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Da Universidade operacional à Universidade empreendedora: reflexões sobre o avanço do neoliberalismo na educação superior brasileira
Alice Hübner Franz; Marcio Silva Rodrigues
Alice Hübner Franz; Marcio Silva Rodrigues
Da Universidade operacional à Universidade empreendedora: reflexões sobre o avanço do neoliberalismo na educação superior brasileira
From the operational University to the entrepreneurial University: reflections on the advancement of neoliberalism in Brazilian college education
De la Universidad operacional a la Universidad emprendedora: reflexiones sobre el avance del neoliberalismo en la educación superior brasileña
Simbiótica. Revista Eletrônica, vol. 8, núm. 1, pp. 53-85, 2021
Universidade Federal do Espírito Santo
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Resumo: O presente artigo visa discutir a emergência e o engajamento retórico do modelo da universidade empreendedora no contexto brasileiro a partir de um viés crítico. Parte-se do pressuposto de que o contexto político e econômico do país faz emergir um modelo, um ideal de universidade, que é colocado em disputa. Para a realização deste estudo, optou-se pela elaboração de um artigo de cunho teórico e reflexivo, fundamentado por um debate que inclui diversos aspectos relevantes advindos da

realização de uma revisão da literatura, a qual engloba aspectos sócio-históricos sobre educação superior brasileira. Como resultado, foi possível constatar, através das diferentes fases pelas quais a universidade brasileira já passou, que ela vem sendo paulatinamente reorganizada conforme os imperativos mundiais, entre os quais se verifica o avanço de um discurso instrumentalista e funcional, que pode ser vislumbrado a partir da disseminação do modelo da universidade empreendedora, sobretudo a partir de 2010.

Palavras-chave:Universidade empreendedoraUniversidade empreendedora,Educação SuperiorEducação Superior,NeoliberalismoNeoliberalismo,EmpreendedorismoEmpreendedorismo.

Abstract: This article aims to discuss the emergence and the rhetorical engagement of the entrepreneurial university model in the Brazilian context from a critical perspective. It starts from the assumption that the country's political and economic context gives rise to an ideal university model, which is put into dispute. To carry out this study, we opted for the elaboration of a theoretical and reflective article based on a debate that includes several relevant aspects arising from a literature review that encompasses socio-historical aspects of Brazilian higher education. As result, it was possible to verify that, through the different phases in which the Brazilian university has passed, it has been gradually reorganized according to the world imperatives, in which there is an advance of an instrumental and functional discourse, which can be glimpsed from the dissemination of the entrepreneurial university model, especially from 2010.

Keywords: Entrepreneurial University, College education, Neoliberalism, Entrepreneurship.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo discutir el surgimiento y el compromiso retórico del modelo de la universidad emprendedora en el contexto brasileño desde una perspectiva crítica. Se parte del presupuesto de que el contexto político y económico del país da lugar a un modelo, un ideal de universidad, que se pone en disputa. Para llevar a cabo este estudio, optamos por la elaboración de un artículo teórico y reflexivo basado en un debate que incluye varios aspectos relevantes derivados de una revisión de la literatura que abarca aspectos sociohistóricos de la educación superior brasileña. Como resultado, fue posible verificar que, a través de las diferentes fases en que la universidad brasileña ha pasado, se ha reorganizado gradualmente de acuerdo con los imperativos mundiales, en los que hay un avance de un discurso instrumental y funcional, lo cual puede ser visto desde la diseminación del modelo de la universidad emprendedora, especialmente a partir de 2010.

Palabras clave: Universidad emprendedora, Educación Universitaria, Neoliberalismo, Emprendedorismo.

Carátula del artículo

Artigo

Da Universidade operacional à Universidade empreendedora: reflexões sobre o avanço do neoliberalismo na educação superior brasileira

From the operational University to the entrepreneurial University: reflections on the advancement of neoliberalism in Brazilian college education

De la Universidad operacional a la Universidad emprendedora: reflexiones sobre el avance del neoliberalismo en la educación superior brasileña

Alice Hübner Franz
UFSC, Brasil
Marcio Silva Rodrigues
UFPel, Brasil
Simbiótica. Revista Eletrônica, vol. 8, núm. 1, pp. 53-85, 2021
Universidade Federal do Espírito Santo
Introdução

Historicamente, o desenvolvimento da universidade, no contexto brasileiro, sempre esteve marcado por um alinhamento às demandas econômicas e mercadológicas (Fávero, 2006; Sguissardi, 2005), porém, esse alinhamento, atualmente, tem se intensificado substancialmente. Intensificação esta que está diretamente relacionada às políticas de cunho neoliberais, que figuram no Brasil desde os anos de 1990, principalmente com a adesão do governo Collor (1990-1992) às recomendações advindas do Consenso de Washington, bem como com a realização da reforma gerencial do Estado no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) (Paula, 2005).

Além de políticas voltadas para a redução de gastos sociais, para a defesa de privatizações e para a diminuição da interferência do Estado na economia, neste contexto neoliberal há, também, mudanças de cunho organizacionais, as quais se caracterizam pela subversão da racionalidade administrativa que permeia as organizações estatais - incluindo as universidades -, que passam a se guiar pelo modelo gerencial, típico empresarial, como horizonte ideal a ser buscado (Cristofoletti; Serafim, 2017).

O que se observa atualmente, inclusive em governos mais à esquerda, é certa continuidade no que concerne à lógica neoliberal, sobretudo na construção das políticas direcionadas à educação superior, o que, consequentemente, influencia diretamente no dia a dia das universidades e nos discursos que circulam em seu contexto, fazendo que se intensifique, principalmente, uma visão economicista e empresarial nesse meio.

Dentre as principais implicações decorrentes das políticas neoliberais na educação superior que tem sido objeto de análise, destacam-se a tendência à privatização da Educação Superior (Neves, 2002; Sguissardi, 2005), a crescente incorporação de práticas gerencialistas nesse campo (Hypolito, 2008), o tratamento da educação como mercadoria ou como commodity (Rodrigues, 2007; Bianchetti; Sguissardi, 2017), entre outros tantos.

Ocorre que, ao longo de sua existência, o desenvolvimento da educação superior brasileira, em geral, e das universidades, em específico, tem sido marcado por tensões e contradições que revelam posicionamentos e visões conflituosos no que tange, sobretudo, ao papel que será desempenhado pelas universidades, às suas finalidades e à sua identidade (Esther, 2016).

Tal fato pode ser ilustrado através das diferentes fases, ou concepções ideais de universidade, pelas quais a universidade brasileira passou nos últimos anos, identificadas por Marilena Chauí (2001). Conforme salienta a autora, a primeira fase, a do modelo de universidade funcional, característica dos anos de 1970, é da universidade voltada ao mercado de trabalho, que forneceu formação rápida de mão de obra com alta qualificação ao mercado. Já a universidade de resultados, é o modelo de universidade dos anos de 1980, caracterizada pela expansão da presença de escolas privadas e pela introdução da ideia de parceria entre universidade pública e empresa privada. Por fim, a universidade operacional, típica dos anos de 1990, é o modelo de universidade produtiva e flexível, que está diretamente voltada para si mesma, “regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível” (Chauí, 2001:190).

Assim, a hipótese defendida neste artigo é a de que o contexto político e econômico do país faz emergir um modelo, um ideal de universidade, o qual é colocado em disputa. Um modelo de universidade que sintetiza tanto o contexto vivido quanto as demandas advindas do mercado naquele momento. No atual contexto, o modelo de universidade que tem sido colocado em disputa e que tem ganhado relevância, sobretudo a partir de 20101, é aquele que tem conferido às universidades uma orientação cada vez mais próxima à lógica empresarial, a saber: a universidade empreendedora.

Assim como o modelo de universidade operacional era nos anos 1990, bem como o modelo de universidade de resultados, nos anos 1980, e o modelo de universidade funcional, nos anos 1970, o modelo de universidade empreendedora é aquele que sintetiza o atual contexto de forte influência neoliberal2. Ao incorporar o adjetivo de “empreendedora”, a universidade passa a desempenhar um papel protagonista no que tange ao fomento e à disseminação do empreendedorismo como um mantra constantemente reproduzido, contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura centrada em critérios econômicos e em inovações. Uma grande ênfase passa a ser dada à ação individual do homem empreendedor em detrimento do coletivo, além de uma maior valorização do conhecimento aplicado e da produção de inovações e patentes, entre outros.

Em termos práticos, a universidade empreendedora se manifesta e pode ser vislumbrada através de diferentes formas no Brasil. Um dos exemplos mais recentes reside na criação da proposta do “Programa Universidades e Institutos Empreendedores e Inovadores -Future-se”3, que o atual governo lançou para as universidades públicas federais brasileiras. Outros exemplos são: o “Programa Talentos para a Inovação”4, iniciativa entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Instituto Euvaldo Lodi (IEL-NC) e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii); e o “Programa Doutor Empreendedor”5, iniciativa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado do Rio Grande do Sul (SEBRAE/RS).

Este é justamente o foco do presente trabalho: discutir a emergência e o engajamento retórico do modelo da universidade empreendedora no contexto brasileiro. Para tanto, optou-se pela realização de um artigo de cunho teórico e reflexivo a partir de um debate que inclui diversos aspectos relevantes advindos da realização de uma revisão da literatura que aborda o tema central deste trabalho.

Dentre alguns dos trabalhos já realizados no Brasil que se concentram no estudo da universidade empreendedora (Souza; Palma, 2010; Casado; Siluk; Zampieri, 2012; Andrade, 2014; Sá, 2014; Lorentz, 2015; Orsett, 2016; Morgades, 2016), esses se destacam por abordar e defender positivamente a sua importância. Assim, justifica-se o presente artigo por lançar um novo olhar para o tema que não refuta o que já foi até então produzido, mas que busca apontar questões que não foram abordadas ou que foram tratadas como evidentes pelos demais estudos, bem como por trabalhar o tema a partir de um viés crítico.

Diante disso, inicialmente, são apresentados e problematizados os principais conceitos de uma universidade considerada empreendedora, bem como as suas principais características. Na terceira parte deste artigo, discute-se a construção da universidade empreendedora lançando-se os olhares para o contexto brasileiro. Por fim, algumas considerações conclusivas são traçadas não com o intuito de esgotar a temática, mas de propor algumas reflexões acerca do que foi analisado neste trabalho.

Universidade Empreendedora: uma reflexão acerca dos principais conceitos e características

Com vistas a resgatar o que a literatura entende como sendo uma universidade empreendedora, busca-se, nesta seção, através de uma revisão dos principais autores, apresentar os conceitos fundamentais e as principais características associadas a eles e, a partir deles, realizar uma reflexão crítica acerca desse modelo de universidade. Antes, porém, pretende-se resgatar rapidamente algumas considerações contextuais que acabaram por impactar as políticas educacionais de modo geral.

O discurso da universidade, caracterizada como empreendedora, começa a ser desenhado em um contexto marcado por novas configurações sociais, especialmente ao se atentar para as modificações ocorridas a partir da segunda metade do século XX, próprias das sociedades “pós-industriais”, “pós-fordistas”, “pós-históricas” (Kumar, 1997). Edifica-se, portanto, um novo paradigma tecnológico, caracterizado pelo amplo desenvolvimento e disseminação de inovações tecnológicas e sistematizado ao redor do conhecimento, do processamento, da comunicação e da informação, típicos da chamada sociedade do conhecimento (Castells, 1999). Concomitantemente a isso, observa-se o crescimento rumo à globalização, a qual também tem imprimido mudanças mundiais no plano econômico, no plano político e no plano cultural da sociedade, impactando, principalmente, as políticas de caráter social.

Esses novos padrões globais, produtos da sociedade do conhecimento, da reestruturação econômica e da intensificação da discussão em torno da globalização, afloraram juntamente com a consolidação da dominação do já mencionado projeto neoliberal nas principais capitais ocidentais, construindo um terreno fértil e favorável ao surgimento e disseminação do modelo da universidade empreendedora, propagada como indispensável para atender as demandas da atual fase do capitalismo informacional e globalizado (Burbules; Torres, 2004).

Diante disso, cabe destacar que a universidade empreendedora é um modelo que resgata e renova o discurso da produção do conhecimento e do alinhamento das universidades com o processo de desenvolvimento econômico. Etzkowitz (2004), um dos mais aclamados autores que escreve sobre o tema, menciona que o pressuposto inicial, que visa sintetizar a crescente disseminação da universidade empreendedora, está relacionado à crença de que tanto as universidades quanto outras instituições produtoras de conhecimento estão se tornando cada vez mais centrais nos sistemas de inovação de diferentes países devido ao reconhecimento do potencial exercido por elas na geração de crescimento econômico.

À vista disto, percebe-se que se intenta construir uma justificativa que busca ligar a universidade e sua estrutura à sua contribuição para o incentivo da competitividade, frequentemente entendida como essencial ao desenvolvimento, conforme corrobora Dias Sobrinho (2005).

Tal fato pode ser vislumbrado também a partir dos escritos de Clark (1998), um dos primeiros autores a introduzir o conceito de universidade empreendedora, o qual a define como sendo aquela que busca inovar ativamente em sua forma de atuação, que busca promover mudanças em sua arquitetura organizacional visando um futuro promissor e que procura tornar-se uma universidade “stand up”, configurando-se como um importante ator. Para o autor, esse processo de construção de uma universidade empreendedora exige esforços voluntários que irão demandar muita atividade e energia, além da existência de riscos por serem adotadas novas práticas com resultados ainda desconhecidos (Clark, 1998).

Para Etzkowitz et al (2000) e Etzkowitz (2003), as universidades empreendedoras são aquelas que englobam em sua missão, além do ensino e da pesquisa, o desenvolvimento econômico e passam a atuar em prol deste. Segundo o autor, o movimento que indica a emergência deste conceito está relacionado com o que ele denomina de “segunda revolução acadêmica”6, a qual permitiu que as universidades passassem a ter, também, a missão de apoio ao desenvolvimento econômico e social. Assim, é com a incorporação dessa missão que surge a noção de “universidade empreendedora”, intimamente relacionada com a capacidade de asas universidades transformarem o conhecimento produzido através de pesquisas em atividade econômica, processo este denominado de “capitalização do conhecimento”7 (Etzkowitz, 2004).

Observa-se, a partir do exposto que, o que deveria ser tratado como uma consequência do ensino, pesquisa e extensão, tem migrado para um dos papéis essenciais que deve ser desempenhado pelas universidades, tal como é o caso do desenvolvimento. Se a economia e, principalmente as empresas são, cada vez mais, movidas pelo mantra do desenvolvimento econômico, as universidades, como produtoras de conhecimento, devem ser capazes de se inserir nesse movimento. Isso se dá em decorrência da concepção de universidade como uma instituição que não está descolada do discurso do mercado.

Com o processo de capitalização do conhecimento, o que se observa a partir de então, nas palavras de Etzkowitz (2004), é uma mudança de atitude, tanto do corpo decente como do corpo discente, no que tange aos resultados produzidos através da realização de pesquisas, bem como no desenvolvimento de diferentes mecanismos organizacionais que visam a transferência do conhecimento e da tecnologia gerados nas universidades (Etzkowitz, 2002).

Se tem, assim, um direcionamento do financiamento das pesquisas para a produção de inovação e, consequentemente, a estrutura organizacional das universidades se altera. Todos esses aspectos passam a ser defendidos como um processo natural que se inicia dentro da própria universidade. No entanto, é preciso mencionar que outras forças interferem nesse processo, como, por exemplo, as agências financiadoras e os organismos internacionais.

Para que os aspectos anteriormente defendidos por Etzkowitz (2002) se concretizem, o autor defende que a universidade deve definir uma direção estratégica, com a formulação de objetivos claros e com a transformação do conhecimento produzido em valor econômico e social, além de acreditar que a universidade é um lócus apropriado para a criação de inovações, tendo em vista a concentração de conhecimento e de capital intelectual existente.

Em geral, percebe-se a defesa de uma concepção de universidade que se torna, nos termos de Polanyi (2000), um acessório do mercado. Esse delineamento, além de repercutir no âmbito universitário uma forma de atuação proativa e multifuncional, que se refere à atuação empresarial, favorece e é utilizado como estratégia para que as universidades passem a dar atenção e a incluir, como um dos aspectos fundamentais de sua atuação, as contribuições em prol do desenvolvimento econômico centrado na valorização mercadológica e, sobretudo, empresarial.

Outrossim, a noção de universidade empreendedora, para Etzkowitz e Mello (2004), está intimamente relacionada ao modelo hélice tríplice, modelo este que defende que universidade, empresa e governo devem prezar por uma interação conjunta e dinâmica, a fim de melhorar as condições da inovação em uma sociedade que valoriza, cada vez mais, o conhecimento (Etzkowitz; Mello, 2004). Nesse modelo, a indústria se posiciona como lócus de produção, o governo como fonte das relações contratuais que garantam a estabilidade das interações e, por sua vez, a universidade como produtora de conhecimentos e de novas tecnologias (Etzkowitz; Mello 2004).

Tal fato reforça o delineamento da universidade como acessório de mercado e, quando se trata de relação universidade-empresa com o governo de intermediário dessa relação, um tipo específico de conhecimento é valorizado, ou seja, aquele que possa ser aplicável do ponto de vista prático, o conhecimento que pode ser transformado em valor econômico/comercial. Consequentemente, as áreas do conhecimento que se tornam relevantes são aquelas que possuem um viés mais técnico e voltadas à pesquisa aplicada.

Ademais, a partir dessa interação entre universidade-empresa-governo, uma das consequências que podem emergir, conforme aponta Velho (1996), é uma possível mudança em um dos princípios fundamentais que norteiam a produção de conhecimento científico, a saber: o seu caráter público. Diante disso, o conhecimento produzido através da utilização de recursos públicos passa a ser passível de ser “privatizado” a partir da sua transferência para o setor privado.

Ainda, a escolha dos principais assuntos a serem desenvolvidos nas pesquisas pode sofrer uma mudança no sentido de serem privilegiados temas que tenham potencial prático e que atendam as demandas específicas e pontuais do setor empresarial, ocorrendo uma progressiva submissão da universidade a este último setor.

Dentre as atividades defendidas pelos autores, as quais “impulsionam o desenvolvimento” e que refletem argumentos acima expostos, encontram-se: produção e comercialização tecnológica, criação de “spin-offs”, abertura de empresas, contratos, cooperação e consultorias para instituições externas, alocação de estudantes e membros universitários para outras instituições, uso de equipamentos e laboratórios universitários por outras instituições, networking e transmissão de conhecimento para o público não acadêmico (Andrade, 2014).

A partir desses exemplos, percebe-se que se defende uma série de mudanças organizacionais e estruturais nas universidades para que elas incorporem, progressivamente, práticas voltadas ao atendimento das demandas tecnológicas e inovativas empresariais. Assim, esse não é somente um modelo de universidade com características operacionais, nos termos de Chauí (2001), mas um modelo de universidade com uma orientação empresarial.

Etzkowitz (1998) argumenta ainda que, com a estruturação de uma universidade empreendedora no meio acadêmico, emerge um ethos empreendedor que resulta em novas normativas científicas. As normas que anteriormente condenavam o lucro no âmbito científico passam a sofrer alterações, permitindo que os cientistas objetivem, simultaneamente, a verdade e a lucratividade.

A passagem acima evidencia claramente o vínculo com o contexto neoliberal a partir da defesa do indivíduo empreendedor de si. Empreender torna-se a atitude desejada, o padrão ideal de conduta. Além disso, em meio a um contexto relacionado a um constante afastamento do Estado, no que tange ao provimento de políticas sociais, mesclado a um cenário de constantes transformações no mundo do trabalho, o empreendedorismo emerge como a grande solução.

Há, portanto, um entrecruzamento do discurso do empreendedorismo e do discurso da educação superior, o que faz com que as universidades contribuam para a reprodução e a legitimação de um padrão ideal de comportamento a ser praticado pelos indivíduos, baseado no eu empreendedor. Assim, as universidades tornam-se um dispositivo de formação social capaz de mobilizar as capacidades subjetivas dos indivíduos em prol da construção de um capital humano útil ao neoliberalismo.

Diante do exposto, percebe-se que o modelo de universidade empreendedora defendido se apresenta como um instrumento para nutrir a economia, tanto com inovações quanto com competitividade, por meio de diferentes mecanismo e recursos (Cristofoletti; Serafim, 2017). Ademais, fica destacada a centralidade dos pressupostos empresariais, manifestados tanto na linguagem utilizada na construção dos conceitos quanto no posicionamento que as universidades devem possuir em termos de ações e de configuração organizacional ideal.

Edifica-se, portanto, pouco a pouco, um modelo de universidade empresarial, ou seja, uma universidade que encontra no padrão da moderna empresa capitalista a sua base organizadora, sendo as suas contribuições econômicas mais exaltadas em relação às demais.

Cabe destacar que esse não é o único modelo de universidade existente, mas é um modelo que tem ganhado força e relevância em um contexto de intensificação do neoliberalismo, sobretudo nos países em desenvolvimento, nos quais a dimensão econômica e empresarial tornou-se ainda mais central, sendo o mercado o centro de sua razão, e a competitividade a palavra de ordem dessa trama (Dias Sobrinho, 2005). Conforme já foi apontado, a universidade, historicamente, esteve alinhada às demandas mercadológicas, porém, o que muda ao longo do tempo é a forma como essa interação ocorre, a sua intensidade e a extensão de sua inserção e interação com o mercado, sendo cada vez mais influenciada por essa “[...] lógica pró-mercado, pró-desburocratização, pró-sistema de avaliação utilitarista e quantitativo, pró-ranking, pró-valorização da relação IES-empresa, pró-flexibilização do trabalho, etc [...]” (Serafim 2011:247).

O termo capitalismo acadêmico, cunhado por Slaughter e Rhodes (2004), vem justamente criticar essa visão de universidade que se constitui calcada nos ideais mercadológicos e empresariais. Basicamente, dentro do contexto da globalização, do neoliberalismo e da nova economia, o termo refere-se à crescente movimentação das universidades e de seus atores em direção ao mercado, passando a incentivar e a adotar comportamentos de mercado e pró-mercado (Slaughter; Leslie, 2001; Slaughter; Rhodes, 2004). Ademais, ele visa explicar o processo de integração de universidades na nova economia, em que há uma transição de um regime de bem público de conhecimento/aprendizagem para um regime de conhecimento/aprendizagem capitalista acadêmico (Slaughter; Rhodes, 2004).

Para os autores, essa tendência crescente das universidades em se envolver em comportamentos de mercado na busca por receitas engloba o desenvolvimento de novas infraestruturas organizacionais, promove novas profissões e estruturas de emprego formal e formam novas redes intersetoriais, que acabam por atingir a identidade das instituições de educação superior e a forma como elas se relacionam com professores, funcionários e alunos. Dessa forma, Slaughter e Rhodes (2004) veem a ascensão de um regime capitalista de conhecimento/aprendizagem resultando em impactos para a sociedade em termos de acesso ao ensino superior, de produção de conhecimento acadêmico e de performance e equilíbrio da educação superior nas diferentes funções: culturais, econômicas, educacionais, políticas e sociais.

Embora a literatura acerca da universidade empreendedora tenha sua origem de desenvolvimento com foco no sistema de educação superior em países desenvolvidos, essa tendência pode também ser observada no âmbito das políticas educacionais brasileiras. Por ser um modelo de universidade idealizado, muitos dos aspectos mencionados na literatura não são encontrados em sua totalidade na prática, sobretudo no contexto de países como o Brasil, porém, ele acaba por exercer uma forte influência ideológica que se reflete na difusão de práticas que direcionam as universidades a uma maior aproximação do mercado e do desenvolvimento de inovações e de ações voltadas ao empreendedorismo.

Diante disso, torna-se igualmente relevante lançar os olhares para o contexto brasileiro e ilustrar as modificações históricas que têm influenciado a atuação e a incorporação de novas funções às universidades, até ela se constituir como uma universidade empreendedora.

O modelo de universidade empreendedora no Brasil: contexto e tentativas de consolidação

Na presente seção, pretende-se resgatar, de forma sintética, alguns dos importantes marcos que, juntos, formaram parte do cabedal histórico da educação superior brasileira, o qual vem sendo construído desde os anos de 1808, com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, até os dias de hoje. Destaca-se que não se pretende realizar uma análise exaustiva e detalhada de todos esses marcos, mas apenas sumarizar os mais importantes e evidenciar o panorama mais geral que contribuiu para que os elementos que compõem a noção de universidade empreendedora, lentamente e em um processo contínuo, se fizessem presentes nas falas, nas ações, bem como na forma de enxergar as universidades.

Do modelo de universidade funcional ao modelo de universidade de resultados (1968 a 1980)

Inicia-se esse histórico a partir da primeira reforma universitária brasileira ocorrida em 1968 (lei n° 5.540/1968), durante o período da ditadura militar, período em que a ideia de universidade se tornou mais fortalecida no Brasil.

Em linhas gerais, essa primeira reforma universitária ocorreu por trás de um discurso de “modernização” da universidade, colocando-a “a serviço da produção prioritária de uma nova força de trabalho requisitada pelo capital monopolista organizado nas formas estatal e privada ‘multinacional'” (Cunha, 2007:15). Além disso, instaurou-se um modelo tecnocrático-empresarial de universidade, indicando a racionalização (nos moldes tayloristas) de sua estrutura visando à diminuição de desperdícios, à redução de custos e a uma maior produtividade (Orso, 2007).

Ainda que a lei 5.540/1998 tenha sido afamada como a “lei da reforma universitária”, o processo de mudanças no âmbito da educação superior resulta da associação entre diferentes iniciativas, práticas e discursos anteriores, que não se restringem apenas a essa lei em específico (Minto, 2006).

Dentre os importantes vetores que influenciaram a realização dessa reforma universitária, destaca-se o acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID), que se configurou em uma série de convênios firmados entre essas duas esferas que visavam à realização de modificações na educação tendo como fonte de inspiração o modelo norte-americano, especialmente no que se refere à educação superior (Franzon, 2015). Além disso, podem-se citar o Plano Atcon, de 1966, o qual diz respeito a um documento que resultou de um estudo do consultor americano Rudolph Atcon a convite do MEC. O documento indicava a construção de uma nova estrutura administrativa universitária, que prezava por um modelo que tinha como princípios elementares o rendimento e a eficiência (Fávero, 2006), e o Relatório Meira Mattos, de 1967, relatório final de uma comissão especial presidida pelo General Meira Mattos, que tinha como proposta o fortalecimento do princípio da autoridade no âmbito das instituições de ensino (Fávero, 2006).

Outrossim, pode-se citar também os documentos do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), a Lei 4.464 (Lei Suplicy Lacerda), o decreto n° 53 de 1966, a fundação do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), chegando à criação do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU) (Rodrigues, 2013).

Em suma, pode-se dizer que essa primeira grande reforma da educação superior teve seu suporte político

[...] ancorado no regime militar e o teórico e ideológico no idealismo, quer em Jaspar e Ortega, quer no velho idealismo alemão de Hegel, Schleiermacher e Humbold, o modelo organizacional proposto para o ensino brasileiro foi o norteamericano, da universidade-empresa capitalista, racional, voltada para a produtividade; alterava-se o velho lema positivista da “ordem e progresso” para “segurança nacional e desenvolvimento” alinhado incondicionalmente aos Estados Unidos (Orso, 2007:79).

Dentre os aspectos importantes que passaram a figurar a partir dessa primeira reforma, destaca-se a expansão da rede de ensino superior privada no país, sendo apontada, inclusive, como o marco inicial do predomínio do setor privado nesse setor no Brasil. Além de ser nesse período que as universidades públicas passam a incutir o papel de desenvolver, de forma integrada, o ensino, a pesquisa e a extensão (Corbuci; Kubota; Meira, 2016). Criou-se nesse contexto, também, uma política nacional de pós-graduação, a qual contribuiu para a renovação do ensino superior no país (Martins, 2009). Dentro desse contexto, Leher e Silva (2014:6) afirmam:

[...] a reforma” universitária de 1968 esteve associada ao capitalismo monopolista sob a égide da heteronomia, erigindo um sofisticado aparato de fomento à ciência e à tecnologia que enredou de modo profundo o cotidiano da vida universitária com a racionalidade da universidade operacional, utilitarista, pragmática.

Assim, é nesse período que se consolida o modelo de universidade funcional, conforme denomina Chauí (2011), um modelo de universidade que serviu como “prêmio de consolação” dado à classe média, base de sustentação político-ideológica da ditadura militar, uma vez que a ela “foram prometidos prestígio e ascensão por meio do diploma universitário” (Chauí, 2011:189). Além disso, visando atender as demandas do mercado por mão de obra, a universidade funcional acelerou a formação de novos profissionais através da alteração dos currículos, programas e atividades (Chauí, 2011).

Do modelo de universidade de resultados ao modelo de universidade operacional (1980 a 1990)

Posteriormente ao fim da ditadura militar brasileira e com o início da Nova República, a nova Constituição Federal (CF) foi aprovada em 1988, instaurando alguns pilares fundamentais para a educação em geral, incluindo esta no rol dos direitos sociais garantidos aos indivíduos. Aspectos relacionados ao ensino superior não ficaram de fora da referida constituição, tal como pode ser vislumbrado a partir do artigo n° 207, o qual vem reafirmar aquilo que constitui uma universidade como tal: “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (Brasil, 1988).

De acordo com Durham (1989), a atribuição, na Constituição Federal, do princípio da autonomia das universidades relaciona-se diretamente ao reconhecimento da singularidade dessa instituição perante as demais instituições públicas. Entretanto, convém salientar que essa autonomia não deve ser confundida com soberania, fato que não exclui a existência de mecanismos reguladores por parte do poder público. Ademais, destaca-se que:

De todas elas [instituições públicas], a universidade é a única a gozar desse atributo, do qual necessita para o desempenho de suas funções. No caso das universidades públicas, cujos recursos vêm integralmente do Estado, a relação com os órgãos governamentais é mais íntima e mais estreita. Mas, mesmo assim, é necessário reconhecer a especificidade desta relação, que está implícita na caracterização da autonomia universitária. A autonomia administrativa e de gestão financeira, necessárias à autonomia didática e científica, colocam a universidade como uma instituição sui-generis (Durham, 1989:18).

Para Neves (2002), o referido artigo da constituição torna clara a fragmentação existente no âmbito da educação superior ao limitar apenas às universidades o dever relacionado à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, deixando brecha para a permanência de instituições (centros universitários, por exemplo) voltadas somente ao ensino.

No que concerne à ciência e tecnologia, a nova Constituição Federal atribui ao Estado a tarefa de incentivar “o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica” (Brasil, 1988). Diante disso, assim como no período da ditadura militar, o papel do Estado torna-se estratégico no que tange tanto ao fomento à pesquisa científica e tecnológica quanto à formação de recursos humanos capacitados nesse âmbito, além do apoio ao setor empresarial no que concerne às atividades em P&D (Lemos; Cário, 2013).

Segundo Lemos e Cário (2013), ainda que a ciência e a tecnologia não tenham se configurado como uma prioridade nacional, foi consolidada nesse período, uma importante estrutura que envolveu, dentre outros pontos:

[...] a criação de mecanismos de fomento e financiamento à pesquisa científica e formação de profissionais qualificados; a articulação entre pesquisa científica e tecnológica e setor produtivo, com o reconhecimento explícito de sua importância como estratégia para desenvolvimento; a formalização da importância das ações no campo da C&T no planejamento de governo, por meio da criação do Plano Brasileiro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBCT) na década de 70 e reeditado pelos dois governos seguintes e; a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) em 1985 (ibidem:8)

Esse é justamente o período que consagra o modelo da universidade de resultados, aquela que é “gestada pela etapa anterior, mas trazendo novidades” (Chauí, 2011:1989). Dentre essas novidades, destacam-se o aumento do ensino superior privado, que continuava a fomentar o sonho do diploma da classe média, e a introdução das parcerias entre universidades públicas e empresas privadas, as quais se dão através do fornecimento e da alocação de estudantes e profissionais em vagas de emprego e estágios, além do desenvolvimento de pesquisas que sejam de interesse das empresas (Chauí, 2011).

Do modelo de universidade operacional ao modelo de universidade empreendedora (1990 a 2010)

É a partir do final dos anos 1980 e início dos anos 1990 que ocorre, no Brasil, uma intensificação da aproximação da universidade com o mercado e com os ideais empresariais. Essa intensificação se dá justamente, pois é nesse período que os pressupostos neoliberais passam a entrar em cena no contexto brasileiro, ganhando terreno nos governos de Fernando Collor de Mello (1990-1992) e de Itamar Franco (1994-1995) e se fortalecendo no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)8 (Minto, 2006).

Assim como no período da ditadura militar, quando se pode observar uma série de influências externas, a implantação desse novo padrão de desenvolvimento, que passa a figurar nos países subdesenvolvidos, se dá a partir da influência direta de organismos internacionais9, tais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em linhas gerais, esse novo padrão de desenvolvimento caracteriza-se, fundamentalmente, pela introdução, cada vez maior, de capital financeiro e produtivo internacional na economia nacional, pela abertura às importações de bens e de serviços, pela concessão de subsídios estatais aos exportadores e pela desregulamentação das leis trabalhistas (Neves; Fernandes, 2002). Nesse sentido, os autores apontam o seguinte

A política neoliberal de educação escolar, quer na educação básica, quer na educação superior, passa a ter como objetivo fundamental contribuir para o aumento da produtividade e da competitividade empresariais, prioritariamente dos setores monopolistas, de capital estrangeiro. À escola brasileira na atualidade cabe, em boa parte, desenvolver competências para a execução de tarefas simples e complexas na produção, no aparato estatal e também na sociedade civil, que venham garantir a reprodução ampliada do grande capital. A educação superior, por sua vez, passa a ter como prioridades, a partir de então, capacitar a força de trabalho para adaptar a tecnologia produzida no exterior e conformar este novo trabalhador qualificado às novas exigências da cultura empresarial, especialmente no que tange à aceitação, como naturais, das desigualdades sociais, da competição acirrada entre indivíduos, grupos e classes e da perda de seus direitos, conquistados ao longo da História (Neves; Fernandes, 2002:26).

As universidades, portanto, passam a estar imersas em um contexto em que o público (Estado) é responsabilizado pelas crises, é ineficiente, é oneroso, é medíocre, enquanto o privado é sinônimo de excelência, eficiência, qualidade e equidade e, por sua vez, transformase no padrão ideal para o público, característico, principalmente, do governo de Fernando Henrique Cardoso (Frigotto, 1995; Torgal; Ésther, 2014), ainda que essas premissas pudessem ser vistas também nos dois governos anteriores. Com efeito:

Essa é a lógica que se pretendeu difundir e que, de resto, possui grande poder de convencimento, à medida que a imagem de modernização tecnológica, atendimento das necessidades de clientes, eficiência de processos e assim por diante, é frequentemente associada às empresas (Torgal; Ésther, 2014:199).

Nesse contexto, compete destacar a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei n° 9.394/1996) no ano de 1996 e seus posteriores decretos (n° 2.207/1997 e n° 2.306/1997) que, dentre outros fatores, instituíram que a educação superior poderia ser ofertada, tanto em instituições públicas quanto privadas, além de definir os tipos de instituições privadas (particulares em sentido restrito, comunitária, confessionais e filantrópicas) e flexibilizar a distinção entre as instituições de ensino superior (universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades, institutos superiores ou escolas superiores). Conforme destaca Cunha (2003), aprovou-se uma LDB “minimalista”, cujos efeitos fizeram-se surtir no ensino superior, tanto pelas suas omissões quanto pelas suas determinações.

Não obstante a isso, antes, durante e depois da aprovação da LDB, uma onda de normatizações fragmentadas foi sendo implementada, fazendo emergir o que alguns denominaram de uma nova reforma universitária feita “no varejo” (Cunha, 2003). Ainda de acordo com Cunha (2003), tais normatizações destinavam-se, em geral, ao acesso aos cursos de graduação, ao poder docente na gestão universitária, ao Conselho Nacional de Educação (CNE), à avaliação e aos formatos institucionais, dentre os quais se pode citar a lei 9.192/1995, a lei 9.131/1995, o decreto 2.026/1996 e o decreto 2.306/1997.

Nesse período, houve, também, um fortalecimento do quesito “avaliação”, a partir do qual as universidades públicas inseriram-se na nova lógica dominante, tendo seu desempenho avaliado de forma semelhante ao de uma empresa, vislumbrado a partir da lei n° 9.131/1995 e do decreto n° 2.026/1996 (Cunha, 2003; Rodrigues, 2016). A abertura de mercado, no início dos anos de 1990, favoreceu a vinda de grandes empresas multinacionais que trouxeram consigo um novo padrão de produção e, consequentemente, um novo modo de gestão (Ésther, 2012). Conforme argumentam Torgal e Ésther (2014:201),

Eficazes para as empresas, os novos padrões [de avaliação] passam a significar ‘o' padrão, uma vez que a lógica estratégica é a que traz os melhores resultados para os clientes. É assim que se inaugura um sistema de avaliação de resultado e de mérito, de modo a compensar os mais eficientes e eficazes, dentro de uma lógica organizacional empresarial.

Outra característica marcante do governo FHC foi a crescente expansão do ensino privado-mercantil, apresentando um expressivo aumento do número de instituições privadas destinadas à educação superior e ao seu correspondente alunado (Sguissardi, 2002).

Ademais, a partir da década de 1990, a formulação de políticas voltadas à área de ciência e tecnologia recebe uma forte influência dos modelos internacionais, especialmente daqueles desenvolvidos em países centrais, sendo enfatizado, portanto, aspectos econômicos e voltados à competitividade, relações entre universidade e empresa e práticas relacionadas à inovação (Marini; Silva, 2011).

Percorrendo a esteira desse cenário de intensas mudanças, destacam-se a lei n° 9.279 de 1996, que regula os direitos e obrigações no que concerne à propriedade industrial (Brasil, 1996), o projeto da lei de inovação tecnológica, bem como a criação, a partir de 1999, de fundos setoriais, caracterizados como instrumentos que visam financiar projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Sua implantação se deu na expectativa de que fossem fontes de recursos complementares para subsidiar o desenvolvimento de setores chave para o Brasil (Finep, 2018).

Em termos de diretrizes gerais, os fundos setoriais pautavam-se em:

Modernizar e ampliar a infraestrutura de C&T; promover maior sinergia entre universidades, centros de pesquisa e setor produtivo; criar novos incentivos ao investimento privado em C&T; incentivar a geração de conhecimento e inovações que contribuam para a solução dos grandes problemas nacionais; e estimular a articulação entre ciência e desenvolvimento tecnológico, através da redução das desigualdades regionais e da interação entre universidades e empresas (Bastos, 2003:240).

Em geral, pode-se dizer que, durante o governo FHC, houve um crescente descompromisso com as universidades públicas e com a pesquisa científica, sendo amplamente fomentada a interação das universidades com o setor produtivo para alavancar este último, sendo parte, inclusive, de sua política educacional. Ademais, com o gerencialismo figurando na esfera governamental, a partir da reforma do Estado, houve uma intensificação no âmbito das universidades da lógica que se encontra alicerçada em aspectos voltados à produtividade e eficiência (Ésther, 2016).

Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) (2003-2010), em 2002, houve certa continuidade das políticas de caráter neoliberais observadas, sobretudo, nas ações voltadas à educação e à ciência e tecnologia. Não obstante a essa continuidade do caráter neoliberal na condução das políticas de modo geral, as universidades passaram a assumir mais explicitamente o papel de agente de desenvolvimento (Ésther, 2012b).

Cabe destacar, ainda, que, assim como no período da ditadura militar e em 1990 quando podem ser observadas influências externas, as políticas formuladas para a educação superior a partir do século XXI foram fortemente influenciadas pelo processo de Bolonha, no qual, em 1999, vinte e nove ministros de diferentes países europeus “assumem como objetivos o estabelecimento, até 2010, de um espaço europeu de educação superior coerente, compatível, competitivo e atrativo para estudantes europeus e de países terceiros” (Lima; Azevedo; Catani, 2008:10).

Dentre as primeiras ações do novo presidente que impactaram na educação superior, destaca-se a sanção da Lei de Inovação Tecnológica (lei n° 10.973/2004). Tal lei “estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País” (Brasil, 2004). De acordo com Otranto (2006:24-25), com a aprovação dessa lei,

Os professores passam a ser os “empreendedores” e as instalações da universidade podem ser cedidas para uso das empresas, com ônus para o Estado. As pesquisas financiadas por mecanismos previstos nesta Lei, mesmo que desenvolvidas no interior das universidades, são sigilosas. Professores e alunos não podem comentar sobre elas. Isso fere a autonomia universitária como a conhecemos até hoje e como a defendemos, fundamentados no artigo 207. As pesquisas financiadas por mecanismos previstos na Lei de Inovação Tecnológica, mesmo que desenvolvidas no interior das universidades, são sigilosas. O professor envolvido na prestação de serviço poderá receber contribuição pecuniária da instituição na forma de “adicional variável” ou “bolsa de estímulo à inovação” (artigo 9°). Na prática, isso significa mais repasse de recursos públicos para o setor empresarial.

Outro relevante passo desse governo, que sinaliza a tendência à regulação, refere-se à instituição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) (lei n° 10.861/2004). O SINAES vem com o objetivo de guiar o processo de avaliação da educação superior, reforçando o papel regulador e controlador do Estado no que concerne às ações sociais (Otranto, 2006). Conforme salienta Otranto (2006), o SINAES cumpre com os objetivos de ajustar a avaliação da educação superior brasileira conforme os padrões propostos pelos documentos de organismos internacionais, caracterizados, principalmente, pelo forte cunho quantitativo e competitivo.

Além disso, ressalta-se a lei n° 11.079/04, que regulamenta as parcerias público-privadas, bem como a n° lei 11.196/05, conhecida como a “lei do bem”, que, dentre outros fatores, dispões sobre incentivos fiscais para a inovação tecnológica (Brasil, 2005a).

Cabe dar ênfase, também, às políticas voltadas à expansão do ensino superior no Brasil. O “Programa Universidade para Todos” (PROUNI) foi outro programa lançado pelo governo Lula e transformado em lei (n° 11.096/2005), o qual se destina “à concessão de bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais de 50% ou de 25% para estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos” (Brasil, 2005b). Tal programa se constituiu em um estímulo - juntamente a outras políticas e programas, tal como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) - à já crescente expansão do ensino privado, fomentando a comercialização da mercadoria-educação (Rodrigues, 2007).

Houve, também, grandes investimentos na expansão do setor federal de ensino superior através do “Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades” (REUNI) (decreto 6.096/2007). De acordo com Mancebo, Do Vale e Martins (2015), o REUNI constitui-se em um programa, que, através de contratos de gestão, marcados pela relação entre metas e repasses financeiros, visa expandir vagas, matrículas e cursos nas IES, certificando alunos em massa, flexibilizando e rebaixando cursos e intensificando o trabalho de professores para tal.

Em um balanço final do período que compreende o governo de FHC até o governo de Lula, revelam-se profundas alterações no ofício docente, relacionadas tanto à formação quanto à produção de conhecimento, intimamente atreladas a um ideário vinculado à economia de mercado, a qual minimiza os campos que o Estado atua, disseminando uma lógica racionalizadora de gastos públicos, baseado no fomento da interação entre Estado e mercado e transformando em serviços uma série de direitos e conquistas sociais inseridos dentro de um processo de intensa mercantilização (Mancebo, Do Vale e Martins, 2015).

É nesse período que se consolida o modelo da universidade operacional, uma universidade voltada para si mesma, produtiva e flexível. Caracterizada por possuir uma estrutura definida por estratégias e programas voltados à eficácia da organização e, por conseguinte, à particularidade e instabilidades de seus meios e de seus objetivos (Chauí, 2011). As normas e os padrões que a definem e a estruturam se distanciam do conhecimento e da intelectualidade, estando pulverizada em pequenas organizações que ocupam seus docentes e curvam seus alunos a demandas que fogem ao trabalho intelectual (Chauí, 2011). Assim,

A heteronomia da universidade autônoma é visível a olho nu: o aumento insano de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e doutorados, a avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios, etc. Virada para seu próprio umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a universidade operacional opera e por isso mesmo não age (Chauí, 2011:190).

Em outros termos, a universidade operacional relega a um segundo plano a formação e a pesquisa, dando maior ênfase a uma “fragmentação competitiva”, nos termos de Chauí (2011), ou seja, a pesquisa acaba por se deter em microproblemas, focada unicamente naquilo que se deseja intervir de forma rápida e eficaz (Chauí, 2003). A sua inserção nesse processo de fragmentação se dá, pois, encontra-se privatizada, produzindo pesquisas que atendam às necessidades daquele que a financia: o mercado (Chauí, 2003).

O modelo de universidade empreendedora: de 2010 à atualidade

Em 2011, assume a presidência do Brasil Dilma Rousseff (2011-2016), que, em linhas gerais, deu continuidade às políticas do seu antecessor. Dentro desse aspecto, destaca-se a continuidade da expansão da educação superior através do programa REUNI, cuja terceira fase foi anunciada em 2011 (Torgal; Ésther, 2014).

Destaca-se, também, durante o governo Dilma, a criação do programa “Ciências sem Fronteiras” (decreto n° 7.642/2011), o qual visava promover a mobilidade de estudantes, pesquisadores e professores para universidades, instituições de educação profissionais e tecnológicas e centros de pesquisas do exterior, com a intenção de formá-los e de qualificá-los em áreas consideradas prioritárias.

Outro importante fator dentro desse panorama refere-se à instituição do marco legal da ciência, tecnologia e inovação (Lei n° 13.243/2016), o qual “estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País” (Brasil, 2016).

A referida lei vem para selar, em definitivo, a aproximação entre público e privado no que tange às políticas de Ciência Tecnologia e Inovação. No âmbito das medidas inclusas nessa lei, inserem-se, em geral: a) a possibilidade de professores, que possuem regime com dedicação exclusiva, atuarem em pesquisas no âmbito de empresas; b) exime a obrigatoriedade da realização de licitação para a participação de entes federados e suas entidades como sócios minoritários do capital social de empresas que desenvolvem projetos da área científica e tecnológica; c) estabelece que a propriedade intelectual dos resultados seja das empresas; d) permite o compartilhamento de laboratórios, equipamentos, materiais e de capital intelectual de Instituições científicas, tecnológicas e de inovação (ICT) públicas com empresas ou pessoas físicas para fins de pesquisa desenvolvimento e inovação; e) incentiva o apoio de entes federados, de agências de fomento e de ICT públicas à criação, implantação e consolidação de parques e pólos tecnológicos, incubadoras de empresas e outros ambientes promotores de tecnologia e inovação; f) permite a celebração de acordos de parcerias entre ICT e instituições públicas e privadas que objetivem a realização de pesquisas e projetos de desenvolvimento de tecnologia, produto, serviço ou processo, entre outras medidas (Brasil, 2016).

Com a institucionalização desse marco, ele acaba por sancionar um discurso que há muito tempo paira sobre as universidades e que implica na disseminação, cada vez maior, da lógica empresarial na estrutura e no funcionamento de universidades. Consequentemente, alguns dos desdobramentos possíveis e prováveis poderão ser observados no âmbito universitário, os quais abrangem o crescimento da produção de conhecimento aplicável na produção econômica, reorientações curriculares de cunho tecnicista e pragmático voltadas a produções de inovações mercadológicas, a ampliação da hierarquização entre ciências duras e ciências humanas em virtude da necessidade de conhecimento aplicável demandado pelo empresariado, aumento da presença das empresas no direcionamento das agendas de pesquisas, subversão da concepção de docente e de pesquisador público para “criador”, “empreendedor” ou, ainda, “gerenciador”, o fortalecimento do discurso de financiamento das universidades pelos recursos empresariais, entre outros (Cadernos Andes, 2018).

Destaca-se, ainda, a alteração do Ministério da Ciência e Tecnologia para Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no ano de 2011. Conforme salienta o ministro da época, Aloizio Mercadante:

A agregação da palavra inovação à denominação de nosso Ministério não foi uma questão meramente semântica. Reflete uma opção estratégica, que construímos com a participação direta e ativa de nossas Secretarias e das Agências, Institutos de Pesquisa, Empresas e Organizações Sociais vinculadas ao MCTI (MCTI, 2012:12).

Dentre outras ações que expressam a importância dada ao aspecto da inovação nesse governo, podem-se citar o fortalecimento da FINEP através do aumento de crédito para financiamento da inovação, a consolidação do Sistema Brasileiro de Tecnologia (SIBRATEC), além da criação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII), cujo principal objetivo é a ampliação da articulação entre universidades, centro de pesquisas e empresas para o desenvolvimento tecnológico de cunho inovador (MCTI, 2012).

Em agosto de 2016, a presidenta Dilma Rousseff sofreu um processo de impeachment, assumindo a presidência seu vice-presidente, Michel Temer (2016 - 2018). Tendo como guia o documento “Uma Ponte para o Futuro”10, elaborado em outubro de 2015, o governo de Michel Temer trilha um caminho seguindo à risca as diretrizes neoliberais, “tendo como eixos principais a necessidade de reformas e do ajuste fiscal e a redução estrutural das despesas públicas” (Soares; Nobre, 2018:814). Uma das primeiras conquistas do governo foi a aprovação, no Senado Federal, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 55/201611, conhecida como a “PEC dos gastos públicos”, a qual institui um novo regime fiscal que congela os gastos públicos durante um período de vinte anos, trazendo impactos significativos, sobretudo, para as áreas da saúde e da educação (Rossi, Dweck, 2016).

Imersa em um complexo contexto, marcado pela combinação de uma crise econômica e também política, a educação superior, no governo de Michel Temer, foi diretamente impactada pelos cortes contínuos oriundos da esfera federal e de seus respectivos entes (Mancebo, 2017). Conforme descreve Mancebo (2018), dentre as principais consequências para as instituições de educação superior pública advindas desse contexto, percebe-se: a) o abandono da infraestrutura física dos campi, contemplando a suspensão de obras e o descaso com locais já existentes; b) o refreamento no que tange a expansão de cursos e vagas nessas instituições; c) a construção de estratégias que envolvem a desregulamentação e a afronta aos direitos trabalhistas; d) a priorização de atividades voltadas ao ensino - em detrimento da pesquisa e da extensão -, em virtude da necessidade de enxugamento das funções; e) a percepção de uma aceleração no que tange ao ensino, voltando-o às necessidades do mercado e/ou utilizando-se de modalidades de ensino a distância; f) cortes de recursos destinados à produção de conhecimento; e g) o questionamento quanto a gratuidade do ensino de graduação ofertado nesta esfera.

Outro importante marco desse governo refere-se à aprovação do Decreto n° 9.283/2018, que, dentre outras, regulamenta as já mencionadas leis n° 10.973/2004 e n° 13.243/2016, a fim de propor “medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo”, visando tanto à capacitação tecnológica quanto ao alcance da autonomia tecnológica e o desenvolvimento nacional e regional do sistema produtivo (Brasil, 2018).

Em linhas gerais, o referido decreto busca a flexibilização e a desburocratização no que tange a determinadas atividades voltadas à ciência, tecnologia e inovação, pois, conforme afirmação de Gilberto Kassab, Ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações da época, “a legislação vigente não permitiu a agilidade necessária para que o conhecimento gerado na academia pudesse ser melhor aproveitado pelo setor empresarial e pela sociedade” (MCTIC, 2018:4). Podem-se citar, dentre as regulamentações presentes no documento, a facilitação para a realização de transferências tecnológicas entre ICT públicas e o setor privado, o incentivo à construção de alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos conjuntos entre empresas, ICT e entidades privadas sem fins lucrativos, a instituição de que toda ICT pública deverá ter sua própria política de inovação, o aprimoramento de instrumentos voltados ao fomento da inovação em empresa através, por exemplo, da criação do bônus tecnológico, a simplificação da prestação de contas dando preferência aos resultados atingidos, entre outras (MCTIC, 2018).

Com o término do mandato de Temer, em 2019, assume a presidência Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil e, ao que tudo indica, até o fim de seu governo a educação superior deve seguir um rumo que fortalece ainda mais aquilo que Slaughter e Rhodes (2004) denominam de capitalismo acadêmico. Conforme análise de Calderón (2018), o próprio plano de governo do atual presidente preza por um modelo de universidade compatível com o da universidade empreendedora, principalmente ao defender que as universidades necessitam:

...] gerar avanços técnicos para o Brasil, buscando formas de elevar a produtividade, a riqueza e o bem-estar da população. Devem desenvolver novos produtos, através de parcerias e pesquisas com a iniciativa privada. Fomentar o empreendedorismo para que o jovem saia da faculdade, pensando em abrir uma empresa (Plano de Governo Bolsonaro 2019/2022, 2018:46).

Vale destacar, aqui, a recente proposta de projeto que institui o “Programa Universidades e Institutos Empreendedores e Inovadores - Future-se”12, que o governo federal lançou para as universidades públicas, o qual estava, recentemente, em fase de consulta pública. Em linhas gerais, o referido projeto preza por uma intensificação da mercantilização do conhecimento, por uma perda da autonomia universitária, por uma educação voltada muito mais para a profissionalização do que para a formação crítica e cidadã e por uma maior valorização do conhecimento pragmático e aplicado. Outrossim, o governo de Jair Bolsonaro tem realizado um processo de desmonte da educação superior pública brasileira a partir de cortes orçamentários, de cortes de bolsas de pós-graduação, da desvalorização das ciências humanas e de um ataque ao próprio caráter público das universidades (Ferrari, 2019).

Enquanto no período da ditadura militar o esforço se concentrava na construção de um modelo de universidade funcional, no período dos anos 1980 esse esforço passou a se concentrar na construção de um modelo de universidade de resultados e, nos anos 1990 e início dos anos 2000, momento de consolidação do ideário neoliberal, os esforços eram para construir um modelo de universidade operacional. O que ocorre a partir dos anos 2010, com o aprofundamento das políticas neoliberais, é um intenso esforço destinado a consolidar um modelo de universidade empresarial ou uma universidade empreendedora. Um tipo ideal de universidade que preserva características funcionais, de resultado e operacionais em termos de estrutura e de funcionamento, mas que incorpora em seu discurso e em suas ações o corolário empresarial que acaba por demarcar, de forma mais clara, as noções de eficiência, flexibilidade, produtividade e utilidade do conhecimento.

Diante do que foi exposto, pode-se constatar que o engajamento em torno da ideia de universidade empreendedora no Brasil é fruto de uma política de pequenos passos, lentamente construída ao longo de diferentes governos. Uma política que tem como premissa, ou ainda, que coloca em jogo a forma como devemos compreender a universidade e, consequentemente, o processo de produção do conhecimento. Em linhas gerais, no caso brasileiro, pode-se verificar a existência de um movimento crescente rumo à formulação de políticas que têm impacto no ensino superior, as quais estão direcionando, sistematicamente, as universidades a uma orientação mais empresarial, que, por seu turno, facilita a incorporação e a disseminação do discurso da universidade empreendedora pelas mais diferentes vozes.

É nesse contexto que, no ano de 2016, foi lançado pela Confederação de Empresas Juniores (Brasil Junior), em conjunto com outras organizações, um índice que elenca as principais universidades empreendedoras brasileiras, construído com o objetivo de dar novos estímulos à educação superior (Brasil Junior et al, 2016). Com edições também em 2017 e 2018, o índice denominado “Universidades Empreendedoras” possui um grande apelo moral e normativo, capaz de exercer forte influência no ambiente acadêmico, ao defender a aplicabilidade de um projeto de universidade em específico, ou seja, por difundir, em seu conteúdo, práticas, estruturas e ideais organizacionais voltados a um tipo-ideal de universidade, o qual assume o adjetivo de “empreendedora”. Além disso, por estar constituído na forma de um ranking, seu uso e, consequentemente, a sua reprodução acabam por priorizar aspectos de cunho quantitativos em detrimento de qualitativos, estimulam a competição entre instituições de ensino e incentivam um desempenho universitário que se espelha no modelo empresarial.

Assim, em linhas gerais, a partir da revisão histórica proposta nesta seção, pode-se perceber que nos últimos anos tem se acentuado a demanda para que as universidades contribuam e passem a atuar de forma proativa no processo de desenvolvimento, principalmente econômico, em virtude do reconhecimento da centralidade de seu papel na produção de conhecimento, tecnologias e inovações, o que acaba ocasionando a imposição de novos imperativos às universidades, ligados, sobretudo, à necessidade de se adequar ao discurso hegemônico emanado por muitos países centrais e defendido também por organismos externos. Tais imperativos recaem na disseminação de discursos que indicam a necessidade da remodelação da forma de gestão, do funcionamento e das estruturas organizacionais das universidades, as quais devem se aproximar, cada vez mais, das formas empresariais.

Diante disso, reivindicam-se universidades “ágeis, eficientes, inovadoras, produtivas e articuladas com o projeto da produtividade e da competitividade das indústrias do país” (Oliveira, 2013:10), reconfiguradas em prol do desenvolvimento, do empreendedorismo, das inovações, do mercado de trabalho, da tecnologia, cuja racionalidade deve acompanhar a racionalidade do campo econômico (Dourado, 2002).

Salienta-se, ainda, a visão que se construiu em torno da educação superior como uma importante ferramenta para a formação de recursos humanos demandados pela atual fase do capitalismo. A expansão do modelo empresarial para o âmbito das universidades impacta não somente nas suas práticas, na sua estrutura organizacional, na sua forma de atuação, como também impacta na formação de uma nova subjetividade nos indivíduos. Desse modo, as universidades devem formar para a competitividade, incentivando a qualificação constante dos alunos, o “aprender a aprender”, privilegiando a formação por competências, flexível, criativa e polivalente, auxiliando os indivíduos a conduzirem-se como empreendedores, ou ainda, como indivíduos-empresas (Laval; Dardot, 2016).

Enfim, o modelo organizacional ideal das universidades, historicamente construído e que hoje ganha relevância e que está em conformidade com os imperativos contemporâneos, é o modelo da universidade empreendedora.

Considerações finais

A partir do objetivo central proposto no presente trabalho, o qual busca discutir a emergência e a disseminação do modelo da universidade empreendedora no Brasil, foi possível constatar, através das diferentes fases pelas quais a universidade brasileira já passou, que ela vem sendo paulatinamente reorganizada conforme os imperativos mundiais, no qual se verifica o avanço de um discurso instrumentalista e funcional, que pode ser vislumbrado a partir do maior engajamento em torno do modelo da universidade empreendedora, sobretudo a partir de 2010.

Evidenciou-se, ademais, que existe um vínculo histórico entre universidade e economia e que um espaço de livre-saber no âmbito das universidades não passa de uma ilusão. O que mudou, com o passar dos anos, da universidade funcional à universidade empreendedora, é a forma como esse vínculo ocorre e o modelo de universidade que dele deriva. Isso se dá, porque o contexto político e econômico também se altera com o passar dos anos, e as universidades acabam sendo reflexo desse contexto, assim como das influências externas que se concretizam através de recomendações e acordos realizados com países considerados “desenvolvidos” e com organismos internacionais.

O que se intentou deixar claro, a partir do que foi exposto neste artigo, é que o modelo de universidade empreendedora é o modelo colocado em disputa, o qual reflete o contexto político e econômico atual. Um modelo de universidade que estreita o seu modus operandi ao empresarial, que estimula a competitividade e a eficiência em uma lógica de performance proativa, que fortalece a noção de autonomia (principalmente financeira), que potencializa a noção de produtividade em todos os setores e que preza tanto por uma estrutura quanto por uma atuação mais flexível.

Assim, a universidade estaria passando por mais uma de suas fases, a qual faz parte de uma tentativa histórica de consolidar, no Brasil, uma universidade acrítica, apolítica e essencialmente tecnificada, que vem sendo construída a partir de uma série de regulamentações, de políticas, de novas estruturas, de textos, de falas, de documentos e de diferentes relações, como se este fosse um processo natural de desenvolvimento.

Como resultado, constrói-se um modelo de universidade que possui uma base comum, a qual articula um conjunto de demandas e interesses ligados a um contexto neoliberal de constante afastamento do Estado no que tange ao provimento de políticas públicas voltadas ao emprego, à inovação, à educação etc.

Tem-se, portanto, um ideal de universidade, a qual é colocada como uma estrutura central para o desenvolvimento capitalista, seja como formadora de capital humano especializado, seja como impulsionadora de novos negócios ou, ainda, como um grande centro de geração de inovação e novas tecnologias. Nesse sentido, se vocaciona a universidade em prol do atendimento de aspectos tal como o da competitividade, da produtividade e da eficiência, bem como das expectativas “econômico-mercadológicas, favoráveis a uma ciência e formação instrumentais e úteis à produção e ao consumo” (Goergen, 2014:562).

Referências

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Notas

1

Assim como a atribuição de Chauí é arbitrária com relação ao período histórico, neste artigo a escolha do ano de 2010 para demarcar o engajamento retórico em torno do modelo de universidade empreendedora também o é. A escolha por esse período se deu pela percepção de que é a partir dele que se nota um esforço em materializar, através de instrumentos legais e normativos, uma série de aspectos que há tempos se intentava institucionalizar, relacionados, sobretudo, à interação entre universidade e empresas, produção de inovações e empreendedorismo nas universidades. Aspectos que estão em conformidade com aquilo que foi teorizado sobre universidade empreendedora, bem como com a perspectiva ideológica neoliberal. Dentre esses esforços, podem-se citar o marco legal da ciência, tecnologia e inovação (Lei n° 13.243/2016), a alteração do Ministério da Ciência e Tecnologia para Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a aprovação do Decreto n° 9.283/2018, que, dentre outras, regulamenta as leis n° 10.973/2004 e n° 13.243/2016, o Programa Universidades e Institutos Empreendedores e Inovadores - Future-se, entre outros.

2

Cabe destacar que, ainda que se tenha optado, neste trabalho, por se utilizar como norte as diferentes fases das universidades demarcadas cronologicamente por Chauí, entende-se que essas fases fazem parte de um processo contínuo, marcado por rupturas, mas principalmente por continuidades e intensificações ao longo do tempo.

3

Para mais informações ver: http://portal.mec.gov.br/busca-geral/12-noticias/acoes-programas-e-projetos-637152388/78351-perguntas-e-respostas-do-future-se-programa-de-autonomia-financeira-do-ensino-superior. Acesso em: 20 mai. 2020.

4

Para mais informações ver: https://www.capes.gov.br/bolsas/programas-estrategicos/programas-de-

inovacao/programa-talentos-para-inovacao. Acesso em: 20 mai. 2020.

5

Para mais informações ver: https://fapergs.rs.gov.br/edital-fapergs-cnpq-sebrae-08-2019-programa-doutor-empreendedor. Acesso em: 20 mai. 2020.

6

A segunda revolução ocorre no âmbito universitário entre o final do século XX e início do século XXI (Etzkowitz, 2004).

7

Para Etzkowitz (1998), a capitalização do conhecimento emerge no momento em que o empreendedorismo acadêmico entra em cena manifestando-se como uma extensão das práticas de ensino, de amadurecimento de práticas de transferência tecnológica. Esta capitalização do conhecimento passa a ligar mais rigorosamente as universidades aos usuários de seus conhecimentos, configurando-a como um ator econômico por direito próprio.

8

O receituário neoliberal no Brasil teve seu fortalecimento com a Reforma do Aparelho do Estado no Governo de Fernando Henrique Cardoso. É nesse contexto que o Estado passa a ser redefinido e suas funções são diminuídas. Ademais, passam a figurar no âmbito do Estado e, consequentemente, no campo da educação, práticas gerencialistas, típicas da chamada “nova gestão pública”, inspiradas, principalmente, nos moldes empresariais (Paula, 2005).

9

Nesse contexto, ganha destaque o “Consenso de Washington”, caracterizado por ser um conjunto de recomendação internacionais de cunho neoliberal para países da América latina e Caribe, que previam ajustes econômicos e reformas de Estado com o intuito de serem implantadas para que superassem as suas crises econômicas e caminhassem rumo ao crescimento (Salomé; Carvalho; Soares, 2017).

10

Disponível em https://www.fundacaoulysses.org.br/wp-content/uploads/2016/11/UMA-PONTE-PARA-O-FUTURO.pdf. Acesso em: 23 jan. 2019.

11

Na câmara dos deputados, PEC 241/2016.

12

Para mais informações sobre o Future-se ver: http://portal.mec.gov.br/busca-geral/12-noticias/acoes-programas-e-projetos-637152388/78351-perguntas-e-respostas-do-future-se-programa-de-autonomia-financeira-do-ensino-superior. Acesso em: 25 out. 2019.

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