunicativo, em uma reciprocidade de interações, sentimentos, cooperação ou ordem cultural e culmina em “sistema social integral” (Mcquail, 2012: 79). A comunicação é, portanto, um mecanismo de organização social:

A cultura por sua vez, é geralmente caracterizada por ter seu sistema ou ordem simbólica (significado) específicos. No presente contexto, o termo 'ordem' é utilizado em um sentido muito mais limitado de 'coesão' ou ‘harmonia', em níveis específicos de organização social, e também como os processos que fortalecem ou enfraquecem essa coesão. A comunicação é um desses processos. O nível de harmonia ou coerência que existe também é manifestado no conteúdo de comunicação e nos padrões de fluxo (Mcquail, 2012: 85).

A comunicação, dessa forma, dispõe-se com a possibilidade de criar conteúdo que dão significado à vida, desenvolvendo um sentimento de pertença ao grupo social e um ambiente simbólico capaz de trazer harmonia. No entanto, uma sociedade de comunicação deve romper certos elementos da sociedade de informação como conflitos de interesse, hierarquia de pessoas e estratificação social que traz um desnível no processo comunicacional, impedindo o direito, a liberdade e a técnica da comunicação, principalmente na construção do ambiente cultural propício para se comunicar: “As virtudes culturais relevantes à identidade referem-se principalmente aos marcadores de reconhecimento e de limites (nossa cultura versos a dos outros), mas sem a necessidade de gradações estéticas e morais” (Mcquail, 2012: 87). Portanto, a possibilidade de uma comunicação social deve passar por rompimento da ordem estabelecida nos domínios social e cultural, estabelecendo assim novas normas que possam ser destacadas não como controle e hierarquia, mas como solidariedade e autenticidade/identidade. “Comunicar é aceitar a experiência da alteridade, o que é bem diferente de uma lógica de segurança, que se apoia sobre o poder. Escolher a comunicação, afinal, é sempre inscrever-se contra a segurança” (Wolton, 2006: 225). Esses princípios exigem para uma sociedade de comunicação a amplitude das igualdades sociais que se desdobram em outros subsistemas que não apenas da cultura e das mídias.

Cria-se daí elementos fundamentais que Wolton (2006: 220) relembra como exercício de coabitação, dado a diversidade cultural, e força a uma atitude diferenciada diante dos desafios que a pluralidade social impõe: “E é aí que a comunicação reencontra a política, a democracia, o humanismo. Comunicar é descobrir o incomunicável, a alteridade radical e obrigação de organizar a coabitação”. Talvez esse seja a maior dificuldade no processo de rompimento e transição de um paradigma técnica-economicista (informacional, monodirecional) para um paradigma antropológico-humanista (comunicacional, dialética). Assim, só pela comunicação que se consolida a democracia, aspirando para uma sociedade que possa ser base para a plenitude de direitos, dando aos sujeitos sociais a possibilidade de autorrealização: “Comunicar é, portanto, entrar em uma problemática do outro. É contribuir diretamente para a infraestrutura mental da democracia”. Por isso, pensar a comunicação em um nível social remete-se para construção de novas subjetividades. As relações sociais em suas contradições funcionais desdobram-se no desafio cada vez maior de unir identidade em contínuo sem fim para efetividade da comunicação.

Comunicação e intersubjetividades

A identidade é uma construção narrativa sem fim que é marcada pela subjetividade e sustentada pelas relações sociais. Daí o postulado que o sujeito é fruto de paradigma comunicacional, cujo principal elemento é sua ação enquanto protagonista, deslocando das técnicas e da mercadoria para o ser humano, formando uma nova maneira de se perceber no mundo. Seria uma retomada dos valores universais que marcam as características indenitárias.

Para Martino (2010), a identidade é um discurso que funciona atrelada acertas condições de produção, ou seja, através de um processo de construção de narrativas, quando estas são mediadas pelas tecnologias. Entende-se que essas narrativas não são meras fruições descoladas dos processos de produção discursivos, mas parte fundamental de compressão, elaboração e expressão da “narrativa indenitária”.

A tecnologia da comunicação não é apenas um instrumento. Ela altera a relação do ser humano com seu ambiente físico e social a partir de mudanças provocadas no próprio indivíduo - o uso de tecnologias de comunicação altera a percepção do ser humano, modifica o modo como sente, representa, atribui sentido e age em seu ambiente, dito de outra maneira, as mediações tecnológicas alteram a relação das pessoas com os signos ao seu redor, filtrando-os, ampliando-os, eliminando-os de seu campo perceptivo. Alteram sua identidade. Interferem na maneira como os sentidos captam a realidade e, portanto, como a mente processa esses signos (Martino, 2010: 158).

As subjetividades que antes eram marcadas, negadas e formadas pelas grandes narrativas, passam por sua vez a serem formadas pela mídia. Por que as interações sociais que antes eram feitas nas certezas dos dogmas das instituições, das tradições e das narrativas locais (sob as regras pré-estabelecidas), sem a mediações e os aportes das mídias radiodifusivas e novas mídias digitais, agora se transformam em narrativas da mídia: “Surge uma comunicação de novos discursos, fluido como os fluxos das comunicações” (Viana, 2011: 178). Assim, Martino (2010) afirma que essas mudanças existem na atualidade de forma a relacionar mídia -com narrativas identitária e aponta o processo comunicacional mediado como responsável para o isso.

Observa-se daí que a comunicação, em meios céleres, em plataformas tecnológicas, média as ideologias, e produz uma espécie de frivolidade nos acontecimentos. Por sua vez as instituições, as culturas, as tradições e as narrativas são negadas, combatidas, modificadas e até mesmo remixados em discursos identitários midiatizados [.]. Construídos em plataformas descartáveis, invertem valores, celeiro para novas, múltiplas e desreguladas identidades que se escondem e se revelam tacitamente sob o crivo da comunicação (Viana, 2011: 178-179).

Martino (2010) chama de signo ou processamento do signo que opera concomitante ao processo de produção e que vai além do uso instrumental de artefatos tecnológicos. A consciência do mundo se estrutura em um sistema de signos criados comunicativamente, alimenta individualmente a interação sociossemiótica do movimento da comunicação, porque o conhecimento do mundo se faz mediado pela linguagem e pela comunicação. Assim, a comunicação tem por objetivo, nessa perspectiva, mediar e socializar as consciências, através das formas simbólicas, por isso não podem ser transmitidas, mas dialogadas, pois é fruto da interação ativa em determinado contexto.

Aquilo que se chama comumente subjetividade ou primazia do sujeito é marcadamente uma invenção da modernidade, ou seja, a subjetividade moderna, incluindo a razão e o antropocentrismo e com ele a separação dos elementos sujeito x objeto e razão x extensão. Porém esse paradigma alimenta a dicotomia entre o ser humano e as técnicas, desenvolvendo uma razão instrumental latente, uma comunicação instrumental que se manifesta nos sistemas de informação. O sujeito é definido a partir da concepção de objeto (oposição ao sujeito) em uma formação de consciência do eu-penso construído histórico e dimensionalmente, findo em um aparelho psíquico que o capacita para tal funcionalidade.

O processo de conhecimento da realidade se faz do ponto de vista objetivo e subjetivo. “A apropriação subjetiva da identidade e a apropriação do mundo social são apenas aspectos diferentes do mesmo processo de interiorização, mediatizado pelos mesmos outros significativos” (Berger; Luckmann, 2010: 172). É o mesmo ato dialético da relação do mundo social com o sujeito, destacando a subjetividade: “A realidade subjetiva depende assim sempre de estruturas específicas de plausibilidade, isto é, da base social específica e dos processos sociais exigidos para sua concepção” (ibidem, 2010: 198). Assim, os sujeitos necessitam dessas formas para compor-se enquanto tal. Daí o paradoxo pois há limites e tendência a uma instrumentalidade em que as subjetividades se tornam objetos, delineando timidamente uma linguagem irreal, sem vínculo de sentimentos, alienado do contexto sociocultural.

Como destaca Rüdiger (2011: 34-35): “A comunicação constitui a base da interação social, coordena as ações individuais, no sentido em que as pessoas tomam como premissa de sua ação as mensagens recebidas das demais, malgrado o contexto de referência delas geralmente diferir do contexto de comunicação”. Assim, ao pensar a comunicação como relação social e antropológica, desenvolvida a partir de elementos político e cultural, deseja-se destacar que o fenômeno comunicacional forma uma nova identidade, pois se estrutura na possibilidade de sujeitos relacionais, ou seja, de uma subjetividade que rompe com o paradigma instrumental e capitalista, voltando-se para elementos narrativos e intersubjetivos. O que se deve pensar é que não há separação entre o eu e o outro, mas complementariedade e relações - só posso comunicarme com outro à medida em que o outro comunica-se comigo. A comunicação se torna alteridade e perpassa a concepção de ser humano, unindo sentimentos, sentidos e captação da realidade. Há daí a possibilidade de desenvolver uma miscelânea de subjetividades que proporcionam um contrato maior entre as diferenças através da comunicação.

Dessa forma, postula-se para implantação de uma sociedade comunicacional o diálogo, dentro de uma rede de linguagem cujo protagonismo se encontra nas intersubjetividades, ou seja, no clima de consenso e direitos sociais e interações. Por isso, a intersubjetividade é condição para o comunicar, para as relações e desenvolvimento de narrativas, sua compreensão reflexiva de uma forma universal e proativa. Como destaca Marcondes Filho (2009), os seres humanos se constituem sujeitos sociais capazes de coordenar suas ações e desenvolver uma competência comunicativa. Deve-se levar em conta o processo comunicativo que marca uma nova subjetividade: “(.) As pessoas criam o conceito de si mesmas e se capacitam a estruturar significativamente suas ações com base nos conceitos e expectativas de comportamento que tomam dos outros no processo de interação social enquanto seres sujeitos à comunicação” (Rüdiger, 2011: 218). Todavia, essa interação é marcada no âmbito de uma liberdade em contatos reais e uso de tecnologias como direito e auxílio, plataformas de possibilidade para haver realizações humanas.

Considerações finais

O desenvolvimento humano em sua fragilidade aponta para o processo necessário da comunicação. Por isso, não se pode limitar tal perspectiva ao de um contexto artificial de emissão e recepção de sinais que deem sentido (informação). A chamada sociedade de informação por mais avançada que pareça estar em suas plataformas tecnológicas não devem substituir os valores, as culturas e a perspectiva antropológica da comunicação.

Por isso, pede-se uma forma de concepção que entenda a comunicação como direito e ação intersubjetiva. O direito passa pelas liberdades, portanto é uma ação política, uma práxis, um exercício cultural e social. Compreender-se coletivamente como tal em um modo de viver que proporciona, não apenas o rompimento com os aspectos negativos que a tecnologia pode dispor, mas alcançar uma emancipação intersubjetiva de interação societária.

Os atuais usos dos meios de informação aceleram o tempo e deslocam os espaços, desassociam as subjetividades de uma relação ambiental saudável e apresenta um universo de possibilidades, que na verdade é engodo de uma falsa reabilitação do humano, ou seja, a superação tecnocêntrica, sua produção e alienação das culturas como um todo.

Após Prometeu, ressaltando o mito como forma de narrativa pedagógica para reconhecer-se identitariamente, em escala social, deve agir de maneira a compreender-se além de uma perspectiva racional-instrumental, mas para uma racionalidade-interativa, uma intersubjetividade que o capacite a superar os desafios antropológicos: alteridade, justiça social, ética e realização humana.

Desse modo, após Prometeu há a responsabilidade, os desafios e as novas perspectivas de comunicação. Por fim, o desejo de se engajar uma visão de complexidade sobre o ser comunicativo, compreender-se como humano em constante evolução, cujo aparelhos tecnológicos são postos como meios e não fins, porque comunicar-se é também usar tecnologia, mas é entender-se como ser em relação ao outro, ser de necessidade e contenções naturais. O ser humano é apenas um átomo que nada pode salvá-lo senão a comunicação. Sim, ela pode responder o que virá depois, como conquistas humanas.

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