ARTIGOS
Recepção: 30 Janeiro 2016
Aprovação: 02 Agosto 2016
Resumo: No presente artigo, abordam-se os matizes do atual comunismo na China e se apresentam os principais progressos conquistados no sistema educacional daquele país em busca de sua inserção na economia global. Foi realizado um estudo bibliográfico com doutrinadores especialistas na referida área, utilizando-se o método de abordagem dedutivo. Foi empregada também a técnica de entrevista. Constata-se que o regime comunista vigente atualmente na China apresenta peculiaridades ímpares, cujo resultado é um comunismo chinês próprio. Considera-se que um dos pilares dessa reformulação se encontra na abertura do sistema educativo, em investimentos expressivos, bem como na percepção por parte da população de que é necessária uma substancial aplicação familiar na educação.
Palavras-chave: China, educação, incentivo familiar, mercado de trabalho, ascensão social.
Abstract: This study aimed to demonstrate the nuances of the current communist China, and present the main progress achieved in the educational system of that country, aiming at the insertion in the global economy. We conducted a bibliographical study with scholars experts in that area, using the deductive approach method and interview technique. The communist regime currently in China has odd peculiarities resulting in a very Chinese communism. One of the pillars of this reformulation is the opening of the education system and significant investments, as well as in the perception by the population on the need for a substantial familiar application in education.
Keywords: China, education, family encouragement, job market, social ascension.
Resumen: Este estudio tiene como objetivo demostrar los matices del actual comunismo de China, y presentar los principales avances logrados en el sistema educativo de ese país, con vistas a la inserción en la economía global. Fue realizado estudio bibliográfico con doctrinadores expertos en la referida área, utilizando el método de abordaje deductivo, y empleada la técnica de entrevista. El régimen comunista actualmente presente en China tiene peculiaridades impares, resultando en un propio comunismo chino. Uno de los ejes de esta reforma se encuentra en la apertura del sistema educativo y de inversiones significativas, así como en la percepción por parte de la población de la necesidad de una sustancial aplicación familiar en la educación.
Keywords: China, educación, estímulo familiar, mercado de trabajo, ascensión social.
Considerações iniciais
É cediço que, hodiernamente, a China possui uma das economias que mais ascenderam mundialmente. Essa posição tem seu cerne nas mudanças liberalizantes ocorridas ainda nas décadas de 70 e 80 do século passado, as quais culminaram no ajustamento do país aos desígnios do mundo globalizado. É notório que o país, irrefutavelmente conhecido por ter um regime governamental guiado pelos preceitos comunistas, flexibilizou seu sistema, já que passou a proporcionar uma relativa abertura ao capitalismo e a consequentes investimentos estrangeiros.
Embora se vislumbrem alterações significativas no comunismo chinês, as quais viabilizaram o crescimento econômico do país, ainda se observa um alto índice de pobreza, sobretudo na zona rural, ao mesmo tempo em que persiste um forte controle estatal sobre os salários dos operários chineses e sobre as regras trabalhistas. Outrossim, diversos registros mostram que é irrefutável que a violação de direitos humanos faz parte do cotidiano da maior população do mundo. Todavia, para a maioria dos chineses, o futuro econômico é uma questão primordial, cuja discussão supera em importância as questões políticas.
Nesse diapasão, a educação irrompe como a grande prioridade das famílias chinesas, mormente diante da política oficial atual. Desde a década de 1980, até o ano de 2015, aos casais urbanos se oferecia a possibilidade de terem somente um filho, mas, em janeiro de 2016, esse número aumentou para dois, embora as acentuadas dificuldades financeiras provoquem a rejeição a esse segundo filho. Essa nova política implicaria uma maior responsabilidade familiar em proporcionar ao descendente um desenvolvimento educacional excepcional, de forma a lhe assegurar a inserção em carreiras economicamente promissoras. Diante disso, grande parte do orçamento das famílias chinesas é destinada, de maneira coadunada (pais e avós) aos investimentos com a educação, já que, na maior população do mundo, galgar um espaço valorativo no mercado de trabalho é uma tarefa laboriosa a ser principiada desde tenra idade.
Neste texto, serão abordadas as transformações recentes ocorridas no setor educacional chinês, sobretudo com relação à prioridade que as famílias passaram a atribuir aos investimentos educacionais de seus descendentes, tendo em vista a estabilidade financeira familiar em um cenário profissional de elevada concorrência. Questiona-se:quais as principais alterações apreendidas no sistema educacional chinês nos últimos anos, bem como na cultura de fomento à qualidade educacional propiciada pelas famílias daquele país?
Durante a pesquisa, foram utilizados técnicas bibliográficas e, com base no método de abordagem dedutivo, examinaram-se a doutrina, alguns artigos científicos e reportagens jornalísticas condizentes com o tema,. Os resultados foram organizados por meio do procedimento monográfico. Além disso,engrandecendo a pesquisa, foi realizada uma entrevista com um trabalhador chinês que atua e reside no Brasil. Em um primeiro momento, discutem-se, brevemente, as modificações introduzidas no comunismo chinês, destacando seu descerramento para as economias capitalistas mundiais. A seguir, são abordados os remanejamentos verificados no setor educacional da China, tanto na seara pública quanto privada, em face da abertura do país aos investimentos estrangeiros. Por fim, analisam-se o posicionamento e o incentivo familiar chinês para que a educação dos filhos se concretize com excelência e possa ser empregada como mecanismo de ascensão social e de estabilidade futura.
Percebe-se que, somando-se os investimentos do governo chinês e os esforços convictos da família chinesa no sentido da primazia educacional, desponta a efetiva disciplina dos jovens estudantes daquele país, uma vez que estes alicerçam seus objetivos em uma rotina regrada de estudos curriculares e extracurriculares, almejando, primeiramente, o triunfo acadêmico e, por consequência, o sucesso profissional. Ademais, o governo chinês parece ter descoberto que um dos pilares de sustentação de uma potência mundial é a formação de seu capital humano.
As nuances do Comunismo Chinês
São novos os tempos do Partido Comunista Chinês (PCC). O controle exercido pelo partido ainda é claramente vivenciado no cotidiano da população, que chega quase a um bilhão e meio de habitantes, mas esse mesmo partido enfrenta a premente necessidade de adequação à modernização, sobretudo diante da reorganização que, desde a década de 70, vige no país.
Não obstante o sólido controle sobre a liberdade de expressão com o fim de manter incólumes o Partido Comunista e o socialismo diante dos reflexos do ocidentalismo, alguns aspectos da civilização capitalista adentram o país, levando-o a se diferenciar dos modelos de governo observados no restante do mundo. Trata-se de um ‘comunismo chinês’, reinventado pela relação entre os alicerces do passado e a realidade hodierna da sociedade. O modelo próprio então resultante é assim compreendido:
Ainda há certa curiosidade sobre o que é o comunismo chinês. Para alguns, é um sistema repressivo e arcaico, que faz execuções de prisioneiros e tem sérios problemas éticos em lidar com o nascente capitalismo e os princípios democráticos. Para outros, é justamente um sistema firme, conservador, que pune devidamente os prisioneiros e que compete no mundo do capitalismo como se deve fazer. Mais do que isso, porém, o comunismo chinês é uma incógnita histórica e teórica. Suas inúmeras adaptações o fizeram ser entendido tanto como um pragmatismo necessário à cultura chinesa quanto um desvio ideológico preocupante (Bueno, 2014, p. 09).
Nesse aspecto, as reformas econômicas que o país vem atravessando desde o século passado aproximam-no sobremaneira de uma organização econômica com nuances capitalistas, já que o incentivo aos investimentos advindos do mercado externo se torna um dos meios propulsores da economia do país.
Contudo, não se pode olvidar que, ainda hoje, torturas e maus-tratos são práticas habituais na China, mormente com o intuito de fortalecer o domínio absoluto do governo diante de manifestações críticas de desrespeito aos direitos humanos. Embora ocorram pressões internacionais para que cessem os tratamentos cruéis, desumanos e degradantes considerados como prática comum de autoridades, poucos têm sido seus efeitos em face da solidez do Partido Comunista. Enquanto grupos pontuais encontram-se engajados em protestos contra o atual presidente Xi Jinping, que ataca categoricamente as liberdades fundamentais da sociedade civil, a maioria das famílias estabelece como prioridade a formação educacional de seus filhos, em manifesta atenção ao destino econômico de seus descendentes e pouca apreensão quanto ao futuro político do país (Jacobs & Buckley, 2015)
Assim, não obstante os caminhos tomados pelo Partido Comunista -- na liderança desde o ano de 1949, com a Revolução Chinesa --para se manter como único partido no Estado, a preocupação maior da população está direcionada para questões financeiras, muito mais do que para as questões referentes ao regime de governo. Isso se deve ao fato de que a amplitude gerada no mercado de trabalho desencadeia uma alta concorrência a ser enfrentada pela sociedade.
É visível o crescimento chinês no cenário econômico global após as reformas introduzidas desde a década de 80 no país, mas também é indubitável a discrepância socioeconômica existente na sociedade, principalmente quando se compara a população urbana e a rural. Ademais, as condições de trabalho tanto nas empresas chinesas quanto nas estrangeiras instaladas no país são vistas pelo mundo ocidental como precárias e como violadoras cabais dos direitos humanos (Yucing, 2013).
De tal sorte, a abertura do comércio da China com o mundo, com sua ambição por se tornar uma potência mundial e, relacionados a isso, os altos investimentos estatais atrativos ao capital estrangeiro, representou um grande avanço para a sociedade chinesa. Nesse processo, outras áreas passaram a receber destaque, como é o caso do setor educacional, sagazmente compreendido pelo governo chinês como um eficiente recurso em prol do crescimento da nação.
Depreende-se, portanto, que a sociedade chinesa tende a coadunar sua história, sua tradição e sua cultura milenar para estimular seu próprio progresso e desenvolvimento. Características como disciplina e obediência, traços reiterados nos chineses, contribuem para que o setor educacional atinja posições notáveis nos rankings mundiais, inclusive no que se refere à primeira infância (Ioschpe, 2012). Assim, a nação chinesa, ainda que sob um regime comunista liderado pelo PCC, vem caminhando a largos passos no sentido das fortes tendências econômicas do capitalismo. Ou seja, o posto de maior mercado consumidor do mundo é considerado um trunfo inigualável a ser galgado por meio do incentivo da qualificação - educacional e profissional - da população. O governo chinês passou a valorizar o setor educacional, tentando formar profissionais capacitados para ocupar as principais vagas de um mercado de trabalho em constante crescimento.
O atual sistema educacional da China
Em um espaço de tempo relativamente curto - em torno de trinta anos - o país apresentou um avanço sem precedentes, sobretudo no que se refere ao cenário de subdesenvolvimento em que vivia sua população. Assim, o governo chinês, com a perspectiva de que o sistema educacional qualitativo é o pano de fundo de uma nação desenvolvida, passou a inseri-lo entre os projetos primordiais a ser fomentados e executados por ele. Nos últimos anos, o montante destinado aos investimentos na área da educação foi em torno de 4% do PIB, o que, em um país de alto nível de produção, é extremamente significativo (Vieira, 2014).
Uma série de inovações foi implementada no ardor de contar com pessoas preparadas e com conhecimento suficiente para alavancar o desenvolvimento nacional. O investimento em professores capacitados para ministrar as aulas e também a busca pelo que há de inovador e promissor nos demais países e que poderia contribuir para o avanço educacional da China também vêm sendo utilizados na construção de um modelo de educação padrão. Há também a meritocracia, segundo a qual cada profissional é reconhecido por aquilo que produz de valorativo.
Aos investimentos governamentais soma-se a postura típica de disciplina e subordinação que forma o perfil básico dos estudantes chineses, o que contribui sobremaneira para a educação qualificada evidenciada no país. Percebe-se que os traços disciplinados dos estudantes, integrados com o ensino de qualidade, contribuem para seu êxito em questões e provas padronizadas de ciência e matemática. No entanto, quando se almejam profissionais dotados de criatividade, com pensamentos críticos e audaciosos, enfrenta-se um impasse, o que vem sendo cautelosamente sopesado pelas empresas multinacionais que estão operando no país (Barboza, 2011).
É inegável que os avanços e as conquistas na China podem repercutir nos demais países em desenvolvimento, haja vista a constatação de que, quando se prioriza a educação em um país, outros segmentos avançam conjuntamente, fortificando o solo para a formação de uma potência global.
A Educação em um cenário global
É possível constatar que, após as paulatinas mudanças evidenciadas em seu âmbito educacional, a China, de certa forma, descerrou-se para que os ensinamentos educacionais de outras partes do mundo adentrassem suas escolas, tanto no ensino básico, quanto no universitário. Essa política, batizada pelo governo de ‘internacionalização da educação’, torna possível que universidades estrangeiras- em sua maioria advindas da Europa e dos Estados Unidos - instalem filiais em solo chinês e também que alunos chineses realizem intercâmbios para as mais diversas universidades do mundo. Tudo, em razão dos acordos acadêmicos internacionais firmados pelo governo (Oppenheimer, 2011).
Nesse ínterim, os estudantes chineses passam a desfrutar de uma formação mais aberta, e não apenas os universitários: cada vez mais cedo,os jovens estudantes primários vêm desenvolvendo o estudo da língua inglesa e de outros idiomas, em um sistema de aprendizagem que prioriza a disciplina e a otimização do tempo. Eis o fomento à integração do país com o mundo, somando-se ainda o acesso da população à internet e a carga de informações recebida nas atividades curriculares e extracurriculares.
O atual modelo educacional chinês é dividido em três distintos níveis: o Elementary, do 1º ao 6º ano; Middle, do 7º ao 9º, e o High School, com duração de três anos, sendo que, na província de Xangai, há uma sutil alteração nas fases inicial e média: 5-4-3, ao invés de 6-3-3 (Ioschpe, 2011a). No que tange ao espaço físico, as salas de aula se assemelham às brasileiras, possuindo, no entanto, um projetor - data show para a utilização de slides durante as aulas, que são ministradas com exímia pontualidade, no afã de intensificar a aprendizagem. Ainda que as aulas tenham duração superior, se comparadas com as escolas do Brasil, a parte do estudo de crianças e jovens dedicada às atividades extraclasses (realizadas após o horário convencional escolar) é bem maior do que na maioria dos países, em consonância com os anseios inerentes à competição da sociedade, em busca das escassas vagas nas universidades.
Quando se observam os professores do setor educacional chinês, sobretudo em Xangai, o maior centro comercial, financeiro e educacional da China, depreende-se que um salário atrativo não figura, exatamente, nos tópicos explicativos do sucesso dos resultados auferidos pelos estudantes. Nesse aspecto:
Não há nada de especial na carreira de professor em Xangai. O salário não é exatamente atraente. Nos três primeiros anos de carreira, fica entre 30 000 e 40 000 iuanes por ano, ou algo entre 400 e 500 dólares por mês, quase metade da renda média salarial da região. Nessa fase, muitos professores recorrem a outros trabalhos para complementar a renda. Os melhores podem até dobrá-la dando aulas particulares ou em escolas de reforço. Os professores de nível médio recebem 72 000 iuanes por ano. Os melhores entre eles ganham 90 000. Os bônus por desempenho acima da média podem chegar a 40% do valor do salário. Mas lá, assim como cá, ninguém se torna professor pelo salário (Ioschpe, 2011b).
Por conseguinte, insta destacar o amparo destinado aos professores em exercício, por meio da integração e do compartilhamento de informações advindas de grupos especiais criados para auxílio recíproco, o que indubitavelmente contribui para que os profissionais estejam constantemente em aperfeiçoamento.
De mais a mais, infere-se que o mérito da educação destinada hoje aos estudantes chineses advém não apenas do conjunto de ações em diversas searas, mas primordialmente da compreensão governamental de que um ensino qualitativo é o pilar de uma nação com anseios desenvolvimentistas.
A Preparação Diante de um Mercado Competitivo
A China desponta como a maior nação populacional do mundo. Com tais características, detém um mercado de trabalho de altíssima concorrência. Dessa maneira, a preparação daqueles que almejam conquistar os melhores postos profissionais tem início desde tenra idade, com uma rotina de estudos que ultrapassa a grade curricular convencional e avança para atividades extraclasses, preenchendo um longo dia de dedicação aos estudos.
A abertura do país comunista para o resto do mundo repercutiu no desmedido progresso do setor educacional, uma vez que o estabelecimento de novas indústrias e de novos serviços implicou a carência de mão de obra especializada. A necessidade de supri-la levou aos avanços gradativos no ramo educacional e ao implemento das áreas de produção de conhecimento e tecnologia necessárias a tal desenvolvimento.
Hodiernamente, o leque de profissões plausíveis de ser ocupadas por um jovem estudante chinês é muito mais amplo se comparado com o da geração anterior. Os cargos públicos, anteriormente cobiçados pela maioria, cederam espaço aos serviços do setor privado, sendo tangível a possibilidade de se optar por uma profissão que atenda aos interesses de cada um.
Nesse diapasão, atingir a colocação que se deseja requer uma dedicação rigorosa, como bem acentua Wu:
A rotina educacional é bastante pesada, as pressões familiares para que você seja melhor do que seus colegas desde a educação básica faz com que você dedique todas as suas horas extras nos estudos, conquistando assim melhores notas e tendo as melhores universidades como opções (muito parecido com o sistema norte-americano). A China tem uma população gigante, então a briga pelas poucas ótimas universidades também é grande, não existe a possibilidade de você pensar que tem tempo para fazer qualquer outra coisa que não seja estudar (Wu, 2015).
Assim, em que pese uma viçosa corrente que julga excessiva a constante pressão sobre os estudantes chineses, os benéficos resultados obtidos solidificam a convicção de que esse é o mais salutar caminho para se instituir uma nação dentre as mais desenvolvidas do mundo. Ademais, toda a dedicação empregada no presente pelos jovens e disciplinados estudantes chineses lhes será auspiciosa, tanto a médio quanto a longo prazo, traduzindo-se em bem-estar social e econômico, não apenas para cada um deles, mas também para toda a família.
A eminente cultura de investimento familiar na Educação
As famílias chinesas há tempos tinham percebido que o progresso individual e familiar e também o da nação encontra guarida no desenvolvimento educacional de seus descendentes.
Ademais, é mister salientar que a Revolução Cultural1 instaurada no país deixara profundas marcas na população e que tais marcas são sentidas até os dias de hoje. A geração anterior de estudantes chineses - pais e avós da atual geração - por alguns longos anos tiverem tolhidos seus anseios de avanço na educação. Consequentemente, isso repercutiu na obstinação chinesa pela construção de um sistema educacional de excelência.
É nesse sentido que vai a lição de Oppenheimer:
As famílias chinesas investem a maior parte de seu dinheiro, e de seu tempo, na educação dos filhos. Segundo um informe do Sohu News citado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os gastos mensais em educação representam o maior desembolso das famílias chinesas, acima dos gastos com aluguel de suas moradias e das contribuições para sua aposentadoria. E, em virtude da política do governo chinês de não permitir mais de um filho por casal, o mapa familiar faz com que uma família típica conste de pai, mãe e quatro avós que - juntos - economizam para pagar os estudos do ‘pequeno imperador’ ou da ‘pequena imperatriz’ do lar e utilizam boa parte de seu tempo para melhorar a sua aprendizagem. (Oppenheimer, 2011, p. 153, grifo do autor).
De um lado, mesmo com os tons de uma civilização capitalista que, paulatinamente, adentram o território chinês, sua tradição cultural milenar se mantém consolidada, geração após geração. Tais circunstâncias fortalecem o engajamento familiar na busca de um futuro promissor para seu herdeiro ou herdeira: sacrifícios econômicos acumulados durante anos convertem-se em investimentos que ocasionarão a estabilidade do núcleo familiar.
Nesse aspecto, Kramer Wu salienta que as famílias que anseiam por bens materiais ou um futuro mais seguro optam por direcionar seus filhos para um nível de escolaridade mais elevado. Essa é a opção promissora da maioria das famílias, mesmo que tenham de comprometer parte significativa da renda (o que é similar ao Brasil) (Wu, 2015).
De outro lado, depois de aproximadamente 35 anos de rígidas regras de controle de natalidade, o país caminhou para uma flexibilização. Após a reunião do Comitê Central do Partido Comunista e posterior emenda à lei de planejamento familiar, a partir de 1º janeiro de 2016, os casais passaram a ser autorizados a ter um segundo filho (Hong, 2016). É bem verdade que tal posicionamento não significa a adoção de uma postura mais humanista diante dos episódios de manifesta crueldade vislumbrados nas últimas décadas2; o fato expressa tão somente uma reação ao rápido envelhecimento populacional e ao consequente decaimento da força de trabalho (Phillips, 2015). Contudo, segundo os especialistas, não se verificam grandes expectativas com essa concessão, uma vez que, no início de 2014, o relaxamento da política de controle de natalidade e a autorização para que determinados casais tivessem o segundo filho não provocaram os índices de natalidade almejados. A maioria dos casais apontou os elevados custos e as dificuldades financeiras como fatores decisivos para que a família rechaçasse a ideia.
Dessa forma, ampliam-se os investimentos e concentram-se os anseios em único herdeiro, não apenas para que este conquiste as melhores posições no mercado trabalhista, mas também para que propicie à família a estabilidade pretendida. Ademais, a educação familiar constatada em famílias chinesas - e, de certo modo, nas orientais em geral - engloba a disciplina rígida exigida pelos genitores previamente, o que se traduz em rijas cobranças, sobretudo, quanto ao desempenho escolar de seus filhos:
Ao contrário da mãe ocidental típica, que passa o dia carregando os filhos para cumprir uma agenda abarrotada de atividades esportivas, a mãe chinesa acredita que (1) os deveres escolares são sempre prioritários; (2) um A - menos é uma nota ruim; (3) seus filhos devem estar dois anos à frente dos colegas de turma em matemática [...] (Chua, 2011, p. 17)
Ainda que, na atualidade, a China viva inundada por ganhos na seara educacional, a exemplo da proximidade da erradicação do analfabetismo, da inserção de ferramentas como o smartphone e a internet para a otimização do aprendizado, do avanço social dos professores e da gratuidade na educação pública básica (já que, nos demais níveis escolares, até mesmo as escolas públicas são pagas), percebe-se que a concorrência pela conquista das melhores vagas no mercado laboral tende a crescer. Tal entendimento já é intrínseco à mentalidade dos estudantes iniciantes, os quais, logo cedo, assumem uma agenda de atividades condizente com discentes experientes, tudo em prol de uma promissora carreira profissional.
Como corolário das mudanças efetivadas na China, constata-se a percepção da população - cada vez mais embebida por uma carga de conhecimento e conectada ao mundo externo - a respeito da necessidade de mudanças em outras esferas correlatas da sociedade. Possivelmente, a transição de um governo comunista para um Estado democrático de direito não seja algo esperado para um futuro próximo, uma vez que, na educação, tão focalizada pelo atual governo, priorizaram-se os serviços para a gestão e a manutenção das leis estatais e também para servir aos investimentos privados que se introduziram largamente no país, tudo isso por intermédio de um conhecimento de cunho pragmático. De tal sorte, a educação civil restou obstada, havendo a convicção - pela grande maioria da população - de que as reformas incorporadas até o momento, representando tantos avanços para o país, efetuaram-se sob o regime autoritário do Partido Comunista Chinês (Tsai, 2015).
Nesse contexto, as famílias chinesas, por meio de esforços transcendentes, primam por ofertar ao seu descendente (único, para a maioria dos casais) uma educação excepcional. Esta é a vereda para a ascensão a uma vida promissora, independente das dissidências entre liberdades econômicas e liberdades políticas que permeiam muito mais o resto do mundo do que a própria China contemporânea.
Considerações Finais
O mundo, atualmente, reconhece na China uma nação em altivo desenvolvimento. Mesclando características típicas de uma economia aberta, o país, governado pelo Partido Comunista, é mantido por um sistema político ainda fechado. A censura e a carência de independência entre os poderes corroboram o comunismo instaurado no ano de 1949. Ademais, a taxativa violação dos direitos humanos ainda é um fantasma que assombra boa parte dos chineses, revelando um país distante dos preceitos instituidores de um estado democrático e garantidor de direitos individuais.
Diante disso, percebe-se que a China elegeu como questões prioritárias o desenvolvimento nas searas econômica e financeira para galgar um posicionamento proeminente no panorama mundial, contando com o aceite da maioria da sociedade, que labora, incessantemente, no desígnio de alcançar o êxito familiar. No intuito de inserir o país no cenário da economia global, o governo passou a promover significativas mudanças, precipuamente no setor educacional, que passou a ser fomentado por meio de políticas públicas em que alunos, famílias, professores, escolas e universidades foram alguns dos receptores de investimentos procedentes do projeto de nação.
Para alçar o país à posição hoje ostentada, o governo priorizou o desenvolvimento de áreas referentes à ciência e à tecnologia: a preparação de estudantes com conhecimento profundo nessas áreas passou a ser o foco prioritário de um planejamento de longo prazo. Além disso, com a abertura econômica, empresas exteriores do setor privado instalaram-se em solo chinês, o que, consequentemente, demandou profissionais capacitados. Entrementes, essa alteração no mercado de trabalho desencadeou a formação de uma concorrência sem precedentes, haja vista que, como o país tem a maior população do mundo, deflagrou-se a premente necessidade de, precocemente, os estudantes galgarem posições superiores às de seus colegas.
Nessa perspectiva, os grupos familiares chineses são uníssonos em asseverar que sacrifícios econômicos são imprescindíveis para assegurar o triunfo profissional e o futuro promissor dos filhos e da própria família. Ainda que o governo tenha, recentemente, autorizado os casais a ter o segundo filho, no intuito de reequilibrar o denso envelhecimento populacional, tal modificação política não tem gerado grandes perspectivas em razão das drásticas dificuldades financeiras que tolhem a pretensão de expansão familiar. De tal sorte, investimentos em boas escolas (em geral, até mesmo as públicas são pagas) são realizados conjuntamente com a contratação de professores particulares e cursos extensivos. Ademais, são diversas as universidades internacionais que oferecem diplomas em território chinês, sendo disputadas ferrenhamente pelos estudantes. Indubitavelmente, os resultados colhidos são aclamáveis, já que esses estudantes têm conquistado as primeiras posições nos principais testes internacionais que avaliam o desenvolvimento de discentes.
Contraditoriamente, ao passo que conhecimentos em áreas específicas e aprovação em testes pragmáticos são pontos fortes dos alunos chineses, a educação que desenvolve a criatividade e a liderança é secundarizada. Isso gera profissionais preparados para assumir funções singulares e carência em postos que exigem ações de comando. No entanto, esta é uma constatação das empresas estrangeiras e não representa uma preocupação da população e tampouco das famílias, que, com a compreensão de que é por meio da educação que se obterá o progresso, mantêm-se focadas em propiciar as melhores oportunidades aos seus descendentes.
Por conseguinte, nota-se que a população vem direcionando a atenção, ainda que lentamente, para os anseios de uma reforma política com vistas a uma democracia genuína. Decerto, tal ideia prefigura uma inquietude de cunho mais externo do que propriamente interno, uma vez que a obsessão dos chineses está assentada na educação.
Referências
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Notas