Artigo
Resumo: O presente trabalho busca analisar a forma como as instituições penais conformam o novo arranjo criminal do intra e extramuros. Se por um lado é possível enxergar a suposta inabilidade do Estado em conter a criminalidade, por outro, parece que a manutenção dessa característica se torna um eficiente mecanismo para neutralizar e gerir certos indivíduos da sociedade. O artigo tem como objeto a origem do Primeiro Comando da Capital (PCC), o qual se configura como uma evidência de que políticas penais mais duras são propulsoras de coletivos prisionais. O debate também discutirá sobre as lógicas de pertencimento e exclusão, com o grupo e com o aparelho estatal, respectivamente, as quais parecem legitimar a atuação do PCC.
Palavras-chave: s: Recrudescimento penal, PCC, Práticas punitivas, Pertencimento.
Abstract: The present study aims to analyze the way that criminal institutions conform the new criminal arrangement of enter and extra-walls. If, on the one hand, it is possible to see the State's supposed inability to contain crime, on the other, it seems that maintaining this characteristic becomes an efficient mechanism to neutralize and manage certain individuals in society. The article has as object the origin of the Primeiro Comando da Capital (PCC), which is configured as evidence that tougher penal policies are propellants of prison collectives. The debate will also discuss the logic of belonging and exclusion, with the group and with the state apparatus, respectively, which seem to legitimize the work of the PCC.
Keywords: Criminal recrudescence, PCC, Punitive Practices, Belonging.
Resumen: El presente trabajo busca analizar la forma en que las instituciones criminales conforman el nuevo ordenamiento criminal de los intra y extramuros. Si, por un lado, se percibe la supuesta incapacidad del Estado para contener la delincuencia, por otro, parece que mantener esta característica se convierte en un mecanismo eficaz para neutralizar y gestionar a determinados individuos de la sociedad. El artículo tiene como objeto el origen del Primer Comando de la Capital (PCC), que se configura como prueba de que políticas penales más duras son propulsores de los colectivos carcelarios. El debate también discutirá las lógicas de pertenencia y exclusión, con el grupo y con el aparato estatal, respectivamente, que parecen legitimar el trabajo del PCC.
Palabras clave: Reclutamiento criminal, PCC, Prácticas punitivas, Pertenencia.
Introdução
O crescimento demográfico do sistema prisional brasileiro começa a ser observado a partir da década de 1990, quando existiam cerca de 90.000 apenados. Nos anos 2000, há um significativo crescimento, chegando ao marco de 232.800 (duzentos e trinta e dois mil e oitocentos) presos em todo o território nacional (Infopen, 2016). De acordo com o mais recente relatório divulgado, no primeiro semestre de 2019, havia um total de 773.151 (setecentos mil e sessenta e três e cento e cinquenta e um) pessoas privadas de liberdade, compreendendo os presos em regime fechado, semiaberto, aberto, provisórios, tratamento ambulatorial e medidas de segurança (Infopen, 2019). Esse dado configura o Brasil como o terceiro país do mundo com a maior população carcerária. Para além dos números absolutos, se comparado com países com mais de 10 milhões de habitantes, sua posição continua elevada, sendo o sexto país com mais presos por 100 mil habitantes (Infopen, 2016). Além do dado exorbitante de presos é válido ressaltar que, segundo Eugenio Raúl Zaffaroni (2017)1, para cada detento 4 ou 5 pessoas passam a ter contato com esse ambiente, compreendendo os familiares, advogados entre outras pessoas. Logo, o número de pessoas que atravessam o universo prisional é quatro a cinco vezes maior.
Mesmo com a abertura democrática devido ao advento da Constituição Federal, o cenário brasileiro visto a partir de 1988 revela o aumento do poder de punir do Estado. Ao mesmo tempo que se ampliavam os direitos coletivos, havia também em pauta o desrespeito ao direito individual, principalmente de segmentos específicos da sociedade, o qual veremos ao longo do texto. Dentro dessa perspectiva, cabe salientar três principais formas que caracterizam o panorama prisional, segundo Rafael Godoi (2016:4) são elas: —a ampliação do número de condutas criminalizadas, o aumento da duração das penas impostas para diversos tipos criminais e a restrição de direitos à progressão de pena e livramento condicional para determinados delitos”. Esse ímpeto punitivo tem relação direta com o encarceramento em massa, que por sua vez, revela o recrudescimento penal e a expansão física das prisões. Cabe inserir aqui que esse investimento nas instituições penais não significou melhorias físicas ou assistenciais aos presos, parece ter focado exclusivamente em ampliar as unidades prisionais e construir novas2.
Ao analisar o quadro teórico e histórico das prisões parece ser possível identificar inúmeras instâncias das práticas correcionais (tortura, humilhações, constrangimentos, além da abordagem policial violenta), as quais possuem um objetivo claro: punir e neutralizar os indivíduos (Foucault, 1987; Wacquant, 1999). Atualmente essa instituição parece ter um duplo objetivo: reproduzir um efeito simbólico de que se está fazendo algo (mesmo que isso não funcione) e gerir as ilegalidades (Garland, 1999). Isso porque, ainda que o número de presos tenha aumentado nas últimas décadas, isso não promoveu a melhoria nos estabelecimentos prisionais, como também não reduziu o índice de práticas delitivas. Segundo a organização de sociedade civil mexicana Segurança, Justiça e Paz, em 2018, das 50 cidades mais violentas do mundo 17 são brasileiras, sendo o país com maior número de cidades no ranking. Portanto, o aumento da população carcerária não parece estar diretamente ligado com a redução da criminalidade. Como pontuado por Wacquant (1999:86):
[A] —nova penalogia” [isolamento-neutralização], cujo o objetivo não é mais nem prevenir o crime, nem tratar os delinquentes visando o seu eventual retorno à sociedade uma vez sua pena cumprida, mas isolar grupos considerados perigosos e neutralizar seus membros mais disruptivos mediante a uma série padronizada de comportamentos e uma gestão aleatória dos riscos, que se parecem mais com uma investigação operacional ou reciclagem de —detritos sociais” que com trabalho social.
Nesse contexto, está o Primeiro Comando da Capital (PCC) que a priori parecia desafiar a autoridade da administração penitenciária e do Estado. Contudo, mostrou ao longo de sua trajetória que sua emergência como regulador de conflitos parecia ser desejada até mesmo pelo próprio aparelho estatal (Dias; Kuller; Brito; Gomes, 2015). Em razão do ambiente carcerário constituir-se pelo cenário instável, seja pelas relações de desconfiança e violência entre os presos, seja pela relação dramática entre os agentes penitenciários e os detentos. As mudanças advindas da ética do PCC fizeram com que algumas cadeias deixassem de serem regidas pela lei do mais forte, ou seja, o antigo sistema de extorsões e estupros. Sucedeu-se a atual configuração que permitiu certo equilíbrio e paz dentro das unidades (Manso; Dias, 2017; Biondi, 2009; Oliveira; Krüger, 2018).
É oportuno dizer que não se trata de uma abordagem moral e sim analítica, que objetiva uma criticidade das relações sociais e de poder que envolvem esse tema. Ademais, a pesquisa não se limita ao conceito de crime organizado, pois somente este não alcançaria a multiplicidade da facção. Para isso, o artigo adotará o conceito proposto pela antropóloga Karina Biondi (2010), de que o PCC é um coletivo - um movimento, uma ideia - o qual não se restringe a um ambiente específico (transborda seus ideais para as ruas), a uma localidade (possui difusão organizacional pelo território nacional e internacional) e nem a um conjunto de pessoas (além dos membros batizados, há um grande contingente de indivíduos que atravessam e participam do Comando).
Diante desse cenário, o presente trabalho objetiva compreender uma estrutura construída, direta e indiretamente, pelo Estado e pelos atores não-estatais, que contribui para que facções prisionais promovam benefícios e vantagens na rede crime-prisão. A metodologia de pesquisa aplicada foi uma revisão bibliográfica, o que possibilitou entender processos e narrativas a partir da visão de interlocutores que perpassam esse universo. O artigo foi organizado da seguinte forma: após a introdução, apresenta-se o conjunto da literatura que aborda o contexto histórico-social acerca do ambiente penal, que traz a transparência de um cenário onde prevalece a seletividade e punitividade. Em seguida, o trabalho caminha para a identificação de que a resposta repressiva do poder público configura a origem do PCC e sua atuação. A partir disso, discorre-se sobre o processo de pertencimento que o detento adquire com o coletivo. Por conseguinte, o trabalho abordará a sua expansão nas prisões paulistas e em seguida sua passagem para os demais territórios nacionais e internacionais. Por fim cabe esboçar a relação direta da exclusão social (não só dos apenados, como também de um grupo social bem definido) com o recrutamento e/ou a dívida moral para com a facção, tanto durante a experiência prisional, como no pré-cárcere.
Tecendo as entrelinhas
Buscando compreender o caminho que antecede a origem do PCC, parece ser fundamental examinar quais práticas estatais e também não estatais foram capazes de criar uma estrutura favorável para a difusão do coletivo. Assim, essa seção apresentará as principais características de um contexto histórico-social que coloca em pauta discursos punitivos como um meio de criminalizar sujeitos, condutas e territórios. Para isso, foi necessário a divisão de dois grandes blocos: i) inimigo em comum e ii) práticas desempenhadas. O primeiro dedica-se à construção de uma narrativa política de segurança sob um suposto inimigo e, nesse sentido, envolve o aparelho estatal como agente central desse processo. O bloco seguinte analisará que essa narrativa está respaldada pela sociedade civil, a qual, por sua vez, adota dos mesmos meios (punitivos) para segregar determinados indivíduos.
i) Inimigo em comum
Nas décadas de 1960 e 1970, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, com o modelo de desenvolvimento baseado na industrialização, houve uma intensa e desorganizada urbanização, recessão econômica e níveis alarmantes de desemprego (Manso; Dias, 2017). Nesse mesmo período, também foi possível observar o crescimento de todas as formas de criminalidade urbana3, em particular no estado paulista. Sendo assim, essa crescente criminalidade entrou na agenda política desse período, como também, a associação entre o aumento da pobreza como elemento desencadeador do primeiro. Contudo, como salienta Teresa Caldeira (2000), outros fatores podem garantir essa tendência, como exemplo, os padrões de comportamento das instituições de controle do crime cada vez mais violentos e contribuintes para a erosão dos direitos dos cidadãos. Nessa análise, é importante destacar que, em 1970, além da formação de grupos de extermínio parapoliciais, em São Paulo foi criado a Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar (ROTA) delegada ao 1° Batalhão da Polícia Militar, responsável pela execução de ações de controle de distúrbios civis e de contraguerrilha urbana (Silvestre, 2016).
Ao longo das últimas duas décadas o Brasil tem adotado o recrudescimento penal como principal meio para reprimir a dita criminalidade. De acordo com a pesquisa realizada por Marcelo Campos (2010), 52,6% das leis legisladas pelo Executivo, no período de 1989 a 2006, referem-se a leis mais punitivas, entende-se por esse termo o aumento da punição comparada a lei anterior. Ademais, 45% se enquadram na criminalização de novas condutas, ou seja, condutas que antes não eram criminalizadas passaram a ser4. Isso parece sinalizar um caráter mais incisivo do poder público nesse universo punitivo. Nesse contexto, é possível inserir a reflexão de Loic Wacquant (1999) sobre a penalidade neoliberal, a qual cria um poderoso paradoxo. Na medida em que há a atrofia do Estado social, existe a crescente prosperidade do Estado penal, pois este primeiro é tido como responsável pela generalizada insegurança (Wacquant, 1999). Dessa forma, segundo o autor, —a guerra contra a pobreza foi substituída pela guerra aos pobres”. Consequentemente, a população, especialmente os segmentos mais pobres, sofrem com essa —nova” política criminal, a qual configura uma questão social como —questão de polícia”5.
Dentro desse panorama, parece ser fundamental compreender o marco histórico da —guerra às drogas”, como discurso de criminalização de populações e de territórios. A política criminal de drogas, disseminada pelos Estados Unidos no governo de Ronald Reagan, forjou uma —nova guerra e um novo inimigo: a ponta pobre do mercado varejista” (Batista, 2015). Para Thiago Rodrigues (2016), essa figura do inimigo não segue a ontologia do termo, ou seja, não é um —inimigo natural”, mas antes um conjunto de pessoas, —hábitos e grupos sociais que são construídos como tal por outros grupos sociais” (Rodrigues, 2016). Nos Estados Unidos, houve uma clara exibição para quem essa política estava endereçada, enquanto a parcela rica que consumia entorpecente, na década de 1980, recebeu uma lei que garantia a cobertura de planos de saúde para o tratamento dos usuários. À parcela mais pobre e periférica (especialmente negros e latinos), Reagan e George H. Bush propuseram o recrudescimento das leis penais antidrogas, tanto para os traficantes, como para os usuários (Rodrigues, 2016).
Deve-se salientar que no contexto internacional a trajetória de controle de certos segmentos da sociedade há certas particularidades tanto na narrativa como na política de criminalização. Contudo, é possível perceber que o empenho em criminalizar negros e pobres não é exclusividade de um país. Para compreender essa reflexão analisaremos a disparidade nas respostas estatais no cenário brasileiro. A partir de 2006, com a alteração da lei n° 11.343, a legislação endurece as penas para traficantes, porém, não estabelece distinção jurídica entre traficantes e usuários. Desse modo, cabe ao juiz determinar se houve intenção ou não de traficar, sem levar em consideração a quantidade de entorpecente apreendida com o sujeito, porque isso não é determinado pela lei. Pode-se perceber um aumento no número de apenados por tráfico de drogas no Brasil a datar da promulgação dessa legislação. Em 2006, o número de presos por tráfico era de 31.520 sujeitos e em 2016 atingiu o número de 176.808 apenados (Infopen, 2016). Atualmente, esse número chega a 203.000 indivíduos, configurando cerca de 25% da população prisional brasileira (CNJ, 2018).
Tradicionalmente o Brasil apresenta uma modalidade de inimigo interno que se faz presente desde os tempos em que os sujeitos eram escravizados. Os bodes expiatórios6 brasileiros são pessoas negras ou pardas, pobres, com baixo grau de escolaridade, sem emprego ou moradia fixa, moradores de comunidades e às vezes imigrantes latinoamericanos. Essa percepção de sujeitos ameaçadores se prolongou com a crescente atuação do tráfico de drogas, trazendo —uma nova versão da ‘ameaça interna’: a do traficante ou a do fenômeno do crime organizado” (Rodrigues, 2016; Alves, 2018). Dentro desse cenário, vale destacar que o impacto dessa lei recai com maior rigor para uma parte da população específica. Ao analisar as 4 mil sentenças ocorridas em 2017 no estado de São Paulo, a Agência de Jornalismo Investigativo, Pública, identificou que cidadãos negros costumam ser presos mais vezes e com quantidades inferiores de drogas do que os indivíduos brancos. Cerca de 71% dos negros foram condenados com média de 26 gramas de algum tipo de substância ilegal apreendida, em contrapartida, o percentual de sujeitos brancos condenados foi de 66% com média de 34,2 gramas.7 Nesse sentido, parece haver certa predisposição das autoridades em criminalizar sujeitos levando em consideração a cor de pele, mesmo que isso não seja explícito como um dado fundamental na decisão jurídica.
Em síntese, como destaca Thiago Rodrigues (2016:66):
O proibicionismo [níveis de discurso de recriminação das drogas] e a —guerra às drogas” não criaram, mas redimensionaram categorias de —inimigos” previamente existentes: minorias raciais, como negros, ou imigrantes como hispânicos, chineses, japoneses que já eram alvo de racismo e xenofobia nos EUA, mas cuja associação como o uso de drogas potencializou preconceitos e fez avançar a estigmatização e posterior criminalização.
A partir dessa reflexão, parece ser possível compreender que o perfil da população prisional não é multicultural. No segundo semestre de 2018, de acordo com Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a população carcerária era formada por: negros (54,96%), jovens de 18 a 29 anos (53%) e por indivíduos com baixa escolaridade (51%). Podemos ir além do sistema carcerário brasileiro e visualizar esse mesmo perfil nas taxas de homicídio. De acordo
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com o Atlas da Violência de 20198, 75,5% das vítimas de homicídio no Brasil em 2017 eram negras, e para cada indivíduo não negro vítima, houve 2,7 negros mortos. Portanto, vemos que esse perfil é —cliente natural” tanto do sistema penal, como alvo de múltiplas violências e privações de direitos (Wacquant, 1999). Sidney Chalhoub aborda essa questão e aponta:
Assim é que a noção de que a pobreza de um indivíduo era de fato suficiente para tomá-lo um malfeitor em potencial teve enormes consequências para a história subsequente de nosso país. Este é, por exemplo, um dos fundamentos teóricos da estratégia de atuação da polícia nas grandes cidades brasileiras desde pelo menos as primeiras décadas do século XX. A polícia age a partir do pressuposto da suspeição generalizada, da premissa de que todo cidadão é suspeito de alguma coisa até prova em contrário e, é lógico, alguns cidadãos são mais suspeitos do que outros (Chalhoub, 2011:23 apud Alves, 2018:89).
Após enquadrar certos sujeitos no quesito inimigo, o Estado parece estar mais interessado em punir do que erradicar a dita criminalidade (Davis, 1944; Garland, 1999; Wacquant, 1999). Os resultados dessa cena criminal são patamares cada vez mais altos da violência estatal, o encarceramento em massa e a seletividade penal. Esses resultados se configuram como a base de autoridade da facção, porque além de denunciarem tais práticas, também torna-se representante da massa carcerária e de todos os que se sentem injustiçados. O debate, contudo, não se restringe às práticas estatais de criminalização, mas também da conjuntura estabelecida pela sociedade civil.
ii) As práticas desempenhadas
Desde o século XVIII, parece ser possível identificar a estratégia do Estado em tornar o poder de punir um exercício regular e coextensivo da sociedade (Foucault, 1987). Sob a perspectiva do contrato social, quando o sujeito rompe com o pacto ele se torna um inimigo não só do poder público, mas também da sociedade em geral. Nesse sentido, o corpo social se vê traído pelo dito criminoso, sendo assim, constitui-se o direito de puni-lo também. Atualmente, existem fortes indícios quando analisados os discursos de —justiça pelas próprias mãos” ou ainda os aplausos aos policiais que executam vidas em serviço. Para Michel Misse, isso deve-se ao fato de que a figura do criminoso é associada a um ser portador —de outro tipo de humanidade”, —cuja morte ou desaparecimento são festejados” (apud Manso, 2017). Dentro desse contexto, cabe ressaltar as práticas não estatais que constroem um espaço favorável para a consolidação das redes criminais.
O processo de marginalização realizado pelos ditos cidadãos de bem é de suma importância para se compreender o impacto de uma sociedade punitiva. Cabe ressaltar que a marginalização pode ser entendida por duas perspectivas: como um processo que inculca a criminalidade no comportamento dos indivíduos e como um movimento que inferioriza a vida de determinados sujeitos. Dentro dessa análise, podemos inserir as reflexões dos teóricos do etiquetamento, porque para eles os estigmas criados e disseminados promovem um efeito de profecia que se autocumpre, ou seja, a rotulação desses indivíduos são propulsores da criminalidade e violência (Alves, 2018). Isso, contudo, não é exclusividade de pequenos segmentos da sociedade, é também amplamente abordado pelas mídias enviesadas desde o século XVIII com os folhetins de noticiários policiais (Foucault, 1987). Segundo Michel Foucault, essa estratégia de ambos parece construir uma imagem fixa de quem é o —delinquente”, como também, tornar aceitável um conjunto de práticas punitivas.
O noticiário policial, junto com a literatura de crimes, vem produzindo há mais de um século uma quantidade enorme de —histórias de crimes” nas quais principalmente a delinqüência aparece como muito familiar e, ao mesmo tempo, totalmente estranha, uma perpétua ameaça para a vida cotidiana, mas extremamente longínqua por sua origem, pelo que a move, pelo meio onde se mostra, cotidiana e exótica. Pela importância que lhe é dada e o fausto discursivo de que se acompanha, traça-se em torno dela uma linha que, ao exaltá-la, põe-na à parte (Foucault, 1987:313).
Isso se deve, em parte, pela cobertura seletiva dos meios de comunicação que parece servir para construir a identidade da classe mais popular jovem e negra a imagem e semelhança do dito criminoso, expondo o racismo institucionalizado e definindo a generalizada sensação de insegurança. Contudo, isso parece ir de contra a realidade e mostra o caráter desproporcional dessa tática. A figura do bandido que ganhou repercussão é a do traficante carioca, disseminado também pelo filme Cidade de Deus. A idealização de um jovem, negro ou pardo, sem camisa, de bermuda, cordão de ouro e fuzil na mão, com atitudes violentas e imprevisíveis não condiz com a visão dos moradores e dos próprios traficantes, especialmente, dos membros do PCC (Feltran, 2017). Ao contrário do estabelecido como características (cor de pele e status social) inerentes ao dito criminoso, o perfil de um irmão9 é mais voltado para sua capacidade intelectual e por sua reputação no —mundo do crime”, além disso, por seguirem um conjunto de regras, suas atitudes são previsíveis e articuladas (Idem, 2017).
É válido apontar que, em contrapartida, esse estigma e o sentimento de insegurança parecem não afetar os indivíduos da classe mais abastada que cometem os chamados crimes de colarinho branco. Alves (2018) destaca que as teorias liberais, como a obra de Edward Sutherland, —White color crime” (1949), contribuíram para comprovar que as condutas praticadas pelos grandes empresários, de grande magnitude econômica, permanecem imunes ao controle social que, por sua vez, ressalta o caráter desigual do direito penal. Isso também se deve ao fato que muitas vezes os discursos midiáticos propagam uma ideia de que as prisões estão repletas de criminosos violentos e altamente danosos à sociedade e como supracitado em sua maioria é formada por jovens, negros e periféricos. Contudo, de acordo com o CNJ (2018), 36,71% dos apenados correspondem a roubos e furtos (grupo crimes contra patrimônio), 24,74% por tráfico de drogas e 11,27% representam os crimes de homicídio (grupo crimes contra pessoa).
Considerando o perfil dos detentos, com a desproporção racial e os tipos de crimes pelos quais são encarcerados se torna cada vez mais evidente que a preocupação central do Estado não é combater os crimes mais violentos. Depreende-se que a intenção estatal com o apoio dos mecanismos supracitados é garantir que haja uma desinformação sobre o sistema prisional para assim perpetuá-lo e legitimar as negligências tanto dos direitos dos apenados, como da população popular. Aqui temos um elemento fundamental que faz parte de todo o ciclo poderoso de construção para a motivação, formação e legitimidade do PCC.
A origem do PCC
A origem da facção prisional paulista, conhecida como Primeiro Comando da Capital (PCC ou Comando), pode ser entendida sob a lógica do Estado punitivo, na qual a população carcerária parece ter sido deixada a mercê pelas autoridades, tornando as prisões em um ambiente que prevalece as arbitrariedades e onde a lei e os regulamentos administrativos são amplamente ignoradas (Alves, 2018; Dias, 2011). No intramuros, além da privação da liberdade e da superlotação10, é possível identificar a inobservância da Lei de Execuções Penais (LEP), a qual visa assegurar a integridade e dignidade do preso (Menezes; Menezes, 2014). Destacam-se a falta de assistência médica e jurídica, de alimentação e higiene básica (Infopen, 2016). Uma reflexão sobre essa questão é que os próprios familiares dos detentos precisam levar itens básicos de higiene e remédios através dos jumbos — sacola com esses itens e outros utensílios (Godoi, 2015).
Outra problemática nesse cenário é a política de tortura adotada nas cadeias. Como supracitado, o padrão de comportamento (violento e violador dos direitos) das instituições de controle do crime é um dos fatores contribuintes da tendência do aumento da criminalidade, e na trajetória do PCC parece não ser diferente. As situações de tortura empregadas são postas como regra, constituindo os recursos de repressão e punitividade do sistema prisional brasileiro. De acordo com a Pastoral Carcerária em seu Relatório de Tortura (2016: 63), são as torturas e dimensões do sofrimento do apenado:
Os casos denunciados são, em sua maioria, situações complexas, que articulam diversas formas de violência. Muitas das situações registradas envolvem sessões de espancamento por múltiplos agentes, condições degradantes de aprisionamento, graves omissões de socorro e atendimento médico, violências sexuais envolvendo estupros ou empalações, tratamentos humilhantes, imposição de isolamento prolongado como forma de castigo, entre outras tantas barbaridades que resultaram em sofrimento físico e psíquico agudo, e até em morte.
Para compreender de que maneira essa repressão estatal favorece a criação e consolidação das redes das facções prisionais, deve-se salientar um marco na história do PCC, o —Massacre do Carandiru”. Em 1992, na Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como complexo do Carandiru, 111 indivíduos presos foram brutalmente assassinados por policiais militares em resposta a um motim no Pavilhão 9. Esse acontecimento promoveu uma onda de sentimentos de injustiça pela massa carcerária. Ademais permitiu visualizar que o exercício do poder de punir não se restringe ao Estado, mostrou que também era ensejo de parte substancial da sociedade. Gabriel Feltran (2018) aponta que parte da população procurava legitimar a ação policial, configurando uma compensação ao grupo de indivíduos que vivem imersos ao sentimento de insegurança.
Uma parte significativa da população, entretanto, regozijava-se em silêncio sorridente com o episódio. Nos balcões de padaria ou salões de barbearía, era essa a visão dominante. Considerava-se que a morte de bandidos, de presidiários, ainda mais os que se amotinam, era justificável. A sociedade se tornaria mais segura a cada uma dessas mortes. E, acima de tudo, estava-se demonstrando quem mandava: o governo, o Estado, a polícia, e não os criminosos. Mesmo fora da lei, a ação seria legítima: ninguém ali era santo. Os presos portavam facas e barras de ferro, não quiseram negociar, explodiram botijões de gás e queimaram colchões. Eles mesmos haviam provocado a consequência (Feltran, 2018:151).
Cerca de um ano e meio após o massacre, foi criado no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté o Primeiro Comando da Capital (PCC). Formado por oito detentos: César Augusto Roriz Silva (Cesinha), Misael Aparecido da Silva (Mizael), José Márcio Felício (Geleião), Wander Eduardo Ferreira (Eduardo Cara Gorda), Isaías Moreira do Nascimento (Isaías Esquisito), Ademar dos Santos (Dafé), Antônio Carlos dos Santos (Bicho Feio) e Antônio Carlos Roberto da Paixão (Paixão). Cabe ressaltar que os próprios líderes da facção associavam o nascimento do PCC ao poder público. Pode-se perceber isso ao examinar a afirmação de um membro conhecido como Sombra batizado por Cesinha em uma conversa com o Diretor de Taubaté:
Como lembra Débora, seu marido teria afirmado para o diretor: - O PCC foi fundado por nove pessoas. Oito presos e o senhor! Para ele, o diretor geral da Penitenciária de Taubaté era o principal responsável pela linha dura no presídio.
Além disso, Sombra bem o Sabia, quando do massacre do Carandiru, era Ismael Pedrosa o diretor-geral da Casa de Detenção (Jozino, 2017:26).
O diretor-geral da Casa de Detenção, José Ismael Pedrosa, era tido como —maior inimigo da facção dentro do sistema prisional”, conhecido pelos presos pela sua postura rígida e autoritária (Cristino; Tognolli, 2017). Alessandra Texeira (2006), aponta que as acusações contra o diretor se referem não apenas ao fato de ser conivente com as práticas de tortura, mas sim como o grande responsável por essas. Inclusive uma das principais exigências da megarrebelião de 2001 era o afastamento de Pedrosa e o desligamento do Piranhão — nome dado pelos presos à penitenciária de Taubaté (Texeira, 2006). Nesse sentido, é perceptível que uma figura representando o Estado com mãos de ferro pode instigar a criação de grupos altamente articulados como o Primeiro Comando da Capital. Portanto, quem a priori deveria assegurar os direitos e promover a reabilitação dos detentos, muitas vezes atua como promulgador das mais diversas sevícias. Camila Nunes Dias (2017) salienta que como consequência disso há o incentivo do fluxo das redes criminais, uma vez que se espraia o sentimento de injustiça criado. Félix Bigot Préameneu afirma que esse sentimento é capaz de criar um paradoxo no qual o prisioneiro não se vê mais como culpado ou infrator, mas culpa a todos os que o cercam, principalmente, os agentes da autoridade, que são lidos por eles como —carrascos” (apud Foucault, 1987:294). Dessa forma, um dos aspectos mais relevantes que é possível visualizar na origem do PCC é que o padrão de comportamento do sistema penal cada vez mais violento e que toma as normas administrativas superiores às leis, violando sistematicamente os direitos dos apenados, acaba por contribuir com o aumento da criminalidade e para sua própria deslegitimação.
O padrão das arbitrariedades
Há uma tradição multissecular de controle social pela violência, oriunda desde os tempos imperiais até os dias de hoje. Os castigos físicos às pessoas escravizadas, criminosos e suspeitos constituíam uma punição legal até o final do Antigo Regime (Caldeira, 2000). A abolição destes e a chegada dos processos democráticos, contudo, não garantiram que os castigos fossem extintos, como também a impunidade das autoridades que praticam tais violações permaneceu. Podemos inserir nesse debate o episódio supracitado do Massacre do Carandiru, onde todos os réus envolvidos na chacina, que eram policiais, foram absolvidos. Da mesma forma, também, a chacina de 5 jovens, negros, de Costa Barros, no Rio de Janeiro, em 2015, por 4 policiais militares. O caso foi considerado —auto de resistência”, o qual, vale ressaltar, é cuidadosamente omitido pelo Ministério Público e o Judiciário. De acordo com os pesquisadores e movimentos dos direitos humanos, 65% dos autos de resistência equivaleriam a execuções extrajudiciais (Soares, 2010). Caldeira (2000: 151) afirma: —quando os policiais não são responsabilizados e punidos por comportamentos extralegais ou ilegais, a violência e os abusos continuam a crescer”.
Vale apontar que esse padrão de comportamento baseado na violência policial não é meramente uma herança do passado, mas se trata de decisões administrativas e escolhas políticas, ou seja, são resultado de políticas públicas mais duras e que fomentam abusos e desrespeito aos direitos (Caldeira, 2000). Nesse sentido, vemos que as tendências punitivas e abusivas do poder público se tornaram regulares e passaram a reproduzir um efeito simbólico de contenção das classes e seus eleitorados. O Estado ao propagar discursos de repreensão à criminalidade, promove a ideia de que está cumprindo o seu dever, já que a política criminal funciona como uma clara exibição de serviço. Não só os discursos, como também há políticas criadas para essa função, como veremos na seção a seguir, que é o caso do Regime Disciplinar Diferenciado, o qual se revela como um instrumento estatal para mitigar o problema carcerário. Conforme afirma David Garland (1999), a resposta punitiva tem o atrativo de transmitir a ilusão de que está se fazendo algo, independentemente disso funcionar ou não. Portanto, a fim de mascarar sua impotência de resolução de conflitos, os governantes optam pela ascensão da escolha punitiva, repressão e discursos criminológicos, e, consequentemente, temos a superlotação dos presídios e uma crescente violação dos direitos dos indivíduos, especialmente, dos jovens, negros e periféricos.
A resposta estatal: tentando frear o PCC
Apesar das evidências do surgimento e atuação do coletivo prisional, o governo paulista só reconhece publicamente a existência do PCC em 2001, após a facção estar suficientemente articulada (Dias, 2009). O reconhecimento tardio não se trata, contudo, de compreender que a facção passou a atuar a partir dessa data. Isso porque, como apontam Marcio Sergio e Claudio Tognolli (2017), o primeiro documento oficial que faz referência à facção é uma decisão judicial11 de fevereiro de 1998. Nessas circunstâncias, parece revelar que o estado de São Paulo não admitia sua existência, pois, caso afirmasse, poderia sinalizar sua perda de soberania e mostrar o seu fracasso como garantidor da ordem.
Contudo, em razão da primeira megarrebelião, caracterizada pelo motim simultâneo em 29 unidades prisionais (25 presídios e 4 cadeias públicas) em São Paulo, o Estado foi levado a reconhecer o PCC publicamente. Essa crise no sistema prisional impôs ao poder público um grande desafio para garantir o controle da facção no interior das prisões (Dias, 2011). Logo adotou-se uma resposta repressiva: a criação do RDD - Regime Disciplinar Diferenciado. O RDD foi criado para desarticular a liderança da organização, por meio da Resolução n.026 da Secretaria de Administração Penitenciária em maio de 2001 (Salla; Dias; Silvestre, 2012). Esse regime se restringiu puramente ao seu caráter punitivo e estrategicamente ligado a decisão interna, uma vez que colocava a autonomia na execução da pena por parte dos administradores do sistema carcerário, resultando na aplicação de castigos não codificados por lei, e, consequentemente, configurando-os como atos administrativos corriqueiros (Salla; Dias; Silvestre, 2012).
Em sua regulamentação, a Resolução n.026 conduzia a aplicação de transferências para unidades com disciplina mais rígida e a redução de direitos —aos líderes e integrantes da facção e aos presos cujo comportamento exija tratamento específico” (Texeira, 2006). Contudo, não há disposições claras sobre quais atos seriam considerados perigosos ao ambiente prisional e que mereceriam tais intervenções. Caberia à administração decidir, ou seja, marcando a subjetividade e reafirmando que a norma administrativa prevalece sobre a lei (Texeira, 2006). Entretanto, esse regime acarreta grandes custos sociais já que está prevista no RDD a ausência de atividades educativas, religiosas ou profissionais. Nesse sentido, configura o aprisionamento em seu caráter mais puro (Salla; Dias; Silvestre, 2012). Desse modo, além de alimentar o rancor pelo cárcere, a resposta estatal parece se mostrar contraditória. Em vez de frear a articulação do PCC, uniu mais ainda os presos e favoreceu para que as transferências dos líderes e membros do Comando se transformassem em um mecanismo pioneiro para o recrutamento de novos membros em novos estabelecimentos prisionais (Manso; Dias, 2018).
al —política administrativa” de gestão e disposição das pessoas, segundo critérios imprecisos de demarcação e separação, é utilizada para garantir a ordem social nas unidades prisionais - o que significa, em última instância, a ausência de rebeliões, motins e fugas - e tem pouco ou nenhum impacto na desarticulação desses grupos. Ao contrário, a percepção do desrespeito à lei a partir do uso desses expedientes administrativos como os que foram citados no texto e, assim, da destituição dos presos da categoria de sujeito de direitos - como pode ser deduzido na carta reproduzida - reforça o apoio da massa carcerária às facções criminosas, cujo pilar de sustentação é justamente a luta contra o Estado pela garantia dos direitos dos encarcerados (Dias, 2011:228).
Além disso, prova de que essa mobilização das autoridades não alcançou seu objetivo foi a ocorrência da segunda megarrebelião em 200612, ou seja, a única ação do Estado frente ao PCC teve pouco ou nenhum impacto na desarticulação do coletivo prisional. Desse modo, é possível observar que a permanência da política penal mais dura sustenta as facções prisionais. Isso porque, como supracitado, essa resposta adotada transita entre arbitrário, o informal e o ilegal que consequentemente afeta a credibilidade do Estado e legitima o apoio dado ao PCC pela população carcerária.
Difusão organizacional
• Pelo território paulista
Desde o início, o ingresso no PCC é realizado através de um pequeno ritual, chamado de batismo, no qual o futuro integrante faz a leitura do estatuto e jura fidelidade à facção. Na sua primeira versão, o regulamento era composto por 16 artigos, tendo um em específico que fazia menção ao massacre do carandiru. Nesse sentido, ao fazer a leitura em público, era retomado o sofrimento do passado e ressaltavam-se as atrocidades suscitadas pelo Estado. Segundo Georges Balandier, a tradição de evidenciar o passado coletivo é a origem da legitimação (apud Dias, 2009). Sendo assim, o ritual de batismo passava a cumprir uma motivação para permanecerem unidos e organizados.
O novo integrante, após ser batizado, é intitulado como irmão, e esse nome reforça os ideais de solidariedade e pertencimento. Vale ressaltar que algumas regras que não estão incluídas no estatuto são postas ao batismo. Como, por exemplo, a responsabilidade do padrinho - nome dado ao membro mais antigo que indica um novo membro - pelas atitudes de seu afilhado, podendo sofrer punições pelos erros deste (Dias, 2011). Em vista disso, a escolha deve ser restrita e, para tal, certos atributos pessoais são tidos como obrigatórios para o pertencimento à facção, tais como: capacidade de articulação, persuasão, planejamento e —ter conhecimento do proceder”13 (Biondi, 2009). Vale abrir um parêntese acerca dessas denominações para que não haja o risco de reduzir seu escopo e particularidades. Ainda que haja uma identificação da linguagem própria do PCC e reconhecimento dessas noções internas entre os próprios participantes da facção, há uma multiplicidade tanto das conotações como do modo de falar. Isso porque os dialetos são atualizados de acordo com as regiões e estados (Biondi, 2010).
O processo de expansão do Comando nas prisões paulistas compreende o início de 1994, contudo sua influência é percebida entre 1995 e 2006, nesse ínterim consolidam-se cerca de 90% das unidades de São Paulo (Feltran, 2018). Isso, contudo, não significa dizer que a expansão ocorreu de forma homogênea e nem que todos os detentos da cadeia sejam membros batizados, basta que todos sigam e respeitem a ética do Comando (Idem, 2018). Para compreender esse processo, vale salientar que, na ausência física de um membro batizado, a presença dos primos14 garante estabilidade até a chegada de algum irmão na unidade em questão.
É possível, ainda, que um CDP [Centro de Detenção Provisória] não abrigue irmão algum e, mesmo assim, constitua o que os presos costumam chamar de Cadeia do PCC. Exemplo desta situação é a inauguração de um CDP com a chegada de dois bondes: um proveniente de uma cadeia do PCC e outro de uma cadeia de coisa. Nesses primeiros bondes não havia nenhum irmão, mas isso não impediu uma disputa, entre os presos que ali estavam, pela conquista do território. Os primos presentes no embate ganharam a cadeia para o PCC, elegeram pilotos e desempenharam as funções políticas comumente exercidas pelos irmãos até sua chegada na unidade. Neste caso, não foram os irmãos que instauraram o domínio do PCC no local e, apesar de sua ausência, a existência do Comando foi mantida pelos primos (Biondi, 2008:4).
Com base na narrativa da imprensa e do Estado, parte de sua expansão, atuação e recrutamento se deu pelo lado coercitivo do PCC. Inicialmente, a estrutura adotada foi a hierárquica, na qual no topo se concentravam os líderes e abaixo aqueles que os respondiam diretamente (Dias, 2011). Partindo dessa configuração, pode-se compreender as respostas autoritárias tomadas contra qualquer situação que colocasse em xeque o bom funcionamento da prisão. Ademais, Camila Dias aponta que as transgressões das normas da facção implicavam a desordem social, ou seja, implicavam a possibilidade de se tornar comum a infração ao código normativo (Dias, 2009). Nesse sentido, as execuções de rivais e membros acusados de transgredir as leis possuía uma função política de reparar a soberania perdida, e evitar novas infrações e impor respeito ao líder da facção.
Durante a segunda metade da década de 1990 e os primeiros anos da década de 2000, pudemos assistir a um verdadeiro banho de sangue nas prisões paulistas durante as rebeliões, com cenas grotescas de cadáveres esfaqueados, mutilados, decapitados, cujas cabeças eram espetadas em bambus ou eram chutadas nos pátios das cadeias como bolas de futebol. De um lado, essa violência explícita era fruto do próprio contexto de demarcação de território e domínios do PCC, próprios a uma situação de luta pela imposição de sua hegemonia no sistema prisional [...] De outro lado, essas cenas traduziam claramente o poder de impor o terror que a facção fazia questão de explicitar. Era o período de expansão do PCC no sistema prisional paulista, e para que esse domínio pudesse adquirir a dimensão que se verifica hoje, era imperativa a demonstração cabal da sua força e de seu poder, além da disposição de suas lideranças para atingir seus objetivos (Dias, 2011:221).
Para visualizar melhor essa questão é pertinente inserir o depoimento de Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola), um membro expoente dentro do PCC, dado a Comissão Parlamentar de Inquérito do Tráfico de Armas em 2006:
Depois que foi fundado o PCC, aí ele teve uma época de impor ele dentro do sistema penitenciário, ele não foi colocado de uma forma é...é... aceito e tal, que era uma coisa boa para você e tal. Foi imposto... Pela força. Aí as pessoas ligadas a essa liderança se embriagaram com esse sucesso todo. E acabaram cometendo atrocidades pior do que aquelas que eles vieram para coibir (Marcola, CPI do Tráfico de Armas, 2006:70).
É válido salientar que ao longo da trajetória da facção prisional houve inúmeras mudanças no que compete à administração interna e sua atuação como regulador de conflitos. A expressão mais sofisticada foi sua racionalização do poder, a qual promoveu maior legitimidade da autoridade do PCC, especialmente em 2006 após a segunda megarrebelião. Destaca-se o novo caráter horizontal e descentralizado, sendo assim não havia mais lideranças, e as demandas passariam a ser decididas em consenso, ou seja, haveria maior participação das posições intermediárias. Costurado a isso, a facção teria passado a adotar respostas e medidas menos coercitivas e consequentemente mais comedidas, uma vez que não haveria necessidade de recorrer à violência extrema e explícita (Dias, 2009; Biondi, 2009; Feltran, 2018). Isso não significa dizer que as mortes e as punições deixaram de ocorrer, mas passaram a ser mais sutis15 (Dias, 2009). Apesar dessas novas diretrizes, Camila Dias (2009) afirma que a gestão da facção continua verticalizada e algumas opiniões seguem tendo mais peso do que outras.
Dentro desse cenário, cabe apontar condutas que foram de extrema importância para a população carcerária, bem como para seus familiares e para a parcela da sociedade que é afetada pelo universo penal. O Comando fez frente aos terríveis casos de estupro, violência, extorsões e assaltos que os malandrões16 cometiam dentro do cárcere, e esses foram proibidos de permanecer no convívio porque passaram a ser jurados de morte (Biondi, 2009). Da mesma forma, também impôs uma série de regras, e essas, mesmo não definidas no estatuto, eram amplamente respeitadas, como a proibição do consumo de crack no interior das cadeias, a proibição de homicídios (salvo os deliberados nos tribunais do crime), a proibição de porte de facas e estiletes, entre outras para manter a ordem social das unidades. Uma das consequências benéficas dessas orientações foi a redução do número de homicídios dentro e fora do sistema prisional. Gabriel Feltran salienta de que maneira isso se tornou de substancial importância, em entrevista a Bruno Paes Manso (2009:170):
Quando me dizem na favela —porque não pode mais matar”, está sendo dito que um princípio instituído nos territórios em que o PCC está presente é que a morte de alguém só se decide em sentença coletiva, e legitimada por uma espécie de —tribunal” composto por pessoas respeitadas do —Comando”. [...] esses debates produzem um ordenamento interno ao —mundo do crime”, que vale tanto dentro quanto fora das prisões. Evidente que a hegemonia do PCC nesse mundo facilitou sua implementação. Com esses debates, aquele menino que antes devia matar um colega por uma dívida de R$5, para ser respeitado entre seus pares, agora não pode mais matar.
sentido
[...] o irmão daquele menino morto pela dívida se sentiria na obrigação de vingá-lo, e assim sucessivamente, o que gerava uma cadeia de vinganças privadas altamente letal, muito comum ainda em outras capitais brasileiras. Agora, entretanto, nesses tribunais do próprio crime, mesmo que o assassino seja morto, interrompe-se essa cadeia de vingança, porque foi —a lei” (do crime) que o julgou e condenou. E como a lei, nesses —debates”, só delibera pela morte em último caso - há muitas outras punições intermediárias - toda aquela cadeia de vinganças acumulava corpos de meninos nas vielas de favela, há oito ou dez anos atrás, diminuiu demais.
Uma importante reflexão aparece aqui: a dívida moral. Vale ressaltar que os detentos, os participantes da facção e todos que atravessam a ética do PCC acabam por adquirir uma espécie de obrigação moral com o coletivo. Isso porque o cenário supracitado demonstra que o sucesso do Comando parece assegurar seu status como regulador de conflitos (Dias, 2009) e também aponta que, ao recorrer à facção, o indivíduo tem mais chances de ter sua demanda atendida do que se fosse buscar auxílio com o aparelho estatal. À luz dessas considerações parece ser possível identificar que a inabilidade do Estado em cumprir sua função de gestor de conflitos e a sua escolha punitiva promove por um lado, a exclusão dos indivíduos e por outro lado, novas práticas correcionais, as do PCC, que acabam legitimando o grau de pertencimento ao grupo.
• Pelo território nacional e internacional
Parece ser possível perceber diferentes mecanismos para conquistar novos territórios.
No início, como supracitado, sua expansão se dava por meio de disputa com facções rivais dentro das unidades prisionais paulistas. Além disso, o ingresso na facção também se deu na medida em que o PCC tomou a frente das reivindicações dos detentos contra as arbitrariedades, bem como promoveu certa harmonia entre os próprios presos no interior das cadeias ao destituir a —lei do mais forte” — sistema de extorsões, estupro e violência — e isso também parece ter conquistado a entrada de novos integrantes. Como destaca Bruno Paes Manso (2017: 8), em sua reportagem “Como o PCC deflagrou uma crise nas prisões brasileiras ao tentar ganhar poder fora de São Paulo” a narração do ambiente prisional pelo detento Fernando, em 1997:
Eu cheguei [na prisão] na época da revolução. Não entrei por simpatia, mas por revolução. A história foi feia. Antes [do PCC] tinha 50, 20 (pessoas) de uma facção, dez de outra e dez de outro nos presídios. Dormia todo mundo de olho aberto. Era muito ruim e desorganizado. Tinham os infiltrados que caguetavam para o diretor. [...] O Comando parou com isso. Foi quando a gente conseguiu colocar a paz. Não foi só força, mas por lógica. Por que que eu vou tretar com você se a gente está na mesma situação? Não faz sentido.
Outra forma era por meio de espraiamento de ideias, com a onda de transferências que persiste no ambiente prisional, foi possível recrutar novos membros, inclusive fora do estado paulista. Como podemos observar no depoimento do ex-líder do PCC, —Geleião”:
Em depoimento à CPI do Tráfico de Armas em 2005, Geleião confirma ter plantado a semente do PCC no Paraná, batizando presos paranaenses durante o período em que passou por lá. O grupo Primeiro Comando do Paraná (PCP) seria o braço do PCC em território paranaense e atuaria em sintonia com o grupo paulista. De fato, no início de sua expansão para fora do solo paulista, o PCC chegou a adotar, em alguns lugares, a sigla com as letras que se referiam ao estado - caso do PCP. Ainda no fim da década de 1990, no período de peregrinação das lideranças da facção pelo Brasil, o estado de Mato Grosso do Sul também abrigou os principais nomes do PCC - Geleião, Cesinha, Misael e outros. Também ali houve êxito na disseminação do Partido, levada a cabo após a estratégia do governo paulista de fazer permuta de presos (Manso; Dias, 2018:162).
Nesse contexto de idas e vindas dos membros da facção, Giovanni Oliveira e Caroline Krüger (2018), em estudo pioneiro, observaram a expansão do Comando no sistema penitenciário de Corumbá. Vale ressaltar que essa cidade possui uma localização estratégica, pois fica a 5 km de Puerto Quijarro (cidade boliviana). Além de constituir um fluxo de pessoas e informações, essa rota é um importante entreposto e entrada da pasta base de cocaína (Oliveira; Krüger, 2018). A análise mostra que, a partir da influência de dois irmãos paulistas presos na unidade de Corumbá, aliado com a articulação das rebeliões, foi possível a substituição do antigo sistema de extorsões pela ética do PCC (Idem, 2018). Após implantar a "paz do PCC" nas cadeias, o bom funcionamento dela depende de um constante controle e vigilância para que a ordem não se perca (Biondi, 2014). Segundo os autores, era feito uma espécie de triagem, para "separar o joio do trigo", isso porque é necessário conhecer a "população carcerária nativa" e identificar quem tem proceder e quem são os potenciais irmãos (Biondi, 2014; Oliveira; Krüger, 2018).
Além da entrada da facção em Corumbá, num processo de transnacionalização, notou-se o impacto no reordenamento da criminalidade local, como também aponta a adaptação do PCC estabelecida em outras regiões e países. Oliveira e Krüger (2018) apontam que os "gangueiros" - integrantes de gangue - locais, ao serem batizados, adquirem certa profissionalização no mundo do crime. Isso porque as ações dos gangueiros concentravam-se em rixas entre rivais para comprovar qual gangue era mais temida e em assaltos pequenos. A partir da conjuntura do Comando, passa-se a ter uma nova visão, com atitudes mais discretas e racionais e o envolvimento com o comércio ilícito de drogas. Desse modo, com a entrada progressiva do Comando nessa região, foi instituída uma nova lógica da criminalidade. Anteriormente, consistia em bocas familiares através de relações de vizinhança (acordos e relações morais entre bocas, policiais e moradores); posteriormente, há uma fusão entre a dinâmica local com as práticas mais estruturadas do PCC (Oliveira; Krüger, 2018). Conclui-se então que a entrada da facção nos presídios fora de São Paulo não só reorganiza a criminalidade antiga, como também sinaliza seu amoldamento em outras localidades.
Na análise de Manso e Dias (2017), identifica-se outra consequência da nacionalização do coletivo. Os autores apontam que a chegada do PCC na maior unidade prisional do Paraná, Penitenciária Central do Estado (PCE), permitiu a consolidação do processo de nacionalização, como também fez com que novos grupos inspirados na trajetória da facção paulista surgissem em alguns estados. Como pode-se observar em Brasília, os presos criaram o PLD (Paz, Liberdade e Direito), no Paraná o PCP (Primeiro Comando do Paraná) e em Mato Grosso do Sul, o PCMS (Primeiro Comando do Mato Grosso do Sul). Dentro desse cenário, parece ser possível identificar que além de construir novos ordenamentos no mundo do crime como em Corumbá, o Comando consegue intensificar a criação de novas redes criminais.
Em entrevista a UOL em 2020, a pesquisadora Camilla Dias aponta uma vantagem crucial do PCC no processo de transnacionalização: a rede crime-prisão. As dinâmicas econômicas criminais externas se acoplam com o discurso ideológico da facção, cuja base se reafirma nos ideais de cumplicidade e cooperação, sob a lógica supra-individual. Nesse cenário, de acordo com Dias, o controle das prisões parece assegurar, de certa forma, os compromissos assumidos. Isso, sem dúvidas, aumenta os custos da traição. Não se trata, contudo, de assegurar a lealdade de seus membros. Biondi (2009) ressalta que caso haja alguma ação isolada (individual) haverá consequência e cobrança . Mas sem dúvidas garante um artifício tanto para sua lógica comercial como para conquistar novos territórios e membros.
De acordo com investigações do Ministério Público Estadual , concluiu-se que, além da presença nos estados brasileiros, o PCC está presente na Bolívia, Paraguai, Argentina, Peru, Colômbia e Venezuela, além de ter também rotas de atuação para a Europa e a África do Sul. Portanto, o PCC, parece estar presente, direta ou indiretamente, em todo o ciclo da cocaína, do plantio da folha de coca (Bolívia), refino, até a exportação (para países europeus). Isso, contudo, não significa dizer que o Comando tenha domínio total sobre a produção e exportação das drogas, uma vez que existem inúmeras gangues e clãs nacionais e internacionais que podem ser rivais ou parceiros, mas identifica o amplo interesse do PCC nessas rotas. Como exemplo, Ponta Porã, município no Mato Grosso do Sul e a cidade vizinha, Pedro Juan Caballero, no Paraguai, são marcadas por disputas entre traficantes locais e o PCC. Um importante marco dessa disputa foi a execução de Jorge Rafaat, conhecido como rei da fronteira, em 2016 pelo Comando (Manso; Dias, 2018). O ingresso no mercado de drogas se deu em nome dos ideais da facção, mas que aos poucos se tornou o principal meio de lucro. Diante dessa nova cena criminal, inflou o —combate ao crime” e o Estado parece ter adotado o narcotráfico como discurso para tomar medidas mais visíveis, como incursões violentas nos territórios mais populares (Rodrigues, 2016).
Em síntese, coadunamos com a hipótese dos autores de que a peregrinação dos membros do PCC é capaz de explicar o êxito deste no processo de expansão territorial
17 Os termos destacados, de acordo com Biondi (2009), são usados para reiterar a responsabilidade da pessoa por seus próprios atos.
18 Ver texto de Alexandre Hisayasu (s/d). Disponível em https://infograficos.estadao.com.br/cidades/dominios-do-crime/poder-geografico [Consult. 10-08-2020].
(Manso; Dias, 2018). Com base na narrativa da imprensa e documentos do poder público, o Primeiro Comando da Capital está presente em 23 dos 27 estados brasileiros, configurando sua forte influência sobre as demais facções (Manso; Dias, 2017). Cabe ressaltar que essa presença é diferenciada em cada um desses locais, podendo incluir indivíduos dentro ou fora do sistema prisional e, portanto, não se pode pensar em homogeneidade da facção (Idem, 2017). Novamente, é perceptível compreender a entrada ou mesmo a passagem pelo universo prisional como um elemento propulsor da consolidação do PCC. Além disso, também é possível compreender que a suposta inabilidade do Estado em combater o crime promove esse cenário favorável ao espraiamento da facção.
PCC e sua dinâmica social
—Somos fortes onde o inimigo é fraco” É a partir dessa expressão proferida pelo Comando que se inicia esta seção, na qual o inimigo é definido como o aparelho estatal como um todo (polícias, sistema judiciário, administração penitenciária, políticos, entre outros) e a fraqueza são, claramente, as negligências e arbitrariedades estatais. Nesse sentido, em que o Estado é percebido como parcial ou totalmente ausente, o PCC parece se fazer presente, não na ótica de um —poder paralelo”, mas antes um coletivo, um porta-voz da massa carcerária, para os familiares e para as quebradas17 (Dias, 2009). O PCC passou a ser o único meio de obter assistência e proteção, segundo Camila Dias (2009). Vale ressaltar que compreender o lado social da facção não significa consentir e dar legitimidade à ilegalidade de seus atos ilícitos, mas sim admitir que a assistência que presta aos apenados e seus familiares permite que experiências menos desconfortáveis sejam vivenciadas por estes ao lado da facção e não do Estado.
É válido abrir um parêntese antes de passar para a caracterização da dinâmica local. Para Adalton Marques (2009), a facção prisional não pode ser reduzida ao —aglomerado de membros e ações”. Deve-se compreender que se trata de um —conjunto singular de enunciados” com capacidade suficiente para determinar a paz entre os ladrões e fazer frente às injustiças e arbitrariedades cometidas pelo Estado. Nesse sentido, ressalta-se que o PCC não é a personificação de um sujeito ou da soma destes, antes, parece ser um movimento, uma ideia, um fenômeno amplo e complexo, como também bastante heterogêneo (Biondi, 2009). Além disso, possui capacidade de se manter presente até mesmo onde não há presença física de seus protagonistas, como supracitado no relato de Biondi (2008).
A dinâmica da facção não se restringe apenas no interior das cadeias, como já sinalizado, sua ética transborda os muros e rege também as condutas de muitos moradores das comunidades. Além disso, sua atuação não se limita somente aos corres — forma de ganhar dinheiro — como assaltos a bancos, carros-fortes, joalherias e condomínios de luxo, tráfico de drogas, entre outros (Jozino, 2017). Diante da perspectiva local, destaca-se a importância dos irmãos na resolução de conflitos entre os moradores, a qual se torna imprescindível para coesão social nas ruas. Segundo Biondi, as demandas recebidas pelos moradores são múltiplas, e compreendem das mais simples às mais complexas. Como podemos ver em seu relato a seguir:
Durante minha estadia na Favela Cadência, me impressionou o número e a variedade de demandas que chegam a Murilo. Um homem agredido, um carro mal estacionado, a mãe que se queixa pelo filho ‘usar drogas’, a vizinha que fala alto demais, o morador que não quitou a dívida no dia combinado... Todas essas demandas apareceram em um só dia (Biondi, 2014:58).
Seu caráter organizacional também abrange os familiares dos presos. Como a maioria dos presídios é distante dos centros urbanos, a locomoção no dia de visita fica quase inviável, seja por questões financeiras, seja por questões de logística. Com isso, as visitas buscavam transportes alternativos por serem mais baratos, e os donos desses meios lucravam, até 2003, cerca de 3,3 milhões por ano, transportando 1840 pessoas nos dias de visita. Esses transportes não ofereciam nenhum tipo de segurança aos passageiros, e inclusive muitas vezes ultrapassavam o número de vagas por ônibus, até o acontecimento de um grave acidente em 2002, deixando 18 mortos e 51 feridos (Jozino, 2017). A resposta estatal sobre o acontecido foi o pronunciamento do Secretário Nagashi Furukawa que afirmou, em entrevista coletiva, que o Estado não tinha responsabilidade de subsidiar e controlar o transporte de familiares de presos. Em contrapartida, o PCC assumiu a responsabilidade e a partir desse episódio passou a disponibilizar ônibus gratuitos com destino às penitenciárias (Jozino, 2017: 163). Ademais, parte do dinheiro arrecadado pela facção também se destina à compra de cestas básicas aos familiares mais desfavorecidos. Essas ações corroboram a percepção de que a inabilidade do aparelho estatal em lidar com os espaços privados de liberdade aos quais promulga, permite que brechas de poder sejam criadas e que as facções possam acolher os sujeitos marginalizados de maneira mais qualificada do que as instituições. Desse modo:
O idealismo é esse da solidariedade, do preso saber que existe muita injustiça dentro do sistema penitenciário e que o cara que tá lá, ele precisa de um apoio, ou jurídico ou pra família poder visitá-lo ou pra ele próprio poder sobreviver lá dentro, porque a alimentação geralmente é horrível, então, se ele depender daquilo, ele vai ficar anêmico, vai ficar doente, e se ele depender de remédio não vai ter. Então vai precisar de um apoio dessas pessoas que saem no sentido de quê? De uma colaboração que elas fazem, porque elas estavam lá e sabem como é, no sentido de dar condições financeiras, para que essas pessoas que estão lá, de alguma forma, subsistam de uma forma mais digna do que se não existisse essa ajuda (Marcola, CPI do Tráfico de Armas, 2006:31).
Nesse contexto, o PCC disputa, especialmente entre os mais pobres, a legitimidade nas esferas de justiça estatal, assistência social, segurança e renda do trabalho lícito. Isso diz respeito não só ao estabelecimento de atores extra-estatais como reguladores da dinâmica social, mas também como uma —consequência da cristalização de deficiências de garantia de direitos de uma parcela da população, ao longo de décadas” (Feltran, 2009). Em razão disso, embora a facção seja vista por determinados segmentos da sociedade como poder paralelo e, sendo assim, extremamente violenta por natureza, também parece ser percebida por outras parcelas como detentora da capacidade de produzir leis e procedimentos muitas vezes mais igualitários e justos a uma minoria excluída da sociedade. Isso porque muitas vezes se comportam de forma mais acessível às demandas populares (Biondi, 2006). Como resultado, não parece ser a facção que torna o direito oficial ilegítimo, mas ele próprio se deslegitima ao promover diversas rupturas sociais. Na medida em que há uma repressão estatal cada vez mais incisiva, tem-se uma relação diretamente proporcional com a necessidade dos sujeitos excluídos buscarem alternativas, e, como consequência, há maiores adesões aos coletivos prisionais (Biondi, 2006).
Excluído pelo Estado - recrutado pelo PCC
Ao tomar a prisão como lugar estratégico para o surgimento e consolidação de facções, deve-se ater que, desde o seu surgimento, o Estado faz a manutenção de seu fracasso (punir ao invés de ressocializar e manter as precariedades físicas). Como supracitado, parece ser benéfico para o aparelho estatal ter facções prisionais que garantam o bom funcionamento da prisão e a redução de homicídios extra-muros. Nesse sentido, vale inserir a perspectiva foucaultiana sobre a —delinquência útil”. Para Foucault (1987), a penalidade é uma forma de gerenciar as ilegalidades, fazer proveito dela, separando alguns, neutralizando e excluindo outros, e todos esses processos são regidos pelos mecanismos de dominação e controle. Nesse cenário, as precariedades físicas e morais no interior das cadeias não parecem ser uma crise do sistema penitenciário. Mas antes um projeto político, no qual, por sua vez, denuncia o Estado como produtor central da atual configuração do universo prisional (Dias, 2017).
A partir dessa reflexão, pode-se inserir o que Vera Malaguti (2002:63) salienta: —Se as prisões do século XVIII foram planejadas como fábricas de disciplina, hoje são planejadas como fábricas de exclusão”. A privação de liberdade confere grau exorbitante do sentimento de exclusão da sociedade, isso se acentua caso esse sujeito venha do —lado de fora” com inúmeros traumas. Muitas vezes os traumas predecessores a vida do apenado são familiares e sociais, e estes acabam por se aliar aos novos desencadeados pelas instituições penais. Erving Goffman (1974) ao tratar das instituições totais18 como o cárcere, ressalta importantes conceitos que auxiliam no entendimento da legitimidade do PCC, os quais são: o desculturamento, a desidentificação e a desmoralização dos apenados. Isso porque quando o sentenciado ingressa no sistema prisional, é submetido a diversos —rituais de admissão”, e a partir desse momento, seus direitos são violados. A perda de características individuais, como o nome ser substituído por um número, seu cabelo ser raspado, seus pertences recolhidos, é o que favorece na obtenção do aculturamento prisional. Por sua vez, passa a interferir nos hábitos, nas regras, opiniões e visões de mundo. Moldados a partir da experiência na vida dentro do cárcere, afeta de maneira diferente cada sentenciado, bem como revela o aprofundamento da vulnerabilidade perante a instituição.
Essas restrições costuradas com o sentimento de impotência do indivíduo não podem ser eliminadas. Contudo, para Gresham Sykes (2007), suas consequências podem ser amenizadas por uma organização informal e coesa. Dessa forma, quando o Estado fabrica a exclusão desses sujeitos, ele os põe à mercê das influências do PCC, o qual recruta e promove no grau de pertencimento, uma motivação para a existência destes (Dias, 2009; Braga, 2008). Isso porque o sentimento de pertencimento à causa, à família e ao movimento constituem importantes processos que garantem a coesão social. Cabe salientar que o sentimento de exclusão não acomete só os apenados (Biondi, 2006). Esse contraste garante ao sujeito conquistar uma identidade capaz de encorajá-lo e fazer frente às injustiças, e esse enfrentamento provavelmente não aconteceria em uma esfera individual (Braga, 2008).
Municiados com essas lentes, deve-se salientar que todo esse processo incide de maneira mais incisiva sob os presos que não recebem visitas e não possuem recursos materiais ou financeiros e, nesse sentido, não têm capacidade para pleitear seus direitos. Isso se deve ao fato de esses apenados serem mais suscetíveis ao que Donald Clemmer (1958) chama de prisionização. Esse processo corresponde aos efeitos da prisão sobre a identidade do preso, ou seja, quando o sujeito entra em contato com a cultura prisional, ele projeta dois aspectos, um positivo e outro negativo, os quais são, respectivamente: a construção de uma nova identidade e o rompimento com as referências anteriores à vida no cárcere. Vale ressaltar que, para Augusto de Sá (1998, apud Braga, 2008:44), o processo de prisionização envolve a desorganização da personalidade do detento, constituindo o empobrecimento psíquico devido à exclusão por parte do Estado e da sociedade, além da perda dos horizontes individuais, e a ascensão de sentimentos de inferioridade e de impotência. Ademais, Clemmer sustenta a existência de determinados aspectos que aceleram esse processo, tais como: duração maior da pena, as especificidades de sua personalidade e a interação com elementos do ambiente externo. Dentro desse contexto, o PCC emergiria como meio de inclusão desse sujeito oferecendo a eles, para além do poder físico e moral, o pertencimento à família.
É válido apontar que esse processo cria um ciclo sobre o qual a —máquina crime-segurança” não para de girar (Feltran, 2018). A coesão social advinda da ética do PCC também parece atuar de maneira funcional para o Estado , pois em alguma medida garante o controle sob as prisões, impondo uma disciplina rígida que não pode ser transgredida. Dessa forma, compartilhamos da mesma percepção dos autores, de que a imposição da —paz” entre os apenados é favorável para o aparelho estatal, pois garante a manutenção do encarceramento em massa, que, por sua vez, parece favorecer o fortalecimento da facção (Dias; Kuller; Brito; Gomes, 2015). Portanto, de certa forma, há uma relação de mutualismo entre o Estado e o PCC, que permite que índices como o de homicídios sejam reduzidos e o hiperencarceramento continue vigente, práticas que beneficiam à ambos.
Considerações finais
A escolha penal do Estado ao longo de duas décadas faz parte de uma questão levantada por David Garland (1999), que afirma que essa escolha tem o atrativo de criar a ilusão de que se está fazendo algo, mesmo que isso não funcione. A partir disso, tem-se uma série de práticas que fazem parte de uma política de controle, cujo o alvo é evidente: jovem, negro e periférico. Vale retomar que as práticas punitivas também são exercidas pela
21 NT: Podemos inserir nessa reflexão o reconhecimento e reação tardia do Estado frente ao PCC. Como única resposta adotada foi a criação de um regime disciplinar diferenciado (RDD) caracterizado pela utilização da tortura. Este, ao contrário do que se esperava (o suposto desmantelamento do PCC), favoreceu na dimensão do sentimento de rancor pelo cárcere.
sociedade civil e diversos profissionais que atravessam o universo penal. Essa estrutura ajuda a compreender tamanha legitimidade e a expansão das facções prisionais.
Como visto, o panorama pré-cárcere consiste no recrudescimento penal, na política de encarceramento em massa, na criminalização de certos sujeitos marginalizados, de territórios segregados, da negligência de assistência aos mais pobres e das abordagens violentas das polícias, aliados também às políticas de tortura dentro do cárcere e da negação aos direitos dos apenados. Todos esses elementos juntos constroem um quadro de despertencimento tanto estatal como social e, em contrapartida, a dinâmica social estabelecida pelo PCC parece surgir como um meio de conseguir proteção, assistência e construir laços de afetividade. Logo, a presença do PCC na maior parte das prisões paulistas, cerca de 90% das unidades, e em boa parte dos estados brasileiros, não se explica somente pela sua imposição de poder ou guerra com outras facções prisionais.
Nesse sentido, de acordo com Michel Misse, a criação do crime é possível não apenas pela ausência do Estado, mas também pela presença dele em determinadas circunstâncias. Diante da reação tardia por parte do governo e tendo como única resposta para o desmantelamento da facção ter sido a transferência de lideranças ou membros estratégicos do PCC, parece ser possível ver certas benesses também para o aparelho estatal. Isso porque com as leis do PCC sendo seguidas pelos seus discípulos, parece haver o bom funcionamento das prisões, ainda que sejam ambientes instáveis, com riscos de entrar em colapso a qualquer momento. De alguma maneira precária, as normas da facção conseguem manter a paz entre os internos. Desse modo, com algum nível de previsibilidade do controle dos conflitos entre os apenados, torna-se viável manter o encarceramento em massa vigente e cria-se um ciclo vicioso de desidentificação da vida em sociedade e consolidação dos laços internos da facção.
A existência das facções e suas redes de atuação ilícitas não possuem uma solução simples de contenção ou desmantelamento. Contudo, sabendo que sua origem e consolidação partem do interior do sistema penitenciário e sendo produto do recrudescimento e seletividade penal, bem como do encarceramento em massa, uma resposta, portanto, reside nessa estrutura. Desse modo, reduzir a hipertrofia carcerária e reconfigurar a gestão dos presídios cumprindo todos os direitos dos apenados parecem ser medidas fundamentais para interromper a (re)produção da violência nas e a partir das cadeias.
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Notas
1
Ver Zaffaroni (2017:5).
2
NT: De acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, atualmente há 176 unidades prisionais no estado de São Paulo. No período entre 2016 à 2020 houve a inauguração de 35 novas unidades. Só em 2019 foram 13 estabelecimentos penais inaugurados.
3
Segundo dados apresentados por Teresa Caldeira (2000:115), os crimes contra patrimônio (furto, roubo, latrocínio, entre outros) em meados de 1970 representavam 30% dos crimes registrados, em 1976 a taxa era de 1.187 por 100 mil habitantes, e pulou para mais de 60% em meados de 1980. A taxa alcançou 2.339 por 100 mil habitantes, como resultado a porcentagem passou a 69, 36% do total dos crimes em 1996. Os crimes contra a pessoa (homicídios, lesão corporal, entre outros) desde meados de 1980 também se elevaram, ainda que o número seja menor do que o primeiro, em 1994 a taxa por 100 mil habitantes dobrou (antes era de 412 por 100 mil).
4
Alves destaca na sua tese doutoral intitulada —A idiossincrasia da escolha punitiva: o hiperencarceramento brasileiro à luz do abolicionismo penal” (2018) que há o embrutecimento das leis para alcançar um número maior de sujeitos durante períodos históricos anteriores: —Entretanto as leis tornaram-se mais duras na Europa nesse período, e pequenos acontecimentos que antes eram tolerados já não escapavam mais às leis, passaram a ser percebidos como ‘delitos’ e, em contraponto a isso, a riqueza dos privilegiados só aumentava” (Foucault, 1983 apud Alves, 2018).
5
NT: Utilizamos aspas no termo destacado pois faz referência ao uso no senso comum.
6
NT: Expressão que faz referência às pessoas às quais são atribuídas as culpas alheias.
7
Ver reportagem de Thiago Domenici e Iuri Barcelos de 2019. [Consult. 12-07-2020]. Disponível em https://apublica.org/2019/05/negros-sao-mais-condenados-por-trafico-e-com-menos-drogas-em-sao-paulo/
8
Ver dados. [Consult. 09-09-2020]. Disponível em http://www.forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2019/06/Atlas_2019_infografico_FINAL.pdf
9
Termo que se refere ao membro batizado pelo PCC.
10
De acordo com dados do Infopen de 2016, cerca de 78% das casas prisionais brasileiras encontram-se superlotadas.
11
A decisão judicial seria o —requerimento da autorização para remoção de seis sentenciados que estavam no CRP de Taubaté para outros estados, reconhecendo que a atuação desses presos desestabilizava o sistema penitenciário” (Cristino; Tognolli, 2017).
12
O número das unidades rebeladas aumentou para 84 unidades prisionais (10 foram de fora do Estado de São Paulo), conjuntamente com 299 ataques a órgãos públicos, 82 ônibus foram incendiados, 17 agências bancárias foram atacadas, 42 policiais e agentes de segurança mortos e 38 feridos (Biondi, 2009:53).
13
Proceder faz referência ao comportamento do preso nas mais diversas relações dentro e fora das prisões, e isso tem implicações na harmonia do ambiente prisional.
14
Os primos são todos aqueles que se encontram em convívio — junto aos outros presos — nas cadeias do Comando, ou seja, basta seguir as normas da facção (Biondi, 2009; Feltran, 2018). Manso e Dias (2017) destacam que os primos podem ser uma posição anterior ao de ser irmão e, nesse sentido, é de extrema importância mostrar uma boa reputação e respeito a facção para ascender à irmandade.
15
Destaca-se o enforcamento para simular um suicídio e a morte por overdose, utilizando o —gatorade”, ambas são eficientes para a necessidade de punição e para desvincular dos dados de homicídios (Dias, 2009).
16
Presos típico da época que antecede a existência do PCC, caracterizado pela exploração financeira e sexual de outros presos (Biondi, 2009).
17
Quebrada é o termo que corresponde ao local de moradia [comunidade ou favela], atual ou passada, que se estabeleceu uma relação afetiva (Biondi, 2009).
18
Instituições totais são consideradas todas aquelas que, por distintos fins, isolam indivíduos, seja por questões sanitárias de quarentena, como faziam com os leprosos, seja por proteção exigida pelos serviços militares nas embarcações, ou ainda as religiosas, às quais os indivíduos se sujeitam, como mosteiros e clausuras, ou mesmo os sanatórios e presídios. Todas essas podem ser consideradas instituições totais, por mais que tenham objetivos distintos, todas se inserem nesse quadro de isolamento (Alves, 2018).